15/06/2015 - 7ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Boa noite a todos!
Obrigado pela presença.
Havendo número regimental, declaro aberta a 7ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública interativa com representantes da Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas de Promoções de Igualdade Social, Secretaria Nacional da Juventude e Conselho Nacional da Juventude, todos mencionados no Plano de Trabalho aprovado por esta Comissão.
Estão presentes os seguintes convidados: Cláudio Augusto Vieira da Silva, Coordenador-Geral do Sistema Nacional de Medidas Socioeducativas do Departamento de Políticas Temáticas dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (representante da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República); Larissa Amorim Borges, Diretora de Programas de Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas (representante da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial); e Walmyr Júnior, Coordenador do Grupo de Trabalho da Juventude Negra do Conselho Nacional da Juventude - Conjuve (representante da Secretaria Nacional de Juventude e Conselho Nacional de Juventude - Conjuve).
Peço ao Secretário que conduza, imediatamente, até à mesa os nossos convidados.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, Senador Lindbergh, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800 61 22 11.
A título de informação, para organizar nosso trabalho, informo que, após a exposição dos convidados, a palavra será concedida aos Senadores na ordem de sua inscrição. Terão preferência para o uso da palavra a seguinte ordem: o relator, o presidente e os membros titulares, os suplentes e os não membros.
Daremos, inicialmente, o prazo de 10 a 15 minutos para os nossos expositores e, havendo necessidade, ampliaremos o prazo.
Portanto, iniciando os nossos trabalhos, concedo a palavra ao Sr. Cláudio Augusto Vieira da Silva.
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA - Boa noite, Senador Lindbergh, lá da nossa terra, o Rio de Janeiro. Agradeço, aqui, em nome da Secretaria de Direitos Humanos, o convite para apresentar algumas questões que envolvem a aplicação do Sinase e seu relacionamento com a questão do envolvimento de jovens como vítimas e também como participantes de atos violentos no Brasil.
Portanto, estou trazendo aqui principalmente o resumo dos últimos dados que temos sobre o atendimento socioeducativo no nosso País, que remete ao ano de 2013. Esses dados dizem respeito a 23 mil adolescentes que hoje - poderíamos arredondar para 24 mil adolescentes - estão em situação de privação de liberdade no País, em 466 unidades.
Como todos nós sabemos, o Sinase foi criado por uma resolução do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente, em 2006, e, posteriormente, foi instituído aqui pelo Congresso Nacional, pela Lei nº 12.594, de 2012.
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Esse conjunto de instrumentos que a lei federal nos deu é bastante recente, que nos traz determinadas ações e obrigações para aplicação do conjunto que foi aprovado, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto na Resolução do Conanda, de 2006, e consignados nesse instrumento, que é a Lei Federal nº 12.594.
Então, esse primeiro gráfico nos mostra o que foi a evolução da internação no País depois da finalização da Funabem e do sistema Febem. Nós já estamos aqui num período pós Estatuto da Criança e do Adolescente e ali, no ano de 2012, nós já começamos a perceber um decréscimo.
De 2012 para 2013, há um acréscimo de internação no Brasil, porque já é fruto do trabalho da Secretaria de Direitos Humanos com os Estados, para o movimento de regionalização e descentralização das unidades, o que faz aumentar um pouco o número de vagas e, com isso, substituir as vagas inadequadas e concentradas nas capitais e regiões metropolitanas.
Podemos ir para o seguinte.
Então, o histórico de privação de liberdade no País é esse. Não tem tido um aumento significativo. O número, em 2013, é de 23.066 adolescentes; ali temos a comparação entre os anos anteriores, de 2010 a 2013.
Podemos ir para o seguinte.
Temos aqui a porcentagem de internação e as medidas restritivas de liberdade: a internação, internação provisória e a semiliberdade, sendo que a internação provisória não é uma medida socioeducativa; trata-se daqueles 45 dias em que o adolescente fica provisoriamente retido, para ter ou não uma sentença para ele, inclusive está sendo utilizado, equivocadamente, nas últimas reportagens de que há um número maior de adolescentes, porque em 45 dias o juiz tem que fazer a sua sentença, enquanto que para o adulto, que pratica o mesmo ato, não demora apenas 45 dias para ter a sua sentença. Então, não tem como fazer essa comparação desses dois momentos, porque o adolescente é muito mais rapidamente julgado e sentenciado ou não, do que um adulto o é pela mesma prática.
Então, nós temos hoje em torno disso. Sessenta e quatro por cento (64%) dos adolescentes já estão internados, ou seja, eles já têm uma sentença, estão privados de liberdade. A semiliberdade é uma medida ainda muito pouco utilizada pelo sistema, então, só tem 10%, e internação provisória 23%, e deve ser um dado que sobe, em 2014, tendo em vista o movimento das sedes da Copa e da utilização do sistema socioeducativo para colocar os meninos e meninas que viviam nas ruas das cidades onde havia Copa, e isso inviabilizou vários sistemas, como por exemplo, o do Rio de Janeiro, que até o dia de hoje tem sua porta de entrada do sistema absolutamente superlotado, o que tem causado problemas gravíssimos de atendimento, inclusive, com morte de adolescentes.
Podemos ir adiante.
Então, esses são os adolescentes, por unidade da Federação. São Paulo responde praticamente por muito próximo de 50% de todos os internos do Brasil (internos, em medida de restrição, de liberdade). Então, ali 9.614, o número hoje é nove mil e alguma coisa, e ali os Estados seguintes, em que o segundo Estado, que é desproporcional em relação à população que tem, que é Pernambuco, que também é o Estado onde mais se mata adolescente dentro do sistema. Foram os dados que nós começamos a levantar, em 2012 e 2013. Pernambuco, infelizmente, vem ganhando esse triste campeonato e é o segundo maior sistema. O que não deveria ser, pela população do Estado em relação ao número de adolescentes.
Podemos seguir.
Então, ali é a evolução das internações. O vermelho é internação provisória. A semiliberdade, cada medida por cada ano. Não há uma evolução significativa do número de vagas nesse sistema, ele é absolutamente suficiente para dar conta, hoje, das questões que envolvem adolescente em conflito com a lei ou adolescente que precisa cumprir alguma medida socioeducativa.
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Podemos ir para o seguinte.
Então, aqui, a porcentagem de adolescentes, os Municípios e o número de unidades. Essa linha vermelha é o número de unidades em cada Estado e a proporção de adolescentes, naquele Estado, pela população total.
Nós temos, ali, vamos pegar o exemplo mais visto, São Paulo, então, nós temos 150 unidades e 1,6 adolescente internado e privado de liberdade. O Estado que aparece em maior número seria o Acre na proporção, e o número de unidades do Acre são sete unidades.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - E Roraima o segundo, não é?
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA - Isso. Roraima é o segundo, DF é o terceiro, Espírito Santo, o quarto, e São Paulo é o quinto. Então, na proporcionalidade, São Paulo não é o primeiro.
Podemos ir adiante.
Proporção de adolescentes e privação de liberdade na população de 12 a 18 anos. Então, Acre, Roraima, DF, Espírito Santo, São Paulo, são os adolescentes no período de 12 a 18 anos. Nesse gráfico aqui nós separamos do tempo excepcional, que é 18 a 21, e deixamos no período de 12 a 18 anos. Então, aqui está a proporção em cada Estado, e repete o que nós estávamos na distribuição anterior.
Podemos seguir.
Número de Municípios. Nós temos 466 unidades nos 208 maiores Municípios do Brasil. Isso é muito significativo, por conta de que, hoje, o MDS também expandiu a sua atenção ao meio aberto, que são a prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida, para 1.009 Municípios. E esse esvaziamento desse sistema fechado depende, e muito, dessa expansão do meio aberto.
(Soa a campainha.)
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA - Então, a realidade brasileira em 2013 era essa ali de São Paulo: 53 Municípios, até Sergipe, Roraima, DF, Amapá, Amazonas, Piauí, que são essa grande maioria de Estados que tem poucos Municípios.
Podemos ir adiante.
Faltam quantos minutos?
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Pode ficar tranquilo.
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA - Está bom.
O perfil. Que tipo de ato infracional é praticado no Brasil para que os adolescentes estejam cumprindo uma medida restritiva de liberdade? Em primeiro lugar, é patrimônio, roubo, e isso repete em todos os anos que nós fizemos esse levantamento. Como é que é feito esse levantamento? Esse levantamento é uma fotografia que se tira do sistema no dia 30 de novembro, e, então, todos os sistemas estaduais nos enviam o que tem dentro do sistema dele, do ponto de vista do atendimento dos adolescentes. Então, o primeiro lugar, 42%, é roubo; o segundo lugar é tráfico, é o que mais prende adolescente no Brasil, hoje. E aí já ha, então, um distanciamento do tratamento que é dado ao adulto; e homicídio, 9,23%, que é a média que fica em todos esses anos.
Então, esses três motivos pelos quais os adolescentes cumprem uma medida socioeducativa são motivos constantes em toda essa história recente do Brasil dos últimos cinco anos. Não há nenhum dado em nenhum Estado brasileiro que indique que o homicídio passou para primeiro lugar, ou o homicídio está em segundo lugar. Em algum Estado da Federação que o homicídio esteja em segundo lugar, evidentemente que isso está associado a uma série de outras questões que acontecem na peculiaridade daquele Estado e não é só com a vida dos adolescentes. Então, há uma série de outras questões que envolvem, e que aí a prática e a vitimização dos adolescentes por homicídio é muito maior.
Os atos infracionais no Brasil. Do que nós temos notícias dos sistemas é: primeiro, roubo; em segundo, tráfico, e terceiro, ali, homicídio, que nunca ultrapassou 10%. O máximo que chegou, em um ano, foi 11%, e sempre nessa faixa que isso é colocado.
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Se a gente seguisse a interpretação mais literal do Estatuto, quem deveria estar neste sistema eram só aqueles que praticam atos contra a vida, como homicídio e latrocínio, atos contra a dignidade sexual e não roubo, patrimônio ou tráfico.
