25/06/2015 - 44ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bom dia a todos e a todas.
Declaro aberta a 44ª Reunião, extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se a realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 98, de 2015, da CDH, de minha autoria, para o lançamento do documentário "Em Busca da Verdade", produzido pela TV Senado.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, pelo número 0800-612211.
Eu gostaria de agradecer a todos que atenderam nosso convite, a todos os presentes, principalmente aos que vão compor esta Mesa e participar desse debate.
Nosso objetivo, nesta Subcomissão de Justiça de Transição, é continuar o trabalho que vinha sendo feito pela Subcomissão Permanente da Memória, Verdade e Justiça e, sobretudo, acompanhar a Comissão Nacional da Verdade, que fez um belíssimo trabalho, um trabalho exaustivo de levantamento de tudo o que aconteceu a partir da instalação da ditadura civil militar, em 1964, e suas consequências, que chegaram até nossos dias.
Temos uma sequela enorme, com feridas abertas e não cicatrizadas, de um longo período de autoritarismo, de violência do Estado, que até hoje não conseguimos superar. As práticas da ditadura militar prosseguem e atingem outros segmentos da sociedade.
Naquele período, a violência foi centrada no combate aos adversários políticos da ditadura civil militar; hoje, a violência é voltada para as áreas periféricas, para os negros, para os segmentos mais vulneráveis da sociedade. A violência do Estado continua, e essa violência do presente é consequência direta do que nós sofremos no passado.
A Comissão Nacional da Verdade teve pouco tempo, em realidade, e muitas limitações para desenvolver seu trabalho, mas, ainda assim, conseguiu investigar e trazer à luz pública vários fatos, episódios desconhecidos da sociedade brasileira. Na verdade, a ditadura civil militar brasileira foi completamente diferente de todas as outras que proliferaram nesses anos na América Latina, porque ela dava a aparência de democracia em razão de mudar o ditador a cada quatro anos, diferentemente do que ocorria em outros países, cujos ditadores são identificados, tipo Pinochet, no Chile, e Banzer, na Bolívia.
Agradeço a todos aqueles que atenderam nosso convite, especialmente à Deputada Janete, que está presente.
Passo, agora, a compor as Mesas. Tivemos que desdobrar a primeira Mesa em duas e vamos ter um limite de tempo de dez minutos para cada expositor. Vamos iniciar com a apresentação de um documentário feito em cima do trabalho da Comissão Nacional da Verdade pela TV Senado. Solicitamos à TV Senado que nos apresentasse uma síntese desse documentário, que tem 56 minutos, e ela fez uma síntese de dez minutos, que vamos apresentar antes de iniciar essa mesa-redonda.
Nosso objetivo também é fazer com que essas informações que foram censuradas, que foram proibidas ao longo da história do País agora possam chegar às escolas, possam chegar à juventude, para que nossos jovens entendam de onde este País emergiu. Acho muito importante esse acerto com a nossa história. Evidentemente, o trabalho da Comissão Nacional da Verdade terá desdobramento no presente. Não dá para nos inteirarmos de tudo que aconteceu e ficarmos de braços cruzados. É necessário que a gente reveja a Lei de Anistia e que atenda as decisões das instituições internacionais que exigem do Brasil a punição daqueles que cometeram crime contra a humanidade. Tortura é um crime imprescritível, e é preciso, sim, que o Estado investigue o crime e, na medida do possível, puna o torturador. A necessidade de investigação já não é no sentido da punição, mas no sentido do reencontro com a história, para que a gente possa corrigir o presente e eliminar os abusos cometidos pelo Estado no presente.
Passo a compor a Mesa. Começo convidando o Deraldo Goulart, diretor do documentário "Em Busca da Verdade", do qual vamos assistir a um trecho, e Coordenador do Núcleo de Documentários da TV Senado.
Deraldo, por favor. (Palmas.)
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Convido a Lorena Maria, que também é diretora do documentário "Em Busca da Verdade". (Palmas.)
Convido André Saboia Martins, diplomata e representante dos Conselheiros e Colaboradores da Comissão Nacional da Verdade. (Palmas.)
Convido Fábio Meirelles Hardman de Castro, Coordenador-Geral de Direitos Humanos do Ministério da Educação. (Palmas.)
Convido Felix Angelo Palazzo, membro da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Seja bem-vindo! (Palmas.)
Convido Dom Leonardo Ulrich Steiner, Secretário-Geral da CNBB, a quem muito nos honra receber. (Palmas.)
Esse trabalho belíssimo dos diretores já nos foi apresentado. Eu solicitei a eles que o reduzissem, porque nós temos duas mesas e o tempo é curto, e eles, então, fizeram uma síntese do documentário, que também está muito bem feito. Vamos assistir ao documentário para, depois, abrirmos a mesa de discussão.
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(Procede-se à exibição de vídeo) (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - O documentário inteiro tem 58 minutos. Nós temos aqui, a TV Senado nos ofertou, ofertou à Comissão, algumas dezenas desses DVDs, que nós queremos entregar principalmente aos diretores de escolas para que eles recomendem sua reprodução aos professores, para que a história seja reconstituída, porque não há presente sem passado.
Está presente conosco e vai compor a Mesa também o Deputado Federal Wadih Damous, que foi Presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e hoje é Deputado Federal.
Pode ser agora ou a segunda mesa, Deputado?
O SR. WADIH DAMOUS (PT - RJ. Fora do microfone.) - Eu vou sair daqui a pouco.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Então, eu o convidaria para compor logo esta Mesa.
Nós vamos ouvir, inicialmente, os diretores do documentário para que a gente tenha ideia do trabalho que eles realizaram, porque o documentário realmente é fantástico. Deu para ver apenas, eu diria, como se chama em cinema, um trailler, mas o documentário inteiro realmente é muito impactante, pois remonta toda a história da repressão em nosso País, infelizmente, e a gente precisa falar muito disso. Só quem viveu em um regime como o que nós tivemos sabe o quanto o cidadão fica vulnerável sem os seus direitos civis garantidos.
Então, eu vou começar ouvindo o Deraldo Goulart, que é o diretor do documentário.
Eu queria registrar a presença da Senadora Regina Sousa, que é membro da nossa Comissão.
Muito obrigado por sua presença.
Agora, vamos começar a ouvir o Deraldo.
Por favor.
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O SR. DERALDO GOULART - Bom dia a todos, e - eu vou me valer da informalidade - especialmente aos que compõem a Mesa: Fábio, André, Felix, Dom Leonardo, Lorena, minha colega, Wadih Damous, que acabou de chegar, e Senador Capiberibe.
Antes de mais nada, começo agradecendo a esta Casa, ao Senado Federal, que respeita um preceito que vem daquela Constituição outorgada em 1824 que, no art. 70, diz que é necessário dar publicidade, publicização aos atos do Executivo e do Legislativo para que a população tenha a informação adequada de tudo o que está acontecendo com os governantes e os legisladores - a possibilidade de fazer um documentário como esse deve ser ressaltada -, e, principalmente, à Secretaria de Comunicação, à TV Senado, que também destina um núcleo que, apesar de pequeno - são quatro pessoas, duas estagiárias -, consegue fazer um trabalho dessa grandeza e dessa extensão. Nós temos aqui a nossa Diretora da TV Senado, a Júnia, e a Isabela, adjunta.
Quero agradecer também aos ex-diretores David Emmerich, da Secom, que foi um parceiro de primeira hora, e Luís Oliveira, da TV Senado, e ressaltar também o quadro funcional do Senado Federal e da área em que eu trabalho, da Secretaria de Comunicação e da TV Senado, destacando que, recentemente, uma colega nossa, a Solange Calmon, que está aqui, recebeu o Prêmio Orgulho Autista, junto com o Senador Romário.
As instituições são feitas por pessoas, e é muito gratificante saber que essas pessoas têm esse grau de competência, de compromisso e de responsabilidade com o que está na nossa Constituição, que diz que nós devemos informar com total transparência os feitos do Legislativo.
O documentário fala por si. É impressionante, nos depoimentos como é forte a nossa tradição ocidental cristã. Então, eu pude perceber, nas pessoas, nas entrevistas, nos depoimentos, o quanto é importante para a família fazer o luto pelo ente querido, por aquela pessoa que saiu de casa e nunca mais voltou e o quanto isso é uma tradição forte no nosso País e, eu repito aqui, na tradição ocidental cristã. É triste, porque você perde um familiar do nada e nunca mais ouve notícias dele.
A Hildegard Angel falou, nesse depoimento que está aqui, que, se não encontrarem o corpo, pelo menos deem uma explicação. Quer dizer, é tão simples, é uma coisa, talvez, até banal para quem não está envolvido, mas é realmente tudo para a família. Eu sempre me emociono, porque temos aqui apenas uma parte dos depoimentos, mas eles são muito tristes, pesados. E vocês vão ter a oportunidade de ver isso no documentário.
Eu não quero me alongar, Senador, porque muitos que estão aqui querem falar, mas eu gostaria de me referir a uma fala inicial que V. Exª nos trouxe, que é justamente a de uma presa política torturada, a chilena Michelle Bachelet, que foi presa no governo do Pinochet e, depois, foi eleita Presidente, ou Presidenta, do Chile - não sei como se fala lá. Ela disse uma coisa que chama muito a atenção. Ela disse que só as feridas lavadas e tratadas cicatrizam. Esse é um ensinamento que nós temos que levar em conta. Nós temos que regenerar o corpo tratando as feridas. E nós temos que olhar o passado com uma visão no futuro. Não interessa o que aconteceu, ou interessa, sim, mas o mais importante é que essas lições sejam apreendidas e assimiladas para que isso nunca mais aconteça no País.
Então, eram estas palavras iniciais, Senador.
Agradeço a oportunidade. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
O pai da Presidente do Chile, General Bachelet, também foi assassinado pela ditadura. Então, há toda uma história, mas o Chile se reencontrou com a sua história. E a diferença do Chile para o Brasil é que nós não conseguimos fazer isso.
Eu tentei, várias vezes, conversar com os comandantes das nossas Forças Armadas e com o Ministro da Defesa para pedir que eles, então, levassem o debate para dentro das Forças Armadas, porque é fundamental que as Forças Armadas reconheçam aquilo que a Comissão Nacional da Verdade detectou, a repressão, a violência - a violência institucional, a violência de Estado -, e que o ditador Presidente sabia de tudo que acontecia no País, como um todo, em relação ao abuso contra os cidadãos.
Eu queria registrar a presença do Senador Humberto Costa.
Obrigado pela presença.
Eu vou passar a palavra para a Lorena, uma das diretoras do documentário, e, em seguida, ao Deputado Wadih Damous, que tem um compromisso logo em seguida.
Lorena, com a palavra.
A SRª LORENA MARIA - Bom dia.
Eu cumprimento todos que compõem a Mesa e reforço o agradecimento que o Deraldo fez à Secretaria de Comunicação do Senado, aos coordenadores da TV e à equipe que participou do documentário, que é enorme, pois todos trabalharam com muito afinco para que a gente chegasse a este resultado final.
Eu gostaria de falar um pouco sobre o conteúdo, mas vou tentar não me alongar. Vimos aqui somente dez minutos do documentário, mas ele tem 58. Então, ainda temos bastante coisa para contar.
Fazer um documentário é uma forma de contar uma história, mas falar de uma história como a ditadura militar no Brasil é falar de algo cujas partes foram suprimidas ao longo dos anos. Acho que esta sensação é comum a quem participou das comissões: você vai contar, mas há muitas lacunas.
Quando a gente começou a produção, a gente entendeu que era necessário situar o expectador naquele contexto histórico, principalmente porque pessoas como eu não vivenciaram a ditadura. Mas a minha geração tem muito dessa busca pela verdade histórica. É preciso entender e preencher essas lacunas para que a gente possa construir um futuro.
Então, a gente fez uma pesquisa começando pelo material das comissões estaduais, principalmente a do Rio e a de São Paulo, e da Comissão Nacional da Verdade, que já tinha produzido informações mais completas sobre esse passado. A gente realizou entrevistas com membros dessas comissões, com os Senadores que compuseram a Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça do Senado, um historiador, Carlos Fico, e com testemunhas deste período.
Assim, aliando essas entrevistas às imagens que a gente pesquisou junto ao Arquivo Nacional, à cinemateca brasileira, que eram imagens produzidas pelas agências, pela Agência Nacional, jornais da época e televisão, a gente conseguiu, acho, recriar esse clima com detalhes, para poder olhar qual era a nossa cara há 50 anos. Então, o documentário é muito rico nestes detalhes, tanto pelos depoimentos, pelos testemunhos, quanto pelas imagens que a gente conseguiu resgatar.
