01/07/2015 - 30ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Havendo número regimental, declaro aberta a 30ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
Submeto à apreciação do Plenário proposta de dispensa de leitura das atas das reuniões anteriores e a aprovação das mesmas.
Os Senadores e Senadoras que estiverem de acordo permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A presente reunião, convocada na forma de audiência pública, atende ao Requerimento nº 19, de 2015, da Comissão de Educação, de minha autoria, para a realização de audiência pública destinada a instruir o Projeto de Lei do Senado nº 343, de 2011, que institui o mês de março como o Mês da Poesia, de autoria do Senador Paulo Paim.
Dando início à audiência, solicito ao Senador Hélio José que conduza os nossos convidados para fazerem parte da Mesa.
Convido o Dr. Carlos Fernando Mathias de Souza, Presidente da Academia Brasiliense de Letras; o poeta Nicolas Behr; a Srª Sylvia Cyntrão, Profª da UnB, especialista em poesia brasileira e portuguesa.
Sejam todos bem-vindos!
Bom dia!
Eu gostaria de dar as boas-vindas aos nossos convidados e agradecer, desde já, a contribuição e participação nesta audiência pública solicitada por mim para instruir o projeto do Senador Paulo Paim, que gostaria muito de estar presente aqui entre nós, mas neste momento ele está presidindo, na Comissão de Direitos Humanos, uma audiência pública também, para discutir um assunto de extrema relevância, inclusive com a presença do Ministro da Cultura, Juca Ferreira. Então, considerando que hoje, quarta-feira, é um dia de intenso trabalho aqui no Senado Federal, tanto que, agora mesmo, eu tive de me ausentar da Comissão de Assuntos Sociais, em que estávamos discutindo um pacto nacional contra a mortalidade materna e infantil. Lá também estão presentes diversas entidades da sociedade civil, do Ministério da Saúde, do Ministério que representa as mulheres brasileiras, para discutir os resultados desse pacto, assinado há mais de 10 anos, saber exatamente como tem evoluído as ações de combate à mortalidade materna e infantil em nosso País.
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Eu gostaria de, aqui, falar um pouco sobre a importância desta audiência pública. Porque nós vivemos, neste momento, Senador Hélio José e todos nossos convidados, um momento aqui no Congresso Nacional, em que se discutem temas muito difíceis, temas muito pesados como, por exemplo, a questão da redução da mortalidade, a redução da mortalidade materno-infantil. Discutimos também questões como a redução da idade penal, que tem sido aqui um grande debate, tanto na Câmara quanto no Senado. Um tema que mexe com o sentimento, mexe com a vontade da população brasileira por mais segurança pública. Eu penso que esses índices elevados de aceitação da redução da maioridade penal se devem à exigência da população por mais segurança pública. Não é que a população queira colocar nossos jovens nas prisões. O que ela quer é mais segurança pública. E nós sabemos da importância de o Brasil cumprir com o Estatuto da Criança e do Adolescente e oferecer às nossas crianças educação de qualidade, oferecer um suporte maior às famílias brasileiras. Colocar essas crianças nos presídios, que são um verdadeiro terror, são fábricas de criminosos, seria elevar os índices de violência em nosso País.
Portanto, no momento em que se discutem tantos temas que mexem com a emoção das famílias brasileiras, é bom a gente discutir um pouco a poesia. A poesia que é um gênero literário que tem o poder da imaginação e é uma das melhores formas de expressão humana. A poesia pode ter, em breve, um mês todo para ser declamada, apreciada, elogiada e referenciada.
Então, a instrução desse projeto de lei, que é de autoria do Senador Paulo Paim, tem a intenção de, aqui, a gente debater e conversar sobre a criação do Mês da Poesia, o mês de março, e homenagear também o poeta Thiago de Mello, um poeta reverenciado no mundo inteiro.
Para iniciar, vamos passar a palavra...
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Senadora...
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Pois não, Senador Hélio José.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Eu gostaria de cumprimentar V. Exª pela brilhante iniciativa.
Eu, como pessoa que nasceu no mês de março, no dia 09 de março, fico muito lisonjeado de o mês de março ser o Mês da Poesia. Nós que nascemos em março, os piscianos, somos pessoas que têm um sentimento bastante aguçado com relação à questão poética. Eu acho muito propício de esse mês ser o Mês da Poesia.
Queria cumprimentar nosso querido Prof. Carlos Mathias por seu vigor, sua disposição e energia em defender a questão da Academia Brasiliense de Letras, o que nos orgulha tanto por estar aqui com tanto vigor e tanta vontade de bem defender a cultura nacional.
Queria cumprimentar também nosso Nicolas Behr, esse jovem poeta brasiliense e que tem nos ajudado muito a falar coisas belas para nosso povo, e à Sylvia, aliás, eu estava até conversando com ela, que tem uma ONG importante e que discute essa questão da poesia. Eu acho que está muito bem representado.
Eu vou me ausentar, porque, como a senhora disse, é intenso o debate aqui, hoje, na quarta-feira, e, como sou membro titular da CDH, há um requerimento de minha autoria sobre a mesa que eu preciso ler, e também participar um pouco dessa audiência com o Ministro Juca Ferreira. Mas eu quero deixar registrado aqui a relevância dessa audiência pública para instruir esse projeto, e a qualidade dos convidados, que nos orgulha muito como Senador por Brasília. São três personalidades de nosso Distrito Federal, de Brasília, que bem representa esta cidade contemporânea, mas que já tem uma certa história.
Muito obrigado. E viva o verso! Não é, minha querida Sylvia!
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Muito obrigada, Senador Hélio José, pela presença, pela participação.
Informo que a audiência tem cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão: Alô Senado, por meio do telefone: 0800 612211, e por meio do Portal e-Cidadania, por meio do site www.senado.gov.br/cidadania, que transmitirá, ao vivo, a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
Então, para iniciar, eu concedo a palavra ao Sr. Carlos Fernando Mathias de Souza, Presidente da Academia Brasiliense de Letras.
Com a palavra, o Sr. Carlos.
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O SR. CARLOS FERNANDO MATHIAS DE SOUZA - Eminente Senadora Ângela Portela, por intermédio de quem cumprimento todo o Senado e, especialmente, os membros desta grande Comissão, desta importante Comissão de Educação Cultura e Esporte do Senado Federal.
Eu tenho com o Senado uma espécie de solidariedade genética, porque um saudoso tio serviu ao Senado por dois mandatos, o segundo ele não completou, no Rio e depois aqui. E a minha mulher - as mulheres estão sempre mandando, não é? - e mais dois Senadores: o saudosíssimo, esse referência histórica, que é Júlio de Castilhos, do Rio Grande do Sul, terra do Senador Paim, e Vespúcio de Abreu. Mas eu não vou exaltar isso não, porque a minha mulher já manda demais, e se eu disser que são dois Senadores contra um, eu já estou saindo com o handicap negativo.
