05/08/2015 - 61ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Com a chegada dos nossos convidados, declaro aberta a 61ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião se destina à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 100, de 2015, de autoria do Senador Telmário Mota, para debater o "Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2014", com foco, também na PEC 215, de 2000, que trata da demarcação das terras indígenas e também fala sobre a Encíclica Verde, anunciada pelo Papa Francisco.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, www.senado.leg.br/ecidadania, e pelo Alô Senado, através do número 0800-612211.
Recebemos hoje aqui, na Comissão, um convidado especial: o Sr. Juan Ernesto Méndez, Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Devido a isso, no primeiro momento da nossa audiência pública de hoje, que vai também tratar de violência em relação aos povos indígenas, nós falaremos sobre a questão da tortura.
Acompanham aqui o Sr. Juan Ernesto Méndez, Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, também o Sr. Máximo Duque, médico-legista do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos; Petrine Leweson, assessora do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos; Andrea Furger, assessora do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos; Marco Túlio Cabral, assessor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores; Rodrigo de Oliveira Morais, Chefe da Assessoria Internacional da Secretaria de Direitos Humanos; e Douglas Santos Rodrigues, assessor internacional da Secretaria de Direitos Humanos.
Esclarecemos a todos que a língua de trabalho da Delegação da ONU será o inglês. Eles estarão acompanhados do intérprete inglês-português-inglês para o caso de alguma utilidade.
Informo que a placa... Aqui é outra, sobre transporte aqui da Casa para os que chegaram, para não haver problema de deslocamento.
Eu pretendo, querido convidado Juan Ernesto, fazer uma rápida introdução, mediante documento produzido aqui pela nossa Comissão em relação ao tema. Depois desse período, que será rápido, nós ouviremos, então, o comentário e a avaliação de V. Exª e as informações que pode nos trazer sobre um tema tão importante como esse. O.k.?
Nunca é demais afirmar que a tortura, tal como o racismo, a discriminação, o preconceito são crimes herdados ainda da colonização. No caso da tortura, houve, infelizmente, um aperfeiçoamento pela ditadura civil e militar. Durante esse período, o Brasil fez escola de tortura como método de investigação, dominação e morte.
O Brasil criou instrumentos de tortura, como o pau de arara, elogiado muito por um instrutor de tortura norte-americano, Dan Mitrione. Mitrione o considerava como um dos instrumentos mais eficazes para arrancar confissões. Ademais, o Brasil exportou seus métodos para os países do Cone Sul, como Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai.
A demora em constituir uma Comissão Nacional da Verdade para apurar os crimes de lesa-humanidade praticados durante o Regime Militar contribuiu para a criação de um manto de impunidade em nossa sociedade. Essa impunidade se traduziu na continuidade da prática de tortura pelas polícias, tanto militares quanto civis, contra a população carcerária e suspeitos de crime.
Apesar de diversas iniciativas dos governos, nas últimas décadas, como a aprovação da lei de combate à tortura, tipificando a prática como crime - antes dessa lei, a tortura era tipificada como abuso de autoridade -, apesar da recepção de tratados e convenções internacionais, instituindo mecanismos de combate à tortura, como o MNPCT, que integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), criado pela Lei nº 12.847, que também criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, infelizmente, a prática do crime ainda ocorre em larga escala no Brasil.
R
As denúncias mais frequentes que chegam a esta Comissão de Direitos Humanos vêm por parte de familiares de presos e de pessoas que são detidas como suspeitas. É que a tortura, muitas vezes, é utilizada como método de investigação e, não raro, as polícias cometem excessos que resultam em morte. Nesses casos, as polícias ou desaparecem com o corpo ou então justificam a morte, criando a recorrente versão de auto de resistência à prisão.
Esta Comissão vem acompanhando, especificamente com destaque - são inúmeros casos - dois casos que são emblemáticos dessa prática: o do Amarildo, que foi preso e está desaparecido até hoje, e o do Antonio Araújo, aqui de Brasília, que foi preso por policiais militares e, seis meses após a prisão, sua ossada foi encontrada em um matagal. No laudo, consta que Antonio foi torturado antes do seu assassinato.
Vamos entregar a V. Exª materiais sobre esses dois casos em documentos que, em seguida, passarei às suas mãos.
Infelizmente, a Comissão Nacional da Verdade se limitou a buscar esclarecer as circunstâncias em que ocorreram as mortes: desaparecimento e violação de direitos humanos como a tortura. As diferentes iniciativas de revisão da Lei de Anistia que tornam os torturadores impunes, isto é, não podem ser processados sem a revisão da anistia concedida e estão sendo barradas tanto na Câmara como no Senado. Tal impunidade, por certo, fará com que a violência persista por um longo tempo nos moldes apontados pelo relatório da Anistia Internacional, divulgado esta semana com manchetes como esta: "Um Relatório da Anistia Internacional constatou um aumento de 39% no número de homicídios decorrentes da intervenção policial no Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de 2013 e 2014." O documento também chamou a atenção para o elevado índice de impunidade de policiais que cometem assassinato.
Segundo a organização, cerca de 80% dos 220 casos de homicídios cometidos por policiais em 2011 permaneciam em aberto até 2015 e apenas um foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público.
Portanto, Sr. Relator, ainda há muito a fazer para acabar com a impunidade e implementar políticas de prevenção.
Sr. Relator, eu entrego a V. Exª esses documentos como também outros que constam nesta pasta que lhe entrego neste momento e lhe passo os Relatórios I e II da Comissão Nacional da Verdade.
Faço um comentário extra ao que entrego a V. Exª de imediato: a tortura, infelizmente, no Brasil, não acontece só por parte dos policiais. Aqui a luta interna dos criminosos também é muito forte. Eu me lembraria, embora não conste, do que aconteceu - a Senadora Ana Amélia, aqui presente, também é jornalista - com o jornalista Tim Lopes. Ele simplesmente fazia uma investigação no Rio de Janeiro, foi torturado e covardemente assassinado. Até hoje, é uma situação não devidamente elucidada.
Faço questão de dizer isso, porque estou falando pelo sistema de comunicação do Senado para todo o Brasil. Tim Lopes foi o jornalista covardemente assassinado quando fazia investigação.
Passaram a ideia para grande parte do povo brasileiro de que Comissão de Direitos Humanos só cuida de criminosos e de presídios. Não é verdade. E eu sei que V. Exª também pensa assim. Para mim, seja policial - militar ou civil -, seja de qualquer parte do mundo, a violência contra os direitos humanos tem que ter entre nós sempre um militante da defesa do oprimido, do torturado, sacrificado.
R
Por isso já aconteceu - dou um exemplo do meu Estado - de eu fazer duas vezes reuniões da Comissão de Direitos com a Polícia Militar do meu Estado, pelas condições degradantes em que eles se encontravam para cumprir seu ofício de defesa da população.
Dou este depoimento porque tenho a convicção de que direitos humanos implicam, sim, ter cuidado especial nos presídios em defesa desses direitos. Mas é também ter cuidado especial com tantos policiais cujas famílias, muitas vezes, recebem o corpo mutilado e assassinado pelas gangues. Então, direitos humanos, para mim, abarcam essa amplitude. Uma vez eu cheguei a dizer que direitos humanos são saúde, educação, habitação, saneamento básico, é buscar a qualidade de vida de toda a população. Esses são deveres, para mim, do militante dos direitos humanos. Certamente, a violência e a tortura, venham de onde vierem, terão sempre em nós um adversário radical no combate àqueles que fazem esse tipo de agressão a homens e mulheres em qualquer parte do mundo, seja nos Estados, seja na Venezuela, seja no Brasil, seja na Rússia, seja onde for. Para mim, militante dos direitos humanos não tem fronteira, é um luta internacional.
Com esta rápida introdução, antes de passar a palavra à nossa querida Senadora Ana Amélia, eu quero entregar em mão estes documentos que comentei e os dois livros correspondentes ao belo trabalho feito pela Comissão Nacional da Verdade aqui no Brasil, que se inspirou na Comissão da Verdade criada pelo inesquecível Nelson Mandela lá na África do Sul. Eu tive a alegria de estar na África do Sul. Lá estive quando Nelson Mandela ainda estava no cárcere. Fui recebido por Winnie Mandela, a quem levei um documento do Congresso brasileiro de que foi constituinte, exigindo - nós todos, militantes no mundo todo - a libertação de Nelson Mandela. Felizmente, ainda no fim daquele ano, ele foi liberto por uma luta integrada de militantes de direitos humanos em todo o mundo. Todo o mundo se manifestou e Nelson Mandela, hoje falecido, tornou-se para mim um dos maiores líderes do Planeta em matéria de direitos humanos.
Com esta rápida introdução, eu entrego estes dois documentos.
Convidaria a Senadora Ana Amélia que viesse aqui para tirar fotos. A Senadora preside a Comissão de Agricultura e, a partir de hoje, por também ser militante desta causa, passa a fazer parte desta Comissão.
Vamos segurar a Senadora Ana Amélia para fazer a sua saudação. Em seguida, passamos a palavra a S. Exª.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Caro Presidente da nossa Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, Senador Paulo Paim; caro Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Tortura e outro Tratamentos ou Penas Cruéis, Sr. Juan Méndez, depois da presença do representante das Nações Unidas para essa área tão relevante do ponto de vista dos direitos humanos, uma presença aqui poderia ser do Papa Francisco, porque argentino como o Sr. Juan Méndez.
Além das boas-vindas já oferecidas pelo Senador Paim ao nosso ilustre convidado, que ratificamos, ressalto que o Senado Federal tem compromisso, sim, com os direitos humanos e o Senador é um dos grandes líderes desta causa.
Também tive o privilégio, Senador Paim, de conhecer pessoalmente Nelson Mandela, que deste século talvez seja a figura mais emblemática, não só pelo que fez, mas sobretudo pela história de vida e de como saiu da violência a que foi forçado - 27 anos de cárcere - e fazer a obra política de reconciliação da África do Sul, acabando com o apartheid. Essa contribuição à humanidade é exemplar em todos os aspectos. A própria figura dele, o seu carisma, a sua competência, a sua serenidade. O que me atraía muito na figura de Mandela era exatamente essa capacidade.
R
A tudo que V. Exª falou, eu acrescentaria também que um dos problemas do Brasil - aí para quem faz o relatório -, lamentavelmente, diz respeito à impunidade, à falta de apuração, de investigação e de conclusão de processos que envolvem, por exemplo, casos rumorosos como o do Amarildo ou do próprio Tim Lopes, nosso colega jornalista. Os jornalistas, no Brasil, como em todas as partes do mundo, também têm sido vítimas dessa violência por conta de uma atividade de alto risco, que é denunciar erros. Assim, eles são sempre vistos com esse olhar de crítica ou de alvo dos acusados de cometimento de crimes. Isso acontece especialmente quando envolve o crime organizado ou a questão do tráfico de drogas.
Dito isso, queria novamente renovar a saudação que V. Exª já fez ao nosso Relator da ONU e apenas indagar a V. Exª, porque V. Exª fez a leitura de um requerimento do Senador Telmário Mota, a respeito de uma audiência pública...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Será na sequência desta.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Perfeito. Então, está respondido, porque eu ia indagar se era apenas a realização da audiência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não. Foi coincidência ele vir exatamente neste dia.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Então, eu fiz um requerimento para tratar de uma questão mundana, do dia a dia do cidadão, que trata do sistema Uber, que hoje existe no mundo inteiro, nas grandes capitais. É uma grande discussão. Então, estou propondo uma audiência pública para ver também os direitos do cidadão, como usuários do sistema, preservando os direitos dos operadores, dos taxistas, e das pessoas que querem entrar nesse novo sistema.
Muito obrigada. Parabéns pela iniciativa do convite ao Sr. Juan Méndez.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Já adianto a V. Exª que, antes de encerrarmos a segunda reunião, nós aprovaremos o seu requerimento.
De imediato, passamos a palavra ao Sr. Juan Ernesto Méndez, Relator Especial do Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Só dizer que é fundamental que o intérprete venha para a mesa. Nós temos um problema. Como nós estamos sendo vistos pela TV Senado ao vivo para todo o Brasil e, para a TV Senado, seria fundamental que tivéssemos alguém que traduzisse a fala dele. Não é possível?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Consecutivamente para a TV, é possível? Porque é importante ouvirmos a sua fala e o sistema de TV da Casa transmitir a fala para no mínimo, numa audiência como esta, a 2 a 3 milhões de pessoas. A mim eles já assistiram, agora querem ouvir o que ele vai dizer, já que a minha fala e a da Senadora Ana Amélia foram ao vivo para todo o Brasil. É possível?
É possível.
Então, V. Exª está com a palavra. Com a palavra o Sr. Juan Ernesto Méndez, Relator Especial do Conselho dos Direitos Humanos da ONU.
O SR. JUAN ERNESTO MÉNDEZ (Tradução por profissional habilitado.) - Muito obrigado. Agradeço, sinto-me muito honrado por ter sido acolhido nesta audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal brasileiro. Fico particularmente honrado por ter sido precedido pelo Senador Paulo Paim e pela Senadora Ana Amélia.
Estou no momento acompanhado, no Brasil, nesta visita, de uma delegação, a convite do Governo brasileiro, para realizar uma missão como Relator Especial das Nações Unidas para o tema da tortura e outros tratamentos ou punições desumanas, degradantes ou particularmente cruéis.
Concordo plenamente como Senador Paulo Paim, na medida em que afirmou que, para a vítima da tortura, não faz diferença quem tenha praticado o ato de tortura contra a vítima.
R
A definição, que consta do Direito Internacional, sobre tortura, no entanto, exige a figura de um agente estatal como autor do ato de tortura, pelo menos para os fins de atribuição de responsabilidade ao Estado em referência.
No entanto, cabe destacar que os que me antecederam neste cargo, bem como eu mesmo, adotamos uma definição mais dilatada, uma definição mais ampla de tortura.
Na medida em que abarca, não unicamente, a prática de tortura em casos de interrogatório para extração de confissões, por exemplo, mas também.
Além dessa definição, por ocasião do interrogatório, nós abarcamos também - em nossa definição do alcance da nossa missão - a prática de tortura na forma das condições prisionais, que são equivalentes a condições cruéis, desumanas, degradantes, aquém do padrão, embora, é fato, que ninguém necessariamente queira, deliberadamente, que elas assim sejam.
Também incluímos, no alcance do nosso mandato, o uso excessivo da força por parte de agentes de aplicação da lei, por exemplo, ao procurar conter manifestações no âmbito das ruas; por exemplo, com vistas à prevenção da criminalidade, caso o uso excessivo da força leve a lesões que sejam equivalentes à crueldade.
Bem como incluímos casos de violência doméstica, por exemplo, contra crianças e contra mulheres também praticada por parte de atores não estatais, pelo menos em circunstâncias em que o Estado deveria ou poderia estar ciente de tais casos.
Isso inclui, também, violência praticada contra pessoas vulneráveis, minorias étnicas, pessoas socialmente vulneráveis, entre outros.
De modo que ficamos muito felizes em observar no Brasil o avanço legislativo em matéria de prevenção e proteção às pessoas contra a prática da tortura.
Em particular, tenho vivo interesse em saber como o recém-criado o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado mediante a Lei nº 12.847, se desdobrará com vistas a atender à tarefa de prevenir e combater a tortura.
Também temos acompanhado com muito interesse bem de perto as propostas que tramitam com vistas a reduzir a idade de maioridade penal aplicável a crianças ou adolescente. Bem como as medidas destinadas a ampliar ou elevar o tempo que se pode passar sob medidas de proteção aplicáveis a crianças e adolescentes.
R
Gostaríamos de saber mais sobre o que é que o Parlamento brasileiro pode fazer, especificamente, no que se refere ao abuso do chamado auto de resistência como justificativa para atos de violência contra indivíduos.
Eu fico muito feliz em receber uma cópia do relatório emitido pela Comissão Nacional da Verdade do Brasil. Estou cônscio do seu teor geral e fico muito feliz em receber uma cópia na íntegra.
E tenho acompanhado o trabalho realizado, entre outros, pelo meu colega Paulo Sérgio Pinheiro, integrante desse Comitê, e seus colegas.
Por fim, Senador Paim, coincido com o senhor ao aludir à preocupação que todos temos com relação à impunidade relativa a atos de tortura e outras formas de violação de direitos humanos.