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Colocar a maioria dos casos de tortura ou os mais emblemáticos foi uma tarefa muito, muito difícil, e, obviamente, a gente não conseguiu dar conta de explicar ou aprofundar tudo no documentário. Foram muitos, muitos episódios de violência, de tortura, de privação de direitos, de perseguição política, de cassação de mandatos, de ocultação de cadáveres, e 58 minutos era muito pouco tempo. Então, a gente tentou buscar personagens que pudessem representar o Brasil na sua pluralidade. Então, buscamos pessoas de regiões diferentes, personagens da cidade que fizeram parte da militância ou da luta armada e também aquelas que eram cidadãos comuns e que foram afetados pelo regime militar. A gente tentou trazer pessoas que compunham sindicatos, estudantes, pessoas da região do Pará, de onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia, de Tocantins, de Goiás e também pessoas, claro, do Rio e de São Paulo, Estados que têm um número muito maior de desaparecidos e mortos pela ditadura.
Então, a gente buscou dar essa dimensão dos abusos que foram cometidos pelo Estado por meio desses depoimentos. E tentamos fazer esse mergulho neste contexto histórico para deixar bem claro como funcionava a estrutura de repressão no País, como ela foi sendo formada, qual era o organograma, quem comandava, tentando mostrar, por exemplo, o que é uma conclusão da CNV, que a tortura no Brasil era uma política de Estado, que ela foi institucionalizada, que ela era do conhecimento dos chefes das Forças Armadas, inclusive do próprio ditador, do general que comandava o País na ocasião.
A gente tentou dar esse panorama histórico, mas é impossível não entrar nas histórias individuais. Selecionamos três, que eram os casos em que a CNV tinha avançado mais, em relação aos quais havia informações mais completas. Um deles foi o do Epaminondas, que era um sapateiro, mas era líder camponês, que foi preso, porque militava em um partido, torturado e assassinado em 20 de agosto de 1971. Falamos também do Rubens Paiva - um caso conhecido que teve muitas informações que vieram à tona na CNV -, um Deputado que foi cassado, preso, torturado e assassinado. E, por fim, falamos do Stuart Angel, que, além de militante, era do MR-8, foi preso, torturado e assassinado.
Como desdobramento da história do Stuart Angel, sua mãe, Zuzu Angel, que era uma estilista no Brasil, por querer saber onde o filho estava, produziu um dossiê e o repassou para as autoridades americanas. Em decorrência disso, ela sofreu um atentado. Seu carro foi jogado de um viaduto e ela morreu.
Então, são esses os casos que ilustram o documentário porque era deles que a gente tinha uma informação maior para contar.
E, por fim, a gente conclui, com os depoimentos dessas pessoas, a quem reforço o agradecimento... Estou vendo aqui o Ivan Seixas, um entrevistado que explica muito sobre tantos fatos históricos e sobre sua história pessoal.
Você perdeu o pai assassinado - não é, Ivan? - e ficou preso por muito tempo.
Essas pessoas tiveram a coragem e a generosidade de nos receber e falar de histórias que são muito difíceis de serem contadas.
Eu estou emocionada também porque você imaginar... Não foi um dia, foram anos, foram 21 anos de ditadura. Imagino a sensação de quem vivia de não saber quando isso iria ter um fim.
Eu agradeço por ser de uma geração que desfruta da democracia.
Muito obrigada a vocês. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Lorena. Muitíssimo obrigado.
Essa juventude precisa tomar conhecimento dos fatos para a gente construir um país cada vez mais generoso, mais democrático. Democracia é, sempre, um exercício muito difícil, e a gente precisa que os jovens contem para os outros jovens o que foi esse país do autoritarismo.
Dando sequência, para que a gente possa entender, a Comissão Nacional da Verdade... Começou com uma comissão nacional e, depois, se espalhou por todo o País. Aqui, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, nós criamos uma Subcomissão da Verdade para poder acompanhar o trabalho da Comissão Nacional.
Quando a Comissão Nacional entregou seu relatório com as sugestões, nós, então, criamos aqui uma subcomissão, dentro da CDH, chamada de Subcomissão de Justiça de Transição, para poder continuar o trabalho e buscar soluções para as pendências encontradas pela Comissão Nacional da Verdade.
Para melhor entendimento, eu gostaria de passar a palavra ao Deputado Wadih Damous, que foi o Presidente da Comissão do Rio de Janeiro, que teve uma grande atuação. A Subcomissão da Verdade do Senado esteve, no Rio de Janeiro, no quartel da Polícia do Exército, abrindo portas para poder... Inclusive, a Comissão do Rio teve dificuldade de entrar lá, mas, com a nossa presença, terminou abrindo as portas.
Você vê a dificuldade dos nossos militares. É como se eles tivessem tido algum comprometimento com os abusos cometidos. É até difícil entender como um jovem oficial hoje pode tentar impedir que se esclareça para a sociedade todos os fatos históricos.
Com a palavra o Deputado Wadih Damous.
O SR. WADIH DAMOUS (PT - RJ) - Bom dia a todos.
Cumprimento V. Exª, Senador João Capiberibe, a quem agradeço a honra de estar presente, e também cumprimento, na sua pessoa, todos os componentes desta Mesa.
Quero parabenizar os realizadores desse documentário. Só quem tem alguma relação com esse passado, que teme não passar, pois é um eterno presente esse legado que a ditadura deixou, só quem tem essa ligação, direta ou indiretamente, sabe da importância da realização de um documentário como esse e sabe da importância, Senador, de persistirmos em reuniões como esta.
No Brasil, essa questão é um tabu. É um tabu que se tentou quebrar com a Comissão Nacional da Verdade, com as comissões estaduais da Verdade, com o relato dos militantes, com o relato dos familiares, mas continua sendo um tabu, infelizmente.
Esse é um déficit da democracia brasileira que eu não sei se um dia vai ser suprido. A nossa democracia, que tanto deve a essas pessoas, não consegue lidar com isso, infelizmente. Ao contrário de alguns outros países, como a Argentina, o próprio Chile, o Uruguai, a África do Sul e diversos outros países que viveram seus dramas impostos por regimes ditatoriais e com graves violações de direitos humanos, que, apesar de toda a dor, apesar de todos os percalços, estão acertando as suas contas com o passado, o Brasil, infelizmente, não está fazendo o mesmo.
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Nós pudemos vivenciar isso diretamente no período em que integramos a Comissão da Verdade do Rio. Lá, tivemos a oportunidade de ouvir aqueles que foram diretamente atingidos pela sanha terrorista do Estado ditatorial, tivemos a oportunidade de ouvir familiares e tivemos a oportunidade de ouvir os algozes.
Para mim, particularmente, quando ainda estudante - a minha geração é pós-luta armada; nós pegamos parte da ditadura, pegamos a ditadura da metade para o fim -, esses personagens eram mais ou menos míticos. Aqueles que combateram a ditadura eu colocava na categoria de heróis. Era um negócio meio maniqueísta: os bandidos, os torturadores... E hoje sou amigo de diversos deles. Tenho amigos pessoais, como o Ivan Seixas, que está aqui, e diversos outros. Aquele caráter, digamos, de heroicidade... Eles continuaram sendo meus heróis, mas de carne e osso. Eles foram perdendo - ainda bem! - aquela característica mítica e nós passamos a perceber que eram brasileiros, à época, jovens, jovens brasileiros que queriam um país melhor, que não se conformaram com o jugo da ditadura e encontraram meios e modos, de acordo com os critérios que estabeleceram, na época, de combater a ditadura. Uns optaram por um caminho, outros optaram por outro, mas, no final das contas, todos merecem as nossas homenagens, merecem o nosso reconhecimento por tudo o que fizeram. Tanto os que sobreviveram, quanto os que sucumbiram à sanha ditatorial merecem a nossa lembrança, merecem o exercício da memória.
E esse exercício da memória - e tivemos a oportunidade de, juntos, no Rio de Janeiro, perceber isto, Senador - em relação ao período ditatorial é um exercício muito difícil, penoso, aqui, no Brasil, porque ele encontra obstáculos institucionais até hoje.
Nós conseguimos entrar, atravessar a porta do inferno que foi o DOI-Codi no Rio de Janeiro, onde funcionava e funciona a Polícia do Exército, nas dependências do Exército Brasileiro, onde diversos militantes foram massacrados, foram torturados, de onde alguns desapareceram, como é o caso do Deputado Rubens Paiva e de diversos outros combatentes, mas até hoje o Exército Brasileiro insiste em negar, insiste em não admitir que ali foi um centro de tortura.
Eu me lembro que a Deputada Luiza Erundina também estava nessa visita. Fomos muito bem recebidos, com cafezinho, água gelada... Obviamente, não fomos para o pau-de-arara. Eles não... Foram muito gentis. Fomos recebidos pelo Comandante do Exército, pelo comandante daquele quartel, e fomos levados a um auditório, onde ele começou a contar a história do prédio, que tem uma fachada bonita, até, se não me engano, tombada pelo patrimônio histórico. Ele começou a contar a história do prédio desde que o prédio foi fundado, foi inaugurado, e foi periodicizando, falando da década de 30, da década de 40... Aí ele deu um pulo da década de 1960 para 1990. Eu falei: "Espera aí. Está faltando um intervalo aí." Ele pulou o período de 70, como se o calendário desse um salto, como se a década de 1970 não tivesse existido. Não, nesse período aqui muita gente foi torturada e desapareceu.
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E eles tentaram controverter até a localização exata das dependências da tortura. "Não, não era aqui, era ali”. Mas estava conosco o Álvaro Caldas, que é membro da Comissão da Verdade, um companheiro que ficou hospedado naquele hotel macabro. Ele, com a autoridade de quem sofreu na carne as agruras que se praticavam naquelas dependências, disse: “Não, era ali”. E ali nós fomos, e descemos ao inferno. Ali se fez o exercício do que significava a tortura e o desaparecimento naquele período.
E o que fica muito marcado para nós é que, primeiro, a tortura não foi inventada pela ditadura. A tortura é uma prática do Estado brasileiro de antes da ditadura, de durante a ditadura, e, infelizmente, até de hoje, depois da ditadura. A ditadura institucionalizou-se, tornou-se política oficial de Estado, aperfeiçoou-se, criou centros especializados nessa arte macabra de torturar e supliciar, mas é muito importante, sempre, ter em mente que a tortura não foi uma invenção da ditadura e não foi embora com ela. Ela continua uma prática corrente e aceita aqui, no nosso País, como método de interrogatório até hoje.
Para encerrar, Senador, porque eu realmente não vou ficar inventariando aqui o que foi o trabalho da Comissão, até porque ele ainda não terminou - eu não estou mais na Comissão, pois assumi o mandato aqui e me exonerei, mas nós estamos na fase de elaboração do relatório final -, sobretudo do contato, das conversas, dos diálogos com os familiares, com as mães, com os pais, com os irmãos, com os maridos, com as esposas dos desaparecidos, o que de fato marca e o que de fato torna esse exercício da memória uma marca indelével é que a dor do desaparecimento, a dor do nunca mais, sem explicação, é uma dor insuperável. Essa é a dor insuperável.
Para o morto, o oficialmente morto, a civilização criou, através das religiões, através das práticas culturais, enfim, através da convivência ao longo das existências, criou o luto, criou as homenagens, criou todo o processamento da dor. O morto tem uma sepultura, onde se depositam flores, onde se exercita a memória, onde se lembra, onde, enfim, se chora. Mas o desaparecido não tem isso. O desaparecido é desaparecido. A trajetória final do desaparecido tem que ser recontada, tem que ser investigada. O que a ditadura tentou fazer foi apagar rastros, foi apagar marcas, foi apagar a memória. E esse, acho, foi o principal papel da Comissão Nacional da Verdade e das demais Comissões da Verdade que foram criadas pelo Brasil afora.
Mas essa interrogação continua. Infelizmente, o Estado brasileiro, o Estado democrático brasileiro insiste em não dizer o que aconteceu, como aconteceu, onde foram enterradas, se é que foram enterradas, essas milhares de pessoas que pagaram com a vida, que pagaram com a dor a tentativa de construir um país melhor. E essa cobrança é o que nós estamos fazendo aqui hoje, é o que os autores do documentário estão fazendo, é o que, ainda, milhares de brasileiros fazem. O Estado brasileiro tem que dar uma satisfação aos familiares, tem que dar uma satisfação ao povo brasileiro sobre o que aconteceu com essas pessoas, com esses combatentes, com esses militantes, sob pena de nós termos, sempre, e sermos condenados para sempre a uma democracia pela metade. Eu acho que a nossa democracia jamais vai se consolidar enquanto nós tivermos essa interrogação.
Então, eu quero aqui parabenizar os autores do documentário.
A luta continua! (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado, Deputado.