Podemos seguir.
Então, essas são as linhas de cada um deles. Nós vemos, ali, a estabilização de todos eles ao longo dos anos, 2010, 2011, 2012 e 2013, comparando homicídio, latrocínio, estupro e lesão corporal.
Do que nós temos de números não nos indica nenhum envolvimento, nenhuma justificativa de envolvimento maior de adolescentes com atos contra a vida.
Podemos seguir.
É um sistema masculino; em torno de 5% de meninas dentro deste sistema. É um número que nunca ultrapassou esse perfil.
Podemos ir adiante.
E por faixa etária. Então, nós temos entre 16 e 17 anos, 57%, que dá mais ou menos 13 mil adolescentes. De 18 a 21 anos, nós temos 22%. Então, nós estamos falando em uma redução da idade penal para 16 anos, significa, em um espaço de tempo de um, dois anos de uma lei que possa considerar isso, de colocarmos 80% dos meninos que estão hoje dentro do sistema socioeducativo em um outro sistema, seja o prisional ou algum outro sistema que se queira criar. Então, 80% dos meninos e meninas que estão no sistema socioeducativo brasileiro têm de 16 anos em diante.
E essas propostas da redução da responsabilidade penal, nós não temos nenhum lugar para colocar esses meninos hoje. Se eles saem do sistema socioeducativo, eles não podem mais ficar dentro do sistema socioeducativo. Eu acho que no sistema prisional brasileiro hoje não cabem muito mais pessoas. Então, nós teríamos, em números de 2013 e estaria por volta disso também hoje, um número aproximado de 18 mil adolescentes na faixa de 16 anos de idade para se colocar sob um novo regime de atendimento.
Podemos seguir.
Temos aqui a porcentagem de adolescentes e jovens por raça e cor. Foi a primeira vez que foi inquirido isso aos Estados. Então, isso é a partir das informações que os Estados nos dão, ou seja, aqui temos um percentual alto sem informação. O que foi respondido: 57% preto e pardo, e 24,58% branca.
No levantamento deste ano nós vamos novamente fazer esta pergunta, pela segunda vez, e acreditamos que essa resposta vai ter um percentual mais significativo de positividade em relação à distribuição deste quesito, mas nunca havia sido perguntado isso ao sistema socioeducativo brasileiro.
Então, podemos seguir.
Eles estão distribuídos mais ou menos assim, por região. Então, a faixa vermelha, preto e pardo; a faixa verde, branca. Essa é a distribuição, mais ou menos, por cor e raça por região, no Brasil, dos meninos que estão privados de liberdade.
Podemos seguir.
Os óbitos que acontecem dentro do sistema. A maioria é registrada como conflito interpessoal. Então, eles devem brigar muito, brigam muito, e 60% destas mortes são porque eles brigam demais. Então, esse é um sistema que morre e mata em torno de dois adolescentes por mês em nosso País, que estão sob a tutela do Estado, e que estão cumprindo uma medida socioeducativa. Conflitos generalizados, 17, e 14% suicídios. Esses itens são registrados conforme nos chegam. Apenas fazemos a sistematização e os juntamos. Então, esses dados vêm por unidade, por cada uma das 466 unidades. Apenas os juntamos e os colocamos aqui.
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Também é uma média de morte, de 2012 e de 2013, de dois a cada mês no nosso País. Isto é, são mortos dois a cada mês.
Podemos seguir.
Temos aí outro gráfico: conflito interpessoal, conflito generalizado, e a comparação de dois anos, 2012 e 2013. Está sendo permitido que tomemos conhecimento disso pela obrigatoriedade da lei de os sistemas estaduais alimentarem um banco de dados. Por isso a gente tem conseguido fazer uma busca mais detalhada da situação desses jovens em cada uma das unidades brasileiras.
Podemos ir adiante.
Os óbitos nas unidades. Como eu disse, este ano, novamente em Pernambuco, quatro. No ano anterior havia sido oito. Em Minas Gerais também morreram quatro adolescentes. Essa é uma fotografia da tragédia institucional, coercitiva, desrespeitadora dos direitos humanos com que a gente convive dentro do sistema socioeducativo brasileiro.
Podemos ir adiante.
Porcentagem de óbitos por Região: Nordeste, 31%; Sudeste, 24%. Comparando um com o outro, no Sudeste há muito mais adolescentes do que no Nordeste. Então, o Nordeste está desproporcional nessa atuação, porque lá existem alguns sistemas que funcionam de maneira muito ruim - destacadamente muito ruim.
Podemos ir adiante.
Porcentagem de unidades. As unidades de atendimento estão distribuídas assim: 47% no Nordeste; 15% no Sul; 18% no Nordeste; 47% no Sudeste; 12% no Norte e 8% aqui no Centro-Oeste. E nesse processo, que eu já expliquei a vocês, de descentralização e de regionalização dessas unidades, para que possa atender a um dos princípios da socioeducação, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é atender esse jovem próximo de onde ele vive.
Podemos seguir.
Quantidade de unidades por Região: Sudeste, 219; Norte, 55. Destas 219 do Sudeste, 156 em São Paulo, aproximadamente - que é o maior, com 9 mil adolescentes. Evidentemente, tem que haver um sistema que tenha condições de acolher todos esses adolescentes, que são internos, sem parar lá.
Podemos ir adiante.
Aqui a quantidade de unidades por Região: São Paulo, 150 - hoje um pouco mais; Minas Gerais, 32; Paraná, 25; Rio de Janeiro, 24; Roraima, com uma. Então, o sistema nacional está dividido dessa forma pelos nossos Estados e, somando-os, nós vamos chegar a esse número de 466 unidades.
Podemos ir adiante.
Os recursos humanos foram, pela primeira vez, agora solicitados, e estão divididos assim: 62% dos recursos humanos, masculino; 37%, feminino. Por que isso? Porque os socioeducadores e aqueles agentes que trabalham nessas unidades, em sua grande maioria, são do sexo masculino. Por isso essa presença maior do sexo masculino.
Podemos ir adiante.
As principais categorias que estão trabalhando vocês vejam ali: socioeducadores, primeiro, 15 mil pessoas - na verdade, praticamente 16 mil; socioeducador que se identifica como específico para segurança, a segunda categoria; e depois todas aquelas categorias que temos - coordenador, assistente social, psicólogo, pedagogo, coordenador adjunto -, isso faz um número hoje de 31 mil pessoas trabalhando no sistema fechado do atendimento socioeducativo brasileiro.
Podemos ir adiante.
Número de matrículas. Nós ainda não conseguimos uma resposta satisfatória, porque ali, vocês vejam, em 2012, esse número nós trazemos do censo escolar. E ele traz o número de matrículas de 12 mil adolescentes num universo de 23 mil. Então, nós temos aí quase metade admitida não está matriculada.
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Mas nós estamos fazendo uma pergunta um pouco mais detalhada em que a gente pergunta hoje para as unidades quantas horas por semana esses adolescentes que estão matriculados estudam. Ainda não ultrapassamos a média, porque vista empiricamente, sem fazer a soma final, estudam de três a cinco horas por semana. Então, isso é bastante pouco para qualquer pessoa poder aprender alguma coisa na fase em que eles estão. Mas não é um número ainda consolidado, então nós não estamos colocando isso no relatório porque isso precisa de um estudo mais apurado.
Podemos ir adiante. Acabou.
Então, com essa fotografia, nós queremos trazer essa reflexão, porque, do ponto de vista do atendimento socioeducativo - e a gente precisa bastante dividir a nossa tarefa aqui porque na Comissão Especial houve uma certa confusão quanto a isso -, esses números aí dizem respeito ao adolescente, aplica-se ao adolescente, porque o único que aplica algum tipo de medida ou a internação provisória, que não é medida, é o juiz. Então, até ele passar por essa situação, nós não temos nenhum tipo de número em relação a isso. Então, não se sabe quantos têm nas delegacias do Brasil ou que entraram e passaram pelo sistema de Justiça e, dali, não foram encaminhados para uma internação provisória, ou para uma internação, ou uma semiliberdade.
Esses números aqui são de quando os adolescentes têm uma sentença, como eu disse para vocês, em 45 dias - em 45 dias, o juiz tem que definir a vida desse adolescente -, ou que estão, nesse período do levantamento, em uma internação provisória, aguardando uma sentença.
Todos esses dados que são recolhidos sobre esse atendimento - aqui, nós estamos dizendo da política de atendimento aos adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas -, não têm nenhum dado que nos indique que esses adolescentes entraram nesse sistema por conta do agravamento das suas práticas ou dos seus atos.
Como nós vimos ali, todos os anos se repetem esses números: roubo e tráfico. Então, esses jovens chegam nessas unidades, a enorme maioria deles, com o ensino fundamental incompleto, incompleto. São famílias destroçadas, pertencentes a núcleos familiares destroçados pelas vidas que têm, e se envolvem com essa epidemia que nós vivemos no nosso País, que é a epidemia da violência.
Agora, se nós tivéssemos desse sistema algum item, algum dado que indicasse o aumento desse número, evidentemente que a gente não iria escamotear isso aqui de forma alguma, em nenhum tipo de levantamento. Mas eu não posso comparar isto aos boletins de ocorrência de uma delegacia de polícia. Porque ali... É uma suspeição do que aquela pessoa está evolvida. E eu estou falando isso porque as últimas reportagens têm pegado números que não são comparáveis. Eu não posso comparar número de ocorrência policial com sentença judicial. Sentença judicial de um adulto, que é primário e que pratique um roubo, pode demorar quanto tempo? Um ano, dois anos, dependendo do lugar que for, até mais. De um adolescente, são 45 dias. Em 45 dias, por um roubo, ele pode ser privado de liberdade.
E o que eu gostaria de lembrar, para fechar, também essa outra ideia que se construiu, é que o Brasil tem uma lei que, mais precocemente, responsabiliza os adolescentes. Então, a partir de 12 anos de idade, o adolescente pode ser preso, preso, já o dissemos, privado de liberdade - usamos um termo para dar uma amenizada -, mas, na verdade, é preso. A partir dos 12 anos de idade, nós responsabilizamos todos os adolescentes do nosso País.
