Debate na CDH sobre trabalho escravo doméstico reforça vítimas mulheres e pretas — Rádio Senado
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Debate na CDH sobre trabalho escravo doméstico reforça vítimas mulheres e pretas

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) realizou uma audiência pública nesta segunda-feira (6) sobre o trabalho análogo ao escravo no ambiente doméstico. A audiência faz parte do ciclo de debates sobre o Estatuto do Trabalho, relatado pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Palestrantes detalharam o caso de Sônia Maria de Jesus, resgatada no ano passado na residência do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis, após 40 anos de trabalho análogo à escravidão.

06/05/2024, 18h01 - ATUALIZADO EM 07/05/2024, 15h04
Duração de áudio: 04:22
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Transcrição
UMA AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE TRABALHO ESCRAVO DOMÉSTICO NA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS REVELOU RECORTE DE RAÇA E GÊNERO BEM DEFINIDOS, COM MULHERES PRETAS SENDO AS MAIORES VÍTIMAS. PARTICIPANTES TEMEM PRECEDENTES A PARTIR DO CASO DA TRABALHADORA QUE FOI RESGATADA E DEVOLVIDA PARA A CASA ONDE TERIA SIDO MANTIDA EM SITUAÇÃO DE ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA DURANTE 40 ANOS. REPÓRTER MARCELLA CUNHA A Comissão de Direitos Humanos discutiu nesta segunda-feira o trabalho análogo ao escravo no ambiente doméstico. A audiência faz parte do ciclo de debates sobre o Estatuto do Trabalho, que tem como relator o presidente do colegiado, senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul. Diversos palestrantes trouxeram o caso de Sônia Maria de Jesus, como sendo o mais emblemático. Em junho do ano passado, ela foi encontrada em condições de escravidão na residência do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Florianópolis, em uma operação feita por cinco órgãos públicos. Mas, após ter sido conduzida a uma instituição de acolhimento para iniciar um processo de ressocialização, o Superior Tribunal Federal autorizou que recebesse uma visita da família do desembargador. E então Sônia retornou para a casa onde viveu por quase 40 anos, desde o início da adolescência. O desembargador afirma que ela é parte da família e será incluída no testamento. A coordenadora do  Instituto Movimento Humaniza e ex-senadora, Ideli Salvatti, disse que há um certo coorporativismo do Judiciário para tratar a questão, que é carregada de simbologias sociais.  Não é um domicílio qualquer que teve durante anos uma mulher preta, surda, indocumentada, sem direito à educação e com vários problemas de saúde que não estavam sendo atendidos, isso ocorreu na casa de um Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, então, não é em qualquer lugar. Em 2017,  ocorreu o primeiro resgate de trabalho escravo doméstico no Brasil. No ano passado, foram 41 registros. Para o auditor Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, André Roston, esse é um problema de raça, classe e gênero muito bem definidos, com as muheres pretas sendo as principais vítimas. E é preciso cuidado e respeito ao direito das vítimas de violência doméstica a não ter contato com seus ofensores, declarou Roston. A gente precisa dar uma resposta à Sônia, mas o precedente para as próximas vítimas de trabalho escravo é desastroso para a política pública. Em 30 anos, a gente nunca enfrentou uma situação como essa: de se negar, de uma política pública negar às vítimas de trabalho escravo o direito ao resgate. Isso foi negado, agora, à Sônia... A gente corre um sério riscode que esse direito venha a ser sistematicamente negado às próximas vítimas. Roston também lembrou que a família Borba se referia a ela como funcionária em postagens nas redes sociais, que constam na investigação. Ele ainda lamentou que tenha sido negado a ela o ensino da Língua Brasileira de Sinais, aumentando a dependência, e a emissão do primeiro RG, feito quando tinha 47 anos de idade. Irmãos de Sônia participaram da reunião. A mãe dela faleceu após décadas à procura da filha. Segundo Marta de Jesus, a família segue sem informações e contato com a irmã. Um sofrimento que hoje é nosso também, porque a gente revive a história da nossa mãe. Porque a  gente não sabe onde a Sônia está. Especificamente, o que ela está fazendo, como está sendo tratada. O que sabemos e que ela está viva. É única informação que nos mãe não tinha. De resto a gente também não sabe? COmo que está lá hoje? O que está acontecendo? Como ela está sendo tratada dentro daquela casa? Durante a audiência, os palestrantes relembraram, ainda, o caso de Madalena Gordiano, que viveu por quase 40 anos em situação análoga à escravidão em Patos de Minas. A secretária Nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento, Laís Abramo, revelou que os últimos dados do Governo mostram que ainda existem hoje no Brasil 126.027 crianças e adolescentes no serviço doméstico no país. E esclareceu que as trabalhadoras domésticas serão grupo prioritário da política do Plano Nacional de Cuidados que está sendo elaborado. Atualmente, seis ministérios estão revisando o Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo, que orienta sobre as práticas de denúncia, planejamento, resgate e pós-resgate de vítimas. Da Rádio Senado, Marcella Cunha

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