Nós da Subcomissão de Justiça de Transição estamos preocupados em dar sequência, e o trabalho mais importante que a gente pode realizar talvez seja o de buscar, junto às Forças Armadas, o reconhecimento de que essa era uma prática de Estado. Acho que nós vamos, nos encaminhamentos, trabalhar nessa direção.
Dando sequência, passo a palavra ao André Saboia Martins, que é diplomata e representante dos Conselheiros e Colaboradores da Comissão Nacional da Verdade.
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS - Bom dia a todos e a todas.
Eu queria, em primeiro lugar, na pessoa do Senador João Capiberibe, agradecer e cumprimentar a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal que sempre esteve presente e apoiando todas as iniciativas da Comissão Nacional da Verdade, por essa iniciativa tão importante e queria parabenizar os realizadores desse documentário, que estão presentes.
Como mencionou o Deraldo, nós estamos, com essa iniciativa, cumprindo não apenas com o dever de dar publicidade a uma série de fatos, mas também com o dever, que os sobreviventes dos campos de extermínio chamam de dever de memória, de, todos os dias, revisitar os acontecimentos que, no senso comum, estão situados no passado. Mas, como diz o poeta Mário Quintana, o passado não sabe o seu lugar, está sempre presente.
Como falou o Senador Capiberibe, como integrantes das Forças Armadas de hoje podem ter essa espécie de identificação com o que aconteceu no passado? Nós que visitamos esses quartéis que foram centros de tortura vimos ali a força do que a gente pode chamar de ideologia, do que não é apenas discurso, não são apenas ideias,que ali estão materializadas estruturas muito concretas do terror do Estado.
Na medida em que, dentro de uma instituição, as coisas não são chamadas pelo nome, na medida em que não se reconhece que, naqueles lugares, foi praticada a tortura como uma política de Estado, esse passado não passa. Esse passado está presente e contamina as instituições no presente.
Por isso, é uma satisfação muito grande ver que os realizadores do documentário souberam aproveitar o que eu acho que é o material mais valioso do acervo da Comissão Verdade, que são os depoimentos, que são as filmagens das diligências, com esse recurso do cinema, da fotografia, que tem essa virtude justamente de afirmar esse presente da memória, essa importância do acontecido, com uma vivacidade muito grande.
Como disseram aqui os realizadores, não foi possível contar a história das Comissões da Verdade e, muito menos, a história do que foi a ditadura militar no Brasil em 58 minutos.
Sei que aqui há pessoas de Secretarias da Educação, representantes do Ministério da Educação, da CNBB, jornalistas de várias áreas, educadores e, por isso, queria aproveitar para fazer um convite, que acho que já está sendo atendido pela sociedade.
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Nós temos uma pequena estrutura que está organizando o acervo da Comissão da Verdade e temos recebido muitos pedidos de dentro e de fora do Brasil para fazer documentários, exposições de fotos. E ficamos muito satisfeito porque, por meio de uma organização de que participa o Ivan Seixas, do Núcleo de Memória, nos chegou o pedido de uma diretora de cinema do Chile que está fazendo para a televisão uma série sobre as ditaduras na América do Sul, e um dos capítulos vai ser sobre o episódio do Riocentro, esse episódio tão escandaloso da história recente pouco conhecido dentro do Brasil e menos ainda fora do Brasil. Isso é importante.
Eu queria aproveitar para divulgar. Nós estamos reconfigurando a página da Comissão da Verdade para que ela se torne um banco de dados e um recurso pedagógico, educacional, que, via internet, possa ser usado de várias maneiras. Por exemplo: quando se entra naquelas barras da direita, há o item "Tortura em instalações militares". Aqui, nós temos uma cronologia com todos os documentos e todo o diálogo que aconteceu entre as Forças Armadas e a Comissão Nacional da Verdade no sentido da apuração do que aconteceu nessas instalações militares onde o Estado brasileiro já reconheceu, pela Comissão sobre Mortos e Desaparecidos e pela Comissão de Anistia, que houve tortura. Nós temos ali todos os documentos, todo o histórico. Vocês podem ver uma série de intercâmbios de ofícios, de correspondências, de notas, de manifestações. E termina com a posição do Ministério da Defesa e das Forças Armadas, que é uma posição, como o próprio Ministro Celso Amorim definiu na época, de não negar o que aconteceu, de não questionar as conclusões das comissões de mortos e desaparecidos, mas que parou um passo antes do que se almejava, que era o reconhecimento.
Nós temos os vídeos de todas as diligências que foram realizadas, com várias imagens. Há coisas muito impressionantes, muito fortes. Essas diligências também se refletiram...
Se puder passar para a parte de laudos periciais...
A todas as diligências nós fomos com peritos criminais, com testemunhas... Todos os laudos periciais que a Comissão da Verdade produziu, inclusive esses relatórios, essas diligências, estão disponíveis nessa página.
Se clicarem só na parte de vídeos, diligências e audiências, nós temos essa tabela com mais de 100 audiências públicas e eventos públicos realizados pela Comissão da Verdade. Ali estão disponíveis vídeos e fotografias emblemáticas desses eventos.
Nós estamos finalizando a atualização dessa página. A partir da segunda quinzena de julho, estarão disponíveis mais de 1.800 documentos e depoimentos que são citados no Volume 1 do Relatório da Comissão Nacional da Verdade.
Aí nós temos uma foto no quartel da Rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, na visita da CNV.
Se pudermos passar para a parte do relatório, só para dar uma ideia dos documentos. Se você acessar o Capítulo 6...
Vamos ver se já está ativado.
É nessa página mesmo, capítulo 6.
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS - Aqui, documentos.
Se você clicar aqui, há documentos citados no Capítulo Operação Condor, que estão disponíveis na página.
Se você passar para a Nota 75...
Eu queria até mostrar esse documento, porque foi o resultado de uma pesquisa da Comissão da Verdade, a localização de um documento, esse documento 75, que foi consequência de uma audiência histórica realizada aqui, nesta Subcomissão, com os brasileiros que estiveram presos no Estádio Nacional do Chile. Isso foi uma coisa que o Brasil... Todos os países da América do Sul que tiveram pessoas presas já haviam prestado uma homenagem oficial no próprio Estádio Nacional, que é um centro de memória, mas o Brasil tinha feito muito pouco. E ainda fez muito pouco.
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Nós localizamos, depois dessa audiência, numa pesquisa nos arquivos da embaixada brasileira no Chile, em Santiago, uma autorização de sobrevoo e pouso justamente para um avião Avro, da FAB, que aterrissou em Santiago no dia 15 de outubro de 1973, um mês e três dias depois do golpe que derrubou Salvador Allende. A partir desse documento, nós identificamos o nome do piloto, que era, na época, um major e hoje é um brigadeiro reformado, o Brigadeiro Zilson Pereira da Cunha, que prestou depoimento à Comissão da Verdade, confirmou o voo, confirmou que, no voo, foram levados outros militares, mas disse não saber qual era a razão da missão. Não identificou, mas confirmou toda essa história. E uma série de militares brasileiros... Foi possível confirmar denúncias que já eram muito antigas, mas que tinham ficado soterradas nos arquivos. Foram analisadas e confirmadas. Foi um trabalho do qual participou uma das assessoras da Comissão, a Silvia Whitaker, que foi muito a fundo nele.
Voltando para a Nota 27, um trabalho que foi feito pela Comissão Rubens Paiva, de São Paulo, da qual participava o Ivan Seixas - isso é citado num dos capítulos -, nós temos aqui uma cópia do livro de portaria do Dops de São Paulo.
Esse é pesado. Vai demorar um pouquinho para abrir.
Nesse documento, pela primeira vez, apareceram registros - o Ivan pode até explicar melhor - dos próprios funcionários do Dops de visitas, àquele centro policial, de funcionários do consulado norte-americano, de empresários. Nós temos esse livro de visitas, um documento importantíssimo que foi divulgado e está disponível, para acesso público, para pesquisas e investigações posteriores, na página da CNV.
Como disse o Deputado Wadih Damous, a questão da memória, da verdade e da justiça no Brasil é muito mais truncada e difícil do que se consegue imaginar, mas nós temos um material e temos uma qualidade humana e de instituições também que trabalharam para avançarmos muito nesse campo e realmente implementarmos as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, o que já vem sendo feito, em parte, pelos órgãos do Estado brasileiro. Esse é um desafio muito grande que nós temos pela frente, é um desafio político enorme.
Eu termino com um convite para que os historiadores aproveitem esses recursos e façam outras pesquisas, para que os realizadores de cinema e de fotografia aproveitem esse acervo, que já está à disposição do público. A página estará completa no final de julho e todo o acervo já está sendo encaminhado para o Arquivo Nacional. Essa transferência deve se finalizar também em meados de julho e o Arquivo Nacional irá disponibilizar esse acervo ao público, o que já fez com outros acervos da ditadura militar.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Agradecemos ao André Saboia pelas informações.
A página está disponível principalmente para professores e diretores de escolas de segundo grau, para essa juventude que... São informações fundamentais para as universidades também, claro.
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Dando sequência, convido para usar da palavra o Sr. Fábio Meirelles de Castro, Coordenador-Geral de Direitos Humanos do Ministério da Educação, que tem uma função...
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS (Fora do microfone.) - Presidente, tenho uma cópia desse material impresso.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - O André Saboia vai entregar uma cópia do relatório para a Comissão.
O SR. ANDRÉ SABOIA MARTINS - Foi finalizada, há poucos dias, a impressão do relatório e já estamos fazendo a distribuição para universidades, bibliotecas, organizações de direitos humanos... (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Com a palavra o Fábio Meirelles.
O SR. FÁBIO MEIRELLES HARDMAN DE CASTRO - Bom dia a todos e a todas.
Eu gostaria de agradecer, Senador, o convite ao Ministério da Educação. Ficamos muito honrados com o convite e estamos muito felizes por estar participando deste momento junto com a Comissão Nacional da Verdade, a CNBB e a OAB e, principalmente, com os diretores do documentário. Eu sou profissional de comunicação e imagino que haja dezenas de mãos por trás desse documentário. Então, a diretora e o diretor estão aqui representando toda a equipe que está por trás dessa produção.
Eu gostaria de dizer e explicar que o nosso Ministro Renato Janine está, agora, na Câmara dos Deputados, num seminário tratando do primeiro ano da aprovação do Plano Nacional de Educação. Então, hoje, dia 25, a gente está comemorando um ano do PNE. O Ministro está na Câmara dos Deputados e me delegou a tarefa de vir aqui representar o Ministério. Neste primeiro ano de homologação do PNE, uma das nossas tarefas é construir a Base Nacional Comum do Currículo da Educação Básica. Então, acho que é um momento também muito apropriado para recebermos esse tipo de produto, de conteúdo, que nos vai servir de subsídio, sem dúvida, para construirmos essa base nacional do currículo.
A gente tem um projeto grande com a Universidade Federal de Minas Gerais sobre direito à memória e à verdade, no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos e do Ministério da Educação, e estamos também produzindo um CD-ROM com histórias de vida... Enfim, é um material bastante importante para o MEC trabalhar esse tema junto aos sistemas de ensino.
Mas o meu principal recado, se eu tenho algum recado para contribuir com esta Mesa, é o de um pedido aos diretores para transmitir e reproduzir o documentário na TV Escola, que é o canal da educação. Seria uma possibilidade bastante concreta de a gente chegar a... Como a TV Escola é o canal da educação, está em parabólica, e é bastante vista pela rede de sistemas de ensino, nas secretarias estaduais e municipais de educação, por professores e profissionais de educação, acho que a gente poderia potencializar muito esse trabalho se a gente conseguisse reproduzi-lo na TV Escola.
E a gente também tem a prática de pegar produtos como esse, documentários como esse, e transformar em séries didáticas também, porque mais importante do que a gente simplesmente reproduzir é a gente construir uma série didática, colocar nas redes sociais do Ministério da Educação, no Portal do Professor, na TV Escola, no Banco de Objetos Educacionais. Então, a gente tem uma série de estratégias que acho que vão ser bastante relevantes para mobilizarmos os sistemas de ensino, para tratarmos desse tema num momento tão importante.
Fizemos uma Conferência Nacional de Educação Básica em 2008, fizemos a primeira Conferência Nacional de Educação em 2010, e só no ano passado a gente teve um debate, uma mesa, na Conae, sobre ensino da ditadura militar nas escolas. Então, esse é um debate emergente também no campo educativo e educacional, entre os sistemas de ensino. Eu acho que esse conteúdo chega em boa hora para instrumentalizarmos os nossos professores a tratar sobre esse tema nas escolas.
Então, o recado é para colocar o Ministério da Educação à disposição de todos esses atores que estão envolvidos, da Comissão Nacional da Verdade. Queremos ver também, André, como é que a gente pode transformar esses relatórios, todos esses conteúdos, porque parece fácil dizermos que vamos usar esse material em sala de aula, que vamos transmitir conhecimento, mas a gente precisa transformar e traduzir esse material em atividades pedagógicas, em materiais educativos, em séries didáticas.
