Supremo impõe condições para julgar parlamentares

Da Redação | 19/11/2010, 16h11

Embora a Constituição Federal seja generosa na distribuição da prerrogativa de foro para autoridades, a Justiça tem puxado as rédeas para evitar a proliferação de ações com ponto de partida já nos tribunais superiores.

O Supremo já abriu mão de julgar, por exemplo, suplentes de parlamentares sem mandato. Em regra, o tribunal também desmembra os processos com vários réus para filtrar apenas autoridades com prerrogativa de foro (e os demais acusados são direcionados para as respectivas instâncias de origem). Foi o que aconteceu, por exemplo, no processo do mensalão mineiro, desmembrado de forma que apenas o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) responde perante o Supremo.

Uma das exceções a essa regra é o conhecido processo do mensalão no Congresso (Ação Penal 470). Com mais de 19 mil folhas e 170 anexos, ele investiga 39 réus detentores ou não da prerrogativa de foro pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. Geralmente, a manutenção de todos os réus no mesmo processo é justificada quando os ministros enxergam uma formação de vontade conjunta que dificultaria a análise de uma conduta sem ter como referência as condutas dos demais. Foi este o caso.

Renúncia

Outra decisão importante do Supremo diz respeito às renúncias, e tudo indica que o Supremo pode estar modificando seu entendimento nesses casos. Em dezembro de 2007, o tribunal resolveu baixar para a vara criminal da Comarca de João Pessoa (PB) o processo em que se investigava o então deputado federal Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) pela tentativa de homicídio contra o ex-governador da Paraíba Tarcísio Burity (PMDB), ocorrida em 1993.

Ronaldo renunciou ao mandato cinco dias antes do início do julgamento e perdeu o foro para que o processo fosse julgado a partir da primeira instância. Na época, sete ministros votaram pela remessa dos autos para o "juízo natural" da causa, embora cinco quisessem o julgamento no Supremo, por considerarem que a renúncia teria sido um "abuso de direito".

Curiosamente, um caso semelhante ocorrido em outubro indicou uma mudança no entendimento dos ministros do Supremo. Julgado por formação de quadrilha e peculato, o ex-deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) não só foi julgado pelo STF após sua renúncia - ocorrida na véspera - como recebeu a maior pena já aplicada a um parlamentar: 13 anos e quatro meses de prisão em regime inicialmente fechado, multa e restituição de R$ 1,6 milhão aos cofres públicos de Rondônia.

Os magistrados - por sete votos a um - entenderam que a renúncia dele seria uma manobra para evitar o julgamento e alcançar a prescrição da pena, em 4 de novembro. "É fraude processual", sentenciou a relatora, ministra Carmen Lúcia - que no caso de Cunha Lima tinha também votado pela competência do Supremo para julgar. O único a divergir foi o ministro Marco Aurélio, também coerente com seu voto anterior no sentido de remeter o julgamento para a justiça estadual.

- Por sermos guardiões maiores da Constituição Federal, não podemos aditá-la. Cumpre constatar o fato: não ser mais o réu membro do Congresso Nacional. Com a renúncia, cessou a competência da Corte, e a renúncia é um direito potestativo, devendo ser analisada dentro do direito de ampla defesa do réu - justificou Marco Aurélio.

Improbidade

A prerrogativa do foro vale, sem dúvida, para crimes comuns. Mas, como no caso de parlamentares que renunciaram ao mandato, o Supremo também tem mudado seu entendimento em relação ao julgamento da improbidade administrativa para autoridades com foro especial.

Em 2007, num placar apertado, prevaleceu o voto do ministro Nelson Jobim, que achava que atos de improbidade administrativa, se coincidentes com a descrição de crimes de responsabilidade, deveriam ser julgados pelo tribunal onde a autoridade tem foro.

Contudo, recentes entendimentos dos ministros da corte apontam que a peneira do STF está cada vez mais seletiva:

- Mesmo quando a tipificação do ilícito coincide com um crime de responsabilidade, processos por atos de improbidade administrativa contra autoridades que possuem foro privilegiado têm sido remetidos para as instâncias comuns por serem processos civis e não penais - informa o consultor do Senado Gilberto Guerzoni Filho.

De acordo com ele, ainda não existe uma jurisprudência pacífica do Plenário do STF sobre o que fazer com processos nos quais autoridades com foro são acusadas de improbidade.

Já houve casos, por exemplo, em que se decidiu que agentes políticos não respondem por improbidade uma vez que já estão submetidos à Lei 1.079/50, que tipifica os crimes de responsabilidade. Outra vez, a Corte entendeu que as condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade. A diferença entre improbidade e crime de responsabilidade é tênue, mas importante para determinar quem julgará o caso.

Parlamentares do Congresso, por exemplo, não têm relação direta com os atos de improbidade porque estes são mais relacionados à função executiva. Contudo, alguns são acusados desse tipo de ilícito por gestão anterior ao mandato parlamentar.

Na prática, então, deputados e senadores têm três foros distintos, dependendo do que são acusados. Em crimes comuns, pelo Supremo; em quebra de decoro - que na prática muito se assemelha aos crimes de responsabilidade -, pela Casa a que estão vinculados; em casos de improbidade administrativa, pelas instâncias normais da Justiça.

Milena Galdino / Agência Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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