O tema que nos traz aqui - o Senador Hélio José disse que é nascido no mês de março; eu me sinto um pouco também em causa própria, porque eu também sou de 25 de março, e não é em homenagem à rua de São Paulo, nem à anunciação de Nossa Senhora, eu sou católico; só que ele é pisciano e eu sou ariano - é da maior importância. Tudo aquilo - peço licença para dizer o óbvio, que o Nélson Rodrigues chamaria de óbvio ululante - que se fizer em prol da difusão, da disseminação, do ensino, do cultivo à literatura brasileira, de forma mais ampla, não só à poesia, porque a poesia é a palavra pejada de conteúdo - não sei se concorda a Profª Sylvia Cyntrão, minha colega da Universidade de Brasília -, mas eu sou fiel de outra paróquia, eu vim do Direito, onde eu sou professor aposentado -, não só a poesia, como toda a literatura.
A Senadora exaltou muito bem a figura de Thiago de Mello, um grande poeta, mas há mais alguns. Felizmente somos um País de grandes poetas. Se nós queremos, por exemplo, exaltar os valores hoje, quando se fala tanto da defesa dos direitos humanos, da defesa dos negros, temos a figura de Castro Alves. Imaginem um jovem, em uma sociedade escravocrata, quebrar, enfrentar os tabus, os rigores, a ordem, o establishment, e ele indo defender, quando tudo lhe era adverso, e nos dar esta coisa como Vozes d' África, O Navio Negreiro, enfim, não precisamos dizer mais sobre Castro Alves.
No momento em que nós tanto defendemos os índios, um indigenista do nível de um Gonçalves Dias. Ele não tinha a preocupação em ser indigenista. Não havia Funai. Não passava pela cabeça dele, mas esta coisa extraordinária, como Os Timbiras, Canção do Tamoio, enfim, outros tantos que defenderam.
Eu deveria ter começado pelas mulheres: Cecília Meireles. Para quem quiser defender a liberdade, está aí o Romanceiro da Inconfidência, da Cecília Meireles, e, homenageando todas as professoras e as mulheres bonitas, como é a Senadora, a Cecília era uma mulher muito bonita. Eu tive o privilégio de conhecê-la na casa do meu saudoso mestre, Joaquim Ribeiro. Como era bonita! E ela ao piano. Além de todos os méritos, ainda tocava piano. Ela e a Marisa Lira. Estavam as duas. Eu disse: "Caramba, isso é uma coisa de emoção".
Bandeira dizia que a primeira vez em que ele viu uma mulher nuinha no banho, na Evocação do Recife, ele teve o seu primeiro alumbramento. Pois o meu primeiro deslumbramento foi ver aquela mulher bonita ali, ao piano, e eu perguntei: "Quem é essa moça que toca tão bem?" E ele me disse: "É Cecília Meireles." E eu disse: "Senhor, eu não sou digno de estar aqui, nesta roda". E, de fato, o Romanceiro da Inconfidência, que coisa extraordinária.
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Então, ao lado de tantos poetas - e não podemos esquecer Thiago de Mello. E Mário de Andrade, então! Se tivéssemos que botar um exemplo de intelectual síntese no Brasil, eu acho que muitos poucos superariam Mário de Andrade, porque era um romancista, um Macunaíma. Todo brasileiro deveria conhecer Macunaíma, porque é um herói de nenhum caráter. Nós vamos nos encontrar um pouco. Todos de nós temos um pouco de Macunaíma. Não é um herói sem caráter, não. Não é um herói de mau-caráter. Macunaíma não era um sujeito de má-fé. Macunaíma era um herói sem nenhum caráter. Quer dizer, ele estava, assim como nós; repetimos coisas alienadas. Por favor, não estou contra o projeto não. Estou só mostrando o quanto nós temos.
A defesa do patrimônio histórico, a defesa do folclore, a defesa da música, da música de feitiçaria no Brasil. Mário de Andrade conhecia pontos de macumba, pontos de umbanda, pontos de candomblé e sabia as distinções. Que coisa fantástica! Eu acho que Mário de Andrade é superior à Semana de 22, como um todo. Fala-se muito de Osvaldo de Andrade, nenhuma disputa, mas Mário é superior ao Osvaldo de Andrade. Ele era superior àquela gente toda.
Então, nada também contra o Manifesto Antropófago, mas a grande verdade é que eu não teria nenhuma pretensão em mudar um projeto, até porque poderiam me dizer: "Você se eleja Senador e venha aqui apresentar quantos projetos quiser". Mas eu acho que nós poderíamos pegar esse gancho para incentivar a literatura como um todo, não como um dia. Todo dia é dia da Literatura.
A criança ir para a escola e já no ensino fundamental a professora trabalhar Machado. Lembro-me, certa vez, que o embaixador da Suécia me honrou, ele queria ler Machado de Assis, e eu indiquei Dom Casmurro. E saí para comprar um Dom Casmurro e lhe disse: "Pode deixar, embaixador, que eu vou lhe fazer chegar um exemplar". Em todas as livrarias aqui em Brasília eu não encontrava o Dom Casmurro. Imaginem, é como se na Espanha alguém fosse procurar uma obra de Quixote e não a encontrasse, ou em Lisboa, uma obra de Fernando Pessoa, de Camões e não as encontrassem! E brinquei com o livreiro dizendo: "Vocês são muito vagabundos". E havia de um autor, eu não quero estabelecer, que talvez não seja do gosto, da preferência ou que talvez não seja o nosso melhor escritor, possivelmente seja o que mais vende. Eu disse: "Enquanto esse aí!" Tinha bandeirinhas, parecia uma festa de São João. Mas eu vou escrever na minha coluna sobre isso, que não tem aqui o Dom Casmurro. Eles conseguiram. E era um trabalho didático para dizer: "E agora Dom Casmurro, Capitu." Mas eu levei aquilo e entreguei ao nosso embaixador. E o embaixador perguntou-me: "O senhor tem outra coleção?" Então eu indiquei Aguilar, e disse-lhe: "O senhor recebe bem, recebe em divisas e pode comprar". Mas que coisa notável! Quer dizer, um embaixador da Suécia querer ler Dom Casmurro e as nossas livrarias não terem aqui. Enfim, é inexplicável.
Voltando aqui ao Senador, à terra do Senador, à terra de Mário Quintana, um homem que disse que fora da poesia não há salvação. (Palmas.)
"Eles passarão.
Eu passarinho!"
Então, Senador, eu estava aqui dizendo, longe de mexer e sugerir qualquer coisa num projeto de aperfeiçoamento, até porque alguém poderia dizer: "Se você quiser apresentar projeto, faça como o seu tio no passado [eu tive um tio Senador, no Rio e aqui, a que já fiz referência], eleja-se Senador e venha aqui apresentar um projeto." Mas eu acho que, como tudo o que se fizer pela literatura brasileira é positivo, pode-se ampliar o projeto para que na escola, sem prejuízo de um mês, um dia da poesia, que já temos, mas que se aprenda Castro Alves, o homem que melhor defendeu os negros. Eu citei aqui Vozes d' África, O Navio Negreiro, não como literatura obrigatória, mas que aquilo caia espontaneamente. Quer dizer, um poeta que ousou desafiar até Deus: "Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?" E com a maior intimidade, tratando de "tu", como se fosse um gaúcho; tuteando. (Risos.)