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Acho que existe um esforço a que podemos nos somar para transformar tudo o que foi produzido em material para discutirmos... Num momento em que vemos manifestações populares de rua com jovens pedindo a volta da ditadura, é fundamental tratarmos disso tudo em sala de aula, na educação básica, na educação superior, envolvendo as escolas, os sistemas de ensino, universidades, institutos federais. Enfim, é preciso traçar uma estratégia bastante eficiente para discutir isso no âmbito educativo e educacional.
Então, colocamos o Ministério da Educação à disposição parabenizamos os diretores pelo documentário. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado, Fábio.
Acho que estamos vivendo o mais longo período democrático da história do País, de 1985 para cá. Toda a nossa história é permeada por regimes autoritários. Então, temos pouca cultura e tradição democrática, e é fundamental que a gente informe, que insista no reconhecimento da nossa história, no que foi construído neste País.
Eu sempre lembro que, no Brasil, a primeira Constituição republicana, de 1891, retirou dos analfabetos o direito ao voto. Imaginem esse fato naquele momento, em 1891, quando talvez 95% do povo brasileiro fosse analfabeto! Então, a história do Brasil republicano foi construída por 5%. Esses poucos tinham direitos políticos, porque, quando se elimina o direito ao voto, elimina-se o direito político. Assim, o Brasil foi organizado por poucos e para poucos. Cada vez que a sociedade cobra e exige mais, temos ruptura institucional. Então, construir democracia é uma tarefa dificílima!
Passo a palavra ao Felix Angelo Palazzo, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que tem toda uma história em defesa da democracia.
O SR. FELIX ANGELO PALAZZO - Eu gostaria de cumprimentar todo este Plenário, comprometido com a luta democrática, com o resgate da História, de cumprimentar o Senador e toda esta Mesa e de parabenizar os diretores desse documentário tão importante para o resgate da nossa memória, desses anos de chumbo, desses anos tão tristemente importantes na nossa história.
Para ser honesto com vocês, seria desonesto eu não dizer o que disse o meu Presidente, o Wadih Damous, que era o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que eu considero que, na verdade, já falou pela Ordem dos Advogados. Ele se afastou agora para assumir o seu mandato na Câmara dos Deputados.
Eu quero dizer que eu fico realmente impactado com todas essas recordações, que são quase escavações, que são trazidas para resgatar esses pedaços de história para tentar recompor o que de fato aconteceu. Eu imagino o trabalho de vocês, o empenho, o esforço pessoal de vocês e da equipe para trazer para nós essa história, ainda tão mal contada ou pouco contada.
A Ordem realmente tem uma participação nisso. Nós também sofremos atentados terroristas, inclusive com a morte da Dª Lyda Monteiro por uma carta-bomba dirigida ao nosso Presidente. E a Ordem realmente fica envaidecida com esse convite para comparecer aqui ao lado de tantas entidades tão comprometidos com a história e com a democracia deste País.
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E eu acho que, talvez, a coisa mais importante que pode ser dita em relação a isso é a preocupação de mostrar para os nossos jovens como esses fatos aconteceram, como nós chegamos até aqui. Hoje, isso é muito segmentado, é muito compartimentado. É tão desimportante o que já se passou... E a história, não a história só dos estudiosos, mas a história, para fazer sentido... Por que nós estamos aqui? Por que o nosso sistema político é dessa maneira? Por que a corrupção é algo tão banal? Por que a violência nos presídios acontece com tanta naturalidade? Por que se amontoam essas pessoas como animais?
Isso não é algo que se constrói da noite para o dia. É muito difícil construir todas essas mazelas, e a nossa sociedade, infelizmente, se empenhou muito em construir todas essas mazelas, todos esses desmandos, todas essas coisas que comprometem o nosso presente, comprometeram o nosso passado e, com certeza, vão comprometer o nosso futuro.
Então, eu tenho a que parabenizar os diretores e essa equipe que trazem esse pedaço inglório da nossa história, para ajudar a recontá-la - e eu acho que isto é fundamental - para a nossa juventude, para que a gente saiba o que aconteceu e para que a gente não repita a história.
Parabéns!
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado. Obrigado pela presença.
Para encerrar esta primeira Mesa, tenho a honra de passar a palavra ao Dom Leonardo Steiner, que é o Secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Com a palavra.
O SR. DOM LEONARDO ULRICH STEINER - Obrigado.
Eu queria cumprimentar a todos e a todas que aqui se encontram para um momento tão importante do Congresso Nacional, especialmente do Senado. Eu gostaria de cumprimentar o Presidente da Mesa, Senador João Capiberibe, e, cumprimentando S. Exª, cumprimentar todos os outros.
Eu queria partir minha pequena reflexão de dois textos da Sagrada Escritura. O primeiro diz que a verdade vos libertará. Só a verdade é capaz de nos libertar, de nos colocar na liberdade. E essa verdade aparece em outro texto muito bonito que nós costumamos chamar de Bom Samaritano, que diz que passam duas pessoas por ele, assaltado pela vida, na quase dormência da morte, e não o acodem. Foi preciso vir um estrangeiro, de outra raça, de outra religião, para acudi-lo, cuidar de suas feridas, limpá-las e levá-lo para casa.
Essa iniciativa do Senado, essa iniciativa de produzir esse documento recorda que nós não podemos passar pelo outro lado da nossa história. Nós não podemos passar ao largo da história. Precisamos descer para a realidade nua e crua da história e nos debruçarmos sobre ela e limparmos, como diz o texto, as feridas da nossa história com o vinho e com o óleo. O vinho é a bebida que purifica, que traz alegria, e o óleo dá, devagar, a possibilidade de sanar as feridas.
Um documentário assim é a possibilidade de limpar as nossas feridas. Elas estão abertas. Não para muitos, mas para um bom número de nossos irmãos e irmãs essas feridas permanecem abertas, muito abertas, doídas e sofridas, como nós acabamos de ver no documentário de que nos foi apresentada uma pequena síntese.
E essa dor continuará, essa ferida continuará aberta enquanto não conseguimos levar para casa esse assalto que nós tivemos na nossa história. Só levando para casa, cuidando, só levando para casa, através de documentários, através de textos, através de depoimentos, através de vidas, é que nós conseguiremos não fechar as feridas, mas resgatar a nossa história, a história de tantos irmãos e irmãs.
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E só assim, provavelmente, conseguiríamos também - como vimos dentro dos depoimentos - ao menos que as pessoas pudessem fazer o luto, chorar e, se não enterrar, ao menos se reconciliar interiormente e saber o que aconteceu.
Enquanto não se sabe o que aconteceu, fica aquela inquietação, aquela dor, aquele sofrimento, a ferida aberta, incapaz de levar uma existência humana a viver com maior tranquilidade.
Esse documentário, provavelmente, é a soma de tantos outros que já aconteceram. Gostaria de lembrar aqui o livro Brasil: Nunca Mais, em que esteve à frente Dom Paulo Evaristo, um dos grandes da nossa história.
Eu me lembro do dia da minha ordenação como padre - foi ele que me ordenou, e depois me ordenou também bispo. Até hoje, eu tenho a sensação ainda do momento em que ele pôs as mãos sobre a minha cabeça: as mãos não paravam de tremer, e não era Parkinson; era pressão, era sofrimento. Até hoje, eu tenho essa sensação, quando me lembro do dia de minha ordenação, dessa presença de Dom Paulo com as mãos trêmulas sobre a minha cabeça.
Hoje, com quase 94 anos, as mãos dele não tremem mais. Isto é, do tempo da ditadura, realmente, nós, como Brasil, como entidades, como cidadãos, precisamos fazer o esforço máximo para não passar ao lado. Também os nossos militares não podem passar ao lado. Se nós quisermos uma sociedade mais reconciliada, uma sociedade, um Brasil de futuro, precisamos realmente sanar as nossas feridas.
Esse documentário nos ajudará muito. Ajudará muito porque será a possibilidade de visibilizar a dor e o sofrimento; tornar audível a dor e o sofrimento, principalmente, para uma geração que não sofreu. E, como o Fábio muito bem lembrou, quase uma geração que grita de novo pela volta da dor e do sofrimento, da não democracia.
Eu acho que a responsabilidade é nossa, sim, de todos nós: igrejas, entidades, universidades, Senadores, Deputados, Executivo, Legislativo. É tarefa de todos nós realmente mostrarmos que estamos em busca da verdade e mostrá-la. Só a verdade é capaz de nos libertar, mas também capaz de nos reconciliar, de nos reconciliar.
Enquanto as feridas estiverem abertas, não haverá reconciliação, e é preciso ajudar a geração nova a entender o quanto houve de perda, quanto houve de dor, quanto houve de morte, quanto houve de falta de justiça, quanto houve de falta de democracia, para que não precisemos voltar ao passado. Podermos seguir um futuro, mas um futuro em que nós debatemos livremente as nossas ideias, nossas concepções, em que, realmente, tenhamos uma sociedade aberta, livre e realmente democrática.
Muito obrigado pelo convite, mas eu queria agradecer, especialmente, pela iniciativa desse documentário. Vai nos ajudar muito. Eu tenho certeza. E que nós não paremos só nisso não. Já existem diversas iniciativas. Isso nos ajudará muito, para que esses irmãos e irmãs que sofreram.... Foi agradável demais ouvi-los, para que nós realmente possamos resgatar a nossa história e não passar ao largo dela e, realmente, ajudarmos a cuidar da nossa história, da nossa vida.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Dom Leonardo. E, assim, concluímos essa primeira Mesa.
Eu queria lembrar que amanhã é o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, dia consagrado pela ONU. E há alguns momentos da história do País, como o dia 28 de agosto, em que se comemora - 1979 para 2015 -, a promulgação da anistia, uma anistia que não só anistiou as vítimas, mas também anistiou os torturadores. E naquele momento, ainda era a ditadura: 1979.
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A ditadura foi encerrada em 1985, mas o aparelho repressivo continuou montado. Para que se tenha uma ideia, eu requeri o meu habeas data, e eu fui seguido até 1991; eu era monitorado pelo sistema. Ficou o costume, o hábito.
O SR. DOM LEONARDO ULRICH STEINER (Fora do microfone.) - A concepção da diminuição da maioridade penal é do tempo da ditadura.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Dom Leonardo fala que a redução da maioridade penal é uma concepção da ditadura. E, bom, esse é outro tema que nós estamos debatendo aqui, mas, na verdade, essa tentativa de reduzir a maioridade penal é uma maneira de desviar o foco, de desviar a atenção. Quando não se consegue dar uma resposta para a escalada da violência, a gente busca um bode expiatório. Então, o bode expiatório são os jovens.
Eu queria, claro, agradecer a todos os que compuseram essa primeira Mesa. O compromisso nosso, aqui da Comissão, é continuar insistindo para que a gente possa revelar para o conjunto da sociedade brasileira todo o drama vivido e que continua sendo vivido por familiares dos desaparecidos. E, também, insistir com as Forças Armadas, para que reconheçam e debatam internamente; e que haja modificação no processo de formação dos nossos militares. O Ministério da Educação e o Ministério da Defesa precisam conversar sobre a formação.
Esta é uma solicitação que eu faço ao Ministro da Educação: que converse com o Ministro da Defesa, para que haja modificação nos conteúdos, nas grades curriculares da formação dos jovens que ingressam nas nossas Forças Armadas. É fundamental que eles tenham uma formação profunda em direitos humanos e cidadania, para que estejam preparados para defender o nosso País e jamais achar que os brasileiros e brasileiras são seus algozes, são seus inimigos. Esse é o trabalho que a gente precisa fazer.
Antes de encerrar, eu gostaria de passar a palavra à Senadora Regina Sousa.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Vai ter outra Mesa? É isso?
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vai ter outra Mesa, Senadora.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Eu sei que o debate é sempre depois da última Mesa. Eu preciso pedir desculpas, pois eu vou fazer a abertura de uma exposição. Sabe-se que as mulheres estão na luta também por maior participação na política, e, infelizmente, fomos derrotados pelos nossos companheiros Deputados no Congresso: faltaram 15 votos para passar um ínfimo percentual de 12,5%. Pedimos 30% e fomos baixando, e, mesmo assim, não passou.
Então, nós vamos abrir, agora, uma exposição para a qual todos estão convidados, todos e todas, "Subjetividade Feminina e Emancipação pela Arte". Vai ser agora lá no Salão Negro, e eu estou com a responsabilidade de fazer a abertura, mas queria fazer um comentário antes de sair.