Estive em Brasília, anteriormente, por ocasião de sessões da Comissão da Anistia. Estou bastante ciente dos esforços envidados pelos diferentes Estados no que se refere à iniciativa de romper com o ciclo de violência e, assim, superar o legado de violações de direitos humanos que os regimes militares deixaram para a democracia brasileira. Impunidade, mesmo no que se refere a casos antigos de tortura, também incide no âmbito do meu mandato.
Espero eu, portanto, que os esforços que S. Exª, bem como outros colegas vêm empreendendo, resultará, em última instância, em situação em que os brasileiros poderão, por fim, superar e romper o ciclo de violência cometida.
Digo isso porque, com base em minha experiência com outros países, observo que a impunidade referente a casos antigos de tortura, acaba gerando mais impunidade prospectivamente com relação a novos casos de tortura. Isso, naturalmente, dificulta ainda mais a tarefa de prevenir e poder reagir positivamente a novos incidentes ou casos de tortura que inevitavelmente ocorrerão, mas, com relação aos quais, cabe ao Estado a obrigação incontornável de investigar, punir e instaurar processo judicial.
Mais uma vez, reitero meus agradecimentos à Comissão de Direitos Humanos do Senado Brasileiro pela oportunidade de interagir com V. Exª nesta ocasião, e examinarei com muito interesse e atenção o material que o senhor passou-me às mãos.
R
E gostaria de manter aberta a perspectiva de relações contínuas e mútuas, de modo a nos mantermos cientes de quaisquer iniciativas legislativas em curso, seja durante a minha visita, seja após a minha visita ao Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Meus cumprimentos pela sua exposição.
Nós teremos de imediato - já estão chegando os convidados para esse evento que vai tratar da violência contra os povos indígenas do Brasil. E a comissão organizadora dessa audiência pública fez questão que eu lhe entregasse, também, o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil. Eu só virei para lá por causa da foto, para que saia a entrega também desse documento que fala sobre a violência em relação aos povos indígenas.
Nós gostaríamos de continuar conversando mais um longo período, o problema é que temos que iniciar a outra audiência, que seria às 9h e, por isso, eu gostaria de, rapidamente, só dizer que a discussão da redução da maioridade penal é um tema que está sendo amplamente discutido na Câmara e no Senado. Pelo menos aqui na Comissão de Direitos Humanos nós temos uma posição muito clara: somos contra a redução, até porque entendemos que lugar de criança é na escola. E não é diminuindo - como alguns já propõem, que a responsabilidade penal seja a partir dos 16 anos, dos 14 anos, dos 12 anos. E, por incrível que pareça surgiu um projeto - na Câmara, não aqui no Senado - que diz que poderia ser criminalizada a criança no útero da mãe! O que, no passado, parecia ser uma brincadeira, apareceu um projeto nesse sentido, que poderia se fazer uma investigação pelos genes buscando criminalizar a criança no útero da mãe. A que ponto chegamos!
Claro que o Deputado que apresentou esse projeto depois disse que foi um equívoco, mas apresentou, ficamos sabendo que houve esse projeto. Lamentamos, achamos que esse não é o caminho, o caminho é manter como está. Se quiserem que se avance no tempo, que o adolescente que cometeu algum tipo de delito fique um período maior em uma casa efetiva de formação, de recuperação, de educação, é outro debate. Mas diminuir a idade de responsabilidade penal não tem - na minha avaliação - o acompanhamento da maioria dos membros desta Comissão. Claro que a Comissão é ampla e pode ter alguns que pensam diferente, mas essa não é a posição que predomina aqui neste espaço.
Quanto ao auto de resistência, há uma série de projetos que aprimoram essa redação e que estão tramitando aqui na Casa. E aqui mesmo nesses livros que V. Exª recebe, há uma série de encaminhamentos e sugestões da Comissão da Verdade. E tenho certeza que a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que está aqui representada, poderá contribuir ainda mais com essas informações. Em parceria com o Executivo estamos avançando para aprimorar o combate a todo o tipo de agressão - e aí, no caso, especificamente a tortura.
Assim nós encerramos essa nossa audiência pública cumprimentado a todos, porque vamos iniciar uma outra neste momento.
Uma salva de palmas para o nosso convidado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Vamos dar segmento a esta mesma reunião. Esta foi uma abertura especial que fizemos, já que recebemos aqui o Relator Especial Sobre Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, Sr. Juan Méndez.
Como Presidente da Comissão de Direitos Humanos desta Legislatura. Eu apenas informo que nós iniciaremos agora um segundo momento da nossa audiência pública.
Convidamos, de imediato, para fazer parte da Mesa, João Pedro Gonçalves da Costa, Presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Já se encontra?
Convidamos Cléber César Buzatto, Secretário-Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
R
Convidamos Patrícia de Mendonça Rodrigues, antropóloga; Lucia Helena Vitalli Rangel, antropóloga; Carlos Moura, representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
O João Pedro, Presidente da Funai e ex-Senador desta Casa, já se encontra aqui conosco.
Carlos Moura, ex-Presidente da Fundação Palmares, também se encontra conosco. E Alberto Terena, representante do Conselho do Povo Terena e da Articulação de Povos Indígenas do Brasil.
Se V. Exª puder cumprimentar a Mesa, seria uma satisfação para todos os meus convidados aqui. Seria uma forma de prestigiá-los.
E aqui o Presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa. E aqui a Srª Patrícia de Mendonça Rodrigues, antropóloga.
Eu aproveito agora para me despedir de V. Exª, porque não o tinha feito ainda. Eu não tinha que permitir que eles saíssem antes da mesa formada. Então, eu quero dar um abraço aqui. Obrigado.
Quando me referi ao João Pedro Gonçalves da Costa, o chamei de João Pedro Stédile. É porque eu tenho um carinho pelo João Pedro Stédile, e não nego isso nunca, pela sua história, pela sua luta, um verdadeiro guerreiro do povo brasileiro. Eu sei que isso aqui é opinião unânime nessa sala. (Pausa.)
Vamos iniciar com a presença do Senador Telmário Mota, que é o autor do requerimento. O que me falta aqui é aquela abertura oficial só. Aquele material da abertura desta reunião, aquela primeira versão... (Pausa.)
Bom, vamos retomar os trabalhos. Esta nossa audiência pública de hoje teve dois momentos: nós recebemos aqui o Sr. Juan Ernesto Méndez, Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que veio a uma missão, no Brasil, para ouvir assuntos relacionados à tortura e outras formas cruéis de tratamento desumanos e degradantes.
Encerrada a primeira parte da reunião, Senador Telmário Mota, passamos à segunda, conforme eu já havia lido na abertura.
A segunda parte da presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do requerimento nº 100, de 2015, da CDH, de autoria do Senador Telmário Mota, que em seguida vai assumir a Presidência dos trabalhos, para debater o tema "Relatório da Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil - Dados de 2014", com foco, também, na PEC 215, de 2000, que trata da demarcação das terras indígenas e na Encíclica Verde, anunciada pelo Papa Francisco.
(Intervenção fora do microfone.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Ele lembra também que é importante o debate da PEC 71, aí o Senador Telmário Mota, quando assumir aqui, dará os encaminhamentos.
Eu queria só, antes de passar a palavra ao Senador Telmário Mota, que vai presidir a nossa reunião, dizer que eu estive lá no seu Estado de Roraima, onde fizemos uma grande audiência pública, com a sua participação direta, que me acompanhou do início ao fim, para debater a questão da terceirização.
E pela sua liderança no Estado, que lá percebi, a Carta de Roraima contra a Terceirização, que é um projeto que precariza, que retira direitos de 40 milhões de trabalhadores e não melhora a vida dos 12,5 milhões, foi aprovada por unanimidade.
E percebi que há uma perspectiva real - e ontem eu falava no plenário, com os outros dois Senadores - de termos os três votos de Roraima. V. Exª estava lá, e claro já declarou o voto, mas conversei ontem com o Senador Romero Jucá, no plenário, e, naturalmente, a Senadora Ângela Portela também já declarou o seu voto, até porque essa é uma questão fechada no PT, de votar contra esse projeto de terceirização.
Mas eu estou mais falando isso, fazendo uma homenagem a V. Exª. V. Exª foi muito aplaudido lá. Eu digo que meio que roubou a cena, mas não tem problema, estava na sua base.
E com essa fala eu convido V. Exª a assumir aqui a Presidência dos trabalhos.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Mas antes de assumir eu quero, primeiro, parabenizá-lo e pedir desculpas aqui, Sr. Presidente, a todos que foram convidados para participar deste debate tão importante, porque eu sou membro da outra Comissão, eu sou titular, e lá estão sendo aprovados dois nomes hoje para direção da Anac. E eu estava, no primeiro momento, vendo ali a exposição dos currículos. Por isso cheguei com um pouco de atraso, e peço aqui desculpas.
Quero parabenizar a V. Exª, mais uma vez, pela determinação, pelo amor às causas e, sobretudo, V. Exª se destacando, andando em todos os entes federativos, em todos os Estados. E esteve no nosso Estado e deixou ali as mais belas impressões. V. Exª sempre é assim.
Depois, conversando com os sindicatos e outros, e todos, muitos deles tiveram o prazer enorme de vê-lo pessoalmente, de conhecê-lo, porque está sempre abraçado à causa dos excluídos, dos trabalhadores. Sem nenhuma dúvida, foi fundamental a ida de V. Exª, foi da maior importância. Toda a imprensa deu cobertura, destacou o fato, e, com certeza, V. Exª prestou ali um serviço importante ao Brasil e a todos os sindicatos e, principalmente, ao trabalhador.
V. Exª está buscando volume para combater esse projeto, que vem, sem nenhuma dúvida, avançar sobre direitos adquiridos ao longo de muito tempo. Então, quero parabenizar V. Exª e toda a equipe do Senado, que deu a cobertura ao evento.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem, Senador, sempre brilhante.
Convido o Deputado Edmilson a sentar na primeira fila, por favor, eu também sentarei ali com V. Exª, e convido o Senador Telmário Mota, que é o autor do requerimento. É praxe, nesta Comissão, o autor do requerimento assumir a Presidência e este Presidente ir para o plenário participar dos debates. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Primeiramente, agradeço ao Senador Paim por essa gentileza, não é necessário ele fazer essa permuta, mas ele valoriza sempre os companheiros, e quero chamar aqui os universitários, para me dar uma ajuda.
Bom, então eu quero agradecer a presença de todos os convidados e vamos...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Deixa essa placa aí que ela vai passando e quem sabe eu vou pegar os bons vírus e os bons costumes do Paim.
Bom, então, vamos começar ouvindo aqui o João Pedro, que é Presidente da Funai, que nos hora estar aqui neste momento.
R
Mas, antes, Pedro, eu queria dizer às pessoas que estão nos ouvindo que nos causa certa preocupação esse relatório que foi apresentado - e eu desloquei um servidor nosso, do gabinete, que é do Cimi, se não me falha a memória - e que traz dados que nos preocupam sobremaneira com relação hoje à violência contra os povos indígenas.
Nós temos aqui abraçado a essa causa do indígena. Para quem não sabe, eu nasci em uma comunidade indígena, chamada Teso do Gavião, no Município de Normandia, e até os 11 anos de idade eu vivi no analfabetismo. Minha mãe era descendente de índia, a mãe dela era índia pura e o pai era nordestino.
Então me criei ali, tenho meus primos, meus familiares, muitos deles são Tuchaua, moram em comunidade. E tenho uma convivência extremamente harmoniosa com os povos indígenas. E luto muito por essa causa, porque eu sei o quanto eles precisam.
Então, João, é essa a nossa preocupação. E a gente vê aí alguns dados que nos preocupam, como a questão da violência pelas terras, pela falta de demarcação, a questão dos suicídios, a ausência da saúde pública, a gente tem visto bastante. Embora, hoje, o Governo Federal disponibilize muitos recursos para esse segmento, mas a gente vê que a burocracia e a corrupção atrapalham essa saúde chegar até a ponta, e foge um pouco.
Eu acho que até a Funai, João, está esvaziada, agora vamos ajudá-lo, conte com a gente, para a gente colocar mais recursos, fazer com que a Funai volte a retomar muitas das suas atividades. E, com essas atividades que fogem um pouco, a gente está tendo, às vezes, esse tipo de resultado.
Mas vamos, hoje, ouvir todos que estão aqui, que trazem, com certeza, uma mensagem mais concreta, mais positiva, e que a gente possa daqui, Senador Paim, tirar um documento e encaminhar para a gente tomar as providências públicas que forem necessárias para ajudar os povos indígenas.
Então, quero aqui agradecer a todos e passo a palavra ao nosso Presidente da Funai, João Pedro.
O SR. JOÃO PEDRO GONÇALVES DA COSTA (Fora do microfone.) - Quantos minutos?
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Inicialmente, a gente tem aí dez minutos. Mas, dependendo do assunto, nós vamos usando a tolerância necessária.
O SR. JOÃO PEDRO GONÇALVES DA COSTA - Bom dia a todos e a todas, meus colegas aqui que compõem a Mesa dos trabalhos, saúdo, na pessoa da antropóloga Lucia Helena Rangel, todas as mulheres que estão participando da audiência pública, e, na pessoa do Cleber, Secretário Executivo do Cimi, todos os homens que estão aqui, Senadores, Deputados, militantes, servidores públicos.
Eu estou há poucos dias na Fundação e venho do Amazonas, de uma região que tem uma presença de dezenas de etnias de povos indígenas, uma região que é tema no mundo, que é a Amazônia, sua floresta, sua água, seus povos.
E com essa nova missão, como homem público, eu quero dizer que é um momento importante, eu faço isso e assumi com muita alegria, e com muita disposição de contribuir com o debate, com o fazer, com a missão da Funai, que é fundamentalmente, demarcar terras indígenas, de fiscalizar, de assumir compromissos, não só do presente, mas com o olhar no passado e para o futuro.
Penso que esta audiência aqui no Senado é muito relevante, muito importante, nesta conjuntura que estamos vivendo. E veja que nós temos aqui representante da outra Casa, a Câmara dos Deputados, um homem público também, o Edmilson, com larga experiência, com larga militância, uma pessoa respeitada lá da Amazônia.
R
É um tema muito relevante a questão dos povos indígenas, da política indigenista. O requerimento vem também de um Senador da Amazônia, da fronteira do nosso País, o Senador Telmário, numa Comissão presidida por um homem também histórico na luta em defesa dos trabalhadores, que é o Senador Paulo Paim, meu companheiro de Partido e de tantas lutas.
E vim fazer um debate lembrando um episódio deste final de semana. Eu começo por aí, onde uma cidadã dentro de um ônibus levanta e exige que a empresa pare e retire lideranças indígenas, que não poderiam estar ali naquele ambiente do transporte público. Esse é o contexto. Isso é um pequeno exemplo do que aconteceu neste final de semana, os índios que foram obrigados a ficar à margem de uma estrada porque são índios. Este é o Brasil.
Esta audiência pública se dá num contexto em que nós podemos nos lembrar da dívida histórica que este País tem com os povos indígenas. E aqui falar do Congresso, do Judiciário, do Executivo, da sociedade, dos entes federativos, que pouco fazem. Eu estou falando aqui de prefeitos que assumem a questão indígena, dos governadores que não assumem. São poucos os Estados deste País que têm uma Secretaria para tratar do tema indígena. Aqui tem setores importantes para nós discutirmos, por exemplo, o relatório do Cimi, que é importante, é uma denúncia, é história, ele chama a atenção para sacudir a todos nós, gestores, parlamentares, vereadores, Deputados, Senadores, o Judiciário, o Congresso Nacional.
Nós precisamos fazer mais. Nós não podemos falar de democracia no País sem reconhecer essa diversidade étnica que compõe a sociedade brasileira. Tratar de democracia sem reconhecer os povos originários deste País, esta riqueza que nós temos no Brasil e que compõe a sociedade, um povo indígena que descobre o guaraná, um povo indígena que trabalha que separou essa delícia que é mandioca, que compõe a gastronomia brasileira. A audiência vem para isso: assassinatos, o alcoolismo dentro das terras indígenas, a droga. Como trabalhar num Estado democrático com uma visão mais elevada, moderna de fronteira? Está lá a tríplice fronteira na Amazônia, com o Peru, o Brasil e a Colômbia. E o relatório aponta para um índice elevado de suicídios.