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Em que céu? Onde te escondes? E há os poetas modernos. Temos aqui o menino - o ex-menino, porque eu também sou ex-menino - está aqui o Nicolas Berh, que eu conheci quando presidi a Fundação Cultural, era um garoto e ele continua um garoto, tem cara de garoto, tem cara de menino, mas, como Denorex, parece remédio, tem nome de remédio, mas não é remédio. Ele já não é mais menino, mas um grande poeta, e na vanguarda, ao lado de tantos, num País em que a poesia se extrai também do Cancioneiro Popular. Está aqui a Profª Sylvia Cyntrão, que tem uma tese sobre poesia e canção. Não falo só de Vinícius, não. Vinícius é um massacre de tão gostoso. Depois de Vinícius ninguém mais teve coragem de escrever letra burra, desculpe a expressão: "Eu sei que vou te amar. Por toda a minha vida eu vou te amar." Que coisa extraordinária! Essas coisas que ele disse: "Que seja eterno enquanto dure." Que coisa fantástica!
Mas, estira-se do Cancioneiro Popular, estávamos falando ainda há pouco, Nelson Cavaquinho, quando dizia: "Tire o seu sorriso do caminho. Que eu quero passar com a minha dor." Era um homem do povo.
Cartola, no Morro da Mangueira - e lembrou tão bem ainda há pouco o Nicolas Behr -: "As rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti." Olha, isso é uma coisa extraordinária! Foi um homem que nunca passou por uma universidade. Não sou contra as universidades. Não pensem: "Esse cara aproveitou para se aposentar da UnB e agora está falando mal das universidades." Não estou contra as universidades. (Risos.)
Mas Jesus Cristo, dizia Fernando Pessoa, não tinha biblioteca. Estou já pegando o grande poeta da Língua Portuguesa, um dos grandes poetas da Língua Portuguesa.
Machado, hoje, em que nós falamos tanto de igualdade racial, que coisa notável - dando exemplo da literatura brasileira - que o nosso maior escritor, o fundador da Academia Brasileira de Letras, era um homem que não tinha o curso primário completo. Nasceu de favor, em uma casa onde o pai dele era caseiro. Era um mestiço, um negro assumindo a sua negritude, e nos deixa essa coisa fantástica. Se nós tivéssemos que apontar quem é o nosso maior romancista brasileiro, não haveria dificuldade alguma: chama-se Machado de Assis, e que também fazia poesia. A poesia A Carolina. Acho que não há quem não se comova. "Que no peito dos desafinados também bate um coração." Do nosso modernista e cantor João Gilberto. O poema que ele faz diante da sua mulher morta. E o Cancioneiro Popular, se nós formos a Adiós Nonino. Eu acho que é o nosso Adiós Nonino quando ele se despede da mulher. Esse tango fantástico que Astor Piazzolla fez diante do avô morto.
Mas não precisamos pedir empréstimo aos nossos irmãos argentinos. Não precisamos ir ao Martín Fierro, nem ao Cortázar e a outros mais recentes, porque nós temos na nossa Literatura brasileira uma riqueza fantástica. Se quisermos ficar só nos negros, Lima Barreto. Que coisa extraordinária! O homem que sabia javanês. Quantos brasileiros, na impostura, não vão se encontrar ali, porque é um êxito da impostura. Um impostor bem-sucedido, que acaba arranjando um emprego no Itamaraty como Cônsul. Ele só preferia que não fosse em Java porque, na realidade, ele não sabia javanês.
Portanto, quero parabenizar o nosso Senador, que não precisa de aplausos. Eu sou gaúcho pelo regime de comunhão de bens. Eu nasci no Rio de Janeiro. Eu sou carioca apostólico romano. Sou do grande Rio. Não sou do Rio Grande, mas sou do grande Rio. Mas a minha mulher é gaúcha de Pelotas, que só não é sua eleitora porque mudou o título, senão estaria lá, porque nós somos muito afinados com a sua postura e compostura de homem.
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Mas o Rio Grande do Sul, eu citei aqui que a família da minha mulher deu dois Senadores: Júlio de Castilhos - caramba, não precisa dizer mais! -, Júlio Prates de Castilhos, e Vespúcio de Abreu, que dá nome a uma rua. Quando eu passo lá, eu digo: "Eu estou aqui na praça de seu tio-avô".
Nós poderíamos pegar esse gancho e ampliá-lo para uma literatura desses valores, sem nenhum demérito ao grande Thiago de Mello, de quem eu gosto muito. Não conheço tão bem a sua obra, mas conheço Os Estatutos do Homem, conheço aquele Faz escuro, mas eu canto, que é um canto, um brado contra o estado de exceção. Como o cantor Drummond, José é o maior brado contra o Estado Novo:
E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
(...)
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E ele não deixa a porta aberta.
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, José!
Então, é uma coisa fantástica!
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS FERNANDO MATHIAS DE SOUZA - Neste País de grandes poetas, do Acre ao Arroio Chuí, aliás, na própria terra do Thiago de Mello, o Ramayana de Chevalier - e aqui procuro encerrar porque tenho que deixar espaço para o nosso Nicolas Behr e para a Profª Sylvia Cyntrão, que rima com canção e fica coerente com a tese dela -, o Ramayana de Chevalier, que falou sobre o Amazonas - nunca vi uma coisa tão bonita!-: "Amazonas, água ao absurdo!" Que coisa fantástica!
É por isso que não sei quem definiu a poesia como uma palavra pejada de conteúdo. E aí está o que é ser poeta numa terra de poetas.
Portanto, Senador, quero cumprimentar, sem querer sugerir, dar pitaco: "Esse cara quer vir aqui, mexer no meu projeto."
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Esse cara é o Presidente da Academia Brasiliense de Letras. Então, não é esse cara.
O SR. CARLOS FERNANDO MATHIAS DE SOUZA - Cresça e apareça. E nesta terra, porque na nossa Academia Brasiliense de Letras tivemos Fernando Mendes Vianna, que coisa notável! Alphonsus de Guimaraens Júnior, Cyro dos Anjos. O grande trabalho do Cyro é O amanuense Belmiro, que o Agripino Grieco, na sua irreverência, disse que o livro custou tanto a sair, que já deveria se chamar O Oficial de Administração, já promovido de amanuense. Como ele teve um problema de infarto, fez Poemas coronários, que é uma obra-prima. Um poeta bissexto, mas de grande qualidade. Agora, mesmo, nós elegemos um poeta, o Alberto Bresciani, um grande poeta - e vou encerrar -, que escreveu um grande livro chamado Sem Passagem Para Barcelona. Eu disse: eu vim, mas sob protesto porque você me deixou sem meios para chegar a Barcelona, porque acabou com as passagens para Barcelona.