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Então, não é rebaixar a responsabilidade penal. Eles já são responsáveis a partir dos 12 anos de idade. E eles podem ser privados de liberdade por um período de três anos. E o que é muito comum: cumpre um período de três anos e, aí, vem uma progressão. Progressão para onde? Para outra medida socioeducativa, em meio aberto. E, aí, ele pode ficar mais um tanto de tempo nessa medida. Então, são três mais esse período de meio aberto. E, se houver qualquer deslize nesse período, ele pode retornar novamente à privação de liberdade. Então, esse ciclo se inicia aos 12 anos e pode terminar somente aos 21 anos de idade, dependendo da vida dessa pessoa.
Então, não são verdadeiras essas questões que estão sendo colocadas, nesse momento de debate em que a gente, às vezes, não consegue ser muito claro quando nos manifestamos. Mas quanto a esse sistema, hoje, nós não precisamos e não necessitamos de mais vaga para privar ninguém de liberdade. Isso é caro. Isso é caro. Manter gente presa é caro. Manter gente presa, os adolescentes presos, no Brasil, hoje, custa, ali, em torno de, entre R$9 e R$10 mil por mês. Isso não é barato. Não é uma conta só, de que "ah, eu boto o meu filho não sei aonde..." Não é só isso, porque você é responsável pelo atendimento, por defesa técnica, por levar para audiência. Aí você pega um sistema como o de São Paulo, multiplica isso por 10 mil. Cinquenta juízes. Em 45 dias você tem de fazer avaliação e levar duas, três... Então, tudo isso está sob responsabilidade desse sistema de atendimento. Se você rebaixar a responsabilidade penal, você vai levar isso para onde? Vai levar para o sistema prisional? Se você levar para o sistema prisional, fica no padrão que nós temos hoje. Se você criar um outro sistema, você vai ter que criar um outro sistema com regramento para esse sistema que pega essa faixa específica, que não estaria vinculada ao sistema prisional adulto.
Então, vou terminar aqui agradecendo mais essa oportunidade de poder esclarecer.
Isso tudo nós temos feito em parceria com os Estados e com os recursos da Secretaria de Direitos Humanos. Na verdade, nós estamos no segundo orçamento, porque a lei foi aprovada em janeiro de 2012, e é nessa lei que se vincula a coordenação desse sistema à Secretaria de Direitos Humanos. Então, nós trabalhamos com o orçamento de 2013 e o orçamento de 2014. Agora é que nós vamos começar a trabalhar com o orçamento de 2015. Então, somente com esses dois orçamentos é que a gente conseguiu dar um rumo mais efetivo para a reorganização desse atendimento, que ainda é marcado por muitas questões que envolveram toda a história da infância abandonada no Brasil, como, por exemplo, cerceamento de defesa, tortura, maus-tratos e lugares absolutamente inadequados para a gente deixar, lá, nossos animais de estimação e está lá esse número de jovens que a gente viu.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Presidente, aproveitando a fala do Dr. Cláudio, eu já queria fazer-lhe uma pergunta. Dr. Cláudio, nós estamos no centro do debate da redução da maioridade penal, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. São quatro projetos: um que é dos 18 para 16; o do Senador Aloysio Nunes, que reduz de 18 para 16 em crimes hediondos; e há um outro que está pautado para quarta-feira desta próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça, que fala do aumento da internação de três para dez anos, do Senador José Serra. Eu queria saber a sua opinião sobre esses projetos, em especial o do Senador José Serra, porque, vendo de longe, aumentar de três para dez anos! Então, eu queria a sua avaliação sobre esses projetos.
Eu queria falar também sobre os números. O senhor colocou ali alguns números que falam, por exemplo, que homicídios, em cima do sistema, nós estamos falando de 9%. Recentemente, a Folha de São Paulo fez uma matéria dizendo que não existem dados oficiais sobre isso. Eu estava trabalhando sempre com dados que falavam o seguinte: que a participação de adolescentes correspondia, na verdade, a 0,5% de homicídios que aconteciam no Brasil, e de 0,9 de crimes como um todo.
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A Folha de S.Paulo fez uma matéria dizendo que não existiam dados confiáveis; o Ministério da Justiça disse que esses dados não existiam. Mas, aqui, me parece razoavelmente simples cruzarmos os 9% de homicídios que são praticados por adolescentes com o número de homicídios no País para tentar pegar um número sobre isso.
Eu queria trabalhar sobre esta pergunta: há, de fato, esse vazio estatístico ou nós temos números bem consolidados?
Também queria saber mais sobre outras medidas socioeducativas, que são experiências exitosas, que não são apenas a restrição da liberdade, e se há alguma comparação, um estudo internacional, sobre isso. Ou seja, alguns países que tratam de outras medidas socioeducativas que trabalham com esse adolescente, se têm melhor resultado ou não do que a simples privação de liberdade.
O SR. CLÁUDIO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA - Tenho mais uns 40 minutos? (Risos.)
Olhe, o que tenho como lhe responder é o seguinte: somos visceralmente contra a proposta de redução da responsabilidade penal. Não vemos isso como... Não tem justificativa no nosso entendimento. Não temos o porquê hoje. Não há justificativa, não há nenhum fato novo, a não ser algumas tragédias que acontecem, já que não estamos livres nenhum de nós, como, por exemplo, agora essa tragédia no Piauí. Enfim, são exemplos lamentáveis, trágicos, que temos que estudar para entender o porquê isso chegou a acontecer com esses jovens.
No que se refere ao aumento da penalização, isso vem sendo construído deste que o Estatuto foi aprovado. No debate da PEC nº 171 o Deputado me perguntou: "Vocês aceitam discutir?" Eu disse-lhe: "Deputado esta PEC é de 1993. O Estatuto foi aprovado em 1990".
Todos os anos nós fazemos debate neste Congresso - ainda bem que foi assim - desde que o Estatuto foi aprovado. Desde que construímos essa sociedade brasileira, nós penalizamos a infância. Nós elegemos do inimigo número 1 do Brasil. O inimigo número 1 do Brasil eram os capoeiras, os pivetes, os malandrinhos, os filhos dos escravos, que eram ameaça da sociedade brasileira. Eles continuam sendo ameaça da sociedade brasileira, apesar de o mapa da violência nos indicar que a cada dia que um de nós chega a casa e põe a cabeça no travesseiro, na nossa cama, ao nosso lar, foram assassinadas 28 crianças e adolescentes neste País - isso é dado do mapa da violência - de 1 a 19 anos de idade.
Então, esse é um debate e acho que esse tema de opinião é trazido misturado com outras questões, mas acho que realmente não podemos perder a oportunidade de admitir que a nossa sociedade é muito violência, muito desigual e que a penalização vai para aquele que mais depende das políticas públicas.
Todos nós sabemos que, muito recentemente, conseguimos universalizar o acesso ao ensino fundamental, mas não fizemos isso com ensino médio. Então, não cumprimos nem esse ciclo. Então, desde o início do Estatuto da Criança e do Adolescente, a principal crítica que foi feita ao Estatuto é que o Estatuto era uma lei que protegia os bandidos... Então, foi construída essa história. E a saída tem sido tentada como? Ou rebaixar a responsabilidade penal ou aumentar o período. Por quê? Porque acontecem os homicídios. Aí eu volto para a questão dos dados. Não sei como são, não tenho nenhum tipo de possibilidade de afirmar isso aqui, os dados da segurança pública do Brasil. Tive acesso a um, que foi o de São Paulo, que me comprometo com vocês a trazê-los; dados trazidos de São Paulo, que estão disponíveis na página da Secretaria de Segurança Pública.
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O comparativo entre os Boletins de Ocorrências, as apreensões e os mandados de busca entre adultos e entre adolescentes, então, é um gráfico assim; e permaneceu assim. Esse grande são os adultos, e esse pequeno aqui são os adolescentes. Repete-se em toda faixa histórica.
No Estado de São Paulo, por busca, por mandado de busca, ou por flagrante, ou por BO, os adultos são os autores dos crimes e não os adolescentes. Isso é um dado da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, de 2015, a que nós tivemos acesso há duas semanas. Então, ele faz essa comparação. Quanto aos outros, eu não tive acesso e eu não posso dizer. Eu sei dizer que São Paulo responde por 50% dos encarcerados adultos e por 50%, mais ou menos, dos encarcerados adolescentes. Evidentemente, é o maior Estado da nossa Nação, onde ocorre tudo lá em primeiro lugar. Então, é evidente que o número de delitos praticados ali é um número significativamente maior.
Esse número, eu lhe dou a segurança, é, como eu digo, na hora em que abre aquele portão e que o menino entra numa unidade socioeducativa. Então, o nome; o porquê de estar aqui: homicídio, roubo, tráfico. Então, é um número de 23 mil pessoas que entraram, estão registradas e têm uma sentença. Não é só uma suspeita de culpabilidade. Ele tem uma sentença para entrar ali.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Dr. Cláudio, eu estou digo isso, porque, há esses números aqui do sistema. Então, eu acho que fica fácil cruzar esses números, ou seja, quantos foram sentenciados por homicídios e cruzar com o número de condenados por homicídios no Brasil. Eu tenho uma conta aqui que me parece razoavelmente simples de ser feita. Eu quero até trabalhar aqui com o pessoal da Comissão, porque eu acho que, em cima disso, podemos tentar avançar nisso, já que, da semana passada para cá, a partir daquela matéria da Folha de S.Paulo, criou-se um... Ou seja, não existem números. E alguns começaram a levantar, em alguns Estados, até a participação de 10% de adolescentes em homicídios no País, em alguns Estados.
Eu acho que essa questão dos dados é fundamental para enfrentarmos o debate com mais clareza. Eu vou pedir, depois, para o pessoal da Comissão ver como podemos, em cima desses números do sistema, trabalhar uma aproximação com os números de homicídios no País.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Para interagir com a população, essa audiência pública está sendo realizada, em caráter interativo, com a possibilidade de a população participar. Essa participação pode ser através do Portal e-Cidadania (www.senado.gov.br/ecidadania), do Alô Senado, através do número 0800 612211.