Eu tenho dúvida se esse vídeo vai para as escolas, porque a gente tem uma resistência ainda muito grande, não no MEC, mas, lá na base mesmo, diretores resistem ainda a contar essa história. Mas eu acho que ele pode virar um vídeo caseiro. Há algum tempo a gente fazia isso. Eu fiz muito isto em campanha: reproduzir, botar debaixo das portas. E tem que virar o vídeo familiar, que passa na família, convidam-se os vizinhos. Eu acho que a gente precisa contar essa história de alguma forma e não achar que ela vai ser contado nas escolas. Algumas vão fazer; outras, não. As universidade também. Mas a gente, como cidadão e como cidadã, pode fazer isso. Eu, particularmente, vou fazer, eu vou reproduzir bastante. Já tenho alguns eventos marcados, onde vai ser passado esse vídeo. Até pedi a cópia antes. Eu consegui uma cópia há uma semana já, porque vou voltar para o meu Estado e passar em alguns eventos que vou realizar.
Então, fica esta contribuição: virar um vídeo caseiro, passar nas casas das pessoas, das famílias; que se reúnam as famílias para assistir. Um outro vai sentir vontade de passar em algum lugar em que participe também.
Obrigada, gente. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Senadora. V. Exª tem inteira razão.
Não só nas instituições, não só nas seccionais da OAB. Seria uma recomendação para as seccionais da OAB, para o Ministério da Educação, para a igreja, nas homilias - tem uma repercussão gigantesca uma homilia na igreja, porque vai para todo o Brasil. Enfim, são encaminhamentos possíveis, e que a gente precisa continuar fazendo.
Portanto, eu agradeço e encerro esta Mesa.
E já vou compor a próxima Mesa.
Muito obrigado. (Palmas.) (Pausa.)
Dando sequência, eu gostaria de convidar para compor a segunda Mesa, o Ivan Cláudio Marx, que é Procurador da República.
Muito obrigado pela presença, Ivan. (Palmas.)
Convido a Cleia Anice da Mota Porto, Assessora da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag. (Palmas.)
Convido o Rafael Luiz Schincariol, Coordenador-Geral da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (Palmas.)
E, por último, convido Ivan Seixas, Coordenador do Projeto “Direito à Memória e à Verdade”, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (Palmas.)
E vamos começar concedendo a palavra ao Ivan Cláudio.
O SR. IVAN CLÁUDIO MARX - Bom-dia a todos. É uma honra receber esse convite, Senador. Cumprimento a Mesa em seu nome - Ivan Seixas, Rafael, Cleia, a maioria figuras já conhecidas, com quem trabalhamos há bastante tempo. É uma honra também representar o Procurador-Geral da República nesta atividade.
Rapidamente, gostaria só de passar algumas das atuações do Ministério Público Federal. O atual Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, elaborou um parecer na ADPF n.º 320, em que defende, além da questão da verdade, também a punição aos crimes cometidos durante a última ditadura militar no sentido de dar cumprimento à sentença da Corte Interamericana.
Nesses termos, o Ministério Público Federal já vem trabalhando, há bastante tempo, com o tema da verdade. Nós temos um grupo denominado grupo de trabalho Memória e Verdade, da Procuradoria Federal de Direito do Cidadão desde 2009. Nós temos, também, um grupo na Câmara Criminal, que eu coordeno, chamado Justiça de Transição, que trabalha com a punição dos crimes ocorridos. E temos, também, na 6.ª Câmara, um grupo vinculado ao tema da Justiça de Transição em relação às comunidades indígenas. Então, são, basicamente, essas três frentes de atuação.
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Nesse sentido, eu gostaria de noticiar nossa décima terceira ação penal, que foi protocolada nesta semana em São Paulo, sobre a morte de Manoel Fiel Filho, que é um caso emblemático também. São sete os denunciados por esses fatos.
Há outros temas. Achei interessante a observação do Senador sobre a particularidade do Brasil, pois tivemos vários ditadores, vários pinochets dentro da nossa ditadura. E me lembrou uma questão muito interessante de um dicionário de Filosofia Jurídica, o Dicionário Filosófico, de Voltaire, em que este pergunta a qual tirania seria preferível se submeter, se a um tirano só ou a vários. Ele diz que preferiria conviver com apenas um tirano, porque seria melhor se submeter aos caprichos de uma só pessoa do que aos de várias pessoas e a essas mutações de caprichos. Então, essa particularidade da ditadura brasileira, talvez, tenha sido até pior para o cidadão que teve de se submeter a essas situações.
Trabalho também, juntamente com Rafael Schincariol, com o Grupo de Trabalho Araguaia, que é responsável pela busca dos restos mortais dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, em cumprimento à sentença da Corte Interamericana e também da Justiça Federal de Brasília. É uma ação que vem desde 1982.
Eu me obrigo a me referir a uma passagem que ocorreu na última expedição sobre essa necessidade de trazer a educação de direitos humanos e, principalmente, o que aconteceu na ditadura militar para as próprias Forças Armadas. Essa é uma exigência da própria decisão da Corte Interamericana, de que tanto a sentença da Corte em que se determina que ocorreram graves violações e crimes contra a humanidade na Guerrilha do Araguaia quanto as obrigações estatais sejam ensinadas nas Forças Armadas.
Houve um episódio muito particular que aconteceu comigo, em que eu estava no mesmo veículo que o coronel designado para acompanhar o Exército nessas atividades que o Exército presta à Logística. O coronel declarou que, com 30 anos de serviço - ele entrou em 1984 ou em 1985 -, recebeu, muito alegremente, essa missão de ir para o Araguaia, porque ele não queria aposentar-se antes de ter a oportunidade de trabalhar naquela região e prestar homenagem aos heróis da Guerrilha do Araguaia, que, na visão dele, seriam os militares. E ele não é um militar que participou daquele período.
Então, temos várias resistências ainda sobre a denominação do que ocorreu com essa questão da ditadura cívico-militar. As Forças Armadas defendem ainda que houve uma revolução gloriosa.
Essa sentença da Corte Interamericana determina deva ser introduzido também nas Forças Armadas esse tema, ou seja, a questão dos direitos humanos, e também o contexto da sentença, porque a sentença declara que houve, sim, graves violações aos direitos humanos no contexto do Araguaia. Então, é uma grande meta a ser cumprida também com essa atuação, talvez conjunta entre o Ministério da Defesa e o Ministério da Educação, para tentar implementar essa parte da sentença, ao passo em que outras já foram cumpridas, como a criação da Comissão da Verdade, que era uma determinação da sentença. O Ministério Público Federal tem atuado na tentativa de cumprir outras partes da sentença, como as investigações, como a modificação de nomenclatura de locais.
Apenas quero deixar essa observação, agradecendo novamente esse convite.
É muito importante este debate e, principalmente, iniciativas como esse vídeo, que é uma forma de mostrar para a sociedade o que aconteceu e a importância de isso ser lembrado, porque sempre há riscos de repetição. Observamos algumas manifestações, inclusive aqui em frente, pela volta à ditadura militar. E algumas não são tão inocentes, porque se referem ao Exército, às Forças Armadas, em cumprimento ao art. 142 da Constituição Federal, que, de certa forma, na interpretação de vários doutrinadores, abriu uma brecha constitucional, inclusive, para um golpe militar.
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Ele fala que é função das Forças Armadas a segurança externa. Ele abre caminho para a atuação interna também, pois, chamado por qualquer dos Poderes, ele pode atuar na defesa da lei e da ordem. A Lei Complementar nº 97 regulamenta isso, e é isso que permite, por exemplo, a atuação das Forças Armadas fazendo barreiras na fronteira para reprimir tráfico de entorpecentes, contrabando. É isso que permite a atuação, por exemplo, em unidades de pacificação em favelas. Isso vem dessa norma constitucional. E é importante que, nesse aspecto, para cumprir essas funções, se tenha a noção de que é importante dar um treinamento especial para as Forças Armadas, porque as Forças Armadas realmente têm esse treinamento de defender uma agressão externa. Então, se eles vão ser chamados a atuar internamente, que seja com todo o treinamento adequado. Mas, mais do que isso, as Forças Armadas, de acordo com o art. 142, podem ser chamadas para garantir os Poderes da República. Há uma norma um pouco ambígua, e é isso que nós vemos nos cartazes, quando se fala "Forças Armadas, art. 142".
(Soa a campainha.)
O SR. IVAN CLÁUDIO MARX - Para muitos doutrinadores, isso dá margem a um possível golpe militar.
Obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Fiquei aqui imaginando, porque nós pagamos um preço altíssimo por resistir à ditadura e por lutar pela democracia.
Como vimos no documentário, milhares de brasileiros foram presos, torturados, e nós temos um grupo pequeno querendo derrubar a democracia. Nós vamos promover uma audiência pública para discutir essa questão. Acho que é muito importante que nós saibamos se, de fato, há legalidade nesse gesto de tentar derrubar a democracia. Jogar a democracia por terra me parece um ato subversivo, como era o nosso de lutar pela democracia.
Muito obrigado, Ivan Cláudio. Acho que você terminou acendendo a luz para vários temas que precisamos debater, como, por exemplo, as decisões da Comissão de Justiça da OEA. Acho que temos que trazê-las para cá para debater, porque o Brasil não cumpre; o Brasil resiste ao cumprimento de cortes internacionais.
Dando sequência, convido Cleia Anice da Mota Porto, que é assessora da Contag, para uso da palavra.
A SRª CLEIA ANICE DA MOTA PORTO - Obrigada, Senador Capiberibe, em nome de quem eu queria cumprimentar os demais companheiros da Mesa. A vocês, da plateia, eu queria pedir licença para cumprimentá-los em nome da Prof. Regina, que é membro da Comissão Camponesa da Verdade. Além de ser assessora da Contag, também faço parte da Comissão Camponesa da Verdade, e é em nome dela, principalmente, que estou aqui.
Exatamente por isso, eu queria falar um pouco sobre o que é o reflexo, o trabalho, o empenho, a preocupação, a nossa tentativa de dar luz, dar voz, dar vida e recompor também a história dos camponeses e das camponesas.
E não poderia deixar de cumprimentar o pessoal que produziu o filme, reconhecendo a importância de uma instituição como o Senado, de abrir as portas para esse tipo de trabalho que é tão importante. Só o trailer já nos emocionou e nos indignou tanto. Certamente, será um material muito importante de trabalho e de continuação das nossas atividades.
Bem, sempre falo demais. Então, vou tentar me concentrar aqui, para não espalhar as ideias.
Quero trazer para vocês que, nesse ambiente que foi criado no Brasil, um ambiente muito salutar com a criação da Comissão Nacional da Verdade, de composição de várias comissões, comitês, por vários setores da sociedade, nós, do campo, dos movimentos sociais do campo, organizamos a Comissão Camponesa da Verdade.
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Essa comissão constituiu junto dela uma rede nacional de pesquisadores e pesquisadoras extremamente importante para tentar trazer à luz essas histórias.
E por que fizemos isso? Porque nós desconfiávamos de que, com as dificuldades que já são rotineiras e conhecidas em relação às histórias dos camponeses, isso pudesse continuar acontecendo na Comissão Nacional da Verdade. Nós sabíamos que, na Comissão Nacional, não havia disponibilidade para trabalhar com a questão camponesa e com a questão indígena. Isso foi feito pelo empenho da Conselheira Maria Rita Kehl, que assumiu o GT Camponês e o GT Indígena, mas com dificuldades, principalmente em razão do pouco relato, da pouca história dos camponeses e das camponesas. Normalmente, o que aparece em relação a camponeses são histórias daqueles que eram militantes de algum partido, que já tinham uma trajetória mais conhecida, que eram lideranças ou dirigentes de organizações, mas a grande maioria de camponeses e camponesas, infelizmente, continua anônima.
Nós sabíamos disso e nos empenhamos no trabalho da Comissão, primeiro, com o objetivo de tentar trazer a questão camponesa para dentro; e, segundo, para tentar discutir um pouco mais e exemplificar de que forma essa violação dos direitos humanos se deu no campo. Como a ditadura, num conluio, numa omissão ou numa ação direta, violou direitos. No caso do campo, não foi só do indivíduo ou de uma família, o que já é muito significativo, mas, em muitos casos, pelo próprio patrocínio a um modelo de desenvolvimento, a participação de grandes empresas na formação de grandes projetos, por exemplo, dizimou comunidades inteiras. São fatos e realidades que infelizmente não vieram à tona.
Essa foi a nossa grande preocupação na formação da Comissão Camponesa da Verdade. Conseguimos produzir, com muita dificuldade, um material extremamente rico. Temos um relatório de quase 500 páginas, que foi entregue à Comissão Nacional da Verdade e que acabou auxiliando e influenciando, mas, infelizmente, nem todos os casos estão relatados ou revelados ali.
E como exemplificamos também essa outra forma da dificuldade de reconhecimento dos camponeses?