Portanto, cumprimento esta Casa - repito -, com a qual eu tenho uma solidariedade genética, ao lado de eventuais cargos que ocupei aqui e que ainda ocupo, e agradeço a distinção feita, menos a mim, mas à Academia Brasileira de Letras, ou melhor, Brasiliense - que pretensão, eu estou ficando megalómano. Num dia desses, eu tive uma diverticulite e quase morri, mas Deus disse: "Você não pode; você não tem status para morrer disso. Isso só mata Presidente." (Risos.)
Então, saúdo a Senadora Angela Portela, relembrando Cecília Meireles, tão bonita quanto a Senadora e grande poetisa, em o Romanceiro da Inconfidência. Eu sou contra literaturas obrigatórias, mas toda criança deveria ler o Romanceiro da Inconfidência, o libelo que ela fez contra Silvério dos Reis, contra aquele traidor daquele movimento tão puro.
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E, já que falamos em Inconfidência, os grandes poetas da Inconfidência, a Inconfidência Mineira foi feita com poetas, aliás, não vamos chamar de Inconfidência, que Inconfidência era como chamava a lei portuguesa, A Conjura, porque aquilo uma grande conspiração e que nos deu o próprio mártir da independência, que é o nosso Tiradentes.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Muito obrigada, Sr. Carlos, Presidente da Academia Brasiliense de Letras.
Senador Paim, enquanto ele falava aqui nessa linguagem poética, falando de Literatura, de grandes autores e escritores e poetas: Vinicius de Moraes, Machado de Assis, aqui eu incluo a Literatura portuguesa com Camões e Fernando Pessoa, porque eu fiz Letras e adorava Literatura, então, essa fala me lembrou de meus tempos de estudante na Universidade Estadual do Ceará, lá em Sobral.
Mas eu gostaria de passar a palavra para o autor do projeto que institui o Mês da Poesia, o mês de março, o Senador Paulo Paim.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Meus convidados; Senadora Angela Portela; aliás, nossos convidados, eu adoro poesia e gostaria muito de ficar aqui conversando com vocês, não só pela amanhã, mas o dia todo. Acontece que eu presido a Comissão de Direitos Humanos e, lá, estão discutindo exatamente cultura, saber, conhecimento, poesia; lá estão os profissionais do teatro. Eu fui o autor do Estatuto do Idoso - o Júlio acompanhou essa caminhada - e lá, há muitos anos, são quase 15 anos, eu institui a meia-entrada para o idoso. Agora eles estão levantando uma série de questionamentos no sentido de que se torna quase inviável para o teatro manter 50% das vagas para o idoso.
Eu confesso que viajei do Rio para São Paulo - aliás, estou viajando todo o Brasil com debates sobre o direito dos trabalhadores, Previdência e contra a terceirização, tanto que já fui a oito Estados em duas semanas, vou suspender minhas férias de julho, e até agosto eu completo os 27 Estados -, sentado ao lado de Marieta Severo, casualmente. Ela estava sentada e, tão logo a reconheci, sentei-me do lado dela. Ela me olhou e disse: "Como é que vai?" Eu a conheço naturalmente, atriz, enfim, Marieta Severo. "Eu acho que te conheço" - disse-me ela. "Tu não é o tal do Paim?" "Sou eu". "Tu não é o tal do Senador do idoso?" "Sou eu". "Você é o autor da meia-entrada para os idosos?" "Sou eu, mas não me xinga" - eu disse. "Eu não vou te xingar, mas senta aqui que agora nós vamos conversar." E fomos até São Paulo, ela me explicando o porquê de esse debate ter que ser aprofundado.
Mas permitam-me que eu diga ao Sr. Nicolas, ao Sr. Carlos e à Srª Sylvia, eu amo a poesia! Eu sempre digo que o poeta é meio atrevido. Ele é tão atrevido que ele escreve aquilo ele quer, os outros têm que ler e ele quer que os outros gostem ainda. Eu escrevi algumas poesias, claro, assim naquele rabisco de alguém bem-intencionado, mas me lembro de dos momentos que eu vou fechar aqui sobre o tema. Um do Vice-Presidente José de Alencar. José Alencar vai fazer uma palestra na FIERGS, em Porto Alegre. Naquele tempo havia uma divergência com o PT, porque ele é um grande empresário. "Quem é que acompanha ele?" "Eu o acompanho". Eu era Deputado naquela época e o acompanhei na FIERGS. Sabem qual foi o momento em que ele foi mais aplaudido? Ele tirou do bolsinho um papel todo amassado e tinha uma canção, se não me engano do Noel Rosa, que dizia: "Quando eu morrer, não quero choro, nem vela, quero uma fita amarela gravada com o nome dela."
Mas ele declamou toda a canção, eu não a conheço em sua totalidade. Ele declamou toda a canção e foi aplaudido de pé e ganhou o empresariado gaúcho com essa canção, que não deixa de ser uma poesia, uma canção que é linda na sua essência e foi um momento muito bonito para mim, ali com ele e tal. Depois eu saí com ele e disse-lhe: "Presidente..." Ele me disse: "Isso dá sempre certo, fala com o coração e com a emoção que dá sempre certo, pode fazer isso que vai dar certo sempre."
Mas o Thiago de Mello sabe quando é que eu me apaixonei pela história e pela vida dele? Claro que eu o li muito, eu vou ler aqui um pedacinho, mas foi lendo Os Estatutos do Homem. Eu declamei Os Estatutos do Homem, declamei não, porque sou ruim de memória, mas sei ler pelo menos, tem que saber pelo menos ler. Mas acho que o li pelo menos umas dez vezes Os Estatutos do Homem, não na íntegra, pegando pedaços naturalmente, porque ele é longo. Ele é muito, muito, muito bonito.
E me lembro de que, quando eu convidei o Thiago de Mello para fazer uma palestra aqui na Comissão de Direitos Humanos, ele disse-me duas coisas: primeiro, ele disse - nós todos sentados como estamos agora -: "Eu vou falar de pé, porque quando um poeta fala ele está fazendo uma homenagem ao público e eu sei que vocês vão ficar em silêncio."
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Ele disse isso porque estava todo mundo cochichando. A partir daí não se ouviu qualquer barulho, sequer o de uma mosquinha no ar, porque até a mosca foi para um canto e se assentou. A criatividade do poeta ali naquele momento, quando ele fala dessa forma.
Vou resumir: Thiago de Mello tem obras traduzidas em mais de 30 idiomas. Preso, durante a ditadura, de 1964 a 1985. Exilou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Um traduziu a obra do outro e Neruda escreveu ensaios sobre o amigo.
No exílio, morou na Argentina, no Chile, Portugal, França, Alemanha com o fim de levar o que acontecia no Brasil e a sua luta contra o regime militar. Voltou à sua cidade natal, lá em Barreirinha (MG), onde vive até hoje.
Mas eu misturei aqui José Alencar, que já faleceu, e o querido Thiago de Mello, que está vivo. Mas uma coisa que o José de Alencar disse naquela oportunidade é que, no Brasil, nós temos a mania de só homenagear os mortos.