Queremos também registrar aqui a presença da Casimira e da Fabiane, que são Oficiais da Proteção do Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Dando continuidade aos nossos trabalhos, nós vamos agora ouvir a companheira Larissa Amorim Borges, Diretora de Programas da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas.
Mas antes de a Larissa falar, eu ia centralizar a minha pergunta ao Cláudio para ver a situação socioeconômica dessa população, mas os dados por si só já mostram. Eu queria ajudar o Relator, Senador Lindbergh, dizendo que eu participei de algumas audiências, na Comissão de Direitos Humanos, e ali eu vi alguns dados de alguns órgãos que não foram questionados. É importante depois ver com o Senador Paulo Paim, porque isso pode vir a descaracterizar um pouco o que falou o jornal. Portanto, eu só queria dar isso como um dado informativo.
Larissa com a palavra.
A SRª LARISSA AMORIM BORGES - Obrigada.
Boa noite a todas, boa noite a todos!
Trago aqui a saudação da Ministra Nilma Lino Gomes e o compromisso da SEPPIR em colaborar com esta CPI e com todas as iniciativas que colaboram para a preservação da vida da juventude brasileira. Essa CPI, para nós, é muito importante, porque ela colabora com os esforços que o Governo brasileiro já tem desenvolvido para identificar esse problema e superá-lo.
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Temos aí anos de violência contra a juventude, e agora o Governo brasileiro, o Estado começa a fazer esse enfrentamento.
Pode passar.
A SEPPIR tem origem nas lutas do movimento negro contra o racismo e as desigualdades e tem como marco a Conferência de Durban, que foi uma conferência da ONU sobre o racismo e a xenofobia.
A SEPPIR trabalha para a promoção da igualdade racial e a superação do racismo. Ela foi lançada em março de 2003.
Pode passar.
A atual gestão tem como prioridades a juventude negra, as ações afirmativas, os povos e comunidades tradicionais e a internacionalização das políticas de promoção da igualdade racial.
Pode passar.
A missão da SEPPIR é promover e articular políticas de igualdade racial e superação do racismo para consolidação de uma sociedade democrática.
Nós acreditamos que o Brasil só pode se desenvolver, e ele só se desenvolveu até aqui, graças à contribuição da população negra. E sem essa população é impossível pensar um futuro para esse País. Nesse sentido, nós buscamos que a SEPPIR seja reconhecida nacional e internacionalmente como uma referência de políticas para promoção de uma sociedade justa, igualitária e sem racismo.
Pode passar.
A partir de diferentes estudos, nós chegamos a algumas reflexões, algumas conclusões.
A primeira delas é que o racismo é um sistema de poder que organiza todas as relações e estrutura as desigualdades no Brasil. Então as desigualdades brasileiras não são basicamente sociais. As desigualdades brasileiras, inclusive a desigualdade social e econômica, são fundamentadas, são estruturadas no racismo. E o racismo como ideologia desumaniza, ele descaracteriza o sujeito como pessoa humana. E numa sociedade racialmente hierarquizada, o racismo determina a forma como vamos viver, nascer e morrer.
Pode passar.
Trago aí a perspectiva da Lei das Cotas que foi um resultado positivo das lutas dos movimentos negros para o qual a SEPPIR tem trabalhado para a sua implementação, e é uma política que pode trazer uma diferença na construção da democracia no País.
Pode passar.
O Plano Juventude Viva. Esse é o plano de prevenção à violência contra a juventude negra. Esse plano surgiu em 2011 e é coordenado pela SEPPIR e pela Secretaria Nacional de Juventude.
Nós partimos da perspectiva de que a violência contra a juventude negra se caracteriza como ação ou omissão, pretendida ou não, capaz de gerar lesão física ou sofrimento psíquico, pontual ou sistêmico que, em curto, médio ou longo prazo possa comprometer a trajetória de vida de um sujeito ou retirar a vida desse jovem negro, ampliando, assim, o risco de eliminação física e simbólica do povo negro. Se uma política universal não alcança a população negra, ela não é universal.
Temos trabalhado a perspectiva de que todas as políticas públicas precisam ter na sua centralidade a perspectiva racial, porque a população negra brasileira é 52,9% do povo deste País.
Pode passar.
Hoje, no Brasil, cinco jovens negros são assassinados a cada duas horas. Ou seja, dá uma média de 60 jovens por dia. É como se caíssem dois aviões lotados de jovens e a maioria desses jovens fossem negros.
Pode passar.
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Paralelamente a isso, em 2013, a cada dia, seis civis foram mortos por policiais. Então a gente tem aí um mito de que os policiais estão sendo mortos, tem uma violência contra a polícia. Sim, há policiais morrendo, mas o número de pessoas sendo mortas pelas mãos das forças policiais é maior do que o número de policiais que estão sendo vitimados.
Então, comparando os dados do Brasil e dos Estados Unidos, 490 policiais tiveram mortes violentas no ano de 2013. Nos últimos cinco anos, temos a soma de 1.770 policiais vitimados. No mesmo período, a polícia brasileira matou o equivalente ao que os policiais americanos mataram em 30 anos. Então, em cinco anos, a polícia brasileira matou mais do que a polícia norte-americana em 30 anos. Esses dados são do anuário da segurança pública.
Pode passar.
São dois jovens negros assassinados por hora no Brasil.
Pode passar.
Confirmando essa reflexão, os dados sobre o extermínio de jovens no Brasil apontam que a maioria dos jovens assassinados são negros, em todos os Estados, em praticamente todos os Estados. E há desigualdade, porque a diferença entre a quantidade de jovens brancos e a quantidade de jovens negros assassinada é muito alta. Todos os Estados brasileiros, inclusive o Piauí, que tem os dados menos graves, têm dados de violência superiores aos dados de países em contexto de guerra. O que significa que essa situação não é mais aceitável.
Se o Estado brasileiro, se nós, das instituições públicas, tivéssemos conseguido escutar o que os MCs das periferias brasileiras cantaram nas décadas de 80, 90 e no ano 2000, talvez nós já tivéssemos conseguido entender a gravidade e a urgência desse problema, que atinge principalmente as periferias brasileiras.
Pode passar.
O racismo é o principal determinante das mortes dos jovens no Brasil. Esses dados evidenciam isso. A violência no Brasil é um problema multicausal, mas o racismo é o determinante principal da ocorrência dessas mortes e precisa ser identificado e tratado com a complexidade e a gravidade que exige.
Pode passar.
Vemos, nas abordagens policiais e em diversas cenas de violência, que o adolescente negro não é tratado como adolescente ou como jovem, ele é tratado como marginal. E esse estigma legitima a autorização de matar e de prender. Nesse sentido, a redução da maioridade penal é uma proposta que vai contra todas as iniciativas de promoção dos direitos humanos e de construção da democracia, porque o Estado brasileiro está ainda no processo inicial de construção da garantia dos direitos dessa população. Então, não podemos parar um sistema socioeducativo, não podemos parar de investir nos Sinase, antes de concluir a efetivação desse investimento. Nós ainda não conseguimos colocar esse sistema socioeducativo para funcionar na sua plenitude. E aí vamos tentar reduzir a idade penal agora? Isso vai provocar uma maior criminalização da juventude negra e um maior aprisionamento dessa juventude. Além do que, essa proposta pode ocasionar também um grande gargalo nas instituições que já estão aí sobrecarregadas para cuidar dessa temática.
Outro ponto importante a dizer nesse momento é que, além de garantir os direitos das crianças, dos adolescentes e dos jovens no Brasil, nós precisamos aprimorar a nossa política sobre drogas, para que esses adolescentes e jovens possam ter aí a possibilidade de exercício da sua cidadania de forma mais completa.
Pode passar.
Então, como eu já disse, 52,9% da população brasileira hoje são compostos por pessoas negras e 58% dos jovens brasileiros se autodeclaram negros. Quanto a essa grande autodeclaração da juventude, nós levantamos a hipótese que tem a ver com os resultados positivos da Lei nº 10.639, que impõe o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas. Na medida em que você tem a possibilidade de conhecer a sua história e a sua cultura de forma positiva, você tem mais possibilidade de se autodeclarar, de se reconhecer pertencente a essa raça.
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Pode passar.
A violência é um dos problemas que mais preocupam a juventude brasileira. A cada quatro jovens, um já teve a experiência de perder um parente, um amigo, um vizinho, uma pessoa próxima. Mais da metade dessa juventude está aí perdendo pessoas. Essa experiência da morte - tanto matar quanto presenciar uma morte ou perder um parente - gera impactos físicos, psicológicos não só na família de quem morre, mas também na pessoa que mata.
No Brasil, hoje, há um baixíssimo índice de investigação dos homicídios, e a gente precisa investigar mais os homicídios e também possibilitar um conjunto de política de proteção e cuidado das pessoas que sobrevivem a essa violência.
Pode passar.
Como eu já havia dito, a maior parte das vítimas dos homicídios, em 2012/2013, eram jovens negros. Os dados que trago aqui são do Datasus e apontam que 93,4% das vítimas de homicídios, em 2012, eram jovens negros - geralmente jovens negros, do sexo masculino, moradores das periferias. Esse dado vai demonstrando como o racismo é determinante na ocorrência dessas mortes.
Pode passar.
Vale ressaltar também que, mesmo entre os policiais mortos, o número de policiais negros mortos é também muito grande.
Esse mapa traz para nós as taxas de homicídios nos Estados. Em todos os Estados brasileiros, a gente tem uma taxa de homicídios muito maior do que a permitida. Então, nenhum Estado brasileiro está confortável em relação a essa situação da violência.
Pode passar.