Foi feito um trabalho, por um projeto inclusive patrocinado pela Secretaria de Direitos Humanos, pelo MDA, que o Gilney Viana, a Marta Cioccari e outras pessoas coordenaram, que identificou - essa lista consta do relatório da Comissão Nacional - 1.196 camponeses e camponesas mortos e desaparecidos. Há uma lista com os nomes dessas pessoas.
Também há um trabalho muito benfeito, especialmente sob a coordenação do Gilney Viana, que divulga uma lista de 663 casos de camponeses que foram ouvidos em algum inquérito policial militar ou que tiveram seus nomes incluídos em processos da Justiça Militar. Nesses casos, foram 132 presos, 34 torturados e 11 mortos.
Não tenho aqui, infelizmente. Perdoem-me, mas acabei não reconsultando o relatório da Comissão Nacional da Verdade para identificar exatamente quantos camponeses foram reconhecidos naquela lista dos 430. No entanto, se examinarmos o trabalho da Comissão de Anistia, desse universo de que estamos falando, apenas 29 casos já foram julgados pela Comissão Nacional da Anistia.
Então, esses dados comprovam, infelizmente, que, no caso dos camponeses e camponesas, há um longo trabalho pela frente.
Vou finalizar, depois de trazer esses elementos, fazendo um pedido ao Senado Federal, ao Ministério Público Federal, aos demais órgãos aqui presentes, às universidades e ao pessoal que produziu o filme: que vocês possam nos ajudar, somando esforços para tentar continuar com esse trabalho de buscar a memória, buscar a verdade em relação ao que aconteceu no campo; também no sentido de caminhar para a justiça e para a reparação.
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E aí, Dr. Ivan, recentemente, eu estive em São Paulo com o Fórum de Trabalhadores, dialogando com o Ministério Público para ver como o Ministério Público pode buscar reparação, especialmente no caso dos operários que já avançaram bastante. O próprio GT dos Trabalhadores, na Comissão da Verdade, avançou muito em identificar a relação entre as empresas e empresários com a ditadura.
E o diálogo com o Ministério Público Federal é no sentido de saber como o Ministério pode buscar a reparação civil. Para a reparação do Estado, existem os mecanismos do Estado. Mas e a reparação dessas empresas que participaram do processo da ditadura tão presentemente, o que, no caso dos urbanos, está já bastante provada? Como é que se podem buscar as reparações coletivas, as reparações simbólicas, além da reparação monetária?
(Soa a campainha.)
A SRª CLEIA ANICE DA MOTA PORTO - No caso do campo, nós temos um caminho ainda mais longo, que é este que estou dizendo: como dar conta de provar essa vinculação que foi tão presente entre os grandes grupos econômicos, entre as grandes empresas e a ditadura, que cometeu as violações.
Então, concluindo, digo isto: vamos lutar pelo cumprimento das resoluções da Comissão Nacional da Verdade, especialmente em relação à continuidade, à instituição de um órgão capaz de fazer isso permanentemente, até que consigamos concluir.
No nosso caso dos camponeses, nós queremos muito empenho de assegurar, por exemplo, por dentro do MEC, por dentro do CNPq, por dentro de outras instituições, que possam fomentar recursos para pesquisa, Senador. Por exemplo, nós constituímos uma rede de pesquisadores e pesquisadoras de universidades de vários Estados. Essa rede tem muita disposição e muita vontade de continuar pesquisando o caso dos camponeses, mas também há muitas limitações. E se, por exemplo, abrirmos edital e houver recursos, fomento para pesquisa, podemos incentivar mestrandos, doutorandos, estudantes e pesquisadores a buscar essa situação para a qual nós, das entidades sindicais e dos movimentos sociais, infelizmente, não temos recursos.
O que temos, e que nós sabemos que temos, é uma dívida muito intensa; o Estado tem essa dívida com os camponeses e as camponesas. E nós estamos empenhados e esperamos contar como vocês. Acho que esse filme vai-nos ajudar muito, mas vamos pensar em realizar um filme sobre os camponeses.
Temos aqui no nosso relatório 77 casos emblemáticos. Neles, estão envolvidas várias outras pessoas.
Convido vocês a pensar a construção de um documentário voltado para o campo e, talvez, outro voltado para os indígenas, que são personagens que sofreram muito e que, infelizmente, têm muito mais dificuldade de reparação.
Precisamos recontar essa história, precisamos encontrar a verdade, precisamos trazer essa memória para o nosso presente e precisamos caminhar para assegurar justiça e reparação para essas vítimas, seus familiares, para o nosso País e para todos nós.
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado à Cleia. Acho que você tem inteira razão; os casos envolvendo camponeses e indígenas são bem pouco conhecidos. Nós precisamos jogar mais luz sobre os casos destes dois segmentos que são muito vulneráveis na sociedade: camponeses e indígenas.
Passo a palavra ao Rafael Luiz , Coordenador-Geral da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.
O SR. RAFAEL LUIZ FELICIANO DA COSTA SCHINCARIOL - Bom dia a todos! Bom dia, Senador! Bom dia aos Ivans, que estão aqui; bom dia aos dois! Bom dia, principalmente, à Cleia. É muito bom garantirmos pelo menos a presença de uma mulher em cada das duas Mesas. Uma amiga, inclusive, me cobrou isso, antes de eu vir para cá. Hoje, há uma campanha feminista que se chama "Não tem conversa", que questiona aos organizadores da Mesa se há mulher participando da Mesa. Se não houver, que não participemos dela. Então, é muito bom que tenhamos pelo menos uma mulher em todas as Mesas.
Parabenizo os diretores Lorena e Deraldo pelo trabalho excelente que vocês já vinham fazendo e que já fizeram antes com outros temas de direitos humanos, e, pelos dez minutos de apresentação, nós pudemos ter a sensação de que é incrível esse documentário e, obviamente, fundamental para discussão desse tema.
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E há uma coisa importante a ressaltar: o que nós tivemos pós-relatório final da Comissão da Verdade, com relação ao que podemos chamar de nossos inimigos, foi uma estratégia excelente, foi uma estratégia que está funcionando muito bem. Não foi, como muitos de nós prevíamos, a construção de relatórios que fariam oposição ao relatório final da Comissão Nacional da Verdade; não foi uma enxurrada de ações. Na verdade, nós tivemos o silenciamento, e o silenciamento se soma à situação política que nós estamos vivendo e faz com que, hoje, o debate Memória e Verdade - que viveu seu auge nos últimos anos, a partir do final de 2009, com o Plano Nacional de Direitos Humanos; o terceiro, que cria o eixo Memória e Verdade e, depois, a Comissão Nacional da Verdade - esteja um pouco mais morno, parado.
Então, iniciativas como essa do documentário e outras iniciativas como, por exemplo...
E, aqui, Senador, eu acho que... Desculpe, Ivan, por me adiantar. O Ivan vai falar sobre isto: queremos já pedir o apoio de vocês com relação à construção do Memorial do Jango. Tem havido várias pressões, por parte de militares, por parte de políticos, para que não seja construído, porque é um memorial que vai tratar do golpe.
Então, iniciativas como essa do memorial e como esse documentário são absolutamente fundamentais para retomarmos o fio da meada, porque o relatório da Comissão Nacional da Verdade não acaba com o processo de Justiça de Transição. Ele é só um passo fundamental, grande, importante, gigantesco no processo histórico brasileiro, mas é só um passo. Essa luta ainda continua e ainda se desdobra.
Antes de fazer mais algumas colocações, queria falar para vocês - muitas pessoas não a conhecem - sobre a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Eu costumo brincar que essa comissão é o primo pobre das comissões de Estados que lidam com o legado da ditadura. Nós tivemos a Comissão Nacional da Verdade, com uma grande estrutura -, pelo menos perto das estruturas que conhecemos como de Estado -, que pôde fazer um trabalho excelente; nós temos a Comissão de Anistia, que é uma comissão bem estruturada; a Comissão de Reparação Brasileira, que fica no Ministério da Justiça; e a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos é a primeira comissão de Estado. É a primeira grande conquista, especialmente dos familiares e da Comissão de Familiares - da qual o Ivan faz parte -, que lutaram, durante muito tempo, por essa comissão, cuja primeira tarefa legal, basicamente, foi reconhecer que o Estado matou e que o Estado fez desaparecer pessoas.
Então, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos foi uma comissão cartorial, por muito tempo, fazendo esse reconhecimento, recebendo os requerimentos dos familiares, para que o Estado reconhecesse que os entes queridos foram assassinados, desapareceram; e depois, com o passar do tempo, ela foi assumindo outra tarefa, que está na lei também, que é a de buscar os desaparecidos.
É por isso também que eu faço parte da Coordenação-Geral do Grupo de Trabalho Araguaia (GTA) - da qual o Ivan participa como membro do Ministério Público Federal - e do Grupo de Trabalho Perus, que busca a identificação de desaparecidos políticos naqueles restos mortais encontrados na vala clandestina de Perus, que foi aberta em 1990 - já havia suspeita há muito tempo -, pela nossa querida Deputada Erundina. Alguns processos de identificação foram meio conturbados, e nós criamos um novo grupo de trabalho para isso.
Então, esses são os dois grupos de trabalho hoje que tratam de buscar e reconhecer os desaparecidos políticos, fora outras iniciativas que são conduzidas hoje na Secretaria de Direitos Humanos, pela Comissão e principalmente pelo Ivan Seixas, que tem amplo conhecimento sobre praticamente todos os desaparecidos e sobre onde supostamente eles estariam.
Mas eu gostaria de ressaltar, Senador, algo que está no documentário, que está na sua fala, tanto no início aqui como no documentário - em outros momentos, eu já vi -, que está na fala, várias vezes, do Ivan Seixas, do Wadih, que estava aqui conosco, e de tantos outros: o legado da ditadura.
Se houve também outro ganho muito importante com a discussão recente sobre Memória, Verdade e Justiça no Brasil foi esta ligação - eu, particularmente, vejo que ela cresceu principalmente no ano passado com a "descomemoração" dos 50 anos do golpe - entre as graves violações de direitos humanos que aconteceram na ditadura e as que perduram no período democrático.
Então, essa é uma questão absolutamente fundamental.
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É uma questão que não gostaríamos de ter que debater, não gostaríamos de ter que discutir, gostaríamos "apenas" - entre aspas - de discutir a memória, garantir a verdade e a memória sobre as graves violações aos direitos humanos do passado para evitar que se repitam, para evitar pessoas pedindo ditadura, para evitar repetição de graves violações, mas, infelizmente, esse não é o fato. Isso se repete, e de maneira sistemática.
Então, essa é uma questão que, inclusive para alguns teóricos de agora, é o acontecimento da nossa época, desta época, destes anos 2000, do início do século XXI, do pós-88. E o acontecimento da nossa época qual é? São as graves violações aos direitos humanos, sistemáticas, cometidas pelo Estado brasileiro no período democrático, principalmente o que podemos chamar - e alguns chamam claramente, especialmente os movimentos sociais de São Paulo e do Rio - de genocídio da população preta, pobre e periférica.
Esse é um acontecimento histórico porque, provavelmente, o que vai ocorrer daqui a 50, 60 anos é que historiadores vão ter de explicar um dente nas pesquisas do IBGE, que é de jovens negros, que somem. Eles simplesmente somem, eles desaparecem das pesquisas, porque são assassinados, exterminados pelo nosso próprio Estado. Isso, fora as outras graves violações, que são as prisões ilegais, o encarceramento em massa, a tortura em massa, que continua, e o desaparecimento forçado, sobre o qual não conseguimos nem ter dados precisos. Não enfrentamos a contento essa violência porque não conseguimos enfrentar ainda, inclusive, a própria memória e a verdade da ditadura.
Como diria Florestan Fernandes, que dá nome a uma dessas sessões aqui, nosso querido professor da FFLCH, que nomeia a biblioteca da Faculdade de Filosofia da USP e foi um Deputado renomado aqui, a transição para a democracia, lenta, gradual e segura, foi, na verdade, uma grande e bela saída para a ditadura, que se reformulou. Obviamente, nós não vivemos sob uma ditadura hoje. Temos ampla liberdade de expressão, temos liberdades democráticas garantidas, mas o Estado continua matando. Vidas continuam sendo perdidas pela mão do próprio Estado.