Eu quero que façam homenagem a mim, enquanto eu estou vivo e não só depois que de eu morrer, reconhecendo a obra, a história, a caminhada bonita dos homens e mulheres do nosso País. E por isso, março. Por que março? Porque é o mês do aniversário de Thiago de Mello, que a gente teve essa ideia e, claro, que passa pelo crivo dos senhores. Se os senhores entenderem, eu olhei tudo, o dia, tem semana, e tomara que todos os dias sejam o dia da poesia! Eu não acredito em revolução sem poesia. Acho que a verdadeira revolução do bem, do saber, dos homens e mulheres que fazem o bem sem olhar a quem, e essa frase, nós sabemos de quem é, não é minha nem dos senhores, é do maior revolucionário de todos os tempos que foi Jesus Cristo. Essa frase é Dele: "Você deve fazer o bem sem olhar a quem".
Então, foi nessa visão de tudo que eu li do Thiago de Mello que eu quis fazer uma homenagem, mas, na verdade era aos poetas, à poesia, essa coisa mágica, bonita, que ilumina nossas almas e corações até no falar em público, quando a gente incorpora aquilo que nós todos temos um pouquinho, como é que é a frase que o povo diz: "De poeta e louco todos nós temos um pouco". Eu prefiro ficar mais com o poeta a ficar mais com o louco, não é? Para falar nas vezes que eu tenho que me pronunciar, num momento como esse, falando aqui com altos nomes da Academia Brasileira e que, para mim, eu devia até me ajoelhar aqui antes de falar com vocês, porque eu sou do rabisco e vocês são os meus ídolos, permitam que eu diga isso: vocês são os meus ídolos. Eu sou um fã daqueles que dedicam sua vida a escrever, a fazer poesia e fazem a história.
Para terminar, quero dizer que Thiago de Mello me impressionou muito. Eu tive a alegria, depois, de almoçar com ele, ele todo de branco e tal, uma figura que marcou muito. Portanto, querendo fazer uma homenagem aos poetas e à poesia que eu apresentei esse projeto, que tem a minha querida Senadora Ângela Portela como Relatora, com aquela competência e, permita-me dizer, às vezes têm a mania de dizer que mulher bonita não é competente. Uma bobagem do tamanho de um boeing. Mulher bonita e é a musa aqui do Congresso e é competente como ninguém.
Parabéns às mulheres!
Parabéns ao Thiago de Mello e aos senhores! (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Muito obrigada, Senador Paim, pelas palavras elogiosas.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não fique encabulada, viu? Eu segui o meu poeta ali.
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Que bom que V. Exª corrigiu, porque beleza não tem muito vínculo forte com incompetência, não é? A gente quer quebrar essa coisa, porque o valor é o nosso comprometimento, o nosso trabalho, a nossa vontade de realizar o melhor pelo povo brasileiro e, representando os Estados, os nossos Estados aqui no Senado Federal.
Muito obrigada, Senador Paulo Paim.
Passo a palavra agora para a Prof.ª Sylvia Cyntrão, especialista em poesia brasileira e portuguesa.
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Bom dia a todos e a todas!
Senadora Angela Portela é uma satisfação imensa estar aqui; Senador Paulo Paim, ouvi-lo, realmente, foi um privilégio agora, muito obrigada; Prof. Dr. Carlos Mathias, conhecido de longa data, é com grande admiração pelo seu trabalho; Dr. Nicolas Behr, o poeta sempre devia ser chamado de doutor, independente de quaisquer cursos, mas com que o título sempre carrega essa honra, essa questão do saber sempre agregado, então, o meu querido amigo, também, Nicolas; saúdo a todos.
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Eu diria que estou aqui representando a Universidade de Brasília. Dentro da Universidade de Brasília temos o Instituto de Letras, cujo diretor é de origem espanhola, mas um grande aficionado da poesia. Há algum tempo ele tem dado o apoio que nós sempre esperamos que houvesse da Universidade, inclusive o financeiro, para eventos que podem sempre estar falando dos poetas, sobre os poetas e trazê-los também.
Então, essa questão de homenagear os poetas vivos ou fazer homenagem a pessoas de valor para a nossa sociedade, eu acho fundamental. Nós sempre achamos isso. E permito-me aqui, antes de falar um pouquinho sobre a questão do projeto de lei, eu gostaria de anunciar que o nosso programa de pós-graduação em Literatura, que hoje eu coordeno, instituiu, para homenagear seus próprios 40 anos de existência - a criação foi em 1975, então este ano comemoramos nossos 40 anos dedicados à Literatura, à leitura e à disseminação da vontade de estar junto com aqueles que pensam e sentem a realidade, que são os escritores e, deles, os poetas -, um prêmio literário: o Prêmio Nicolas Behr de Literatura. (Palmas.)
Posso dizer que não foi uma coisa vinda de cima para baixo, foram os próprios alunos do programa de pós-graduação em Literatura que nos sugeriram o nome do poeta. Eu estava, evidentemente, muito contida, querendo sugerir, porque o Nicolas, além da grande poesia que faz, da valorização e crítica da nossa Brasília - crítica que é a construção fundamental, evidentemente, do nosso dia a dia, para a gente melhorar, para a gente fazer melhor, mais certo -, tem uma generosidade fundamental, que é estar nos lugares onde é convidado para falar de poesia, e não só da sua poesia.
E ele não vai só aos lugares para os quais receba convites formais. Os poetas de Brasília, os jovens poetas de Brasília sabem disso; o Nicolas os apoia, participa do lançamento - seja um lançamento na maior livraria de Brasília, seja ali na esquina, seja dentro de uma sala da Universidade de Brasília. O Nicolas, sempre que pode, está presente.
Então, prova maior de ação cidadã eu creio que não há. Por isso, eu gostaria de dizer que estamos muito felizes com isso, de anunciar publicamente, já que está sendo gravado também - achei que seria uma excelente oportunidade de dizê-lo.
Enfim, voltando à questão da homenagem, da criação de um mês da poesia, eu gostaria, também, de fazer menção à questão da criação poética. O que é criar poesia? Criar poesia, segundo Edgar Morin, que é um filósofo francês bastante interessante, diz que nós temos dois estados de vida: o estado prosaico e o estado poético. O estado prosaico é aquele do nosso dia a dia: eu preciso levantar, preciso tomar um banho, preciso me arrumar, pegar um táxi, ou o metrô, ou o carro para chegar ao meu trabalho - eu tenho de fazer isso. Eu tenho de me alimentar, então eu preciso dizer para o caixa do supermercado: "você tem troco?" ou "aceita este cartão?". Isso nos mantém na nossa vida, isso nos sustenta no desenvolvimento do nosso dia a dia. E o estado poético? O estado poético não é alguma coisa que pertença a alguns poucos. Todos nós temos essa condição de criar um estado poético, desde que nós coloquemos a nossa anima, a nossa energia - essa energia de que Freud fala, que é a energia erótica. O que é Eros? Não está só ligado à questão das relações amorosas ou sexuais. Eros é justamente o que nos anima, o que nos faz acreditar, como fez o Senador, como faz a Senadora, ao carrear toda a sua energia para a criação de uma lei que valorize justamente sentimentos, pensamentos e pessoas que se dedicaram a representar a realidade de uma determinada forma, que a gente diz, na Universidade, estetizada.