O risco por Estado. A gente classifica assim: há Estados em que a situação de violência está um pouco mais grave - em todos, está grave -, mas em alguns, como Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo e o próprio DF, há índices de assassinatos de jovens negros muito maiores que os índices de assassinatos de jovens brancos. Então, a chance de um jovem negro ser assassinado é muito maior do que a chance de um jovem branco ser assassinado. Por isso, muitas vezes, as mães de adolescentes negros se preocupam muito, quando seu filho vai para a escola, se ele vai voltar no fim de dia, porque pode ser que ele não volte e pode ser que ele volte tendo vivido algum tipo de violência nesse percurso entre a casa e a escola.
Pode passar.
Esse dado também é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e traz uma informação muito importante, uma reflexão muito importante. No sistema prisional adulto, 49% das pessoas estão presas por causa de crimes patrimoniais; 26%, por causa de crimes relacionados a drogas; e 12%, apenas por homicídios. Então, esse dado é muito parecido com o do sistema socioeducativo e demonstra que nós estamos muito mais preocupados, como Estado, em defender o patrimônio do que em cuidar da vida, do que em salvar a vida. A gente tem muito mais ações, a gente é muito mais eficiente em cuidar do patrimônio, dos bens materiais do que em preservar e defender a vida das pessoas.
Os dados um pouquinho acima demonstram também que a maior parte das pessoas presas, encarceradas e mortas são jovens negros.
Pode passar.
Esse dado - também para gente pensar um pouco - é em relação aos dados que a gente tem dos policiais que foram mortos em 2012. A maior parte dos policiais assassinados foram mortos no horário de folga. A gente não tem os dados de alguns Estados, mas, segundo os dados que a gente tem da maioria dos Estados, a maioria dos homicídios de policiais ocorre no horário de folga, o que nos leva a refletir sobre a real importância do porte de arma fora do horário de trabalho e também sobre a possibilidade de envolvimento com milícias ou outras formas de organização criminosa.
Pode passar.
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Então, prevenir a violência contra a juventude negra implica reconhecer os jovens negros como sujeitos de direitos e desconstruir uma série de estereótipos que estão aí postos contra essa juventude; significa identificar formas invisibilizadas e naturalizadas de violência e operar articuladamente para a sua desconstrução.
Muitas vezes, as instituições estão aí reproduzindo uma série de violências sem se dar conta, sem nomear que determinado tipo de tratamento ou omissão é violência. Então, um dos passos para a prevenção à violência é essa desconstrução.
Outra coisa importante é gerar condições subjetivas e objetivas para ampliar os campos de possibilidades dos jovens negros, incidir de forma afirmativa na trajetória de vida desses jovens. Então, a este ponto eu volto mais uma vez. Nós precisamos investir em esportes, em cultura, em lazer, na arte, no trabalho, na profissionalização desses jovens. Precisamos qualificar o sistema socioeducativo, porque, se o sistema socioeducativo funcionasse como pontos de cultura, por exemplo; se, ao entrar no sistema socioeducativo, o adolescente tivesse acesso a uma gama de possibilidades que estão previstas no Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a possibilidade de recuperação seria ainda muito maior.
Hoje, o sistema socioeducativo, comparando com o sistema prisional adulto, é muito mais eficaz e eficiente. Se ele recebesse o aporte de recursos adequado, ele poderia dar um salto de qualidade no trabalho que já vem sendo desenvolvido. Então, colaborar para que os sujeitos negros possam experienciar a condição juvenil com pleno bem-estar físico, mental e social, seja qual for o seu sexo, a sua orientação sexual e a sua origem social.
A questão de gênero implica muito também nas formas como esses jovens vão morrer. As mulheres jovens também estão sendo assassinadas, porém em número menor. Mas o processo em que essas mulheres são assassinadas envolve um requinte de tortura e crueldade muito grande. Muitas vezes, envolve uma série de violências físicas, psicológicas e até sexuais que precedem essa morte. Então, é preciso também pensar nas especificidades. Os jovens LGBTs também têm sido assassinados, e essa violência homofóbica também precisa ser vista de uma forma bastante atenta.
Pode passar.
Para organizar a nossa ação, nós vamos reconhecer o racismo como determinante de saúde, determinante dessas mortes e determinante do funcionamento de diversas instituições. Vamos reconhecer tanto o racismo quanto os padrões de heteronormatividade atuando articulados para configurar essas mortes. E aí também pensar que é inadmissível discutir a questão da violência, da saúde, da segurança pública e a própria democracia sem perceber o quanto as relações raciais, as relações de gênero e o recorte geracional impactam nessa construção.
Pode passar.
Então, nesse sentido, considerando todo esse conteúdo que nós vimos trabalhando desde 2011, o Plano Juventude Viva tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade de jovens negros à violência e prevenir a ocorrência de homicídios. Ele opera como uma metodologia, uma estratégia de mobilização e organização da gestão pública e da sociedade civil, com foco em 142 Municípios, que apresentam 70% dos homicídios dos jovens negros.
Pode passar.
Então, o Plano luta pela vida dos jovens negros e busca contribuir cotidianamente para garantir a ampliação dos direitos dessa juventude, no esforço articulado de colocar em conjunto a atuação de diversos ministérios e da sociedade civil.
Pode passar.
Então é isto, a articulação desses esforços vai não só no nível ministerial, que é uma das atuações do Juventude Viva, mas também na articulação interfederativa. Então, o plano convoca Estados, Municípios para poder dialogar e trabalhar conjuntamente, além da sociedade civil e de outros Poderes além do Executivo.
Pode passar.
O plano tem quatro eixos. Na verdade, estamos chamando esses quatro eixos de quatro diretrizes de atuação, que são: a desconstrução da cultura de violência; a inclusão, a oportunidade e a garantia de direitos; a transformação dos territórios e o aperfeiçoamento institucional.
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E ele envolve 11 ministérios nesse esforço de tentar garantir que as politicas públicas adequadas cheguem nesses territórios onde há maior vulnerabilidade da juventude.
Pode passar.
Já falei das diretrizes.
Pode passar.
Então, de 2011. O plano começou a ser pensado em 2011, ele vai para a rua em 2012, e, de lá para cá, a gente tem alguns avanços importantes. O principal deles é o reconhecimento do tema da violência contra a juventude negra como prioridade na agenda política nacional. Não há mais como negar a importância e a urgência de se enfrentar esse fenômeno do assassinato de jovens negros.
Em muitos Estados e em muitos Municípios, a gente tem ido acompanhar atividades, conversar com as comunidades, estar em relação com a sociedade civil. E as pessoas têm dito que o que está acontecendo não é um assassinato de jovens; é um processo de extermínio, porque as mortes são muito violentas. Geralmente, esses jovens estão sendo assassinados com quatro, cinco, seis tiros. Então, assim, tem um caráter de tentativa de eliminação brutal. Esse é um dado para o qual a gente chama a atenção.
Mas, pensando entre os avanços do plano, há a construção de uma campanha de prevenção à violência, a articulação de diferentes poderes e a atuação conjunta em torno do protocolo de redução das barreiras para o acesso à Justiça para a juventude negra, que é uma atuação que a SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e a SNJ (Secretaria Nacional de Juventude) têm junto ao Conselho Nacional do Ministério Público e a Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Pode passar.
A partir do ano de 2013, o Plano Juventude Viva, de 2013 e 2014, começou a desenvolver ações nos Territórios. Então, nesse período, foram desenvolvidas mais de 1500 atividades em 86 Municípios, e essas atividades estão mais ou menos organizadas nesse sentido. Sabemos que 44% dessas atividades têm a ver com o aperfeiçoamento institucional, com a busca de aprimorar gestão pública; 33% com a desconstrução da cultura de violência; 9% com a transformação dos Territórios, e 14% com a inclusão de oportunidades e garantias de direitos. Então, com a articulação desses elementos é que o plano se propõe a transformar as realidades dos jovens.
Pode passar.
Aqui nessa primeira etapa, como falei anteriormente, o Plano Juventude Viva agora está passando por um processo de redesenho. Estamos pensando como aprimorar, o que podemos aprender com essa experiência que vivemos de 2011 ate´aqui e o que pode ser potencializado. E, nesse sentido, nessa primeira etapa, a gente teve o envolvimento de diversas políticas públicas, entre elas o Nufac (Núcleo de Formação de Agentes de Cultura para a Juventude Negra), o Estação Juventude, o Mulheres da Paz, o Pronatec, vários projetos Pontos de Cultura colaboraram com o desenvolvimento do plano até aqui. Agora, a gente está pensando como será esse desenvolvimento daqui para frente.
Pode passar.
Dentro desse processo do Juventude Viva, a gente teve a Rede Juventude Viva, que é um processo de mobilização social que envolveu centenas de organizações por todo o País e também contou com a produção de um boletim informativo periódico para que tanto as organizações, as instituições públicas, as organizações sociais, como as pessoas individualmente pudessem ter acesso ao dia a dia do plano, ao desenvolvimento de oportunidades, de editais e atividades que pudessem colaborar com o desenvolvimento de ações para o enfrentamento à violência nos Territórios.
Pode passar.
Sobre o protocolo de atuação para a redução das barreiras do acesso à Justiça já falei: é uma iniciativa que também está sendo aprimorada agora - muito exitosa - que está sendo aprimorada junto ao Conselho Nacional do Ministério Público e outros parceiros. É uma iniciativa que busca reduzir as barreiras. Há vários impedimentos institucionais e culturais que limitam o acesso dos jovens ao sistema de Justiça. Então, esse protocolo visa a estabelecer um conjunto de ações articuladas para reduzir essas barreiras.
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A atuação do plano nos Estados. A gente conseguiu aí chegar a vários Estados, a vários Municípios com atuações mais específicas.
Pode passar.
E, aí, a gente teve, também, um processo de adesões voluntárias e, com isso, atender, praticamente, todo o País.
Pode passar.
Tivemos lançamentos do plano em Alagoas, na Paraíba, no Distrito Federal, no Município de São Paulo, na Bahia, no Espírito Santo e também no Rio Grande do Sul.
Pode passar.
Há outros Estados, também, que desenvolveram atividades de forma mais autônoma.
Estou quase acabando, tá?