Ou seja, o relatório chama a atenção para que possamos construir ações, políticas públicas no sentido de reconhecer as populações, os povos indígenas, de trabalhar sem preconceito com os povos indígenas. E eu quero fazer isso na nossa gestão. Encontrei uma Funai com um orçamento pequeno e aqui eu faço um parêntese para a gente já trabalhar as emendas parlamentar, Senador Paim, para 2016, para que possamos fazer mais, e fazermos bem, e aplicarmos recursos públicos com responsabilidade, mas aplicar bem.
R
Então, nós temos desafios imensos. E penso que o relatório é para chamar a atenção, é para reconhecer, é para buscar justiça social, punir aqueles que estão impunes com o crime. O relatório chama a atenção para esse aspecto. Li o relatório. Quero dizer que vai ser um instrumento de trabalho, no sentido de nós revertermos índices, números. E nós podemos fazer.
Quero dizer, para contribuir, que estou viajando hoje à noite, como uma equipe de técnicos da Funai, para Mato Grosso do Sul. Nós vamos viajar hoje e vou ficar até domingo na região, fazendo uma agenda no sentido de nós encontrarmos um caminho. Mato Grosso do Sul é um Estado que é expoente da produção de grãos, da riqueza nacional, do PIB nacional, e, ao mesmo tempo, tem 40 mil, 50 mil índios sem terra! Nós precisamos construir um ambiente, não pode haver índio sem terra. Os povos indígenas não podem ficar sem a sua história, onde pisaram os seus ancestrais.
O relatório chama atenção para Mato Grosso do Sul. Nós precisamos construir um ambiente, Senador Telmário, para o Brasil, no sentido de diminuirmos a dívida, reconhecermos a dívida, e fazermos mais e melhor pelos povos indígenas que compõem esta bonita Nação, que é o Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador Telmário, permita-me, eu sei que não é a praxe, a gente sempre espera todos os convidados...
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senadores aqui, Deputados, queria deixar aqui à vontade, a cada hora que a gente for promovendo o nosso debate, porque naturalmente vão formando juízo e vai enriquecendo o debate.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não é nem um minuto.
É só para saudar o ex-Senador João Pedro Gonçalves da Costa, João Pedro, com quem eu convivi, um grande quadro do povo brasileiro. Mas eu não quero dizer só isso. Não quero só te elogiar como Senador.
Como Presidente da Comissão já pela terceira vez, sempre tive uma dificuldade enorme de trazer aqui um Presidente da Funai e V. Exª trouxe, Senador Telmário Mota. Eu sempre tive dificuldade. Se não me engano, de todos os Presidentes, eu consegui um, uma vez que veio, e que estava em uma situação quase caindo, aí ele veio, porque era uma dificuldade enorme para trazer aqui. V. Exª, que assumiu praticamente ontem, hoje já está aqui respondendo a qualquer questionamento e fazendo já uma projeção do seu trabalho tão importante na Funai.
Por isso que eu queria tomar liberdade de dar uma salva de palma a você.
A Funai agora está mudando. Espero eu que mude. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Isso é um verdade, o Pedro sempre esteve aqui junto com a gente. Nós éramos 82, com a saída dele ficamos 81, porque ele sempre nos ajudou aqui nos grandes debates, na liderança, e, com certeza, ele vai ter facilidade de trabalhar com a gente. Você sabe que as nossas portas estão sempre abertas, estarão abertas, independente de você ter sido da Casa ou não.
Vamos ouvir agora o Cléber, que vai trazer as informações necessárias.
Obrigado.
O SR. CLEBER CÉSAR BUZATTO - Obrigado, Senador Telmário Mota, Senador Paulo Paim, presidente aqui também da Comissão.
Quero cumprimentar aqui os colegas da Mesa, todas as lideranças, os Pataxós, que também estão aí. Uma representação dos Pataxós também vai vir aqui para a mesa, acho que está sendo providenciado.
Saúdo todos os presentes e agradeço pelo convite para a audiência pública, que contribui sobremaneira na visibilidade, não do relatório em si, mas dos dados contidos no relatório.
R
Porque acho que este é o objetivo: dar visibilidade para que os órgãos públicos dos diferentes poderes do Estado brasileiro possam tomar iniciativas na perspectiva de reverter este quadro, que, na nossa avaliação, é muito grave, de violências, de violações contra os povos indígenas no Brasil. Um quadro que tem se agravado sobremaneira nos últimos anos. Nas avaliações que fazemos, se não forem tomadas iniciativas, ações muito firmes, determinadas, coordenadas, articuladas pelos diferentes setores do Estado brasileiro, os diferentes poderes e órgãos do Estado brasileiro, a tendência, no momento, é de aprofundar ainda mais esse quadro de violência contra os povos.
Pensei em apresentar, rapidamente, alguns eslaides, algumas informações gerais sobre elementos que nós consideramos fundantes e potencializadores das violações e violências contra os povos que estão na base do processo de violência, que têm potencializado. São violências também, em si, mas potencializam o processo de violência contra os povos no País.
E a Lucia, que coordena, já há vários anos, o relatório, na sequência, fará uma exposição com informações mais específicas dos dados de 2014. Certo?
Então, podemos ir passando.
Bom, aí são dados do IBGE sobre os povos indígenas: 305 povos, 900 mil pessoas, que falam 274 línguas, demonstrando aquilo que o Presidente da Funai falou da diversidade dos povos.
Bom, a nossa avaliação é de que essa estratégia indígena tem três grandes objetivos: impedir o reconhecimento da demarcação das terras tradicionais, que continuam invadidas, na posse de não índios; reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados; e também invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas que estão na posse e sendo preservadas pelos povos.
Nós observamos, então, que os povos indígenas estão sendo atacados de diferentes maneiras por diferentes grupos econômicos anti-indígenas e no âmbito dos três Poderes. E aí destaco algumas iniciativas que nós consideramos bastante graves nesse processo, que, como disse, tem início já em 2011, com a tramitação mais acelerada da PEC 215, no Congresso Nacional, mas também houve alguns atos administrativos que, na nossa avaliação, estão dentro desse contexto e contribuem nesse processo de violação e violência contra os povos, como a Portaria nº 303, da AGU, de 2012, o Decreto nº 7.957, que é um decreto presidencial, de 2013. Não vamos detalhar cada um deles, mas muitos já estão acompanhando, depois também podem ficar com a apresentação.
A Portaria Interministerial nº 060, que é de 2015, e o fato, no caso ainda do Poder Executivo, de, infelizmente, os procedimentos de demarcação das terras indígenas estarem, quando não parados, andando numa velocidade extremamente vagarosa, e isso potencializa também o processo de violação contra os povos.
Bom, no âmbito do Congresso Nacional, chamamos a atenção para estas duas iniciativas parlamentares: a PEC 215, que tem como pano de fundo a tentativa da bancada ruralista ter o poder de decidir sobre a demarcação ou não de terras indígenas. Evidentemente, se isso passar, a tendência é de não acontecer qualquer outra demarcação de terra indígena no País. E o PL 1.610, que também tramita no âmbito, atualmente, da Câmara dos Deputados, numa comissão especial, que também tem um potencial, caso venha a ser aprovado, especialmente dependendo do conteúdo de sua aprovação, de causar violências muito duras.
R
Ainda o Projeto de Lei Complementar nº 227, que define como relevante interesse público da União para fins de demarcação de terras indígenas. Isso limitaria, da forma, pelo menos, como está o conteúdo sendo tratado na Câmara, o direito de usufruto das terras pelos povos, posse e usufruto. E a PEC 237, que permitiria, caso fosse aprovada, a posse indireta de terras indígenas por produtores rurais. Isso também abriria as terras para exploração agropecuária por parte de não índios.
Bom, aí são os dados em relação à questão dos votos necessários para aprovação de PEC no País e a demanda que nós temos como povos e aliados, tanto aqui, no Senado quanto na Câmara, para alcançarmos, a fim de evitarmos a aprovação dessas PECs que estão sendo almejadas pelos setores ligados ao ruralismo e afins.
Então, na nossa avaliação, precisaríamos de que, pelo menos 206 Deputados e/ou 33 Senadores não votem favoráveis a essas matérias. Então, nós temos aí uma demanda - não é, Telmário, Paulo Paim, Deputado Edmilson? - bastante considerável, tendo em vista a conjuntura, o quadro de Deputados e Senadores eleitos. Mas, felizmente, em relação à PEC 215, nós temos uma situação um pouco diferente aqui, no Senado. Depois pode ser melhor comentado.
E nós queremos chamar a atenção, de forma particular e demonstrar toda a nossa preocupação também com as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, de modo especial as decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, no segundo semestre de 2014, anularam atos do Poder Executivo de demarcação de terras indígenas. Portanto, interromperam, dá para se dizer, procedimentos de demarcação já em fase avançada, dois deles - no caso do Guarani-Kaiowá, terra indígena de Guyraroká e a terra indígena Porquinhos, cujas portarias declaratórias foram anuladas pela Segunda Turna. E um caso ainda mais emblemático, o caso da terra indígena Limão Verde, do povo Terena, lá no Mato Grosso do Sul, que teve o decreto de homologação anulado pelo Supremo.
A justificativa para a anulação dessas medidas seria de que as respectivas terras não seriam tradicionalmente ocupadas pelos povos. O Supremo está dizendo isso. E por que não seriam tradicionalmente ocupadas? Porque, para que fossem consideradas terras tradicionalmente ocupadas, os povos teriam que, obrigatoriamente, estar na posse da terra, na posse física da terra em 5 de outubro de 1988; ou, não estando na posse física de terra em 5 de outubro de 1988, teriam que estar disputando essa posse, disputando em conflito essa posse. E esse conflito teria que ser, necessariamente, conflito de fato ou conflito possessório judicial.
Então, evidentemente, essas decisões estabelecem uma reinterpretação do Texto Constitucional, do art. 231 da Constituição brasileira, restringindo, de forma extremamente afunilativa, extremamente prejudicial aos povos indígenas, o conceito fundante de terra tradicionalmente ocupada. E, de acordo com a última decisão também do Supremo, no caso da Limão Verde, restringindo também o conceito de esbulho renitente.
R
Então, nós teríamos uma situação extremamente ruim, que causa situações de consequências imediatas contra os povos indígenas e que tem um potencial de causar aos povos, nos próximos períodos, violações e violências extremamente agudas que nós ainda nem temos a dimensão do quanto isso seria ainda mais prejudicial aos povos.
Nós queremos, em relação a isso, chamar atenção especialmente para o caso da Terra Indígena Limão Verde - passando aqui, em função do tempo -, como um caso emblemático. A Terra Limão Verde, de, aproximadamente, 5 mil hectares, está na posse pacífica e consolidada de, aproximadamente, 2 mil terenas, ali no Mato Grosso do Sul, todos os 27 fazendeiros que ocupavam essa área já foram indenizados e saíram do local, a terra em questão está registrada em nome da União, portanto com o procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, que é regulamentado pelo Decreto nº 1.775, finalizado, com todas as suas fases conclusas, inclusive a última delas, que é o registro da área em nome da União, no Departamento de Patrimônio da União, no cartório de registro de imóveis local, mas, mesmo assim, a Segunda Turma do Supremo anulou o ato de homologação, um decreto assinado pelo então Presidente Lula, em 2003.
Então, nós nos perguntamos: o que acontecerá com os terenas que vivem nessa área caso o pleno do Supremo confirme a decisão da sua Segunda Turma? Caso essa decisão se mantenha no STF, quantas outras demarcações semelhantes poderão ser revistas? Quantos outros povos poderão sofrer com a decisão ou com decisões semelhantes nos próximos anos e quantas violências serão causadas contra os povos indígenas devido a essas decisões caso elas venham a ser confirmadas pelo Pleno do Supremo?
Então, nós temos aí uma demanda, Presidente da Funai, nós temos aí movimentado as delegações que têm vindo para Brasília também em relação a essa situação. Já na Câmara dos Deputados essa discussão está mais avançada, e aproveitamos essa oportunidade para chamar a atenção da Comissão de Direitos Humanos. Consideramos importante que, a partir desta audiência pública, também em relação a essa situação, a Comissão possa, enfim, tomar alguma iniciativa de buscar sensibilizar os Ministros do Supremo e também de levar informações aos Ministros do Supremo para que possamos reverter essas posições no mais breve e curto tempo possível, para que evitemos situações ainda mais graves do que aquelas que estão relatadas aqui, no Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil.
Portanto, nós temos uma situação bastante emblemática com iniciativas e ações no âmbito dos três Poderes que contribuem para esse quadro que consideramos fundamental, especialmente os povos indígenas, mas, na nossa avaliação, também as organizações da sociedade civil de apoio e todos os espaços de órgãos públicos que têm envolvimento com a causa, como o Senado, especialmente a Comissão de Direitos Humanos, estamos muito articulados e atuando de forma permanente, sistemática, para fazer frente a essas ações, reverter essas decisões, reverter esse quadro também negativo aqui, no Congresso, e também sensibilizarmos, enfim, o Poder Executivo para que dê sequência à regulamentação dos procedimentos de demarcação das terras, a fim de que tenhamos, nos próximos períodos, uma situação menos dramática do que aquela que nós estamos observando atualmente. Do contrário, a nossa avaliação é de que a tendência é de que esse quadro piore nos próximos anos.
R
Então, mais uma vez, agradecemos a oportunidade.
Se alguém tiver interesse, como vai ficar uma cópia aqui, com a Comissão de Direitos Humanos, pode levar, porque tem mais detalhes das informações prestadas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos o Cleber, que fez uma exposição.
Quero registrar a presença da Senadora Simone Tebet, que está aqui. Ela é do Mato Grosso, tem interesse e veio nos prestigiar. E também quero registrar a presença dos povos indígenas pataxós da Bahia. Estão ali o Ajinaldo, o José Conceição, o outro José Conceição - são dois José Conceição -, o Mukugê - é isso? - e o Kâhu Pataxó também.
Inclusive, Kâhu Pataxó, você também vai ter direito à voz aqui daqui a pouco. Agora, a mesa está cheia, mas você também vai ter a sua oportunidade de também se expressar, porque eu sei que a Bahia está tendo dificuldades enormes. Inclusive, nós sabemos que até tem local no sul da Bahia a que nem a Funai - isto antes de o João ter entrado lá - estava tendo acesso. Eu estava até com vontade de ir lá para ver que diabo estava acontecendo lá. Eu, inclusive, me coloco à disposição. Se for preciso, iremos lá, porque é impossível uma situação dessas.
Senadora Simone.
A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Uns Senadores e Deputados aqui estavam...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Senador, antes de a Senadora Simone falar - e é uma satisfação tê-la aqui neste momento -, se me permitir, quero dizer que estou sendo chamado... Eu voto em duas Comissões. Então, eu vou lá votar e volto para cá.
Mas quero dizer, Senadora Simone, até porque eu falava com a senhora sobre esse tema, que eu fiquei assustado ali quando o Cleber fala que 27 agricultores foram plenamente indenizados. É isso?
O SR. CLEBER CÉSAR BUZATTO (Fora do microfone.) - Foram indenizados e já saíram de lá.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - E, assim mesmo, a terra não está assegurada?
O SR. CLEBER CÉSAR BUZATTO (Fora do microfone.) - Não, a terra já está na posse dos índios.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Mas qual é o problema que tem lá, então?
O SR. CLEBER CÉSAR BUZATTO (Fora do microfone.) - A decisão do Supremo.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Ah, a decisão do Supremo! Mas foi isso que me assustou na sua fala. Eu quis até que esclarecesse, porque o princípio que nós tínhamos conversado muito... Bom, uma vez que indenizou tudo, indenizou, terminou, acabou, e aí o Supremo vem e ainda vai querer anular? É isso?
O SR. CLEBER CÉSAR BUZATTO (Fora do microfone.) - É, exatamente. A Segunda Turma.
A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Qual é o argumento?
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - É brincadeira!
A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Sabe qual é o argumento do Supremo?
O SR. CLEBER CÉSAR BUZATTO (Fora do microfone.) - O argumento não é muito bom. Estão dizendo que a terra não é tradicional, estão dizendo que a demarcação é ilegal e (ininteligível.). Então, o problema está na reinterpretação que é majoritária no âmbito da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Portanto, essa reinterpretação é tão flagrantemente negativa, ruim aos povos... Na nossa avaliação, ela tem muito a ver em função da ação política que os setores atingidos têm feito no âmbito dos três Poderes.
Não é, portanto, somente aqui, no Senado e na Câmara, principalmente, mas no Executivo, em alguns setores, e também no Judiciário, que resultou nessa decisão parcial, em que confiamos e... Enfim, estamos aí falando que é fundamental a reversão dessas decisões para o desenvolvimento de todos os setores. É fundamental.