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Quer dizer, são pessoas que interpretam a realidade e vão pensar sobre ela, vão traduzir o que nós não poderíamos traduzir, se não fosse de uma determinada forma. E a poesia está em tudo; pode estar em tudo, evidentemente. Então, depende de nós acessarmos, segundo Edgar Morin, esse nosso estado poético na nossa vida. E mesmo como seres diurnos ou noturnos, dentro da nossa referência de cada momento em que nós tenhamos que lidar com problemas - ninguém gosta de problema, não é? -, o estado poético existe justamente em alguns valores: na bondade, no meu desprendimento, no meu altruísmo, na minha generosidade em olhar para o outro e identificar suas necessidades, em poder contribuir. Para que estamos por aqui? Para beneficiarmos uns aos outros. Então, essa questão do ser generoso é uma condição da melhor poesia nas nossas vidas. A gente tem muito o que aprender. Meu pai diz o seguinte, e aí é uma questão interessante, porque a gratidão deveria ser uma disciplina ensinada na escola. "Xi, esse ano eu tirei seis em gratidão". Então vamos praticar mais; "Quatro, fui reprovado em gratidão, o que se faz agora? Vamos dar um intensivo para o aluno. E o dez em gratidão? Segundo meu pai, nunca se tira, porque gratidão deve ser um exercício prolongado pela vida inteira; mas que seja a qualidade fundamental.
Então, sou grata por estar aqui, poder falar algumas dessas coisas. É evidente que a Universidade de Brasília, que eu represento, assina embaixo e avaliza a criação do Mês da Poesia.
Entendo que Thiago de Mello foi escolhido porque é um poeta que também tem preocupações - teve preocupações e as têm com os direitos humanos, com essa condição, essa relação justa, e pela verdade de uns com os outros. Também a questão da defesa do meio ambiente, nós sabemos, como o poeta também do Amazonas, como ele sempre faz questão de se identificar, enfim...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Permita-me dizer...
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Pois não.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Ele me deu um livro belíssimo, em que ele faz poesia sobre a realidade da Amazônia. A nível internacional, esse livro dele, em poesia, conta a história da Amazônia e a defesa do meio ambiente.
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Sim.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Eu não tinha me lembrado disso, V. Sª lembrou muito bem. Darei minha salva de palmas em homenagem ao meio ambiente, que tem de ser defendido. (Palmas.)
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Sim, em homenagem ao meio ambiente, claro.
Então, é um poeta muito completo o Thiago de Mello. E conviveu com o grande poeta Neruda, entre outros. Esteve exilado no Chile, parece que por 20 anos, mais ou menos isso, não me lembro exatamente das datas. Então, ele tem uma experiência de vida que também merece nosso reconhecimento oficial. Ele tem o reconhecimento dos demais poetas. E é claro que nesse Brasil de poetas, eu digo que aqui nós temos poetas, o Senador acaba de se confessar; gostaríamos de ver seus poemas, inclusive.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Não faça isso! (Risos.)
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Faço. Imagine um Senador poeta, que coisa belíssima!
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Não é? Acreditamos ainda mais no seu mandato depois de ouvir isso.
Enfim, eu trouxe aqui...
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Vou dizer o título: Política, só com poesia. É o título.
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Política, só com poesia. Puxa, que coisa boa ouvir isso.
Eu gostaria de finalizar, para passar a palavra ao poeta - isso é o mais importante, imagino. Pensando no que poderia comentar com os senhores e senhoras hoje, eu me vi diante de um texto do escritor angolano, que morou em Lisboa e mora atualmente no Brasil, José Eduardo Agualusa, que conhecemos, é um desses poetas também inquestionáveis pela sua luta política, pelo seu dia a dia, pelas suas batalhas cidadãs...
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(Intervenção fora do microfone.)
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Sim, sim. Pois é, ele também poeta. Pois então.
O Agualusa publicou no jornal O Globo do dia 29 de junho o seguinte texto - ele é curtinho, eu também já resumi, mas fala exatamente sobre a importância da poesia e aqui ele dá o título de A cura pela palavra - A boa poesia acende clarões no cérebro.
Diz ele:
Há dois anos, surgiu na Inglaterra um curioso objeto literário, "The novel cure", que poderíamos traduzir como "A cura pelo romance". O livro, da autoria de Susan Elderkin e Ella Berthoud, tem como subtítulo "An A-Z of literary remedies", ou seja "Um receituário literário de A a Z". A ideia é muito boa: receitar literatura para um vasto leque de males, da melancolia e depressão ao excesso de peso.
O livreiro português José Pinho, um dos proprietários da bonita e extravagante livraria lisboeta Ler Devagar inspirou-se no livro de Susan Elderkin e Ella Berthoud para criar um projeto ainda mais arrojado: uma farmácia literária. A farmácia deverá funcionar no átrio de um futuro centro de medicinas alternativas [como as coisas se ligam, se agregam], a instalar num velho hospital de Lisboa, atualmente desativado.
O paciente dirige-se ao farmacêutico literário, biblioterapeuta [segundo ele], dá conta de suas queixas, e recebe o remédio ou remédios, dois ou três livros, que poderá utilizar ali mesmo, comodamente instalado num dos quartos da instituição, ou levar para casa. Parece o devaneio feliz de um sonhador, e é, com a diferença de que José Pinho leva os sonhos a sério.
Circula pelas redes sociais um estudo da Universidade de Liverpool segundo o qual a poesia é muito mais estimulante para o cérebro, e mais útil na resolução de problemas, do que a chamada literatura de autoajuda. Mesmo ignorando a legitimidade do documento em causa, acredito nas suas conclusões. Livros de autoajuda costumam ser — os menos ruins — simples compilações enfadonhas de lugares-comuns. A boa poesia surpreende, acende clarões no cérebro, provoca e desafia.
A poesia, é sempre bom lembrar, começou por ser uma especialidade da magia. Magos declamavam os seus versos para convocar espíritos, acordar remotas forças, criar acontecimentos através do verbo.
Quase todos os meninos são poetas [diz Agualusa]. Manoel de Barros [outro grande poeta nosso] confessou, em várias entrevistas, ter roubado versos prontos aos próprios filhos. Nada que surpreenda um pai ou uma mãe. Quem quer que tenha filhos pequenos conhece a experiência de redescobrir o brilho da língua através da poesia involuntária que os baixinhos praticam todos os dias. Infelizmente, o que a generalidade dos sistemas de ensino faz é tirar a poesia de dentro das crianças. Crescer é, assim, perder poesia. Talvez por isso temos tendência a adoecer à medida que nos afastamos da infância - e da poesia. Acredito que a exposição prolongada à poesia é suscetível de provocar alterações irreversíveis no espírito de qualquer pessoa. Crianças que crescem ouvindo dizer poesia correm o risco de nunca se transformarem inteiramente em adultos, ou, pelo menos, em adultos conformados (e doentes). Eventualmente, continuam sendo poetas a vida inteira.