Então, a gente desenvolveu uma plataforma de diagnóstico. Esses relatórios sociais foram desenvolvidos juntos com o MDS e, entrando nessa plataforma, está disponível no site da SEPPIR - no caso, esse no site do MDS. Nesses boletins de informação social, o Município pode ter acesso aos dados do seu Estado, do Município - basta clicar ali e fazer a consulta. Isso ajuda o diagnóstico de uma forma rápida, prática e bastante eficiente.
Pode passar.
Aí, também, a gente tem os boletins de informação social que geram dados com o recorte de raça/cor para cada Estado, além, também, das publicações dos mapas da violência, do encarceramento, que não estão na publicação, mas estão disponíveis no portal.
Pode passar.
Aí, podemos ver as ferramentas do nosso diagnóstico.
Pode passar.
E, aí, um pouquinho das ações que a gente desenvolveu no Juventude Viva, para se ter uma noção de como essa política chegou aos territórios, mas ainda precisa ser fortalecida. O Juventude Viva contou com um orçamento muito limitado, e isso foi um impedimento para que a gente pudesse avançar ainda mais no desenvolvimento da política. E a gente espera poder, a partir de agora, nesta segunda fase, contar com o orçamento mais fortalecido para o desenvolvimento das atividades.
É importante dizer que o Estado pode escolher em que vai investir, e podemos fazer um investimento perecível, que não vai ter um retorno, ou podemos escolher fazer um investimento duradouro. E, aí, fazer esse investimento duradouro é investir positivamente na educação, na saúde, na cultura, no desenvolvimento de atividades ligadas diretamente a esses jovens.
Então, muito mais do que produzir cadeias e reduzir a idade penal, precisamos desenvolver um conjunto de políticas que colaborem para o desenvolvimento da vida e dos direitos dessa juventude.
É isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Portanto, vimos aí mais uma...
Mas quero convidar para assumir a presidência, aqui, a Presidente da CPI, que é a nossa Senadora Lídice da Mata.
Uma salva de palmas para ela. (Palmas.) (Pausa.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Quero, antes de mais nada, agradecer ao tão dedicado Senador Telmário Mota, que me substituiu no início desta reunião porque tive que viajar para o interior da Bahia e só pude pegar o último voo do Estado para cá, que é às 18h.
Então, quero agradecer ao nosso companheiro Telmário, que tem também dado grande contribuição aqui, ao nosso trabalho.
Agradeço ao Senador Lindbergh, nosso Relator, que tem acompanhado de perto todas as nossas audiências e todo o nosso trabalho.
Quero registrar a presença de Tâmara Terso, secretária-executiva do Conselho Nacional de Juventude, e Marcos Silva, membro da Comissão de Acompanhamento de Política e Programas (CAPP) do Conselho Nacional de Juventude.
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Vamos ouvir, agora, o nosso último expositor, o jovem coordenador do grupo de trabalho da Juventude Negra, do Conselho Nacional de Juventude, o Conjuve, Walmyr Júnior. Aliás, o Conjuve é parte integrante desta CPI, porque, a partir de uma audiência pública que realizamos na Comissão de Direitos Humanos sobre a violência, onde o Conjuve esteve presente, nos apresentou a proposta de formulação desta CPI.
Então, parabenizo também o trabalho do Conjuve na direção de que pudéssemos trazer o Parlamento a uma posição de investigar e participar de forma mais definida, assumindo uma responsabilidade com aquilo que acontece no País com relação à nossa juventude.
Concedo a palavra ao Sr. Walmyr Júnior.
Não sei quanto tempo foi estipulado, mas imagino que tenha sido o padrão de 15 minutos.
O SR. WALMYR JÚNIOR - Muito obrigado, Senadora.
Saúdo a todos e todas da Mesa. Para mim, é uma grande alegria estar aqui representado o Conselho Nacional de Juventude, assim como também representar a Secretaria Nacional de Juventude.
Como a Senadora me apresentou, meu nome é Walmyr Júnior. Acredito que a não exposição de dados é muito fruto de uma tentativa de trazer para aquilo que é empírico, para aquilo que é prático, para aquilo que faz parte da praxe e do cotidiano da juventude negra, principalmente moradora da favela. Hoje, tenho muito orgulho de falar e de pertencer a esse grupo e de fazer desse território que é tão criminalizado a afirmação do meu espaço como meu direito também à cidade.
Hoje, sou formado em História pela PUC-Rio e moro no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e tenho a honra de representar o Coletivo Nacional de Juventude Negra Enegrecer no Conselho Nacional de Juventude.
Quero saudar também meus amigos e companheiros do GT de Juventude Negra. A Rúbia, o Giovani e o Lucas estão ali atrás e também compõem comigo esse GT, no qual trazemos uma impressão dessa ótica da vivência no cotidiano da periferia como aqueles e aquelas que estão na linha de frente do enfrentamento a essa violência que a juventude tanto sofre no nosso cotidiano.
Não quero repetir os dados que já foram passados, mas não podemos abrir mão de falar e de revelar que não só um extermínio que a juventude vem sofrendo, como foi bem apresentado nos dados aqui da SEPPIR, mas, sim, afirmar que nós, juventude negra da favela, estamos sofrendo um verdadeiro genocídio, porque é inadmissível olhar para uma fatalidade e uma estatística na qual vemos que mais de 70% dos casos de homicídio do nosso País envolvem, de fato, a população negra. Para chegarmos a uma somatória um pouco mais fácil - sou da área de humanas, não sou das exatas: para cada quatro jovens assassinados no Brasil, três são negros. Assim, não há como não falarmos que existe um genocídio implementado, uma tentativa de invisibilizar um povo que, desde a fundação deste País, desde a colonização dessas terras, é discriminado, é excluído socialmente.
Não temos como falar do extermínio da juventude no Brasil e dos genocídios da população negra sem falar de tudo aquilo que aqueles e aquelas que são, de fato, a herança histórica deste País sofreram nos tempos da escravidão, sofreram nos tempos da senzala e sofrem até hoje nas senzalas da favela, nas senzalas dos guetos, nas senzalas das periferias.
Queria reafirmar alguns dados que foram apresentados aqui. Para além dos 30 mil jovens mortos por ano, em que compreendemos que 71% dessa população são negras e negros, estamos falando também em um sistema genocida que mata o jovem e desestrutura toda a camada grande da sociedade. Então, para que possamos falar daquilo que acontece no cotidiano da juventude, é necessário que façamos uma análise de fato social do contexto em que esse jovem está vivendo hoje.
Qual o contexto que a juventude vive hoje que a leva a ter uma acentuação tão grande com esse impacto da violência no Brasil?
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Qual é o cotidiano dessa juventude e onde essa juventude está hoje que a faz tão refém dessa violência? Quais são os mecanismos de políticas públicas que chegam, de fato, ao encontro dessa juventude e que fazem com que ela tenha direito de viver e direito de viver com dignidade?
Hoje, a juventude vive cerceada pela violência, não só pela ausência de políticas públicas, como também pela afirmação de uma práxis que tem, por finalidade, exterminar não só esse jovem, como também toda a estrutura social e cultural que ele vive no seu cotidiano.
Queria falar um pouquinho da minha experiência como morador da favela.
O microfone está desligado, não está? Está indo aí? Então, desculpe-me.
Queria falar da minha experiência como jovem da favela. Eu vi aqueles dados e aquelas estatísticas perpassarem por toda a minha história de vida. Vi, no meu cotidiano, primos, tios, amigos de infância morrerem, serem exterminados por esse sistema que está vigente. Vi muitos amigos meus - inclusive encontrei com um nessa semana, que acabou de sair do sistema penitenciário - sendo presos, e eu tive a sorte, a felicidade, de ser um sobrevivente em meio a tantas estatísticas negativas que envolvem o jovem da favela.
No Brasil, há uma alta criminalidade, há uma acentuação muito grande da violência, que é fruto daquilo que é imposto para a sociedade hoje, que é o quê? É o modelo econômico vigente, que faz com que a desigualdade social entre numa disparidade tão grande, em que aqueles que têm muito continuam fazendo manutenção dos seus privilégios em detrimento daqueles que não têm nada, em detrimento daqueles que estão totalmente à margem da sociedade. Quando a gente fala marginalizado, uma população historicamente marginalizada, é que ela está à margem da sociedade; ela não faz parte desse conceito de sociedade que a gente entende hoje.
Não há como eu pegar um jovem que hoje entra em conflito com a lei, um jovem que hoje comete um delito infracional e é julgado pelo sistema, como membro dessa sociedade vigente, porque, do mesmo jeito que ele é um sujeito de deveres, ele também é um sujeito de direitos, direitos que lhe são negados desde o seu nascimento. Esses direitos lhe são negados desde quando o seu pai e a sua mãe vão para o mercado de trabalho e não encontram emprego, e, quando encontram emprego, esse emprego é subalternizado: é um emprego que se percebe nitidamente que não proporciona que o filho ou a filha daquele pedreiro, daquela faxineira, daquela empregada doméstica, daquele atendente de loja vá fazer parte dessa sociedade que está em disputa. Falo dessa sociedade que está em disputa no sentido da ascensão hoje de uma nova classe média que se está empoderando economicamente, fruto das políticas desenvolvidas nos últimos 12 anos de governo, mas que ainda não garante que a totalidade da população historicamente marginalizada tenha acesso aos mesmos direitos da população economicamente estável.
Estou meio gripado aqui, vou beber um gole d'água.
Uma outra coisa que eu anotei aqui, que eu acho que é importante a gente salientar, são essas vidas desestruturadas do nosso contexto social. Eu digo isso porque tive um pai que foi dependente químico: meu pai foi dependente a vida toda e faleceu por conta do uso desenfreado de substâncias tóxicas; vi a minha infância sendo marginalizada pelo consumo desenfreado de drogas do meu pai. O dinheiro que o meu pai investia dentro de casa era unicamente para poder fazer a manutenção do arroz e do feijão, porque a nossa feira, dia de domingo, era uma feira às avessas: ao contrário de toda a população que frequenta feira e passa pelo centro da feira para escolher o que está à direita e à esquerda, nós passamos pela parte de trás para pegar as sobras. Esse é o cotidiano das crianças de hoje e da juventude que está dentro da favela, que vive uma situação economicamente precarizada, uma situação que infelizmente não garante que ele tenha roupas, não garante que ele tenha um telefone, não garante que ele tenha tudo aquilo que o modelo econômico vigente impõe que esse jovem, que esse adolescente, consuma hoje.