A SRª SIMONE TEBET (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Se o Presidente Senador Telmário me permitir... Eu estou pegando carona aqui. Na verdade, eu sou suplente da Comissão de Direitos Humanos, e, como o Senador Paim, eu tenho, agora, exatamente às 10h, uma reunião da Comissão de Desenvolvimento Regional, da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão de Educação, em audiência pública. Eu sou titular dessas três, mas eu não poderia... Assim aqui eu soube - e soube agora, pela manhã - que estava havendo uma audiência pública justamente para tratar dessa questão da violência, do Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, eu tive a certeza de que Mato Grosso do Sul iria ser mencionado, e eu não poderia deixar de estar aqui.
Tenho um orgulho muito grande do meu Estado e tenho orgulho de ter a segunda maior população indígena no meu Estado de Mato Grosso do Sul, mas confesso que me envergonho de ser o Estado mais violento em relação aos povos indígenas. Temos esse reconhecimento, mas não podemos, diante dessas questões, nos omitir.
Eu vim rapidamente aqui, primeiro, para parabenizar o Senador Temário, que nós consideramos um Senador indigenista, um Senador dos povos indígenas daqui, do Brasil, e ficamos muito tranquilos com isto porque ele tem capacidade suficiente para tocar esse tema. Mas estou aqui principalmente para pedir o apoio de todos, não só do Senador Telmário, do Presidente da Funai, o João Pedro, mas de todos aqui, porque eu acho que nós estamos caminhando para uma solução, e uma solução pacífica, para essa questão.
R
Tramita nesta Casa uma PEC, um projeto de emenda à Constituição, a PEC nº 71, que visa a garantir, efetivamente, pela Constituição, o direito à indenização dos proprietários que se encontram nas terras desde que esses proprietários tenham adquirido, comprado a terra, e estejam de posse mansa e pacífica, justamente para acelerar a solução desses conflitos.
Eu acho que, quando nós aprovarmos essa PEC, nós teremos... Assim que a Funai demarcar, fizer o estudo, a demarcação e houver a homologação e o pagamento, nós teremos a pacificação do conflito indígena no Brasil. Essa PEC hoje está na Comissão de Constituição e Justiça - nós fizemos alguns aprimoramentos nela -, e eu vim aqui justamente para pedir para o Presidente da Funai o apoio do Governo Federal, que ele possa fazer gestão junto à Casa Civil - sei que o grande problema já não está mais no Ministério da Justiça, que concordou com a emenda à Constituição e com as alterações que nós estamos fazendo, mas na Casa Civil - para que nós possamos ver aí uma dotação orçamentária mínima anual assim que essa PEC for aprovada. Já estamos conversando com a Câmara dos Deputados. A bancada ruralista e também a bancada indigenista, em conjunto, concordam com essa PEC, a que, assim que chegar à Câmara, assim que for aprovada aqui, eles querem dar celeridade.
Eu acredito que o conflito ainda não foi solucionado porque, muitas vezes, ambas as partes têm razão. E quando ambas as partes têm razão, nós temos que ter uma terceira via, um terceiro ente no processo para que possa ser solucionado o conflito, e esse terceiro ente é o Governo Federal. Ele tem na mão a chave da solução, que é justamente indenizar naqueles casos que são casos de indenização ou, se não for caso de indenização, a própria retirada, através do Ministério da Justiça.
Então, eu venho aqui justamente para dizer que estou à frente dessa PEC, que vamos acelerá-la para que, no máximo, em 60 dias, nós consigamos a aprovação aqui, no Senado, e que ela vai garantir a demarcação tranquila por parte da Funai. Depois, fica na mão da Presidente da República a homologação das áreas indígenas.
O meu agradecimento pela intervenção intempestiva, mas eu estarei nas outras comissões e, se puder, retornarei.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR. Fora do microfone.) - Deixe-me fazer só um esclarecimento. Eu vou... Desligaram o microfone aqui. Eu estou indo votar ali em uma comissão e a Senadora Regina vai conduzir os trabalhos. Eu já volto.
A SRª PRESIDENTE (Regina Sousa. Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Bom dia a todos e a todas!
Vou assumir aqui um pedacinho enquanto o Senador Telmário vota.
Registro a presença da Senadora Fátima Bezerra aqui e passo a palavra à Patrícia de Mendonça Rodrigues, antropóloga.
A SRª PATRÍCIA DE MENDONÇA RODRIGUES - Bom dia!
Obrigada pela oportunidade de estar falando aqui.
Eu vou fazer o relato de um caso específico, que é do povo avá-canoeiro, do Araguaia, que poucas pessoas conhecem. Deixe-me começar aqui lendo um texto que fiz para resumir essa história.
O breve texto que vou ler aqui trata dos avá-canoeiros do Araguaia, que se autodenominam ãwas e falam uma língua tupi-guarani.
A história e a situação atual desse povo de caçadores, relatada com destaque pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, são o exemplo atual e emblemático de violência dos colonizadores e do próprio Estado brasileiro contra os povos indígenas. Os avá-canoeiros chegaram ao vale do Rio Araguaia no início do século XIX, fugindo das frentes de colonização. Na época, o Médio Araguaia era habitado imemorialmente pelos pescadores javaés e carajás, de quem os avá-canoeiros se tornaram inimigos históricos.
Recentemente faleceu Tutawa Ãwa, o líder histórico do grupo, com mais de 80 anos. Talvez a melhor palavra para definir a vida e o caráter de Tutawa seja resiliência. Poucas pessoas desenvolveram essa habilidade extraordinária como guerreiro de temperamento afetuoso e alegre que guiou o povo ãwa durante as décadas de genocídio anteriores ao contato e nos anos de submissão que se seguiram à captura de dez sobreviventes.
R
O fato chocante de negarem a ele o seu último desejo, de ser enterrado no Capão de Areia, o último refúgio antes do contato, foi apenas um entre os incontáveis e desumanos obstáculos que teve que enfrentar juntamente com seu povo durante toda a vida.
Nascido em uma gruta que servia de refúgio para seus parentes, faleceu como um intruso em terra estranha agora, em 6 de junho.
Tutawa passou a metade da vida fugindo de massacres, incêndios de aldeias, tiroteios, assassinatos sucessivos da maioria dos parentes próximos, tocaias, cães de caça, caçadores de índios a cavalo, fome, e, mesmo assim, manteve as qualidades nobres e ideais dos chefes tupis: a capacidade de liderança na guerra e a generosidade na distribuição dos recursos entre os membros do grupo.
Guerra brutal é a expressão que descreve o que os avá-canoeiros, conhecidos como "cara-pretas" na região, viveram com a colonização do Médio Araguaia no século XX. A literatura e a memória regional atribuem a famosos caçadores de "cara-pretas" o assassinato de centenas de índios e a destruição de aldeias inteiras nas décadas de 40, 50 e 60, em uma explícita tentativa de genocídio.
Quando Tutawa perdeu os primeiros dentes de leite, seu grupo de parentes, liderados por seu pai, teve que abandonar a gruta em que morava ao norte da Ilha do Bananal, diante da aproximação cada vez maior dos colonizadores.
Tutawa ainda não tinha completado 20 anos quando seu pai foi assassinado por um branco, por volta de 1950, cabendo a ele assumir o seu lugar. O novo líder se responsabilizou pela alimentação dos órfãos e guiou seus parentes por uma vasta região, dirigindo-se cada vez mais para o sul, em condições cada vez mais difíceis, pois o cerco dos moradores regionais se intensificou consideravelmente nos anos que se seguiram com a instalação de garimpeiros e criadores de gado na região.
A Ilha do Bananal e o interflúvio entre o Rio Javaés e seu principal afluente, o Rio Formoso do Araguaia, habitados pelos avá-canoeiros desde as últimas décadas do século XIX, foram escolhidos como a principal área de movimentação. Diante da perseguição incessante pelos novos colonizadores, em que os avás muitas vezes foram obrigados a abandonar os corpos dos parentes mortos durante a fuga desesperada, por muitos anos a rotina caracterizou-se por um eterno deslocamento de acampamento em acampamento instalados em lugares inóspitos.
O grupo de adultos, crianças e velhos optou por caminhar principalmente durante a noite por questões de segurança. As pessoas dormiam ou se mantinham em silêncio durante o dia, comunicando-se, muitas vezes, com assobios de pássaros. Com a perda da possibilidade de praticar a agricultura, a alimentação se restringiu à carne de caça e aos frutos e raízes coletados durante as caminhadas.
Os 14 sobreviventes que chegaram à Mata Azul, localizada dentro da imensa Fazenda Canuanã, por volta de 1967 ou 1968, integravam um grupo de parentes próximos reduzidíssimo em comparação ao que o menino Tutawa conheceu em sua infância.
O Capão de Areia, o único local da Mata Azul a salvo da inundação nas enchentes anuais, tornou-se o principal refúgio do grupo. Durante o breve porém intenso e dramático período em que viveram na Mata Azul e regiões vizinhas, os avá-canoeiros do Araguaia foram caçados como animais selvagens pelos moradores regionais sem trégua, incluindo os vaqueiros da Fazenda Canuanã, dos irmãos Pazzanese, saga que culminou com a sua captura pelos agentes do Estado. Na época, a Fundação Bradesco se interessou em estabelecer uma escola-modelo na zona rural, iniciando uma parceria com os proprietários da Fazenda Canuanã, que coincidiu com a instalação de uma frente de atração pela Funai para encontrar os índios que incomodavam os fazendeiros da região abatendo bois e cavalos ocasionalmente para se alimentar.
Os avá-canoeiros lembram que Tutawa sempre enfrentava os inimigos destemidamente, tentando proteger os seus familiares. Foi assim também quando a Frente de Atração da Funai encontrou o grupo no Rio Caracol em 1973, então reduzido a apenas 11 pessoas, e entrou atirando no acampamento de supetão, matando uma criança. Depois dos tiros e dos fogos de artifício, parte do grupo conseguiu fugir, enquanto outra parte permaneceu no lugar a contragosto, seguindo a liderança de Tutawa, que decidiu se entregar não porque confiou nos sertanistas, conforme o boletim oficial mistificador e inverossímil produzido no auge dos governos militares, mas porque foi solidário com sua esposa e seu filho pequeno, os mais frágeis do grupo, que haviam sido capturados à força.
A forma como o contato foi realizado foi muito mais brutal do que aparece nos boletins oficiais da época, que tentaram, ostensivamente, engradecer o feito dos sertanistas e ocultar a violência dos procedimentos adotados.
R
Os fatos relacionados à Frente de Atração causaram uma ruptura definitiva na vida dos avá-canoeiros do Araguaia. O horror dos anos passados seria substituído agora pela grande derrota na guerra travada com os colonizadores desde o século XVIII, pelo menos, quando os antepassados do grupo do Araguaia começaram a ser atacados nas cabeceiras do Rio Tocantins. O povo que mais resistiu ao contato com o colonizador no Brasil central, segundo a literatura histórica, recusando-se terminantemente a estabelecer relações pacíficas, interpretou o contato como uma captura pelos inimigos, representados pela Frente de Atração da Funai e os fazendeiros da região, e o que se sucedeu como cativeiro, do qual ainda não se libertou.
O pior ainda estava por vir. A outra metade da vida, Tutawa viveu lidando de cabeça erguida com as consequências devastadoras da derrota imposta pelo inimigo, juntando os fragmentos do que restou de seu povo para não perder o fio da meada que ligava os antepassados à nova geração nascida após o contato. O guerreiro e também pajé tornou-se a ponte entre o passado e futuro do povo ãwa.
No ano seguinte à captura, acreditando na proposta da Frente de Atração, que integrou à equipe um dos caçadores de índios da Fazenda Canuanã, Tutawa trouxe os quatro fugitivos da mata para, finalmente, viverem em paz na Mata Azul.
No primeiro mês após a rendição final, os avá-canoeiros estavam em choque intenso e em estado de saúde deplorável, conforme os relatórios médicos da época. O acordo fracassou, no entanto, pois o órgão indigenista não se empenhou em regularizar uma terra para o grupo.
Durante os quase três anos em que viveram nas terras da Fazenda Canuanã, supervisionados pela Funai, os avá-canoeiros foram vítimas de abusos físicos e emocionais diversos, os quais compõem uma memória traumática do grupo. Tanto os javaés quanto os moradores regionais lembram-se muito bem do cercado em que os avás foram colocados e expostos à visitação pública na fazenda durante semanas, atraindo a curiosidade dos que queriam ver os índios pelados. Os agentes públicos que haviam caçado, capturado, amarrado e aprisionado os índios em uma espécie de jaula a céu aberto foram associados pelos expectadores presentes a domadores de animais. E tanto os javaés quanto os avás lembram-se com nitidez do período em que foram forçados a conviver na Mata Azul pela Funai, que desconsiderou o fato essencial de que os dois grupos eram adversários históricos com uma memória viva das mortes recíprocas no passado.
Os javaés, que eram em número muito maior e disputavam o mesmo território com os avá-canoeiros desde o século XIX, foram levados pelos sertanistas a servir de guardas e amansadores dos índios capturados, estabelecendo, dali em diante, uma relação de dominação e subordinação.
Em 1976, com uma decisão repentina e autoritária, a Funai impôs a transferência dos sobreviventes para a aldeia Canuanã, dos javaés. Os efeitos da atração foram desastrosos. Dos 11 avá-canoeiros que restaram na Mata Azul, seis faleceram nos três primeiros anos depois do contato em razão de violência ou de doenças para as quais não tinham imunidade. A atuação fulminante do Estado neste caso foi tão ou mais devastadora para os avá-canoeiros do que aquela empreendida pelos moradores regionais e grandes proprietários há décadas. O resultado prático da atração foi que os avá-canoeiros perderam, definitivamente, a sua mínima autonomia e as terras que ocupavam, de interesse também dos javaés, para as grandes propriedades rurais.
Reduzidos a cinco pessoas, os avás foram assimilados pelos javaés a uma tradicional categoria social de cativos de guerra, em uma posição de subalternidade. Como consequência, nos longos anos que se seguiram, vivenciaram graves restrições alimentares e variadas formas de marginalização social e econômica. Paralelamente, o grupo sofreu crescentes impedimentos dos não índios para continuar caçando e coletando na região da Mata Azul.
Os sobreviventes de um povo de exímios caçadores mendigavam restos de comida nas casas de funcionários da Funai, conforme foi testemunhado por pesquisadores na década de 80. Nos anos 90, a Fundação Bradesco ofereceu a eles pão e leite diário em troca de os avá-canoeiros cessarem o abate de gado ocasional, além de autorização para coletar as cabeças de bois e porcos que eram destinadas ao lixo da fazenda. Há vários anos, os avás recolhem alimentos e bens de consumo no lixão da fazenda-escola, instalada em antiga área de caça e coleta do grupo.
R
É notável que, apesar de todos os prognósticos em contrário, em que acadêmicos, jornalistas, indigenistas declararam a iminente extinção do grupo, os ãwas conseguiram se reproduzir como um povo único por meio de uniões com os javaés, karajás e tuxás, somando mais de 20 pessoas atualmente, em crescente expansão.
O pajé Tutawa cuidou com afeto e dedicação exemplares da educação de seus descendentes ensinando a língua, práticas e rituais e batizando todas as crianças que nasceram após o contato com os nomes dos antepassados, conforme a tradição ãwa. Foi ele também que liderou o grupo por mais de 20 anos na recusa irredutível em abandonar a região do Araguaia, com a qual mantém ligações profundas de natureza variada, enfrentando o projeto persistente de um convênio indenizatório e milionário entre Funai e Furnas de transferi-los para uma terra indígena do Rio Tocantins.
Somente em 2012, diante da situação de extrema vulnerabilidade e admitindo a necessidade de uma reparação pelos erros cometidos no passado, a Funai reconheceu a tradicionalidade da área reivindicada pelo grupo na região da Mata Azul, nomeada como Terra Indígena Taego Ãwa. Paralelamente, em 2011, a Procuradoria da República do Tocantins entrou com uma ação judicial contra o Estado brasileiro e a Funai solicitando uma indenização por danos morais ao povo avá-canoeiro do Araguaia.