E aí eu termino com as palavras do próprio Thiago de Mello tiradas, evidentemente, do grande Os Estatutos do Homem.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Perdoe-me, mas está havendo uma discussão lá...
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Por favor.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Está sobrando para o Júlio, estão xingando o Júlio porque ele me tirou de lá. Mas eu é que me apaixonei e quis ficar aqui, o culpado sou eu.
Mas eu vejo o vídeo na íntegra depois.
Um abraço.
A SRª SYLVIA CYNTRÃO - Muito obrigada, Senador. Muito obrigada.
E como diz Thiago de Mello, então vamos dar a palavra ao mote, enfim, dessa homenagem. Ele diz:
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.
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Então, viva o Thiago de Mello, os poetas brasileiros e os poetas da canção!
E aqui eu, agora, sou toda ouvidos do nosso grande poeta brasiliense, brasileiro, Nicolas Behr, depois que, evidentemente, a Senadora lhe passar a palavra.
Muito obrigada, Senadora.
Obrigada a todos. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Muito obrigada, Profª Sylvia. Bela fala, emocionante.
Passo agora a palavra para o grande poeta Nicolas Behr.
O SR. NICOLAS BEHR - Bom dia a todos, todas. É um prazer estar aqui.
Sempre vou a escolas, sempre vou a saraus, e vir ao Senado é uma oportunidade ímpar, pela repercussão que tem de falar de poesia, porque falar de poesia é sempre muito bom. Nós vivemos dentro de uma bolha poética, a poesia. Estamos mergulhados na poesia e não podemos viver sem poesia, porque não podemos viver sem sentimentos, sem emoção. É impossível viver sem poesia.
Desculpa, cometi uma gafe. Sylvia Cyntrão, minha querida, meu querido Carlos Fernando, Senadora Angela... É a ansiedade; é compreensível. Desculpa. Eu queria saudar a Mesa e os presentes. O tema é tão urgente também, que a gente às vezes se atropela, mas eu queria, primeiro, entregar à senhora uma coleçãozinha dos meus livros para constar aqui ou na biblioteca, para as pessoas terem acesso a uma parte da minha obra, alguns livros apenas.
Então, estamos mergulhados na poesia. A poesia é inútil, mas nada é mais necessário. Não existe nada mais inútil do que a poesia, e nada mais necessário; quem disse isso foi o Octavio Paz. E a poesia não é de quem a escreve, mas de quem a precisa; de quem precisa dela.
Todos os povos praticam a poesia, mesmo os que não têm escrita. A poesia está em tudo e em todos e, sem poesia - como eu já falei e quero reprisar - nós não vivemos, porque somos emoção e sentimento. Enquanto houver ser humano, haverá poesia, porque não somos robôs, não somos... Somos um circuito de emoções.
Eu estou correndo um pouco porque quero ler poesia, de alguns poetas. E eu queria dar minha opinião sobre o mês de março ser o Mês da Poesia: tranquilo, o.k.. O Dia Nacional da Poesia já é comemorado no dia 14 de março, dia de nascimento de Castro Alves. Então, a homenagem ao Thiago de Mello só reforça, também, o mês de março como mês nacional da poesia. Isso é tranquilo.
Vamos à poesia. Antes de eu ler alguns poetas mais próximos da minha geração, de 1970 para cá, eu queria invocar... Nós temos grandes poetas, sim. Vou ler os nomes de alguns, aqui, e dizer que toda seleção é injusta, mas: Castro Alves; Thiago de Mello; Ferreira Gullar; Mário de Andrade; Carlos Drummond de Andrade; João Cabral; Cecília Meireles; Gonçalves Dias; Oswald de Andrade; Augusto de Campos; Murilo Mendes; Mario Quintana; Jorge de Lima; Sousândrade; Vinicius de Moraes; Patativa do Assaré; Manoel de Barros. Invoco esses nomes para falar de poetas mais próximos da minha geração.
Então, vou fazer uma leitura de alguns poetas que vocês conhecem ou, se não conhecem, vão conhecer, que são fundamentais da minha vivência de poeta.
Vou começar com Paulo Leminsk:
Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Poema de Paulo Leminski.
Vou ler um poema de um poeta que mora em Brasília, fundamental, Francisco Alvim. O poema é Muito Obrigado.
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Muito obrigado
Ao entrar na sala
cumprimentei-o com três palavras
boa tarde senhor
Sentei-me defronte dele
(como me pediu que fizesse)
Bonita vista
pena que nunca a viste
Colhendo meu sangue: a agulha
enfiada na ponta do dedo
vai procurar a veia quase no sovaco
Discutir o assunto
fume do meu cigarro
deixa experimentar o seu
(Quanto ganhará este sujeito)
Blazer, roseta, o país voltando-lhe
no hábito do anel profissional
Afinal, meu velho, são trinta anos
hoje como ontem ao meio-dia
Uma cópia deste documento
que lhe confio em amizade
Sua experiência nos pode ser muito útil
não é incômodo algum
volte quando quiser
Outra poeta fundamental da nossa geração pós-70, Ana Cristina César:
Sonho Rápido de Abril
As ambulâncias se calaram
as crianças suspenderam a voracidade batuta
dois versos deliraram por detrás dos túneis
moleza nos joelhos
mão de ferro nos peitinhos
tristeza suarenta, locomotiva, fútil
patinho feio
soldadinho de chumbo
manto de jacó, escada de jacó
sete anos de pastor
estrela demente desfilando na janela
de repente as ambulâncias estancaram o choro
voraz dos bebês.
Cacaso, que também faz aniversário em março, 13 de março, é um poeta também da geração mimeógrafo, da geração da poesia marginal, também importantíssimo.
Lar doce lar
Minha pátria é minha infância:
por isso vivo no exílio
imagens I
Para evitar malentendidos
digamos desde já que nos amamos.
Happy end
o meu amor e eu
nascemos um para o outro
só falta quem nos apresente
Zuca Sardan também é um poeta dessa turma, que continua a lira que vem lá de Camões, que vem lá de trás, que vem de Homero, que vai para o infinito.
Naufrágio
(Zuca Sardan)
Quem pratica a virtude
só pra ganhar boa média
está mesmo muito perto
do vício.
Mais prático, no caso,
logo começar pelo vício...
Não há força sem habilidade.
Mas, pra que força?
Habilidade, só, resolve...
Responde-me, oh Infortúnio,
grão parteiro do Gênio:
"É menina ou menino?"
Oh almas fortes
domadoras da voluptuosidade,
Pilotos hábeis e serenos
evitando os rochedos:
"HOMEM AO MAR!!"
Há um poeta aqui importantíssimo, Torquato Neto.
