Livro dos Heróis da Pátria tem hoje apenas dez nomes

Da Redação | 20/03/2009, 16h20

É um clube seleto, heterogêneo e exclusivamente masculino, mas pode muito em breve ganhar pelo menos uma dezena de novos integrantes, entre eles mulheres. O Livro dos Heróis da Pátria, que repousa no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, tem hoje apenas dez nomes inscritos em suas reluzentes páginas de aço, todos nascidos quando o Brasil ainda era, pelo menos, Império. No início do mês, a Comissão de Educação do Senado aprovou projeto que insere o nome do ex-presidente Getúlio Vargas no livro, reativando a discussão: afinal, o que dá a um vulto histórico a dimensão heróica? Ou, como lembram os historiadores, vale a pena cultuar heróis?

O dramaturgo alemão Bertolt Brecht cunhou a frase "Infeliz o país que precisa de heróis". Mas todos os países têm os seus. Os americanos cultuam a memória dos seus chamados founding fathers (pais fundadores), como Thomas Jefferson e Benjamin Franklin. Um Panteão em Paris abriga os restos mortais de célebres franceses como Voltaire e Victor Hugo. As guerras são pródigas em produzir heróis (conforme o lado que se vê e dependendo de que lado você esteja). Mas, hoje, até este conceito - em um mundo onde o terrorismo sem face é muitas vezes o maior adversário de uma nação - perdeu essência.

O modelo brasileiro, de seleção de heróis por meio de projetos de lei, não tem paralelo em outros países. Em geral, o status de herói - aliás, duramente criticado pela historiografia contemporânea - é alcançado por meio do tempo e pelo reconhecimento do povo. No caso mais recente, da indicação pelo senador Marconi Perillo (PSDB-GO) de Getúlio Vargas para integrar a lista, entra em cena outro aspecto do debate: afinal, os "heróis" precisam ser "perfeitos", à imagem dos personagens mitológicos como Hércules e Aquiles?

- Se o fossem, teríamos que reescrever a história do Brasil. Esta postura só revela a ignorância sobre a competente historiografia que vem sendo realizada em nossas universidades, que traz à tona não "heróis" cuidadosamente maquilados, mas atores históricos de carne e osso, interagindo com os diferentes momentos políticos, a sociedade, a economia e as mentalidades de uma época - diz a carioca Mary Del Priore, autora de livros e professora de pós-gradução em História.

Ela ensina que, para se sair da vida e entrar na história - como disse Getúlio em sua famosa carta-testamento -, é preciso descartar as representações falsas e estereotipadas sobre os atores históricos, adaptando-as às imagem dadas pelas pesquisas mais recentes.

Não é assim, todavia, que os congressistas encaram a questão. Além dos quatro nomes já aprovados e aguardando inclusão no Livro dos Heróis da Pátria, há quase duas dezenas de projetos propondo novos candidatos, inclusive, e por uma questão de justiça, também mulheres (Maria Quitéria, Ana Néri e Anita Garibaldi). Até hoje, o único projeto do tipo a receber parecer desfavorável por causa do mérito foi o que indicava o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos.

Nada contra o músico, como justificava a princípio o relator, deputado federal Paulo Lima (PMDB-SP), mas contra a própria ideia de criar heróis.

- Ao privilegiar o culto à figura do "herói nacional", criou-se, no imaginário coletivo da população brasileira, aideia de que a solução para nossos inúmeros problemas sociais depende, única e exclusivamente, da ação isolada de um homem/mulher. A historiografia contemporânea considera que todos fazem a História, ou seja, todos somos sujeitos históricos - ensinava o deputado.

Porém, ele acabou elaborando um segundo parecer, totalmente diverso do primeiro, onde destacava a carreira e a obra de Villa-Lobos e defendia a aprovação da medida. De todo o modo, o projeto acabou arquivado porque o maestro faleceu em 1959, estando, à época, fora da regra dos 50 anos.

Sylvio Guedes / Jornal do Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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