No entanto, os avás ainda vivem dispersos em terra estranha aguardando a portaria declaratória do Ministério da Justiça em relação à Terra Indígena Taego Ãwa. O grupo sonha em se reunir depois de mais de 40 anos da captura pela Frente de Atração. A área agora está ocupada por duas fazendas e um assentamento do Incra, criado em meados dos anos 90, na região da Mata Azul, sem que os avás fossem levados em consideração, o que foi mais um episódio de negligência e violência do Estado brasileiro contra eles. Na época, a prioridade da Funai era transferir os avá-canoeiros do Araguaia, contra a sua vontade manifesta, para uma distante terra indígena habitada pelos avá-canoeiros do Rio Tocantins, dos quais o grupo do Araguaia se separou há cerca de 150 anos, não reconhecendo nenhum vínculo histórico ou de parentesco com eles.
Em plena década de 90, a Funai ainda insistia em uma antiga política indigenista iniciada nos tempos do SPI, que privilegiava a transferência dos grupos e a sua concentração nos postos indígenas ou nas áreas já regularizadas. Os defensores da transferência ainda ignoravam a lição de tantos povos indígenas, que demonstram um apego extraordinário e tão pouco compreendido à terra habitada pelos antepassados, igualando-se ao vínculo amoroso e profundo entre uma mãe e seu filho.
Na região do Araguaia, por exemplo, todos os grupos que sofreram algum tipo de transferência, seja por imposição ou sugestão do órgão indigenista...
(Soa a campainha.)
A SRª PATRÍCIA DE MENDONÇA RODRIGUES - ... - já estou terminando -, como os xavantes setentrionais de Maranhão, a sede, os avá-canoeiros do Araguaia, os javaés, os tapirapés e os karajás, ao longo de décadas, mantiveram complexos vínculos históricos, culturais e socioeconômicos com a terra de onde foram transferidos, reivindicando, desde então, o reconhecimento oficial de parte desse território pelo Estado. Em suma, nunca desistiram de retornar a esse solo considerado sagrado.
Foi nesse contexto que os avá-canoeiros do Araguaia tentaram enterrar o velho líder Tutawa no Capão de Areia, dentro da Terra Indígena Taego Ãwa, há dois meses, sendo rechaçados pelos moradores do assentamento que agora ocupam o lugar e que também foram vítimas de uma política equivocada do Estado.
Então, cabe, no momento, dar continuidade ao processo de reparação pelas inúmeras violências sofridas e garantir o retorno dos avá-canoeiros para o lugar onde consideram como sua casa.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos a Patrícia e agora vamos ouvir o Carlos Moura, representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
O SR. CARLOS MOURA - Obrigado, Presidente, Senador Telmário Mota.
R
Cumprimentos aos que compõem esta Mesa. Eu pediria licença ao Presidente para que o cumprimento aos que compõem esta mesa fosse feito aos pataxós que se encontram neste plenário, aos irmãos indígenas que se encontram no plenário.
Cumprimentos à Senadora Regina e ao Deputado Edmilson.
Ao ouvir o relato dos avá-canoeiros, da sua luta, e a história do líder Tutawa Ãwa, eu ficaria me perguntando se não seria o caso de um silêncio total. Falar mais o quê após o relato dessa brutalidade, dessa negação da pessoa humana, dessa violação dos direitos humanos, com o conluio, o que é mais grave, do Estado e da sociedade?
A senhora traz a esta Comissão um relato surpreendente, mas que também não assusta tanto, porque é o relato de um Brasil violento, de uma violência iniciada desde os tempos da colonização com os nossos antepassados africanos, durante séculos e séculos, que ajudaram e contribuíram para a formação da nacionalidade e, assim como os povos indígenas, não perderam a dignidade e a força de trabalho.
Recebi a incumbência de conversar, nesta Comissão, a respeito da PEC nº 215, sobre a Encíclica Laudato Si', ou seja, Louvado Seja, a encíclica do Papa Francisco, que reivindica terra, trabalho e teto. Terra para indígenas, camponeses, quilombolas, trabalho para os desempregados, para os operários, para os trabalhadores de modo geral, e teto para as famílias.
É antiga essa história de privação e de perseguição aos povos indígenas. A voracidade do colonizador, desde tempos imemoriais, vem fazendo com que os povos indígenas venham perdendo, perdendo e perdendo suas terras e tendo sua liberdade cerceada. Se isso aconteceu no passado, também ocorre hoje, haja vista o relato de quem me antecedeu e o que traz o Cleber na sua explanação.
R
Vejam o conluio do Estado com a sociedade no sentido de privar os povos indígenas dos seus direitos. Já nos tempos da ditadura, mais de oito mil indígenas foram assassinados, perderam suas vidas.
Hoje, esse Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, dados de 2014, nos informa sobre 84 ocorrências de invasões possessórias, exploração ilegal dos recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos indígenas. Isto sob a responsabilidade, repito, do Estado e da sociedade, sociedade representada pelo capitalismo, pelo agronegócio, pela mineração, já denunciados aqui na explanação do Cleber.
Com isso, espancam e não respeitam a nossa Constituição. Espancam e não respeitam a Constituição que diz, no seu art. 231 - repeti, porque sei que todos sabem - que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
E é incrível como vem aqui o Cleber noticiar que o Poder Judiciário ameaça rasgar a Constituição. Rasgar a Constituição! E existe também outra ameaça de desrespeito à Constituição, que é a PEC nº 215, já aqui anunciada.
É preciso que reflitamos muito a respeito dessas questões, que reflitamos e que, enquanto sociedade civil, possamos nos organizar, junto ao Cimi, junto às entidades dos direitos humanos, na perspectiva do impedimento de que os povos indígenas continuem a ser violentados.
É importante aqui trazer expressões do Papa Francisco na Encíclica Laudato Si':
Não é possível ignorar também os enormes interesses econômicos internacionais que, a pretexto de cuidar deles, podem atentar contra as soberanias nacionais. Com efeito, há propostas de internacionalização da Amazônia que só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais É louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais.
R
É importante que a sociedade civil se una, porque o Estado só se move mediante a pressão social, a pressão dos grupos organizados. Já tivemos provas disso nos relatos desta Mesa.
Mas continuemos com o Laudato Si'. Diz o Papa Francisco:
Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades [indígenas] com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida.
Portanto, Sr. Presidente, Senador Mota, ao agradecer a oportunidade de, em nome da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, eu me permitiria ler um trecho da nota da CNBB a respeito da PEC nº 215 e, evidentemente, a respeito da questão toda relativa aos povos indígenas.
Motivada pelo interesse de pôr fim à demarcação de terras indígenas, quilombolas e à criação de novas Unidades de Conservação da Natureza em nosso país, a PEC 215 é um atentado aos direitos destes povos. É preocupante, por isso, a constituição de uma Comissão Especial, criada pelo Presidente da Câmara para apressar a tramitação dessa proposição legislativa a pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralista. O adiamento de sua instalação para o segundo semestre não elimina nossa apreensão quanto ao forte lobby pela aprovação da PEC 215.
Para concluir:
Todas estas conquistas, fruto de longo processo de organização e mobilização da sociedade brasileira, são agora ameaçadas pela PEC 215, cuja aprovação desfigura a Constituição Federal e significa um duro golpe aos direitos humanos. Fazemos, portanto, um apelo aos parlamentares para que rejeitem a PEC 215. Que os interesses políticos e econômicos não se sobreponham aos direitos dos povos indígenas e quilombolas.
Portanto, Sr. Presidente, senhores que compõem esta Mesa e este Plenário, que possamos celebrar, neste momento, uma atitude de comunhão e de cumplicidade, na perspectiva de que, juntos, possamos, democraticamente, impedir que sejam tomadas medidas, seja pelo capital, seja pelos órgãos institucionais, que possam vir, cada vez mais, a prejudicar os povos indígenas. Pelo contrário, que a nossa unidade e que a nossa união possam servir de alavanca à recuperação e à dignidade dos povos indígenas!
Muito obrigado. (Palmas.)
R
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos a fala do Carlos Moura, que representa a Comissão Brasileira de Justiça e Paz , trazendo uma grande reflexão. Sempre deixo aberto para Senadores e Deputados que queiram fazer algum questionamento, alguma pergunta, enriquecendo para melhorar as ideias. Aqui está sempre aberto a cada companheiro que está aqui expondo.
Agora, vamos ouvir o Alberto Terena, do Mato Grosso do Sul.
O SR. ALBERTO TERENA - Quero dar meu bom-dia a todos, e, na pessoa do Senador Telmário Mota, cumprimentar a Mesa.
Sou Alberto Terena, da aldeia Buriti, aqui representando o Conselho Terena e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Agradeço essa oportunidade, essa abertura de espaço, em que temos não apenas um pedido de socorro, não apenas um levantar de mão, mas, sim, um desespero de lideranças de vários povos, dentro deste País, que estão sendo atacados nos seus direitos. Nós estamos nesta luta há muitos anos. Não começou com a minha geração, não começou com a geração passada, mas, sim, há várias décadas ou mesmo séculos, passando por lutas e desrespeito, na busca desse direito que temos em nosso território na questão da demarcação de nossas áreas.
Esta luta não é algo surgido de fora; é uma luta pelo direito de ter uma comunidade, de ter um povo, que precisa desse espaço para sobreviver. Só como exemplo, na minha comunidade, com seis mil indígenas, estamos numa área de 2.090 hectares reservada. Muitos dizem que são demarcadas, mas são reservas. Foram criadas reservas para as nossas comunidades, para os nossos povos. Achavam que os povos indígenas seriam exterminados ou reintegrados à sociedade, o que não se deu. As nossas gerações vêm aumentando e precisamos das nossas áreas, que se encontram nas mãos de outros.
Fala-se na questão das invasões. Eu fui interrogado várias vezes, até mesmo no meu Estado de Mato Grosso do Sul, onde a situação é uma das piores dentro do Brasil, em que muitas vezes a gente é interrogado... Naquela questão de grande conflito, em 30 de maio de 2013, em que o juiz deu reintegração de posse, em que houve uma força desproporcional, com todo o aparato de força militar do Estado - em pleno feriado, o juiz deu a reintegração de posse e saiu de férias -, desesperadamente, nós dizíamos ao delegado que existiam famílias, que existiam crianças. Aí, ele apontava para nós, como líderes, e dizia "Vocês são responsáveis! Vocês serão responsáveis! Vocês serão responsáveis!"
R
E, de fato, naquele momento de reintegração de posse, na qual houve a nossa perda do jovem Oziel Gabriel, vários jovens nossos foram baleados. Isso não apareceu porque não interessa para a mídia, mas vários... Até meia-noite daquele dia a gente estava pedindo socorro aos hospitais, para que pessoas nossas pudessem ser operadas.
Dentro deste cenário de busca de direitos, os nossos povos têm pago com a própria vida, com derramamento de sangue.
No passado, nós éramos chamados de indígenas, índios, bravos, índios que não queriam ser amansados; hoje, nossas lideranças são chamadas de formadores de quadrilha. Apenas estamos querendo assegurar o nosso direito constitucional, que está dentro da Lei Maior deste País.
Eu fui um dos que foram presos, Senador, por esta orquestra de intimidação, de dizer "vocês estão errados", "vocês são invasores", por querer apenas um espaço de terra para dizer para os jovens e para as crianças "vocês têm um futuro, está aqui a sua área, que vocês podem sonhar com a sua sobrevivência".
E, dentro dessa luta, a gente vem buscando também o diálogo dentro do nosso Estado, mas muitas vezes a gente tem sido enganado, como, lá no passado, nós fomos enganados... Quando meus avós ou meus bisavós iam para o Rio de Janeiro, diziam: "Olha, podem voltar lá, porque já está resolvido". Em Cuiabá, chegava e diziam: "Não, podem voltar, porque está resolvida a questão das suas terras". E hoje, em vários momentos, nós sentamos à mesa... E até mesmo no último momento ali, de conflito maior do nosso Estado, a Presidente mandou um representante, juntamente com um Ministro, dizendo: "Em 30 de agosto nós vamos dar uma solução para o caso Buriti". Mas já se passaram três anos, dois anos e meio, e até o momento não temos uma devolutiva disto aí, deste diálogo, desta abertura de diálogo.
A Senadora diz: "Nós estamos aí tentando buscar uma solução". Mas que essa solução de fato venha ao encontro também de resguardar o nosso direito. Foi feita uma audiência pública na qual não havia nenhuma representação indígena. Isso não pode se chamar audiência pública. Veio conversar com o Ministro da Justiça sem nenhuma representação indígena. Isso não quer dizer que os indígenas estejam de acordo, pois não há participação.
Então, estes momentos de busca, de desespero... Nós estamos tendo esta oportunidade, Senador, de estarmos aqui junto com aquelas pessoas que acreditam na questão de assegurar o direito do ser humano, ...
R
(Soa a campainha.)
O SR. ALBERTO TERENA - ... na questão dos povos indígenas deste País.
Nós estamos aqui, neste desespero, pedindo para que o Estado brasileiro de fato assuma. É jogada para nós a responsabilidade, mas será que não é do Estado brasileiro a responsabilidade maior de vir com uma proposta que seja sincera, não com essa proposta da PEC nº 215, que passa do Executivo para a Câmara... Está nos negando este direito.
Eu quero dizer isto aqui: a gente está falando por um povo que está à mercê, os nossos povos guaranis... O Presidente desta Comissão esteve lá e viu, em beira de BR, acampamentos incendiados com pessoas dentro, com crianças dentro. Nós temos os nossos vizinhos e não podemos... Falaram que a bala que matou o Oziel poderia ter saído do indígena. Como? Se vocês virem o vídeo, você não verão um indígena com arma alguma.
Até o momento isto não foi apurado, não é? Quem matou? Quem atirou no Oziel Terena, para que ele pudesse ser morto?
Fala-se que uma reintegração de posse é feita apenas com gás, com balas de borracha, mas houve morte ali, houve "baleamento" de pessoas. Nós temos um jovem tetraplégico na nossa aldeia, resultado dessa violência contra os nossos povos.
Eu quero dizer que a gente continua acreditando. O povo da aldeia Buriti não deu um passo à frente no acordo proposto pelo Governo de dizer "não, vamos conversar. Vocês não dão um passo à frente, eles não entram com a reintegração de posse e nós iremos dar uma solução para o caso". Já se passaram três anos. E agora? Até que momento a comunidade vai acreditar?
Eu quero dizer que crianças e jovens estão dentro destas comunidades...
(Soa a campainha.)
O SR. ALBERTO TERENA - ..., desse espaço de luta, e eu quero acreditar que existe dentro do Senado, dentro desta Casa de lei, pessoas que olham para o nosso povo. Não é fácil. Quando vocês... Fiquem do nosso lado. E acontece o que aconteceu ali com esse ônibus aí - não é? -, com pessoas do nosso povo sendo retiradas.
E a gente sabe... "Agora você é índio?" A gente sabe como é o tratamento disto tudo. Mas somos pessoas, seres humanos, e fazemos parte deste País, e queremos um espaço de sobrevivência, de respeito aos nossos povos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Então, a gente ouviu o Alberto.
Sua fala é, sem nenhuma dúvida, uma voz de apelo, de dor, como ele disse, de desespero, e mexe, de qualquer sorte, com todos nós que estamos envolvidos neste processo.
Eu tenho certeza de que o Presidente da Funai, que está assumindo agora... Ele falou que iria passar uns quatro dias na região, que vai passar lá uns quatro dias. Ele viaja hoje para lá para, empiricamente, sentir essa pressão, essa situação que está lá, não só na terra lá do Buriti, da aldeia Buriti, da comunidade Buriti, como em outras comunidades estão aí também extremamente pendentes dessas decisões, que são necessárias, para a pacificação, a sobrevivência e, sobretudo, para a paz, que o Brasil precisa ter. Não podemos conceber que, hoje, jovens estejam tendo sua vida cerceada por uma luta que já dura muito tempo, sendo que o Poder Público é o grande omisso nesta situação.
R
Antes de passarmos a palavra para a Lucia, vou franquear a palavra ao Deputado Federal Edmilson Rodrigues, do PSOL do Pará, que está aqui nos prestigiando.
O SR. EDMILSON RODRIGUES (PSOL - PA) - Sr. Presidente, parabéns a V. Exª, pela inciativa, e ao Senado, por afirmar a condição de Casa de representação da cidadania brasileira, mostrando que há espaço para o debate e a afirmação de alguns princípios e algumas conquistas constitucionais aqui debatidas que correm risco de serem destruídas.