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Hoje, existe um impacto direto na situação da criminalidade, vindo exponencialmente por uma parcela da juventude que, infelizmente, não tem acesso àquilo que a sociedade está impondo.
Quando o papai levava a gente para a feira, era para poder ajudar nas compras. Então, eu e minha irmã íamos ajudá-lo e carregávamos aquelas bolsas das sobras das comidas que o feirante não vendia.
Mamãe teve que trabalhar duramente como auxiliar de limpeza para poder ajudar nas finanças de casa, mas mamãe ela tinha um problema cardiovascular, Senadora, que impedia que ela trabalhasse: ela tinha entupimento na artéria e, infelizmente, ela não podia trabalhar porque, desenvolvendo mais estresse, mais desgaste físico, uma nova cirurgia ela tinha que fazer.
Só que meu pai pegava todo o dinheiro, Senadora, e gastava em drogas. O que minha mãe tinha que fazer para botar comida dentro de casa? Trabalhar. Minha mãe foi trabalhar e, quando eu tinha 12 anos de idade, teve uma insuficiência cardiorrespiratória, teve uma parada cardíaca dentro de casa, caiu da cama, bateu a cabeça e veio a ter um óbito depois de três dias internada; papai faleceu cinco anos depois por causa de dependência química.
O jovem da favela hoje vive uma realidade social diferente daquilo que a grande mídia passa. A grande mídia vai falar de um conceito de família, um conceito de desenvolvimento de uma juventude que está dentro de uma família, na qual há o estereótipo de reprodução que faz com que esse indivíduo não opte pela vida digna porque ele não quer; que ele não opte por estudar porque ele não quer; que ele não opte por trabalhar porque ele não quer. Isso é mentira! Isso é mentira! Porque o modelo vigente hoje e a realidade social dentro da periferia revelam cada dia mais que essa juventude está marginalizada porque não chega uma assistência pública; não chega direito; não chega, para aquele jovem que está dentro da periferia, a cultura; não chega a educação; não chega saneamento básico.
Eu lembro que na favela que eu morava, na Cidade Alta, não tinha água. Depois que eu me mudei para o Complexo da Maré, para morar com minha avó, não tinha saneamento básico: a gente tinha que passar por cima da vala, a vala a céu aberto, esgoto a céu aberto, e nós tínhamos que passar por ali.
Quando a gente vai pegar o contexto histórico da juventude que entra em conflito com a lei ou da juventude que está sendo exterminada hoje, a gente tem que fazer uma análise antropológica sobre qual a realidade social que esse jovem está vivendo hoje.
O que o jovem da favela vive hoje que o leva a entrar em conflito com a lei?
O jovem não tem acesso à cultura. A única cultura que ele tem é o funk, e o funk na favela é a cultura; só que no asfalto ele é criminalizado. Olham para o baile da favela como a reprodução de um discurso do traficante, uma implementação de poder do traficante, do grande dono da boca de fumo. Isso é errôneo, porque a molecada que está no baile de favela só quer ter acesso ao lazer, coisa que ele nunca teve. A única coisa que tem dentro da favela Marcilio Dias, no Complexo da Maré, de atrativo para a juventude é um campo de futebol. Mais nada! Mais nada!
Então, não tem como a gente olhar para esse jovem que entra em conflito com a lei hoje e não fazer uma análise sociológica.
O mercado de trabalho para essa juventude como anda hoje?
Hoje, jovem preto da favela que tem uma linguagem coloquial, tem um discurso próprio, tem oratória própria, tem uma estética própria, não é aceito no mercado de trabalho. A mulher negra hoje vive uma grande ditadura imposta pelo sistema, uma grande ditadura que impõe a ela um modelo de beleza, e, se ela não se adequar a esse padrão de estética, a esse padrão de beleza, ela não arruma vaga no mercado de trabalho, ela não é bem aceita no mercado de trabalho, ela não é bem aceita dentro dos seus próprios relacionamentos sociais.
A população na favela hoje, que é criminalizada, vive uma síndrome herdada pelos nossos ancestrais. Logo após a abolição da escravidão, o crime de capoeira e o crime de vadiagem foram colocados à tona para invisibilizar e encarcerar uma população que não tinha acesso a educação, a moradia, a emprego. Essa mesma população que foi escravizada, que, no mito da abolição da escravatura, teve a sua liberdade concedida, não teve liberdade: ela estava escrava do sistema e, mais uma vez, teve que viver à margem da sociedade, ocupando as periferias, ocupando os morros, para ter pelo menos um lugar para sobreviver.
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(Soa a campainha.)
O SR. WALMYR JÚNIOR - Eu quero falar, para encerrar e concluir a minha fala, que hoje a criminalização da população negra é fruto do racismo institucional, que está tão vigente, que ainda faz a manutenção desse sistema escravocrata que criminalizou a vadiagem e criminalizou a capoeira. Hoje, criminaliza o pobre negro. Hoje, o sistema de política pública de segurança criminaliza a juventude negra porque ele olha para o preto andando pela rua e o caracteriza como indivíduo subversivo; aquele estereótipo de um meliante que pode causar um perigo para a sociedade. Eu, hoje, jovem negro, andando pelas ruas do Rio de Janeiro, sou parado, sou revistado pela Polícia Militar sem motivo algum, pelo simples fato de eu ser negro e representar um perigo para a sociedade. Hoje, a criminalização da juventude negra é um reflexo do racismo institucional.
Não podemos nos isentar desse debate. Não podemos deixar de falar que essa população que historicamente foi escravizada, que historicamente foi marginalizada, é a mesma população que está sendo marginalizada hoje. Não podemos deixar de falar que a política de segurança pública do Estado hoje olha para o indivíduo negro e o considera como um indivíduo perigoso para a sociedade.
Os modelos de militarização da sociedade apresentam um retrocesso e permitem a manutenção de uma polícia que guarda somente a guarda real, que só protege a classe média. É inadmissível que nós não possamos pautar uma política de segurança pública que seja desmilitarizada, porque sabemos que a militarização da sociedade foi imposta para garantir os privilégios de uma classe social que hegemonicamente é branca na sua grande maioria, que faz uso das grandes riquezas da nossa sociedade, que explora a classe trabalhadora, que explora a população marginalizada.
Em relação a essa mesma Polícia Militar, eu fiquei curioso para saber daqueles dados que falavam sobre o extermínio, a morte dos policiais negros. Não falou da polícia do Rio de Janeiro. Fiquei curioso. Eu até comentava aqui com o Dr. Cláudio sobre onde estão os dados da polícia do Rio de Janeiro, que é a polícia que mais mata neste País. Onde estão os dados que envolvem, de fato, não só a morte dos policiais militares, mas também os homicídios que eles cometem?
Há falta de preparo da Polícia Militar para poder encarar o problema da segurança pública de hoje. Onde estão, de fato, aqueles policiais militares e aquele modelo de segurança pública que tende, por finalidade, a fazer o que fizeram com o Amarildo, com a Cláudia, com os meninos do Cabula, na Bahia?
Em tantos outros lugares, a gente vê essa mesma população negra sendo exterminada por uma política de segurança pública que faz de conta que nada acontece e joga as contas nos autos de resistência, e faz com que os autos de resistência sejam só mesmo mais um artifício para encobertar os crimes que se cometem.
Para encerrar, não tem como a gente falar do assassinato de jovens na periferia sem falar no mito da guerra às drogas, que implementaram dentro do modelo de segurança pública para poder criminalizar o tráfico varejista dentro das comunidades periféricas. Esse mesmo tráfico varejista, que é criminalizado pelo modelo de segurança pública, na verdade encoberta os grandes traficantes internacionais e nacionais dentro do nosso País. Faz com que a política de segurança pública não invista de fato no grande tráfico de drogas; faz com que a política de segurança pública não investigue de fato quem são os grandes traficantes, e criminalize a juventude negra que está traficando dentro da favela.
Para encerrar minha fala, vou pegar uma frase sobre a qual é interessante a gente pensar. Esse extermínio da juventude mata os jovens na melhor fase de vida - o jovem que possivelmente seria economicamente ativo, estaria no ápice da sua capacidade criativa, no ápice da sua produção cultural, no ápice do seu desenvolvimento técnico-científico, que teria de tudo para poder ingressar no sistema universitário e ser um diferencial na sociedade de hoje.
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É importante falar, e aí eu acho que encerro a minha fala por aqui, que a militarização da vida do povo da favela, pela qual hoje o Rio de Janeiro sofre os efeitos do processo, entre aspas, de "pacificação" do nosso Estado, implementa uma ideia tão racista e tão militarizada que a transfere para esse jovem negro da periferia, que a transfere a esse indivíduo que está sendo uma possibilidade, que está no seu ápice, que está no seu cume de desenvolvimento social, transformando-o num inimigo nacional. Isso faz com que eu, jovem e negro, seja um inimigo do Estado.