Então, esse é um problema fundamental. Por isso, a frase "para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça" pode ser reformulada em "para que deixe de acontecer, para que nunca mais aconteça", porque continua acontecendo. O "nunca mais" que tem que ser muito forte - e a gente pode dizer que isso a gente não vive - é para a ditadura. E, infelizmente, diante das recentes manifestações, a gente tem de reforçar isso ainda mais: "Não, nunca mais." Mas não é o nunca mais às graves violações aos direitos humanos, porque aí não tem nunca mais, pois não parou. É por isso, Senador,...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL LUIZ FELICIANO DA COSTA SCHINCARIOL - ...que nós - Secretaria de Direitos Humanos, Comissão sobre Mortos e Comissão de Anistia - estamos revendo, todos, esse papel da memória e da verdade para ligá-lo, fundamentalmente, à violência do presente e à garantia de direitos à memória, à verdade e à justiça para essas vítimas e para essas graves violações que acontecem no período pós-democrático. Esses direitos surgem num contexto de graves violações aos direitos humanos na ditadura, no Brasil, mas eles são conquistados de agora em diante. Então, a gente também tem de garantir a verdade sobre esses crimes, a verdade do que aconteceu em todos esses massacres, em todos esses extermínios, garantir a memória dessas pessoas, a justiça, e isso sempre ligando ao passado da ditadura.
Inclusive, essa articulação renova nossa luta e demonstra a importância de discutir o passado, porque o passado que não é revisto, que não é pensado permanece no presente. Infelizmente, essa é, em alguma medida, nossa situação, e é por isso, então, concluindo, que a Secretaria de Direitos Humanos tem apoiado iniciativas de reparação para vítimas de graves violações aos direitos humanos em geral. Estamos começando a fazer isso. Essa é uma articulação inicial ainda, que está começando a ser pensada, e estamos apoiando a criação de comissões da verdade, o que temos chamado de comissões da verdade e da democracia. Uma foi criada na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e se chama Comissão da Verdade da Democracia Mães de Maio; vai ser institucionalizada agora. E Mães de Maio em referência àquele movimento criado pós-maio de 2006, quando a polícia e o PCC entraram em conflito, e a polícia matou muitos cidadãos na periferia de São Paulo.
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E, no Rio, está para ser criada uma Comissão da Verdade da Democracia também. Há uma articulação junto com o Deputado Marcelo Freixo e com vários movimentos sociais. É uma comissão da verdade também que vai lidar com essas questões da democracia. Mas esses são passos iniciais que nós estamos dando.
E a ideia central deles é o quê?
Fortalecer a luta da memória, da verdade, da justiça e reparação dos crimes da ditadura, fazendo uma articulação sempre com o presente, pensando nessas questões. E aí a gente tem algo chave para nos auxiliar agora - o Saboia já saiu, mas queria agradecer a ele mais uma vez em nome de toda a Comissão Nacional da Verdade -, que são as recomendações da Comissão Nacional da Verdade. A gente tem agora um documento de Estado que demanda que se façam oficialmente todos esses tipos de articulações; para que a gente peça que a perícia saia da Segurança Pública e seja mais antropologia forense; para que a gente combata a tortura; para que se fortaleçam as buscas de desaparecidos via Comissão Especial sobre Mortos; para que se fortaleça a pesquisa sobre sistemas, principalmente sobre indígenas e camponeses. Não se tem ainda uma pesquisa profunda sobre o que aconteceu.
Então, queria terminar agradecendo por esse convite e enaltecendo a existência de mais esta audiência aqui. Espero possamos ter muitas outras. Sei que há um outro documentário para ser lançado aqui. Temos que reforçar essa luta. Os tempos não estão muito bons para isso, mas não é por isso que, obviamente, vamos baixar a cabeça. Vocês, que são mais antigos que nós, não baixaram a cabeça na época da ditadura; não vamos baixar a cabeça agora, num período como esse.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem. Muito obrigado, Ivan.
E faz sentido o presente, não é? Resgatar, buscar no passado, para juntarmos a ponta do passado com a ponta do presente. Isso aí faz total sentido. E eu acho que é esse o objetivo desta Subcomissão que nós formamos aqui, de Justiça de Transição. Nós demos esse nome em função dessas recomendações de que nós devamos formular algumas propostas legislativas a partir das recomendações da CNV.
Bom, para finalizar essas Mesas enriquecedoras de conhecimento, de conteúdo sobre esse longo período escuro, ainda obscuro, da história do nosso País, eu tenho a honra de passar a palavra ao Ivan de Seixas.
O SR. IVAN AKSELRUD DE SEIXAS - Obrigado, Senador.
Queria começar dando os parabéns à Lorena e ao Deraldo, que estão aqui representando a equipe. Foi uma honra poder colaborar com vocês, porque eu acho que o produto é de alta qualidade. Acho que foi uma coisa muito boa que vocês fizeram, uma contribuição muito grande que deram ao País.
A gente tem uma tarefa muito árdua, que é essa parte da Justiça de Transição. A Justiça de Transição é composta por três partes: verdade, memória e reparação. Aí, há a justiça propriamente dita, que é a punição. A verdade a gente precisa estar o tempo inteiro revelando; sobre memória, a gente precisa tornar viva essa verdade, para não repeti-la; e a reparação com justiça é fundamental. A gente precisa fazer a demonstração de que a sociedade democrática, o Estado de direito democrático, não aceita, não tolera, não pactua com o Estado de direito, que era um Estado de direito ditatorial, que a ditadura implantou no País. Então, a gente precisa afirmar o tempo inteiro, para repudiar a ditadura.
Se essas três fases tivessem acontecido no País, a gente não teria hoje que ficar enfrentando essas manifestações, que são absolutamente oportunistas no início e que ganharam corpo.
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Oportunistas porque, como houve a "descomemoração" do golpe no ano passado, os 50 anos, como a gente conseguiu mostrar o que aconteceu neste País, como a gente conseguiu acusar as forças que fizeram parte do golpe e se beneficiaram da ditadura, a gente teve o troco. Ou seja, usando o mesmo discurso que sempre teve, a direita brasileira tem esta triste repetição: a acusação de corrupção, de economia indo para o buraco e de infiltração comunista, isso existiu em 1954, para a derrubada do Getúlio e a primeira tentativa de golpe, que é frustrada pela grandeza do estadista que foi Getúlio Vargas, que deu um tiro no peito para evitar o golpe que anteciparia em dez anos a ditadura.
Depois, esse mesmo discurso de corrupção, de economia indo para o buraco e do perigo do comunismo é usado contra Juscelino Kubitschek, que absolutamente não tinha nada a ver com essa história; mas o vice dele, João Goulart, é que era o representante dessa suposta ameaça. Depois, isso é usado contra o próprio João Goulart, quando, falsa e mentirosamente, se dizia que havia uma corrupção insuportável, que havia uma economia em degradação e que havia o perigo do comunismo. Com isso, justificou-se a ditadura.
Depois, na primeira campanha eleitoral direta entre Collor e Lula, isso também se repete. E hoje a gente vê esta mesma acusação: corrupção, economia indo para o buraco e o perigo do comunismo, que hoje eles conseguem travestir ora em bolivarianismo, ora no Foro de São Paulo. Mas o perigo do comunismo, que para eles é uma chave, se mantém.
E hoje a gente vê crescer essa violência que está acontecendo e que é intimidatória, a ponto de Jô Soares entrevistar a Presidente Dilma e ser ameaçado de morte; de o Fernando Morais ter ido à Venezuela e ser ameaçado de morte. As pessoas são ameaçadas de morte.
Nós, que enfrentamos a ditadura, não nos intimidamos com isso. Enfrentamos pau de arara, choque elétrico e o risco de sermos assassinados. Isso não nos impressiona. O que impressiona é o fato de a sociedade não se defender, o fato de a sociedade quase estimular isso com o seu silêncio. Nós devemos dar sinais o tempo inteiro de que repudiamos a ditadura, de que nós enfrentamos a ditadura e de que vamos enfrentar a ditadura.
O que é mais curioso é que aqueles caras que foram todo-poderosos durante a ditadura, que podiam tudo.. Nós formos torturados dentro do DOI-Codi de São Paulo, e o que separava a sala de torturas do exterior, da rua, era um vitreau, e essa separação não era casual. Era para mostrar, com aqueles gritos que aconteciam de manhã, de tarde, de noite, todos os dias, durante todos os dias do ano, para a população ao redor, que eles torturavam e podiam torturar impunemente. Isso nós provamos na Comissão da Verdade que era uma estrutura, uma política de Estado. Não é que o presidente, ditador, fosse comunicado de que havia tortura. Eram ordens dele; era política de Estado.
E, com relação a isso, há documentos do Sisni (Sistema Nacional de Informações) uma estrutura do Sistema Nacional de Informações, ou do Sissegin (Sistema de Segurança Interna), que mostram que o ditador era informado, aconselhado e mandava ao SNI, que era a chave de toda a estrutura, com os Codis, depois com os DOIs, com todos os centros de informação do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Eles podiam tudo. Mas, se eles podiam tudo, por que têm medo da verdade?
Essa é a grande questão. Eles cometeram todos os crimes, inclusive do ponto de vista militar. Eles têm de ter vergonha de assumir, ou seja, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica têm que ter vergonha de assumir que cometeram crimes previstos na Convenção de Genebra.
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Não é uma questão brasileira; é uma questão mundial. Eles cometeram crimes previstos na Convenção de Genebra. Então, fica difícil as Forças Armadas assumirem que fizeram esses crimes previstos na Convenção de Genebra, porque eles vão ter de se reportar à comunidade militar internacional. É inaceitável isso.
É óbvio que os Estados Unidos torturam em Guantánamo - todo mundo sabe disso -, cometendo crimes previstos na Convenção de Genebra. É óbvio que o afogamento que fizeram comigo, com o meu pai, com todos os outros, centenas de milhares de presos políticos, era tecnologia americana; não era coisa brasileira. O pau de arara, sim. A cadeira do dragão é americana, e o afogamento, também.
Então, isso é chamado, nos Estados Unidos, pelo nome bonito e simpático de water board - o limite da água, o limite do afogamento -, não é conversa outra a não ser que eles criaram a tecnologia e a trouxeram para cá. E eles institucionalizaram, estruturalmente, a tortura nos países da América Latina, como se fosse o quintal deles.
Então, precisamos contar a verdade e precisamos fazer essa reparação.
O Senador João Capiberibe, o Capi, era militante da ALN. Era um militante político que chegou a ser preso, foi exilado...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. IVAN AKSELRUD DE SEIXAS - E sofreu afogamento. Isso daí é algo que temos de lembrar, como temos de lembrar, Senador - agora, falando para o Senador -, que nesta Casa houve pessoas muito honradas, mas houve pessoas execráveis. A impostura que a ditadura criou com Senadores biônicos vocês têm a obrigação de passar a limpo.
(Soa a campainha.)
O SR. IVAN AKSELRUD DE SEIXAS - Isso parece gongo de luta de boxe, mas não é. É controle só.
Vocês têm a obrigação de fazer uma reparação. Vocês têm de retirar os nomes e as fotos dos Senadores biônicos, porque não eram Senadores; eram interventores no Senado Federal.
E, por mais que não gostemos dos Senadores da Arena eleitos, eles foram eleitos pelo povo. Nós temos de respeitá-los, e eu não tenho dúvida disso. Mas esses que foram interventores impostos pela ditadura é uma obrigação retirar seus nomes e suas fotos e dizer que isso daqui não foi um parque de diversões da ditadura. Vocês não podem permitir isso.
Desculpem-me essa intromissão, mas acho que isso é uma questão de memória, de verdade e de justiça. Justiça com o mandato de vocês. Vocês não podem ser igualados a pessoas tão desprezíveis, tão execráveis como esses que entraram aqui, no Senado, a partir de um ato autoritário da ditadura.
O mesmo serve para fazermos essa homenagem ao Presidente João Belchior Marques Goulart. O Presidente Jango foi deposto por um golpe de Estado promovido por uma parte das Forças Armadas, com apoio da burguesia nacional e com a orientação, o financiamento e apoio de uma potência estrangeira. A ditadura cometeu crimes de lesa-humanidade, mas ela cometeu crimes de lesa-pátria, quando colocou o País a serviço de uma potência estrangeira. Isso é sabido, isso é consagrado.
O Presidente não tem homenagens dignas. Temos dificuldade de localizar um beco, uma rua com o nome de João Goulart, e tropeçamos em Castelo Branco, em Médici, Costa e Silva, Geisel. Temos de fazer justiça. E esta Comissão deveria apoiar a construção do Memorial João Goulart, aqui, em Brasília. Temos os criminosos homenageados, e a vítima, João Goulart ,não é homenageada. Esse seria um bom modo de fazer justiça à figura dele, ter a memória dele preservada, e principalmente termos o orgulho de dizer que estamos fazendo a nossa parte, limpando a história do Brasil dessa coisa terrível que foi a ditadura e criando uma nova realidade, para que possamos falar com os jovens, dizendo: houve luta, houve resistência, e continuamos lutando e resistindo para que vocês, jovens, possam construir o futuro.