Eu pedi para falar porque estou em duas Comissões e decidi ausentar-me delas com todos os riscos. Estou sendo chamado para votar exatamente um projeto em que um Deputado propõe reduzir, determinar uma norma nova para as áreas do entorno das áreas de conservação da natureza.
A rigor, o quórum está chegando lá e podemos ter uma derrota numa área que tem muito a ver com o debate que se dá aqui. Então, peço desculpas por ter de sair daqui a pouco.
Mas quero parabenizar a Comissão e dizer que gostei muito da nomeação do nosso querido João Pedro, que conheci, há algum tempo, como um trabalhador, mas um técnico da área das ciências agrárias e um amazônida.
Eu vi a sua primeira entrevista e até disse "desejo muito sucesso ao João Pedro, porque ele tem uma história". Alguns funcionários da Funai dizem... "Quando eu era prefeito, fui a Manaus fazer campanha porque queria vê-lo prefeito da capital do Amazonas". E, como Senador, V. Exª honrou o nosso País e o nosso povo.
Desejo sucesso porque acho que há uma relação de força muito cruel. O conservadorismo está muito presente, não será eterno. Acho que a sociedade anda para frente, caminha para um mundo mais justo e feliz, mas vivemos situações em que um cara é capaz de chorar porque um boi morreu e sorrir com a morte de um indígena.
O depoimento da Drª Patrícia é de nos fazer chorar. A gente tem de se segurar.
Na semana passada, João Pedro - acho que foi na sexta ou na quinta -, eu estava numa das maiores penitenciárias do Pará, na região metropolitana, para visitar dois indígenas do povo asurini do Trocará.
Não sei se todos se lembram, mas três povos foram atingidos mais diretamente pela Hidrelétrica de Tucuruí: os asurinis, os gaviões e os parakanãs.
Então, conversar em uma cadeia com um idoso de 78 anos, tuchaua dos asurini, e ele dizendo: "Olha, sou aposentado pela Funai"... Funcionário da Funai! Ele disse: "Eu pacifiquei os parakanãs em Tucuruí!" O termo que ele usou foi "pacificação", como funcionário da Funai, porque eles falam línguas muito parecidas. Hoje, ele está preso porque, como outros indígenas, tomou a iniciativa de denunciar o desmatamento. Aí, houve um processo lá em que os madeireiros saíram vitoriosos. Denunciaram o indígena por estar vendendo madeira. Então, o pai, Poraquê, que é o cacique, e o filho, Oliveira, estão presos, mas o intermediário da venda de madeira não está preso, os madeireiros não estão presos...
Então, uma decisão de um juiz, baseada numa provocação do Ministério Público, que tem cumprido um papel importante para a democracia do País...
R
O promotor convocou os índios para conversar sobre o problema, mas, quando eles iam sair do prédio do Ministério Público, a polícia estadual estava lá para prendê-lo. Quer dizer, uma violência institucional. Quem é indígena, quem mora nas periferias, sente-se totalmente desprotegido.
Então, é o que o Dr. Carlos Moura disse: é uma responsabilidade do Estado que vem sendo negada. Não é o Governo, mas o Estado. Daí, pessoas que têm compromisso com o futuro do Brasil devem, dentro das instituições, colaborar, para que a gente possa reverter esse quadro.
Assim, o desejo de sucesso, que só será possível com a resistência popular. Acho que o relatório do Cimi é expressão de compromisso de resistência. Os antropólogos têm sido os profissionais da área científica mais violentados na sua dignidade profissional no debate da PEC nº 215. O que mais se ouve dos latifundiários, dos "agronegocistas", é que os laudos são fraudulentos, mentirosos, que "querem inventar povos indígenas para destruir o direito à propriedade". Isso é muito forte. Não é uma luta fácil.
Mas, durante a semana do dia 19 de abril, daquela ocupação, a Presidente tomou a inciativa de assinar três processos de homologação. Há informações de que há pelo menos 50 que nem implicam conflitividades. Talvez até menos.
Penso que uma grande força que o João Pedro poderia negociar com o Ministro e com a Presidente seria realmente uma agenda positiva para uma situação, sabemos, difícil, em que partidos da base de apoio são os que mais trabalham para o impeachment da Presidente. É algo contraditório isso, não é?
Ontem, falava numa reunião que, se houve cortes nos órgãos - e esse relatório que o Senado colocou no seu jornal hoje mostra, quase todos -, e acho que a Funai está envolvida aqui nos outros, de 6,8%, de 33% de corte. Não entendi bem isso aqui, mas, em todo caso, houve corte. Quando se trata do Programa Safra, houve um crescimento para a agricultura familiar. E a Justiça fala disso; Patrus Ananias não teria muito a reclamar nesse aspecto.
Mas a grande agricultura e o agronegócio, que, no ano passado, contou com 156 bilhões, este ano passa a ter 199 bilhões. São 20%! Muito acima da inflação! Ainda assim, são os beneficiários desse aumento, enquanto a saúde perde 11%, a educação perde quase 10%. O Ministério das Cidades perdeu 53% do seu orçamento este ano, e órgãos menores tão importantes como a Funai estão vivendo dificuldades!
Apesar disso, são os caras que estão querendo aprovar, a qualquer custo, destruir avanços da Constituição, violentar a dignidade inclusive do próprio Governo, cujo partido, às vezes, é oficialmente da base de apoio. Então, essa é uma situação de constrangimento e de violência.
Aquelas pessoas que têm compromisso, a despeito de serem de partidos diferentes, têm de dar a sua força para reverter esse quadro.
Então, querido João Pedro, sucesso! Acho que, se conseguíssemos mostrar à Presidente que, em áreas onde não há competitividade, já se avançou suficientemente, já se indenizou, nem há processo na Justiça pendente; se conseguíssemos demonstrar ao povo brasileiro o compromisso do Governo e da Funai com os nossos povos indígenas, haveria um esforço de negociação e de avanço em outros processos.
Vou concluir, Sr. Presidente, Desculpe-me, mas a fala da Senadora Simone traz um tema que também vem sendo debatido na PEC nº 215, que é essa questão da impossibilidade de desapropriação das terras.
Acredito que deve haver uma mediação. A viagem do nosso Presidente da Funai tem esse objetivo também, porque é verdade que o Estado brasileiro violentou indígenas, especialmente no período da SPI, criando uma série de situações, inclusive de retirada das suas terras.
R
Em outros casos, houve grandes projetos, como a Usina de Tucuruí, que acabei de citar, criando uma crise hoje.
Esses povos citados, inclusive os asurinis, na sua grande maioria, estão adoecidos pelo alcoolismo e outras situações. A violência sexual contra a jovem indígena é assustadora. Trata-se de um povo, cuja última reserva de castanhais no Pará está sendo dizimada. Não são pequenos os desafios.
Há grandes e médios proprietários que não estão na terra de má-fé. Isso é verdade! Indígenas foram retirados. O Estado concedeu até títulos precários ou definitivos. Então, não foi má-fé.
Há uma diferença entre latifundiários, agronegociantes, negocistas, que ocuparam, grilaram, terras. São criminosos. Aí, não dá para a União, numa terra que é sua, pagar indenização para quem criminosamente ocupou a terra da União, inclusive as indígenas.
Nas situações em que não houve má-fé, acho que a PEC nº 71 pode avançar, ser agilizada num acordo com o Governo, para que alguns conflitos possam ser logo resolvidos.
Então, desejo, mais uma vez, boa sorte! Peço desculpas. Talvez não dê tempo para eu voltar. Espero que eu possa voltar, porque, a meu ver, esse debate tem muito a ver com o futuro soberano, justo e democrático do País.
Parabéns. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Quero parabenizar o Deputado pela explanação, pelo conhecimento, pelas sugestões. Quero só adiantar que, depois, vamos pedir à assessoria da Comissão o encaminhamento da fala dos nossos oradores e palestrantes junto com o relatório do Cimi para o Ministério da Justiça e para a Secretaria de Direitos Humanos, no sentido de fortalecermos o nosso Presidente da Funai, João Pedro, para que ele avance o mais rápido possível até nessas proposições que o Deputado Edmilson colocou, ou seja, resolvermos aquilo que já está mais adiantado em relação a terras onde não há tantos atritos e que pode ser equacionado.
Sem dúvida alguma, quanto a essa PEC nº 71, temos conversado muito com a Funai, e ela tem passado diretrizes, no sentido de podermos adiantar e agilizar essas ocupações de boa-fé, como ele colocou, antes de 5 de outubro de 1988.
Vamos ouvir agora a nossa antropóloga, a Drª Lucia Helena.
A SRª LUCIA HELENA VITALLI RANGEL - Bom dia a todos.
Vou fazer alguns comentários e pontuar alguns dados contidos no relatório de violência contra os povos indígenas, de 2014, que preparamos e lançamos, agora, em junho - um pouco atrasado.
Bem, às vezes, as pessoas, sobretudo a imprensa e os jornalistas, querem saber se a violência contra os indígenas aumentou ou diminuiu. Como é um dado anual, em alguns anos, diminui; em alguns anos, aumenta. No ano de 2014, aumentou e muito. Ainda não temos condições de depurar totalmente esses dados, porque não sabemos se aumentou a violência em si ou se aumentaram os números dos registros que fomos capazes de coletar.
R
Como coletamos os dados em imprensa, jornais, sites, blogs, etc., e também a partir de umas fichas que os missionários do Cimi preenchem, nós também passamos a lançar mão de relatórios oficias que continham dados que pudéssemos expor no nosso relatório, como um subsídio, um substrato, muito importante das nossas informações. Às vezes, são relatórios do Ministério Público, das procuradorias. Também a Sesai - a Secretaria de Saúde Indígena - tem sistematizado os dados, que são muito importantes.
Um dos méritos desse relatório é justamente essa juntada de dados e de informações que fazemos anualmente. Como não temos a capacidade de registrar todas as ocorrências em todos os lugares do Brasil, sabemos que o nosso relatório é sempre parcial, mas, mesmo assim, os registros são um pouco assustadores.
Tivemos um número registrado de 138 assassinatos de indígenas no Brasil em 2014. No ano anterior, foram 97. No ano retrasado, foram 70 e poucos. No outro, 60.
Então, está aumentando? Não sabemos se está aumentando de fato ou não. O que sabemos é que a tônica e os fatores de violência contra os povos indígenas no Brasil não se modificam. Os fatores que são os contextos regionais, em que as ocorrências têm como fundamento a disputa pela terra, os conflitos possessórios e o não reconhecimento por parte do Estado das comunidades que são indígenas e que têm o seu direito negado, porque não são reconhecidas como tal.
Esses assassinatos refletem, sobretudo, esses conflitos pela posse da terra. São lideranças, são pessoas envolvidas com os casos de conflito de possessão de terra e casos também de violência interna nas comunidades.
Um dado, por exemplo, muito assustador, em relação ao Mato Grosso do Sul é que, dentro da área indígena, no caso, os guaranis kaiowás sofrem muito mais com isso. Há assassinato dentro da terra. É uma briga porque estavam bebendo, e um enfiou a faca no outro. É uma batida na porta na calada da madrugada: "Ó, Fulano?" Aí o fulano vai lá abrir a porta, "pá", leva um tiro, e ninguém sabe de onde veio esse tiro. No caso, se contextualizarmos o que acontece no Estado do Mato Grosso do Sul, sobretudo nas áreas kaiowá guaranis, é difícil darmos um nome, mas podemos falar numa degradação social, e parece ser o índio o degradado, mas não é.
R
Quem está degradada é a sociedade que promove isso, porque ou, por um lado, você tem a ganância pela posse da terra, a ganância pela especulação dos preços agrícolas, e o Mato Grosso do Sul é um ambiente propício a isso, ou nós temos o tráfico de drogas, enfim, coisas que não são responsabilidade direta dos povos indígenas. Ali é uma fronteira de tráfico de droga, de contrabando de armas. Nós temos uma violência que se estende muito mais além dos casos que registramos aqui.
Então, é um complicador com o qual é difícil lidar, porque como vamos consertar a nossa sociedade?
Um dia, Senador, estava vendo o noticiário na televisão, no sofá de casa, e aí a repórter falou que o empresário norte-americano Bill Gates ia investir no etanol. Quando ela falou isso, eu falei: "Coitados dos guarani kaiowás do Mato Grosso do Sul!".
A culpa não é do Bill Gates,mas, enfim, há um fator que a gente muitas vezes não consegue ponderar. Então, esses dados que mostram a violência, a violação de direitos e tal, eles têm uma explicação e têm um fundamento...
(Soa a campainha.)
A SRª LUCIA HELENA VITALLI RANGEL - ... que está muitas vezes muito além.
Então, nós temos outro dado assustador que é o número de suicídios. No ano passado, tivemos 138 suicídios cometidos, sendo que o maior número, 48 suicídios, aconteceram no Mato Grosso do Sul. E, nesse Estado, fizemos uma conta, e, entre 2000 e 2014, em 14 anos, tivemos 707 casos de suicídio registrados. Isso é um índice muito alto, é um dos maiores índices que a Organização Mundial de Saúde pode registrar.
E nós tivemos também o chocante número de 785 mortes de crianças entre zero e cinco anos no ano de 2014.
Esses são registros da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
O IBGE registra um índice, de que a média nacional de mortalidade na infância é de 17 mortes para cada mil nascidos vivos, e o índice indígena, entre os xavantes, chegou a 141,64 por mil nascidos vivos. Assim como em Altamira, no Pará, depois que se iniciaram as obras da Hidrelétrica de Belo Monte, esse índice também chega a 141,84 por mil nascidos vivos.
São dados impressionantes.
Na área ianomami, registramos 46 mortes de crianças menores de um ano.
E, veja, é importante fazer a relação entre esses dados e os contextos regionais e nacionais.
(Soa a campainha.)
R
A SRª LUCIA HELENA VITALLI RANGEL - Por exemplo, há outro dado: as invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e diversos danos ao patrimônio indígena. Em 2014, houve 84 casos. Mas, se você olhar os dados dos anos anteriores, quando o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados começou a discutir a mudança do Código Florestal, no ano seguinte, houve um aumento absurdo de desmatamento no Estado de Mato Grosso e no sul do Estado do Pará. E a gente pode ver que, aqui, depois, o Código foi aprovado, atendendo às necessidades dos produtores rurais, etc, e abrindo um flanco para o perdão, para a absolvição dos crimes ambientais. E, com isso, eles foram aumentando a cada ano. É só a gente ver e fazer essas relações.
Assim como, para encerrar, há casos de racismo e abuso de poder registrado. Nós temos muito poucos casos registrados, mas eles são muito mais frequentes e diários nas regiões. Vemos esse negócio de entrar no ônibus e ter que sair, de passageiro de ônibus, lá em São Paulo mesmo, levantar e falar: "Perto dessa gente fedida eu não fico". E temos coisas bem mais graves e complicadas, como um jornalista que escreve um texto racista no blog dele. Então, ele afirma inverdades dizendo que os indígenas é que roubam as terras dos fazendeiros e fala um conjunto de besteiras a respeito dos povos indígenas.
E nós vamos ver que também, aqui mesmo, as leis que estão sendo propostas, que estão sendo formuladas, da mesma maneira, não respeitam as referências indígenas. Então, por exemplo, esse negócio de falar desse marco regulatório que em 1988 tinha que estar... Os povos indígenas não contam assim o tempo. Aliás essa referência temporal é uma das preciosidades dos modos de ser, das identificações, as referências míticas, etc. Se nós não somos capazes de compreender isso e fazemos uma lei querendo contar que o ano de 1988 é um ano x... Então, veja, acho que também estamos sendo racistas. É um nó bastante difícil de desenrolar, porque o racismo mora no coração de todos os brasileiros.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - É preciso se fazer uma flexibilidade nesse coração.
Mas, antes da nossa querida Regina, do Piauí se manifestar, quero também registrar a presença do Senador Hélio, do Distrito Federal, que nos honra aqui.
Senador Regina.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Eu quero falar que aqui há esse defeito: participamos de três comissões, e elas acontecem no mesmo horário. Os presidentes das comissões tinham de combinar algumas coisas, porque tudo é interessante, e temos interesse em participar.
Vou falar e vou tentar ficar mais uns dez minutos para ouvir mais alguém e poder ir a outra comissão.
Já fazendo uma proposta, acho que é impossível a gente aceitar por que um processo, se não tem litígio, se não tem conflito, está parado há três anos no mesmo setor do Ministério. Então estou querendo fazer uma proposta à Comissão de Direitos Humanos para fazer uma audiência formal ao Ministro Eduardo Cardozo, porque a gente também sabe que existem os burocratas do poder. Vai chegando processo, outros são colocados em cima, outros em cima, e aqueles que estão lá embaixo são esquecidos.
