Em pronunciamento no Congresso, Jango defende reformas de base

Da Redação | 11/12/2013, 12h41

João Goulart foi último vice-presidente da República a ocupar compulsoriamente a Presidência do Senado, princípio constitucional que vigorou do Império até o ano de 1961. Adversário político de Jânio Quadros, eleito presidente da República por outra coligação política, Goulart, em seu discurso no Senado, reafirmou a necessidade das "reformas de base na estrutura econômico-social do país", as quais dependeriam do "esforço conjunto do Poder Legislativo e da administração pública."

Segue na íntegra o discurso de João Goulart (*):

Há precisamente cinco anos, em igual solenidade, tive a honra de afirmar, perante esta Casa, os votos de lealdade aos deveres e cargos inerentes ao mandato que o povo brasileiro me outorgara nas urnas de outubro de 1955.

Venho agora, pela segunda vez, profundamente emocionado, reafirmar aqueles mesmos votos, ao dar início ao cumprimento de um mandato, cuja renovação, em expressiva manifestação da vontade popular, constitui para mim a mais confortadora e eloqüente prova de que tenho logrado corresponder à confiança dos que me elegeram.

O ato que presido é o mesmo de há cinco anos passados, na forma e no esplendor de seu significado democrático. Dois aspectos são, porém, profundamente diversos. O cenário da convocação já não é a gloriosa metrópole que por dois séculos foi a sede principal da vida pública brasileira, mas sim a jovem e já famosa Brasília, orgulho de uma nação, símbolo de uma revolução material e espiritual, cuja alvorada, iniciada em 1930, havia de encontrar na energia e no espírito empreendedor do presidente Juscelino Kubitschek a força realizadora de uma etapa decisiva de progresso.

O segundo aspecto revela uma transformação igualmente significativa. No espaço destes cinco anos amadurecemos politicamente, e o regime, que em 1955 se vira ameaçado antes e depois das eleições, consolidou-se definitivamente, permitindo que se realizasse, numa atmosfera de tranqüilidade e respeito às liberdades púbicas, o pleito em que a Nação escolheu seus governantes.

A este progresso político somou-se indiscutível progresso material, com a solução definitiva de muitos problemas de que dependia a marcha do desenvolvimento nacional, e o feliz encaminhamento de outros, para os quais já não será difícil encontrar no futuro as soluções adequadas.

A política de desenvolvimento econômico abriu perspectivas seguras para novas e fecundas lutas pela emancipação nacional através das quais conseguirá o nosso povo libertar-se dos resíduos do colonialismo e preservar os frutos do seu próprio trabalho, integrando na comunhão nacional a grande massa dos menos favorecidos, liberada das injustiças e das desigualdades que anulam a confiança do homem em si mesmo e impedem o advento de uma verdadeira democracia social.

É certo que o esforço realizado para vencer, em curto prazo, as etapas do desenvolvimento, custou ao país pesados sacrifícios, mas estes se acham sobejamente justificados pela importância dos resultados alcançados. E o povo brasileiro tem sabido compreendê-los como uma contribuição que as gerações de hoje realizam em benefício das gerações de amanhã.

O Poder Legislativo tem elevada missão a realizar na consolidação desses resultados e, sobretudo, na adoção de medidas que garantam às classes médias e às classes trabalhadoras uma participação crescente nos benefícios do enriquecimento nacional, pois só a melhor distribuição da riqueza e a progressiva eliminação das desigualdades sociais poderão assegurar a efetiva paz social.

A técnica moderna já se revela capaz de eliminar não apenas os grandes males físicos, mas também os males sociais, dos quais o maior de todos é a miséria. E para isso são necessárias reformas de base na estrutura econômico-social do País, pelas quais temos reclamado reiteradas vezes, e que dependem de esforço conjunto do Poder Legislativo e da administração pública.

Senhores Senadores, no desempenho do meu mandato anterior, procurei assumir sempre o patrocínio das causas populares, colocar-me ao lado dos trabalhadores e dos humildes, e defender os princípios nacionalistas e os ideais de reforma social legados ao meu Partido pela palavra e pelo exemplo do imortal presidente Getúlio Vargas.

Nessa atitude e nessa linha de conduta espero preservar com redobrado zelo, no fiel cumprimento do mandato que hoje se inicia.

Não ignoramos que o próprio crescimento da produção industrial e a maior circulação da riqueza criaram problemas novos, que assumem o aspecto de verdadeira crise, mas entendemos que a solução desta terá de ser encontrada sem que se venham a impor os principais sacrifícios justamente àqueles setores da população que, por viverem do fruto do seu trabalho, estão menos capacitados para suportá-los

Do mesmo modo, é indispensável que as dificuldades de hoje não dêem pretexto, em caso algum, para debilitarmos a política nacional, a que temos sido fiéis, na defesa das riquezas do país.

Mas, senhores senadores, assim como o vice-presidente da República não desertará um só instante de sua posição de combate, em defesa das classes populares e dos princípios que inspiram a luta pela emancipação nacional, também não faltará ele aos seus deveres paracom o Poder Legislativo, especialmente, para com o Senado Federal, hoje, mais do que nunca, depositário de tão grandes responsabilidades para com o país.

Permiti-me, senhores senadores, confessar neste momento quanto devo ao Senado. Aqui cheguei, há um lustro, jovem ainda, e foi no equilíbrio moral desta Casa, no seu ambiente de serenidade e civismo, de meditação desapaixonada e de controvérsia, não raro intensa, mas sempre elevada, que completei, se assim posso dizer, a minha formação política.

Sou grato a este alto Conselho da República, e estou convencido da grandeza do seu papel no regime que praticamos. Este papel é completado, harmoniosamente, pela Câmara dos Deputados. E as duas instituições, unidas, têm cumprido e continuarão certamente a cumprir uma grande missão histórica, representando, na diferenciação das correntes partidárias, o peso real da opinião pública brasileira.

Senhores senadores. Não tive a satisfação de ver eleito o meu companheiro de chapa, o eminente marechal Henrique Teixeira Lott. Faltaria a um dever de lealdade e sinceridade se, neste momento, não lhe rendesse daqui as minhas homenagens e não manifestasse, perante a Nação, o meu apreço pela sua personalidade de homem público e pela magnífica pregação de idéias por ele realizada, em sua memorável campanha.

Não fui companheiro de legenda do presidente Jânio Quadros mas, quero formular os votos mais sinceros para que ele governe com acerto, e para que Deus o inspire no cumprimento dos inúmeros e patrióticos compromissos que assumiu com o povo do Brasil, especialmente com os trabalhadores, em sua vitoriosa jornada.

Sem prevenções de qualquer espécie, mas interpretando no cargo que recebi das mãos do povo as idéias que me valeram a honra da reafirmação de sua confiança, dou hoje início ao desempenho do meu novo mandato, no firme propósito de bem servir a esta Casa de defender sem vacilações as altas prerrogativas do Poder Legislativo, e de continuar emprestando toda a minha colaboração - a mais leal e a mais decidida - para a conquista das justas reivindicações populares.

(*) Discurso pronunciado pelo vice-presidente da República João Goulart (PTB-RS), como presidente do Senado, em 1º de fevereiro de 1961, 41ª Legislatura, 3ª Sessão Legislativa.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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