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Nós temos de conhecer o passado para entendermos o presente e construirmos o futuro. Com isso, podemos ficar sossegados, pois os jovens de hoje, que vão ser adultos amanhã, e os seus netos também, vão construir um País melhor do que o que nós recebemos e do que estamos deixando para o futuro.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado, Ivan. Realmente, você tem inteira razão.
Mas eu quero lhe dar uma informação: nós já fizemos duas tentativas de retirar o nome da Ala Felinto Müller do Senado Federal, torturador da ditadura Vargas. E meu gabinete, em algum momento, foi lá, e eu era obrigado, como torturado, a passar diante do torturador todos os dias. E nós não o conseguimos. Perdemos na Comissão de Constituição e Justiça.
Mas nós não vamos desistir. Nós vamos insistir e vamos também propor um requerimento de apoio ao Memorial João Goulart. Eu tenho certeza de que esse nós aprovamos aqui no Senado. Eu tenho convicção de que há certa mudança aqui no Senado da República, diferentemente da Câmara. A Câmara vive num retrocesso. O Senado, em alguns aspectos, tem avanços significativos. Essa nova composição é, digamos, mais progressista, mais aberta. Então, está na hora de voltarmos a insistir.
A Cleia queria fazer uma manifestação a respeito de um tema importante.
A SRª CLEIA ANICE DA MOTA PORTO - Na verdade, fazer justiça: um agradecimento muito especial à Comissão de Direitos Humanos. Eu me esqueci de dizer, até preocupada com o tempo, Senador, que a publicação do relatório da Comissão Camponeses da Verdade está sendo providenciada pelo Senado, com atendimento a um pedido nosso pela Comissão.
Então, é só fazer um agradecimento público e dizer que, em breve, ele deve estar aí para ser consultado de modo mais fácil. Hoje, pode ser consultado nas páginas das nossas entidades pela internet. Em papel, logo ele vai sair pela Gráfica do Senado. Não poderia deixar de fazer esse agradecimento público.
O SR. IVAN AKSELRUD DE SEIXAS - Senador...
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Pois não.
O SR. IVAN AKSELRUD DE SEIXAS - Eu queria sugerir e pedir que esse vídeo seja exibido em todas as escolas do País, porque tem que ser política de Estado; tem que ser uma política incentivada, para a gente não ter acusação contra os diretores, como se eles tivessem má vontade. Os diretores são trabalhadores, mas precisam ser incentivados, apoiados e orientados por uma política de Estado. Senão, serão isolados dentro da comunidade com os reacionários que os acusam de ser subversivos ou qualquer coisa assim. Esse material é fundamental como instrumento de trabalho para os diretores e para os professores. Eu gostaria que o Senado promovesse isso, incentivando os professores e diretores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Na verdade, nós convidamos professores e diretores de escola para participar, e muitos vieram até aqui, a esta audiência pública do DF. E a ideia, de fato, é levar para as universidades e para as escolas; construir este processo de recuperação da nossa história: informar, para que isso não continue acontecendo.
Você tem inteira razão. Foi uma das minhas preocupações quando fui Governador do meu Estado. Tivemos a possibilidade de construir um processo muito interessante com a nossa Polícia Militar.
Havia um cidadão lá no meu Estado, um desses comunistas históricos. E o Amapá fica na margem esquerda do Rio Amazonas. Agora, é um pouco mais conhecido, mas, na época, ninguém sabia o que acontecia por lá.
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E, toda vez que ia lá uma autoridade da República, ele era preso. Essa era uma prática, em que prendiam os suspeitos de pensar diferente. Ele se chamava Francisco das Chagas.
Quando assumi o governo, em 95, resolvi fazer uma homenagem para ele: uma alvorada feita pela Banda da Polícia Militar. E recomendei à banda para preparar a alvorada no dia do aniversário para tocar A Internacional. (Risos.)
Como ele era comunista, então, iríamos homenageá-lo com A Internacional. E comuniquei ao Comandante da PM que organizasse essa alvorada. E, aí, três, quatro dias antes do aniversário do Francisco das Chagas, o comandante me ligou muito preocupado porque eles não tinham conseguido a partitura; tinham ligado para todas as polícias militares do País atrás da partitura de A Internacional e não tinham conseguido.
Agora, mais estranho é que questão de quatro anos atrás, eu estava navegando...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - Tocaram A Internacional? Conseguiram a partitura?
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não, não tinha a partitura. Não conseguiram tocar A Internacional, porque não tinham partitura.
Enfim, implantamos um programa de direitos humanos e cidadania com a Polícia Militar, e mudou completamente a concepção da polícia. Desmontamos o batalhão de choque. Não foi preciso batalhão de choque, porque batalhão de choque é uma questão política: você reprime quando não tem condição de dar solução para a sociedade.
Enfim, esse programa de cidadania e direitos humanos dentro da Polícia Militar foi excepcional, porque eles passaram a entender que eram simplesmente cidadãos fardados com autoridade. Acabaram-se os casos de tortura, de prisão arbitrária, tivemos um período de paz, digamos, uma relação muito interessante.
Se transformarmos e definirmos uma política nacional de segurança pública, que não temos... Podemos introduzi-la. Tenho a expectativa de aprovar uma emenda constitucional exatamente para criar a possibilidade de uma política de segurança pública fundamentada nos direitos humanos e na cidadania. Acho que é possível, mas é preciso tomar a iniciativa.
Esse vídeo vai estrear no sábado na TV Senado, às 21h30, e será repetido no domingo, mas vai estar no Youtube na segunda-feira. Então, fica mais fácil para todo mundo.
Este aqui já é um pouco arcaico, mas ainda ajuda bastante - pelo menos você guarda como lembrança. Ainda preservo os meus. A tecnologia vai mudando, mas isso aqui ainda é interessante, ainda preserva...
ORADORA NÃO IDENTIFICADA (Fora do microfone.) - Em muita escola, ainda não chega internet.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Ainda há muita gente sem internet.
Enfim, nos encaminhamentos, acho que esta audiência e este debate vão-nos permitir dar continuidade ao trabalho da Comissão de Justiça de Transição aqui, no Senado.
É importante, fiz algumas anotações, e vamos promover novas audiências públicas de temas que foram abordados aqui. Eu gostaria muito de ouvir, para aprofundar um pouco mais essa questão que o Ivan levantou aqui. E também ver os aspectos legais dessas manifestações contra a democracia. Acho que essa é uma questão que precisamos debater. E, aí, vamos promover audiências públicas sobre esses temas. Vamos nos inteirar e promover o debate para saber exatamente: terão eles o direito de contestar o Estado democrático?
Eu acho que esse é um tema em que nos precisamos aprofundar.
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Enfim, não havendo mais...
(Intervenção fora do microfone.)
Bom, nós temos que nos redimir e pedir desculpas. O Álvaro Sebastião Teixeira, que é Coordenador de Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Educação do GDF, que é importantíssimo, era para estar conosco na Mesa. No entanto, houve algum descuido aqui da nossa secretaria.
Nós pedimos desculpa, e passamos a palavra ao Sr. Álvaro Sebastião Teixeira. Queremos ouvi-lo antes de encerrarmos esta audiência pública. (Pausa.)
Por favor, nós temos aqui espaço na mesa. Peço mais uma vez desculpas.
O SR. ÁLVARO SEBASTIÃO TEIXEIRA RIBEIRO - Eu estou representando o Secretário Júlio Gregório, que está neste momento no seminário sobre o Plano Nacional de Educação e pediu que eu viesse aqui.
Foi muito interessante ouvir todos sobre essas questões.
Eu queria ressaltar e agradecer também a presença de vários coordenadores regionais de educação e de ensino que vieram participar do nosso encontro, daqui do GDF, e também de vários diretores. Eu acho que isso é um recado importantíssimo.
Nós vamos providenciar, o mais rápido possível, cópias desse material para encaminhar às escolas. E, particularmente, eu não posso deixar de fazer isso, porque eu tinha sete anos no golpe militar. Meu pai era militar, conservador, mas não aceitou o golpe; opôs-se a ele. Ele era oficial; era o comandante da PE, no período, na minha cidade. Perguntado pelo general por que ele não estava junto com eles no outro quartel - ele estava sozinho, o único oficial no quartel-general -, ele disse que seguia a Constituição e que não seguia homens.
Por isso, ele foi, depois, punido e exilado no Brasil, porque ir para a Amazônia naquela época era um exílio. E a única vez que eu vi o meu pai chorar e reclamar do governo militar foi quando a irmã dele morreu na minha cidade, lá em Bagé, no Rio Grande do Sul, e ele, por estar na Amazônia, não tinha meios de transporte para ele se locomover com rapidez. Ele chorava muito e dizia que aquilo, sim; que, naquele momento, ele estava sentindo que estava sendo punido, porque não podia ir ao enterro da irmã.
E a minha mãe sempre se opôs ao golpe desde o início e, infelizmente, desenvolveu uma depressão em função do golpe. Desenvolveu alcoolismo e morreu antes de a ditadura ser terminada; morreu em 1984, e não viu a democracia.
E eu fico pensando, cada vez que vejo uma manifestação contra a democracia, o quanto as pessoas ou esquecem, ou gostam de subjugar os outros, ou não sabem o que aconteceu nesse período.
Então, eu acho que nós precisamos, sim, continuar nesta luta de esclarecer a nossa sociedade. E, neste momento, principalmente, abrir diálogo, porque eu acredito no diálogo. A democracia tem que ser um diálogo permanente. Mas também ser firme, opondo-se a certas manifestações, a certos projetos de lei que estão aí andando nas nossas câmaras, nas nossas assembleias. Muito pior do que o Decreto, se não me engano, 477, que era o decreto da ditadura que proibia de se falar de política na escola - quando a gente falava alguma coisa, alguém lembrava: "Olha o 477!", e a gente tinha que ficar quieto -, é isso que estão chamando de "escola sem partido".
Isso é muito pior, nesse sentido de falar, porque não é só sobre política que não se fala, não; é sobre tudo o que alguns acham que não devem falar.
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Isso está muito próximo de ser aprovado, e nós temos de nos opor a isso com firmeza, abrindo o diálogo com esses movimentos, porque não acredito que todos eles sejam adeptos da ditadura ou coisa parecida, mas apenas estão tentando, em nome de valores que eles têm, defender alguns direitos equivocados. Precisamos alertá-los, precisamos conversar com eles. Talvez, a nossa escola não tenha sido suficiente para que eles pudessem aprender, e nós precisamos fazer com que isso aconteça. A escola precisa, sim, estar aberta a essas discussões todas, mais do que ocorre hoje, muito mais do que ocorre hoje. Nós precisamos dar voz e vez aos nossos estudantes, para que eles, desde pequenos, possam posicionar-se e crescer sabendo o que é participação, o que é diálogo, o que é construção coletiva de uma Nação. Infelizmente, nós ainda não temos, de modo geral, essa situação dentro das escolas. Ainda, a opressão dos adultos em relação aos meninos e meninas é grande, às crianças, o que também é fruto dessa nossa história.
Não é só nas polícias que vemos esses movimentos mais retrógrados, mas, em muitos professores, ainda há um autoritarismo muito grande, que precisa ser desmontado para que eles possam ser mais felizes.
Como falava o Paulo Freire, "precisamos libertar o opressor que nos oprime. Quando conseguirmos nos libertar como oprimidos, conseguiremos libertar também o opressor". É nisso que acredito, é por isso que eu luto, é por isso que estou há dois anos tentando me aposentar, e digo isso todos os dias, porque acho que ainda tenho muito o que fazer.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - É um projeto de lei que proíbe professor de falar de política na escola. Eu tenho a impressão de que isso é inconstitucional, mas há tantas coisas absurdas.
Há um projeto aprovado na Câmara, chegando ao Senado, que retira as informações dos rótulos sobre o conteúdo transgênico nos alimentos. Isso é censura, é ditadura na democracia, que tem também os seus desvios, que precisamos combater com informação.
É importante saber, Álvaro, que vocês vão reproduzir esse material para distribuir nas escolas do GDF.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Imagino que a TV Senado...
Estamos solicitando à CDH que reproduza para distribuir nas bibliotecas e nas escolas de todo o País. Talvez fosse o caso de nos juntarmos com o MEC para fazermos uma ação conjunta. Vou solicitar à Secretaria da CDH que entre em contato com o MEC, para que, pela proposição do Ivan, o MEC possa orientar as escolas públicas do País e as universidades públicas para que esses conteúdos sejam incorporados no processo de construção de conhecimento nas escolas. Eu acho que essa é uma maneira de informar os nossos jovens.
Enfim, muitíssimo obrigado a todos aqueles que contribuíram; à equipe da TV Senado, que produziu o documentário, realmente sensacional! Quando a gente assiste inteiro, realmente, é muito emocionante! (Pausa.)
Muito obrigado a todos.
Nada mais havendo a tratar, dou por encerrada esta audiência pública. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 48 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 28 minutos.)