R
Então, acho que a gente podia fazer isto: ir ao Ministro pedir em relação pelo menos a essa parte em que não há problema. Se não me engano, foi prometido naquela outra manifestação que houve aqui. Os indígenas já estiveram aqui no plenário do Senado, e me parece que, naquela ocasião, foi prometido que pelo menos esses iriam ser feitos. Acho que é preciso que se dê uma resposta.
E quanto à questão que ela falou, da mortalidade, por exemplo, é típico. Eu já fiz audiência pública sobre a mortalidade materna e neonatal, e a gente constata que baixou de 141 para aproximadamente 60. Mas, entre as mulheres negras, o índice subiu. É típico das questões dos segmentos discriminados. A gente precisa fazer um estudo sobre isso. Estou marcando audiência, inclusive, com o Ministro da Saúde para tratar esse assunto. Foi uma audiência pedida por mim.
Então, acho que, concretamente, para a questão indígena, a gente tem que dar um passo. Não adianta ficar fazendo audiências e mais audiências, porque acho que quem está aqui já sensível a isso. Claro que vale, porque tem gente assistindo às reuniões e participando interativamente, mas é preciso ter uma resposta, uma coisa concreta. E é tão simples. E eu acho que essa resposta aqui é simples. É questão mesmo de burocracia que, infelizmente, domina esse nosso Estado brasileiro. Um processo há três anos no mesmo lugar não se justifica, sobre qualquer questão - não só quanto à questão indígena.
Então, o que estou propondo é isto: que se marque audiência, formalizada pela Comissão de Direitos Humanos, para levar representantes dos indígenas lá junto com a gente e o presidente da Funai também, para conversar sobre isso e ver se esses processos saem de baixo para cima. Vê se ele dá um prazo para resolver essa questão para gente, porque isso é importante.
E eu gostaria de receber cópia do seu texto, Patrícia. Eu gostaria que a Comissão providenciasse uma cópia do texto para mim.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigada, Senadora, a senhora sempre presente. A Regina sempre abraça essas causas, principalmente humanas, sociais.
O Senador Hélio José quer falar, rapidamente?
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Pois não. Queria cumprimentar V. Exª, Senador Telmário Mota, pela importância desta audiência pública. Acho que esse relatório da violência contra os povos indígenas no Brasil traz temas importantes a serem analisados.
Queria cumprimentar o João Pedro pela Presidência da Funai, uma pessoa que tem uma vasta experiência nesta Casa, Senador da República, uma experiência de vida na Amazônia. Então, tem grande condição de colaborar bastante na Funai.
Quero cumprimentar o Cleber Buzatto, do Cimi. Acho que o Cimi faz um trabalho importante, que tem de ser reconhecido por todos nós. Eu acho que é um braço da Igreja Católica que vê a fraternidade e a necessidade de uma atenção maior aos povos indígenas.
A Patrícia de Mendonça Rodrigues e a Lucia Helena Vitalli Rangel são estudiosas do assunto, antropólogas. Acho importante, relevante.
O Carlos Moura é representante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Roberto Terena e o Kâhu Pataxó - pronunciei correto? -, nossos dois índios.
Nós achamos fundamental esse diálogo com os indígenas. Afinal, vocês foram os primeiros povos que habitaram o nosso País. E, com certeza, têm de ser bastante respeitados e reconhecidos nos direitos que muitas vezes lhes são tirados. Eu acho que o Telmário aqui é um defensor muito grande da causa. E vocês contem com o nosso apoio nessa luta pela valorização dos indígenas. E que vocês nos ajudem a deixar claro que é possível facilitarmos o desenvolvimento, sem usurpar do povo indígena e levando condição de vida para todos.
João Paulo, quero inclusive ter a oportunidade de ir lá sentar contigo, sinceramente. A minha esposa é de Tocantínia, uma cidade do interior de Tocantins, onde 75% das terras são indígenas, índios xerentes.
R
Tem uma estrada fundamental - Tocantínia fica a menos de 100km de Palmas - de 8km apenas, que atravessa a tribo indígena dos xerentes. Há mais de dez anos, eles vêm enrolando para fazer esse asfaltamento, causando acidentes e prejuízos para os próprios indígenas que querem vender seus produtos. É uma situação ridícula, inexplicável. Por que isso, num país deste, em pleno Primeiro Mundo, onde os índios também, respeitando a sua cultura, precisam ser integrados à vida do mundo? Essa estrada, onde se passa todos os dias, todos os dias, causa problemas e acidentes, poluindo mais o ambiente, gerando poeira - se tivesse o asfalto, não geraria poeira. Até hoje ainda esses 8km não foram feitos. As duas pontes estão prontas, já causaram várias mortes tanto dos moradores de Tocantínia, quando de Lajeado e de outras regiões.
Eu espero agora, com uma pessoa como você, com a sensibilidade de um Parlamentar que você é, que a gente tenha condição de sentar - e vou chamar a Bancada de Tocantins para isso -, conversar com você e resolver de uma vez por todas essa questão do asfaltamento, que será importante tanto para os pobres índios xerentes - essa estrada vai facilitar muito mais para eles -, quanto para os munícipes de Tocantínia, de Lajeado e de Palmas. Esse é um pequeno exemplo.
Sei do problema dos waimiri atroari de Roraima - está aqui o nosso querido Telmário, que é de Roraima.
Eu fui Relator do projeto do linhão de transmissão de energia elétrica para a última capital brasileira que não está ligada ao sistema interligado, que é exatamente Boa Vista; a capital do nosso amigo Telmário poderia desenvolver-se muito mais se tivesse energia, se tivesse energia firme, e não flutuante, energia falha, que vem da Venezuela, dando prejuízo para o nosso País o tempo inteiro.
Então, precisamos ter uma situação de harmonia maior. E aí, João, vejo essa grata surpresa - eu nem sabia que você estava na Presidência da Funai - de você estar presidindo a Funai. Estamos aproveitando a presença do Cimi e dos antropólogos aqui para termos um diálogo mais construtivo. Não dá para continuarmos no radicalismo de uma parte e nem de outra.
Para os waimiri atroari, seria fundamental a renovação do acordo com a Eletronorte - você sabe disso -, que é fundamental para eles. Seria importante para o Estado de Roraima essa interligação com o sistema interligado. O prejuízo desse linhão que liga Manaus a Roraima é muito grande, numa área totalmente antropizada, ao lado da BR já asfaltada, que existe lá ligando Manaus a Boa Vista.
Nós temos que ver alternativas e sair dessa situação vigente que parece que nunca anda.
Por exemplo, voltando ao caso de Tocantínia: se lá for necessário um pedágio, que aquela tribo indígena tenha condição de ter um pedágio, um dinheiro para ajudar a investir, que tenha, mas que não se impeça de fazer o asfalto. Estão lá há dez anos sem fazê-lo. Inclusive, ao Cimi é necessário... Todo mundo fica acusando o Cimi e a Funai que não têm sensibilidade, que ficam entrando com embargo, embargo, embargo e levando os indígenas e a população ao prejuízo por esta questão não estar concluída.
Então, é preciso ter sensibilidade para dialogar sobre essa questão, para conversar e encaminhar de uma forma que seja boa para os povos indígenas, boa para a população, boa para o Estado, boa para todo mundo. Não dá para ficar assim: nem um lado e nem outro tem razão 100%. Todo mundo tem que ter razão no processo. Temos que chegar a um consenso.
Então, parabenizo V. Exª, Senador Telmário. E eu nem sei se esses dois assuntos que trouxe aqui estão no relatório. Como a Senadora Regina acabara de colocar, eu estava lá na Comissão de Infraestrutura e na CAE. Funcionam várias comissões ao mesmo tempo, todas fundamentais. Gostaria de estar aqui, e vim exatamente para desejar a minha solidariedade a você, que é o nosso grande representante do povo indígena aqui - a gente reconhece isso. Você tem feito vários pronunciamentos no plenário do Senado defendendo o direito dos povos indígenas. Então, não poderia deixar de estar aqui para prestigiá-lo, dizer que estamos juntos na luta e que temos de trabalhar em prol dessa situação complexa.
R
Obrigado. João, vou lá visitá-lo e tomar um café. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Então, a gente ouviu o Senador Hélio José.
Vejam a complexidade. É tanta complexidade que o João precisa cada dia mais do nosso apoio. É bom que o Senador Hélio José tenha esse sentimento, porque tudo é construção. É preciso conversar com as comunidades, sentir, ver o seu lado, ver a sua realidade. São debates que, naturalmente, às vezes trazem um bom resultado, sempre com o entendimento. Essa é a logística. Quando nós queremos a energia, quando nós queremos a estrada, abrimos o diálogo. Agora, quando os índios querem as terras deles recebem bala. Isso é ruim! Então, deveria vir também o diálogo.
Vamos ouvir o nosso representante pataxó, que vem do Estado da Bahia. Passei 14 anos na sua terra e me formei lá.
Com a palavra Kâhu Pataxó.
O SR. KÂHU PATAXÓ - (Pronuncia algumas palavras em língua indígena). Bom dia a todos. O meu nome é Kâhu Pataxó, sou líder do meu povo, o povo pataxó, presente no Estado da Bahia, no extremo sul da Bahia, onde, a história conta, ocorreu o famoso Descobrimento do Brasil. Então, posso dizer com propriedade e sentindo na pele o que é de fato a violência contra os povos indígenas no Brasil.
Queria, primeiro, Senador Mota, agradecer esse espaço para falar, mas também repudiar esta Casa na situação da polícia legislativa, que sempre trata os povos indígenas com discriminação.
Hoje, o nosso cacique foi impedido de entrar com o nosso instrumento de canto, o nosso instrumento de ritual, e esse fato é uma falta de respeito muito grande... (Palmas.)
...porque a gente vê muitos evangélicos entrarem aqui com suas Bíblias. Se fôssemos comparar o tamanho de uma Bíblia e o de um maracá, veríamos que, como arma, a Bíblia é muito mais perigosa, porque ela pode matar pelo seu peso.
Então, a gente gostaria que a discriminação religiosa não ocorresse nesta Casa, por meio da polícia legislativa; que fossem respeitados o uso e o costume dos povos indígenas, dos povos tradicionais. (Palmas.)
Dito isso, colocado o meu repúdio, gostaria de expressar a indignação com relação à violência sofrida por nossos povos indígenas, começando há 515 anos, quando os então descobridores do Brasil iniciaram um processo que até hoje permanece. Antes através do colonialismo, agora através da República, que utiliza a sua força militar, a força do Estado, para que a gente seja violentado.
Antigamente, eles utilizavam as suas capitanias hereditárias para tomar as nossas terras. Era feito dessa forma. Hoje em dia, eles dão o título para aqueles que se dizem donos, porque nós fomos retirados, e não foi de forma pacífica.
Com o povo tupinambá - isso está registrado na História -, foram colocados na beira da praia 8km de corpos, um ao lado do outro. Alguém tem ideia do que são 8km de corpos? Esse foi o início do genocídio.
Então, quando se fala da violência contra os povos indígenas, a gente vê que a violência não é só feita por aqueles que são fazendeiros, para aqueles que se dizem proprietários de nossas terras. É feita pelo Estado brasileiro, que se omite em dar uma carta declaratória, se omite em homologar uma terra indígena.
R
Dizia o nosso ex e para a gente sempre Governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner, que é muito mais violento você se omitir de fazer do que dar solução ao problema. Ele dizia isso porque, no Estado da Bahia, com a terra Tupinambá de Olivença, iniciou-se um processo, em 2013, uma retaliação à questão da demarcação da terra tão grande que, só em 2014, de 15 indígenas assassinados na Bahia, 10 eram dentro do território Tupinambá de Olivença.
Para a gente ter uma ideia, o Estado brasileiro utilizou, primeiro, a Polícia Federal para fazer o que eles chamam de reintegração de posse dentro do nosso território e fazer uma prisão arbitrária do nosso cacique Babau. Eles utilizaram uma força tão grande que a comunidade, quando recebeu a polícia, esta estava com 20 carros, um rabecão... Para quem não sabe o que é um rabecão, é aquele carro que carrega defunto. Eles foram preparados, porque eles sabiam que iam matar. Eles estavam usando armamento de calibre .50! Nós estamos falando de calibre grosso! Eles utilizaram bombas! Então, eles foram preparados para a guerra.
A comunidade resistiu, a reintegração não foi feita, e eles pensaram que nós éramos medroso, que não éramos guerreiros, porque, se a terra é nossa, nós vamos garantir... (Palmas.)
...seja através da luta na Justiça, seja na luta direta, no corpo a corpo.
Não dá mais para aceitar que o Estado brasileiro envie a Força Nacional, uma força especializada, com Polícia Militar, Polícia do Exército, Polícia Federal, para ir para uma terra indígena dizendo que vai fazer a segurança. Sabe o que eles faziam todos os dias? Iam para dentro da comunidade atacar. Toda noite, todo amanhecer, a Força Nacional fazia isso. Todos os indígenas que passavam lá eles faziam questão de revistar. E era uma revista em que, por ser uma área onde chove muito, eles jogavam o indígena no chão, mandavam que ele ficasse de cara para o chão e o revistavam. O índio, indo para a escola ou para a cidade, era só lama. Essa é a forma que o Estado brasileiro trata os indígenas.
Não satisfeitos com isso, a nossa Presidente e o Estado brasileiro mandam o Exército para o território tupinambá. Gente, nós estamos falando do Exército Brasileiro, um exército que é treinado para enfrentar outras forças armadas. Eles estavam com seus fuzis, com suas escopetas, dentro da terra indígena, ameaçando a comunidade, fazendo operação dentro da comunidade. Eles entravam na mata, entravam no nosso território e saiam dentro da terra indígena, passando por dentro de tudo, ameaçando, sendo, às vezes, racistas e preconceituosos, porque, quando encontravam um indígena eles diziam piadinhas. Isso aconteceu dentro de uma terra indígena no nosso território, dentro do Estado da Bahia.
Nós temos o caso também da terra indígena Barra Velha, que é a minha terra-mãe, é a terra-mãe do povo pataxó, onde a gente nasceu, de onde a gente saiu. No ano passado, a força policial, a força federal, e uma especializada do Estado da Bahia...
(Soa a campainha.)
O SR. KÂHU PATAXÓ - ...que é a Caema (Companhia de Ações Especiais da Mata Atlântica), especializada em roubo a banco, foram para a terra indígena para fazer uma reintegração de posse com um aparato policial nunca visto no Estado. Eram mais de 300 homens para 20 lideranças. Só para a gente saber, dentro dessas 20 lideranças, havia crianças, porque quem estava lá era a comunidade, mas eles estavam dizendo que não, que estava uma quadrilha. Como disse a nossa liderança Terena, cacique, hoje, não é mais reconhecido como uma autoridade de Estado; é reconhecido como formador de quadrilha, no mínimo um Fernandinho Beira-Mar.
Eu digo isso porque, quando o Babau foi preso, ele foi levado simplesmente para a penitenciária de Mossoró, a penitenciária de segurança máxima onde fica o Fernandinho Beira-Mar.
R
É assim que as lideranças, os caciques são tratados no Estado brasileiro; é dessa forma, com essa discriminação, é desse jeito que somos tratados.
Em 1951, a força policial do Estado da Bahia dos Municípios de Prado e Porto Seguro entrou na minha aldeia, Barra Velha, e fez um massacre: estuprou nossas índias, fez escalpe dos nossos guerreiros e tocou fogo em nossas casas.
Esse é o Estado brasileiro que a gente tem.
No Estado da Bahia, nós temos outra comunidade, a de Porcos do povo xakriabá, onde a Funai não entra. Salvo engano, no ano passado, o carro da Funai foi alvejado, e a Funai não retornou até hoje à comunidade. A Polícia Federal foi comunicada. Ninguém fez nenhuma investigação.
O Padre Albanir, que fazia atendimento à comunidade, por ter uma igreja dentro do Município de Cocos, foi proibido de entrar lá. Hoje, ele não mais permanece naquela paróquia, porque simplesmente atendia à comunidade indígena. É nesse Estado brasileiro de violência que a gente vive. É essa situação que a gente vive.