Cogito
(Torquato Neto)
eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
Viva Torquato Neto!
Eu vou ler o meu. Vou encaixar o meu aqui, pegar uma carona.
Receita
Ingredientes
2 conflitos de gerações
4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos beatles
Modo de preparar
Dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue fervido
e deixe gelar seu coração.
Leve a mistura ao fogo,
adicionando dois conflitos
de gerações às esperanças perdidas.
Corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos
beatles o mesmo processo usado
com os sonhos eróticos, mas desta
vez deixe ferver um pouco mais e
mexa até dissolver.
Parte do sangue pode ser
substituído por suco de
groselha, mas os resultados
não serão os mesmos.
Sirva o poema simples
ou com ilusões.
(Palmas.)
Obrigado.
É uma oportunidade ímpar aqui, porque a poesia tem que ser divulgada, tem que ser lida. A poesia é necessária, mas não é obrigatória, tá? Porque, se é obrigatória, deixa de ser poesia. Mas ela é necessária demais.
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Desabutino
(Chacal)
Quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de pena e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão
Quem quer saber de namoro na idade do pó...
um romance romântico de cuba
cheio de dúvidas e desvarios
tal a balada de neil sedaka
Quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira na beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém para ligar
num dos 527 orelhões dessa cidade vazia
Uma poeta mais recente, de Belo Horizonte, Ana Martins Marques:
Em branco
Dizem que Cézanne
quando certa vez pintou um quadro
deixando inacabada parte de uma maçã
pintou apenas a parte da maçã
que compreendia.
É por isso
meu amor
que eu dedico a você
este poema
em branco.
O equilibrista
(Eucanaã Ferraz)
Traz consigo resguardada
certa idéia que lhe soa
clara, exata.
No entanto, hesita: que palavra
a mais bem medida e cortada
para dizê-la?
Enquanto não lhe vem o verso, a frase, a fala,
segue lacrada a caixa
no alto da cabeça
Três mulheres, aqui, para finalizar. Mas depois ainda finalizo com Drummond. São poetas novas, recém-lançadas, que têm uma obra fundamental. Angélica Freitas, Minas Gerais.
Minas Gerais
a pia pinga
até a medula a pia pinga
galo canta a pia pinga
noite e dia pinga pinga
você cresceu você casou
houve um golpe militar
a pia pinga e o menino
da esquina virou padre
a pia pinga
a pia pinga toda
a caixa d'água
Rabo de baleia
(Alice Santana)
um enorme rabo de baleia
cruzaria a sala nesse momento
sem barulho algum o bicho
afundaria nas tábuas corridas
e sumiria sem que percebêssemos
no sofá a falta de assunto
o que eu queria mas não te conto
é abraçar a baleia mergulhar com ela
sinto um tédio pavoroso desses dias
de água parada acumulando mosquito
apesar da agitação dos dias
da exaustão dos dias
o corpo que chega exausto em casa
com a mão esticada em busca
de um copo d’água
a urgência de seguir para uma terça
ou quarta boia e a vontade
é de abraçar um enorme
rabo de baleia e seguir com ela
Bruna Beber:
todo urubu titia gritava
urubu urubu sua casa
tá pegando fogo
todo estrondo na rua
papai dizia eita porra
aposto qué bujão de gás
todo avião vovó acenava
é seu tio! desquentrou preronáutica
num tenho mais sossego
temi e ainda temo toda espécie
inflamável lamentei tanto urubu
desabrigado desejei o fim
da força aérea brasileira
só custei a entender mamãe
e o que queria dizer com seu irmão
não vem mais brincar com você
papai do céu levou.
Esses são os poetas. Há muitos outros: Waly Salomão, Luís Turiba, Carlito Azevedo, mas vamos ficar com esses.
Eu ando com um poema do Drummond dentro da minha carteira, que é o meu poema salva-vidas. É um poema que é uma oração. Ele está aqui todo recortado, até molhou outro dia.
Eu queria finalizar com dois poemas, um do Drummond, e outro do Mário Quintana.
Os Ombros Suportam o Mundo
(Carlos Drummond de Andrade)
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Outro poema aqui também que é um poema salva-vidas, do Mário Quintana:
Emergência
(Mário Quintana)
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Angela Portela. Bloco Apoio Governo/PT - RR) - Muito obrigada, poeta Nicolas Behr. Realmente, um momento de extrema emoção, sem dúvida alguma. Quem não gosta de, no Senado Federal, um ambiente que respira política o tempo inteiro, ter a leveza dessas poesias, um tema tão precioso para todos nós.
Eu queria dar visibilidade aqui, no Senado Federal, aos livros do poeta Nicolas Behr. Temos aqui Poesília - poesia pau-brasilia, Nicolas Behr; Entre blocos, entrequadras, entre, por favor; A lenda do menino lambari, que é outro livro de poesia do grande poeta que queremos divulgar aqui; BrasíliA-Z cidade palavra, dicionário. E tem este outro aqui: A teus pilotis. É um livro de poesia. E aqui ele diz: "É possível haver amor onde está o poder?" Parece-me que Paulo Paim foi a demonstração de que é possível haver amor e poesia.
Logo, logo, nós aqui da Comissão de Educação, Júlio, e todos os assessores que nos acompanham nesta audiência, vamos cobrar do Senador Paulo Paim para comprovar que, neste ambiente de poder, pode, sim, haver amor e poesia.
Então, para finalizar, eu queria dizer que todos os projetos de lei que instituem datas comemorativas, desde 2010, têm obrigatoriamente que passar por uma audiência pública. Por isso, esta audiência pública vai ser muito importante para que eu possa, como Relatora desse projeto, aprovar, na terça-feira já, aqui na Comissão de Educação, o projeto do Senador Paim que institui o mês de março como o Mês da Poesia. Esta audiência foi de fundamental importância para instruir esse projeto de lei, que eu considero bonito, uma poesia, um momento em que nós discutimos coisas leves. Realmente, poesia é um tema que está muito fora do nosso ambiente, um ambiente de muita competitividade, de muita disputa, de muita discussão, de opiniões muito divergentes sobre diversos temas em nosso País, como eu coloquei aqui no início, temas como punição e maioridade penal; temas como redução da mortalidade materna, inúmeros temas. E vocês, como agentes políticos, também acompanham as inúmeras discussões que nós temos neste Congresso Nacional.
Mas eu quero agradecer imensamente a presença de vocês, o fato de vocês terem aceitado o nosso convite para vir ao Senado e nos ajudar na elaboração desse relatório do projeto do Senador Paulo Paim.
Muito obrigada a cada um de vocês. Todos nós aqui ficamos muito felizes, muito contemplados com a fala de todos vocês, nossos convidados.
Não havendo mais nada a tratar, eu quero declarar encerrada esta audiência pública que nós realizamos para instruir esse projeto do Senador Paulo Paim.
Muito obrigada a todos, aos nossos convidados e aos nossos assessores. (Palmas.)
(Iniciada às 10 horas e 22 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 34 minutos.)