O cacique hoje não permanece mais dentro da comunidade. Hoje, o cacique está sob a proteção do Estado da Bahia, vive em outra comunidade. Não vive mais dentro da comunidade de Porcos, porque a ordem que existe lá para os pistoleiros é para matá-lo se ele entrar lá. A ordem é essa.
Então, quando analisamos isso, ficamos muito preocupados com a situação.
(Soa a campainha.)
O SR. KÂHU PATAXÓ - Não somos contra o desenvolvimento e a melhoria do País. Agora, só queremos que nos respeitem.
Não dá para pensar que, simplesmente por causa de uma estrada, meu povo sofreu. Foi por causa da BR-101 e da BR-367 que as nossas índias sofreram abuso e exploração sexual; tudo por conta de uma estrada, simplesmente. Não é outra coisa, não; simplesmente estradas, onde passam caminhoneiros, pessoas que não têm respeito algum a nenhum povo, nem a elas próprias.
Então, cabe a nós simplesmente aceitar uma estrada?! A custo de quê? Será que essa estrada, de fato, vai beneficiar a comunidade? Em quê? Pedágio?! Nossa! Que a comunidade ganhe R$10 mil, R$20 mil? Isso vai ajudar realmente que a comunidade consiga se recuperar de um trauma?
Eu tenho certeza de que a exploração sexual vai acontecer como aconteceu dentro das minhas comunidades, pois a estrada traz um desenvolvimento ruim, que atrapalha, porque o Estado brasileiro nunca está preparado para fazer nenhuma intervenção antes. O Estado brasileiro está acostumado a pensar numa solução só quando o problema se instalar e depois de muitos anos instalado.
Eu conversava ontem com o Presidente da Funai sobre um território nosso que há muitos anos nenhum Presidente... Gostaria de registrar que o único Presidente, como dizemos na nossa terra, que teve "colhão" para assinar um relatório foi o João. Os presidentes anteriores não queriam assinar . Desde 2010, esse relatório estava pronto e simplesmente, por causa de uma situação política, o Presidente não assinava a carta declaratória, o relatório antropológico.
Portanto, o Estado brasileiro, com todo o respeito, é um Estado porco, porque não respeita nada: não respeita os povos tradicionais, não respeita a comunidade negra, não respeita o pobre, não respeita ninguém. O Estado sempre se utiliza das suas força e, às vezes, da sua posição como Estado para impor muitas coisas.
R
Um Ministro da Justiça fica muito tempo com várias cartas declaratórias - cito o caso dos tumbalalá, que é um território onde não há questionamento algum - e não assina a carta declaratória. O Ministro se omite a assinar, simplesmente porque disse que ele tem um embargo judicial para assinar qualquer tipo de carta declaratória. E para que há a AGU? Para quê? Simplesmente para dizer que existe uma Advocacia-Geral da União onde o Ministro nunca é defendido?
Então, desculpem-me estender tanto a minha fala, mas é mais do que um desabafo.
E aí, Senador, gostaria de fazer um convite: que a Comissão possa ir ao Estado da Bahia fazer uma visita a essas comunidades, a esses territórios, porque a situação é calamitosa; é emergencial uma ida lá para que a situação se resolva. Não é possível que fiquemos todo ano... A delegação pataxó e tupinambá, do extremo sul da Bahia, vem todo ano, três vezes ao ano, conversar com o Presidente da Funai, conversar com o Ministro da Justiça e com representantes da Presidência da República; todo ano é a mesma história, "nós vamos resolver, nós vamos resolver", e a gente sempre volta com o mesmo discurso. Essa situação não dá, e a gente precisa, de fato, da ajuda desta Casa, desta Comissão, para que a gente consiga resolver a situação.
E, se formos ver o custo dos nossos territórios hoje, está muito grande. E eu não estou falando do ponto de vista financeiro, estou falando do custo de vida. Foi preciso que morressem muitas lideranças, como no caso de Caramuru, para que o Supremo julgasse em 2012 - e nos foi favorável -, depois de mais de 30 anos! Lá dentro, o processo demorando... Depois da morte de Galdino, depois da morte de mais de 30 lideranças lá foi que conseguimos ganhar. Mas ganhamos parcialmente, porque hoje há várias decisões de reintegração de posse dentro do território que o Supremo disse que é nosso; reconheceu o nosso território, dizendo que o Estado da Bahia deu títulos ilegais para esse território. E aí nós vemos que, mesmo assim, não temos garantia, porque a mesma Justiça vem fazendo um processo de reintegração de posse, entregando novamente.
A gente diz - e aí aproveitando a fala do Cimi - que a 2ª Turma tem o entendimento de que a terra só pode ser tradicional se houver um esbulho possessório ou uma disputa real do território; e o genocídio a gente não pode considerar como uma disputa? Porque a gente morre lá dentro! Dentro da minha terra lá, tem sangue do meu povo derramado por causa da luta! O povo tupinambá... Foram 8km, e isso está registrado num documento de Governo! Não é só a gente falando não, não é registro só nosso não! É dentro de documento de Governo! Está lá! Isso não é disputa? Então, isso é o quê? Como é que a gente pode ter uma Turma que entende que aqueles que tiraram a gente, há 100 anos, à base de bala, à base de punhal, à base da morte da gente é o dono real do nosso território?
Eu gostaria de colocar outro dado interessante. No Estado da Bahia, dos cerca de 21 povos, 10 são povos que não são originários do Estado da Bahia; são povos que vieram de conflitos instalados em outros Estados, e a Funai, ou de forma... Foi necessário que eles viessem para o Estado da Bahia. E aí a gente vê que a posição da Funai com relação a esses povos é de que "deixem eles lá que a gente não tem compromisso nenhum, porque eles não são deste Estado; são de outro Estado". A gente vê a omissão real do Estado com relação à questão indígena.
Gostaria de salientar também e pedir que os nossos Deputados e Senadores aqui presentes de fato nos ajudem com esse processo da PEC 215, da PEC 38, porque elas só vão promover uma coisa que o Estado sempre quis, e só era necessária uma lei para que isso pudesse ser feito, que é o genocídio. Com a PEC 215 e a PEC 38, vamos iniciar uma guerra civil no Estado brasileiro nunca vista antes.
R
A gente vai voltar a uma guerra civil que, com certeza, culminará na extinção dos povos indígenas do Brasil. Isso é o que a gente prevê. Se essas PECs passarem, a gente vai ser exterminado, porque, com certeza, a guerra civil vai instalar-se no Estado da Bahia.
Peço desculpas por ter-me alongado tanto, mas eu precisava fazer este desabafo.
Presidente da Funai, gostaria de convidá-lo, quando esta Comissão for lá, para o senhor fazer uma visita aos nossos territórios também. Há uma necessidade muito grande de que o Presidente da Funai veja de perto as realidades, porque fazer política indigenista de gabinete, com certeza, nunca deu certo, e a gente viu isso com os presidente anteriores. E a gente sabe, pelo menos a gente tem sentido, que o senhor tem esse compromisso de fazer uma política indigenista diferente, e a gente espera que isso ocorra de fato, porque a forma que a gente está vendo no Estado brasileiro não dá mais.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Acho que a sua fala retrata toda uma realidade que, infelizmente, não é peculiar só à Bahia. A gente vê os próprios índices negativos aqui apresentados nesse relatório do Cimi, que foi a razão desta nossa audiência. E eu acho que a fala de todo mundo contribuiu bastante. Nós vamos catalogar todas essas falas no relatório, vamos pedir uma resposta ao Ministro da Justiça, do Ministério de Direitos Humanos. E também, Patrícia, nós vamos anexar o seu relatório. Nós vamos encaminhá-lo e vamos também remeter para a Segunda Turma do Supremo Tribunal, Cleber, para também cobrarmos deles outro posicionamento.
Eu acho que o companheiro Kahú colocou bem aqui a questão do genocídio. Isso caracteriza... Quer dizer, se for esperar dali para cá, não é verdade? Então, há tudo isso. E vamos também...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Claro, a proposta da Senadora é extremamente... Vai ser catalogada. Nós vamos também compensar... Eu quero que aqui a Comissão aproveite a... Que a própria Funai também nos informe as áreas que estão aí nessa situação, João, para irmos juntos aonde estiver o Ministério Público, o Supremo, de sorte que possamos agilizar; que isso não fique só no discurso, não fique na falácia, que possamos ser um braço de apoio nesse sentido. Eu vou estar empenhado nesse sentido.
A Senadora Regina fez uma colocação interessante. Também é importante que a gente acolha a fala dela e trabalhe para avançar e evitar esse genocídio, esses assassinatos, esses conflitos, porque o Brasil não é disso. O Brasil, acho, é um país sempre diferente e, se é pacífico com os outros, tem de ser pacífico com o seu próprio povo, não é? Ninguém vive em conflitos internacionais. Também não vamos ficar em conflitos internos quando há necessidade realmente de a gente agir.
Agora, naturalmente, também com relação aos Parlamentares da Bahia, nós vamos conversar: com o Walter, vamos conversar com o Otto, vamos conversar com a Senadora Lídice da Mata, que tem essa sensibilidade.
Você tem razão com relação a essas PECs. Hoje, aqui no Senado, eu posso lhe garantir que a PEC 215 tem uma quantidade de pessoas que podem rejeitá-la. Ninguém sabe na hora em que ela vier aqui como o capitalismo pode pressionar e fazer algumas modificações. Mas não há duvida: vamos estar sempre de portas abertas nesse sentido.
Eu estava também conversando aqui com o João. Ontem eu estive no BNDES. O BNDES tem ali da Noruega, tem da Alemanha, 1 bilhão ali para extrativismo. Você sabe que o meio ambiente... Em uma reserva, em uma unidade de conservação extrativista, não se perde o domínio da terra. Não se pode quebrar a biodiversidade dela. Pode-se explorá-la com turismo, com subsistência, podem-se fazer pequenas e grandes criações. Nessa área, pode-se ter agricultura, mas de forma que seja também sustentável. Então, são recursos a fundo perdido... Ouviu, João? Fundo perdido. Precisando, nós vamos ajudar.
R
A Funai está desaparelhada, a Funai está realmente sem essas condições. É estrutural. Acho que isso foi feito até com um certo propósito e, claro, o João agora vai ter que mendigar aqui dentro conosco, e nós vamos estar junto com ele ajudando em uma repartição melhor, quando for votado o Orçamento, para que a Funai possa receber mais recursos, para que ela possa atuar e fazer as suas operações, que muito dependem disso.
A gente vê isso muitas vezes. Por exemplo, no meu Estado, eu vejo permanentemente as comunidades irem à Funai, e há um trabalho em todos os sentidos para fazer a Funai tornar-se um órgão negativo, até perante a própria comunidade. Às vezes, chego lá, ele quer um transporte, quer isso, quer aquilo - às vezes, não está bem definido em que a Funai pode ajudar -, aí chega o político lá e diz: "Olha, você não tem isso? Você não tem gado? Você não tem transporte? Você não tem estrada? Você não tem escola? A Funai, cadê a Funai?".
Então, quer dizer, como se a Funai fosse um monstro.
Eu sempre tenho dito e disse muito na minha comunidade, onde tive 90% dos votos indígenas. Lá são 18 mil; dá para eleger dois federais. Não elegeram porque ainda estão desorganizados, mas eu tenho muita gratidão e tive uma votação maciça dentro das comunidades.
Mas 13% dos votos do Estado são indígenas. Então, tem muito peso, há muitas condições de fazer.
Mas o que acontece?
Eu dizia que a Funai é para as comunidades indígenas como um esteio é para uma casa: se derrubar a Funai, cai, quebra tudo. Ela precisa mesmo mudar o seu foco indigenista. O João está muito atento a isso, está ouvindo, já está tendo essas diretrizes, essa coragem. E eu queria também, cumprimentando-o, sugerir uma audiência. Eu queria depois que você passasse para nós as comunidades que precisam da presença desta Comissão, a Comissão de Direitos Humanos. Quero aqui já fazer uma convocação para irmos à Bahia, a essas localidades de atrito, onde está havendo os atritos, convidando o próprio Presidente da Funai para ir conosco, o João, para, in loco, convidarmos os órgãos competentes. Vamos, junto com a Comissão do Senado, convidar as pessoas.
E, com relação à polícia legislativa, sempre acontece isso. Infelizmente, isso acontece. Se fosse o presidente de um banco internacional, passaria com toda a segurança, com tudo. No Dia do Índio, aqui, nós quebramos esse protocolo, e todo mundo entrou: as 81 vagas do Senado foram ocupadas por indígenas; todo mundo teve voz. Tivemos, na ocasião, a oportunidade de quebrar um pouco esse protocolo que ainda discrimina os companheiros, os parentes indígenas.
Mas eu queria agradecer aqui a presença de todos. Daqui, dá para sair um bom caminho, dá para sair conteúdos suficientes para a gente abraçar essa causa, uma causa que é triste, porque se trata de fazer uma reunião desse tamanho para discutir exatamente a violência. É a violência contra um povo que já não merecia estar na pauta da violência; deveria estar na pauta do amor, na pauta da construção, na pauta do atendimento.
E, também, o que se viu aqui, João - e aí a Funai também tem de cobrar um pouco -, é a questão da saúde indígena. Os DSEIs (Distritos Sanitários Especiais de Saúde Indígena) hoje recebem uma quantidade enorme de dinheiro e são manipulados politicamente - eu tiro isso pelo meu Estado. Até, um dia desses, grandes empresários se mataram lá, por causa do transporte aéreo dos ianomamis, porque, se estão se matando os milionários por causa disso, é porque há muito dinheiro ali.
Então, isso tem que ser visto. Às vezes, o dinheiro está se perdendo com a logística, criada burocraticamente para desviar recursos, para alimentar a corrupção, e, verdadeiramente, a saúde não está chegando. Hoje, graças a Deus os indígenas estão com médicos dos 34 DSEIs por causa do Programa Mais Médicos, que é um programa fantástico da Presidente Dilma. Se não fosse o Mais Médicos, continuavam esses DSEIs sem médico assistindo, ou, então, estariam usando ali a Medicina municipal, de uma carência enorme, que os próprios Municípios não teriam condições de estar ocupando.
Então, o Programa Mais Médicos vem aí atendendo 63 milhões de brasileiros, mais de quatro mil Municípios, mais de 18 mil médicos, num programa em que a Presidenta foi extremamente atacada, de forma cruel e covarde - a gente sabe por que e sabe quais são as empresas. Hoje, está aí atendendo, de forma mais humanizada, a saúde. Está chegando às pessoas mais carentes. E as comunidades indígenas, principalmente, hoje, se têm a presença de um médico, isso é graças, um pouco, a esse Programa Mais Médicos. No entanto, não precisavam do Programa Mais Médicos, porque o dinheiro hoje disponibilizado nos DSEIs é muito.
R
Agora, ele se perde muito, como eu falei, na parte logística, na parte burocrática e também, infelizmente, na corrupção.
Eu tenho cobrado isso. Aonde as denuncias têm chegado, eu tenho cobrado do Ministério, tenho cobrado do Ministério Público, tenho cobrado dos órgãos competentes, porque não é esse o propósito do Governo. Aí é fácil depois jogar pedra no Governo e dizer que o PT é um governo isso ou aquilo. Ora, o Governo abre o caminho, agora falta os órgãos fiscalizarem. Aí ficam pegando um e outro e fazendo alguns bodes expiatórios.
Então, fica aqui a nossa gratidão por todos que aqui estiveram, contribuíram e somaram, e quero aqui colocar muito mais para todos os órgãos que estiveram aqui e para as comunidades indígenas: o nosso gabinete está sempre de portas abertas para defendermos as nossas causas.
Eu tenho esse compromisso. Nós temos aqui um Estatuto do Índio há mais de 20 anos parado. Eu tenho a intenção... Todos os estatutos já passaram, o estatuto de tudo aqui no mundo já passou. O do índio está há 20 anos - viu João? Então, eu quero ser um braço de apoio. Eu queria aqui pedir ao Deputado... Está parado ali na Câmara, mas nós vamos falar ali com o imperador, que agora a Câmara Federal tem um imperador, para ver se o imperador libera; se cai nas graças dele também liberar. O que é para tirar do trabalhador o imperador faz andar; agora, quando é para ajudar a sociedade, o imperador bota debaixo de um cofre e joga a chave no mato.
Opa, obrigado, muito obrigado aqui.
Então, encerramos aqui esta reunião e muito obrigado. (Palmas.)
(Iniciada às 08 horas e 45 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 06 minutos.)