Quero falar para todos e todas aqui presentes que eu não sou inimigo. Eu faço parte desse corpo social. Represento, assim como demais companheiros e companheiras, essa sociedade civil que é tão repressora, que é tão humilhante, que constrange tanto cada um e cada uma, a ponto de, no último carnaval do Rio de Janeiro, uma semana antecedendo o carnaval, eu estar no bairro da Lapa, aproveitando um bloco de carnaval, quando a Polícia Militar se aproximou de mim porque um jovem negro, morador de rua, se aproximou para pedir dinheiro. Eu estava no meio de um bloco, naquela confusão, e o policial disse: "Encosta aí que eu vou te revistar". "Por quê?" "Porque você estava conversando com aquele menino ali, e ele vende droga aqui na Lapa." Eu falei: "Meu camarada, tudo bem, mas eu não tenho drogas aqui comigo; você pode me revistar". Ele: "Não, está bem, eu vou te revistar". E começou a me revistar. Eu disse: "Olha, você vai revistar, tudo bem; pode continuar me revistando, mas, assim como eu sou suspeito, todas essas pessoas que estão aqui no bloco são suspeitas; todas elas também foram abordadas por esse mesmo menino. Ele pediu dinheiro a todas e a todos aqui, e você só vai revistar a mim? Você está certo. Pode revistar." Ele falou: "Rapaz, para de ser abusado". "Eu não sou abusado, só estou falando que estou estranhando você me considerar um indivíduo suspeito, sendo que tem um monte de gente aqui do meu lado." "Rapaz, isso é... Você está desacatando a minha autoridade de policial." "Não, eu estou te permitindo me revistar." "Rapaz, quer saber de uma coisa? Eu vou te levar comigo." Ele dobrou o meu braço, me levou para o outro lado da rua e me colocou de cara para a parede. Nisso, as pessoas do bloco viram, o samba parou, e aquele policial me deu voz de prisão por ter desacatado a autoridade dele. Eu falei: "Eu vou acionar a Polícia Civil, vou exigir que a Polícia Civil incrimine o senhor por abuso de autoridade, porque eu estou permitindo a minha revista. Sou um cidadão livre como qualquer um ou qualquer uma que está aqui, e não sou um indivíduo suspeito só porque eu sou preto. Não sou indivíduo suspeito só porque eu sou preto. Não te permito me caracterizar como indivíduo subversivo só porque eu sou preto e morador da favela."
Ele nem sabia que eu era morador da favela. Ele nem sabia que eu morava na favela, mas, pelo fato de eu trazer sobre a minha pele, sobre a minha estética, sobre a minha representação social e cultural, o histórico daqueles que são historicamente marginalizados neste País, eu me tornei um indivíduo subversivo.
A importância desta CPI do Assassinato da Juventude, do Assassinato de Jovens é poder jogar na cara da sociedade que ela é racista, que ela é genocida e que ela tem um projeto para exterminar o seu futuro.
Muito obrigado.
Boa noite a todos e a todas. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada Walmyr Júnior, que, com seu depoimento, enriquece o nosso trabalho, que vem, cada dia mais, acumulando informações a respeito dessa situação extremamente grave por que passa a juventude negra no nosso País; a juventude que tem ficado cada vez mais sob a situação de uma repressão permanente às suas ações, principalmente na rua.
Antes de ler os requerimentos que devemos aprovar aqui, quero ler também contribuições do Portal e-Cidadania. Nós temos uma audiência pública interativa, e todos os dias na nossa Comissão há contribuições às vezes fora deste momento; depois recebemos cartas e e-mails, e buscamos dar conhecimento a todos.
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Cidadão via Alô Senado. Carlos Murilo Santos Carvalho de São Paulo:
Olá, gostaria de expressar aqui a importância de debater o [que] os autos de resistência têm de positivo para o País. A Anistia Internacional no Brasil acaba de lançar a campanha 'Jovem Negro Vivo' diante dos dados estarrecedores da juventude brasileira.
Também Carlos Murilo Santos Carvalho volta a falar aqui com outra mensagem:
Setenta e sete por cento dos jovens que morrem são negros, dessa maioria, homens. As ações do auto de resistência têm muito a ver com essa realidade. Enquanto o Legislativo não tomar partido desse tema, nossa juventude ainda estará lidando com essa tragédia.
E, mais, também Carlos Murilo diz:
A Câmara está ultraconservadora. Esperar que os parlamentares discutam esse assunto é uma desilusão imensa. Sendo assim, acredito que o Senado Federal tenha direito de tomar esse debate para a população.
Eu quero agradecer a Carlos Murilo Santos Carvalho, de São Paulo, que não só está acompanhando nossa audiência pública, como participando e enviando sua opinião, que, aliás, é muito coincidente com o que temos ouvido aqui.
Não havendo quórum para que possamos aprovar os requerimentos, convocaremos uma reunião administrativa durante a semana, provavelmente na quarta-feira, para que nós possamos fazer a aprovação dos requerimentos e de outros requerimentos, aprovando, inclusive, nosso cronograma de viagens.
Pude acompanhar uma parte das perguntas feitas por Lindbergh pela Rádio Senado, enquanto vinha para cá, ao Sr. Cláudio Vieira. Creio que uma das tarefas que temos aqui agora, após o depoimento de muitas entidades - Dr. Cláudio e demais expositores - é de tentar estabelecer o desafio dos dados reais, as fontes pesquisadas, para que nós possamos combater as notícias com base em fontes que tenham um mínimo de confiabilidade, como dados oficiais que são apresentados a partir da análise da população encarcerada no País; dados do Mapa da Violência, que também tem suas fontes conhecidas; dados que foram aqui apresentados na semana passada, feitos com base no acompanhamento dos próprios registros da Polícia.
Então, é com esses dados que precisamos contar. Tenho ouvido, nessa discussão da maioridade penal, contestações vindas de secretarias e de secretários de Segurança Pública no Brasil, em diversos Estados, que dizem que os dados divulgados pelo Unicef não correspondem à realidade, porque eles têm os dados reais.
No entanto, os dados com que estamos trabalhando e que estamos divulgando aqui na CPI são dados de fontes oficiais: fontes do Governo Federal trabalhando com o que há de registro dos encarceramentos no Brasil; outros dados vêm de registro dos jovens que cumprem medidas socioeducativas e que, portanto, são fornecidos a partir também daqueles jovens que estão dentro das unidades de cumprimento de medidas socioeducativas e de outras pesquisas.
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Então, o que conhecemos também daquilo que é divulgado pelo Unicef são pesquisas realizadas com fontes de dados conhecidos. Então, nesse debate, que creio ser extremamente importante, nós precisamos unificar as fontes e fazer um relatório oficial da CPI para a imprensa que possa dar os dados reais e oficiais em nosso País.
Eu creio que a nossa audiência hoje dá novas contribuições, porque está aqui oficialmente a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal; está aqui a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, também do Governo; e está aqui também a Secretaria Nacional de Juventude.
É a primeira vez que estamos trazendo os órgãos oficiais do Governo Federal. Até então, nós ouvimos organizações não governamentais, portanto, vindas de organizações da sociedade civil do nosso País; e, agora, ouvimos órgãos do Governo Federal.
E, sem dúvida alguma, nós vamos querer também ouvir a Secretaria, o Ministério da Justiça. Quero ter a oportunidade de ouvir o Ministro ou, mais diretamente, a Secretaria-Executiva do Ministério da Justiça, porque há muitos dados que é muito importante sejam aqui debatidos - inclusive questões já colocadas aqui por diversos dos nossos debatedores, como é o Plano Nacional de Diminuição de Homicídios. A quantas anda? Por que não dá um passo adiante? Por que não se torna uma campanha nacional? Mesmo que saibamos que o impacto imediato será pequeno, mas não é possível caminhar se não for dado o primeiro passo.
Então, nós pretendemos avançar buscando ouvir o Governo Federal, com a sua responsabilidade, digamos assim, nesta discussão sobre a violência e sobre a segurança pública em nosso País, assim como pretendemos debater o modelo de segurança pública do País, porque diversos depoimentos demonstram que há muita responsabilidade na violência pelo modelo de segurança pública que temos. Há um debate no Congresso Nacional, há diversas PECs, inclusive a PEC do Senador Lindbergh Farias a respeito da reorganização das polícias no Brasil, e tudo isso é fundamental que possa passar por esta CPI.
Quero agradecer a presença de todos vocês e as contribuições que foram dadas até então e dizer que, se o Relator não tiver nada a acrescentar...
Vou passar a palavra ao Relator e, logo depois, encerrar a nossa audiência de hoje.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Quero agradecer ao Dr. Cláudio Vieira, representando a Secretaria de Direitos Humanos; à Larissa Borges, que representa aqui a SEPPIR; ao Walmyr Júnior, que é do Rio de Janeiro, Senadora Lídice, e representa a Secretaria Nacional de Juventude. Walmyr teve a oportunidade de falar quando da vinda do Papa aqui e foi o representante da juventude que falou diretamente ao Papa. Sabe, Walmyr, isso é uma coisa interessante que o marcou, mas é que esse Papa tem surpreendido tanto a gente positivamente, em defesa de belas causas, em defesa dos direitos humanos.
Mas eu queria aqui, rapidamente, Senadora Lídice, falar da importância destes próximos 15 dias. Não é o centro desta nossa CPI - o centro da nossa CPI é apurar o extermínio da juventude, em especial da juventude negra -, mas nós estamos aqui às vésperas de votar a redução da maioridade penal na Câmara e no Senado Federal.
Então, essa juventude - o termo é este mesmo - está sendo exterminada. Falava-se da situação do Rio de Janeiro. É uma juventude que está sendo exterminada pelo tráfico, pela milícia, pela polícia. E há um grau de encarceramento em massa neste País, que está em um caminho... Nós somos já a terceira maior população carcerária do mundo; passamos a Rússia.
E aqui há alguns debates - eu só queria deixar para reflexão depois - que nós temos de aprofundar também, porque estão corretos, tanto a Larissa quanto o Walmyr, quando falam da estigmatização do jovem negro.
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Vemos aí a quantidade de pessoas que são presas por tráfico de drogas, tanto entre adolescentes - primeiro, patrimônio; segundo, tráfico de drogas; e, terceiro, homicídio - como entre a população adulta, em que é a mesma coisa: a proporção também é essa. E, aqui, existe uma estigmatização muito forte, porque o jovem negro que mora na periferia às vezes é autuado como traficante; às vezes, um jovem de classe média alta, em outra região mais rica das cidades, é tratado de outra forma.
E aqui é onde eu acho que a gente precisa ter coragem de depois entrar em um tema de que tenho falado sempre: a necessidade de se mudar essa lógica de política de guerra às drogas, colocando, no centro da política de segurança, a guerra às drogas. A gente tem visto que tem morrido muita gente inocente; pequenos varejistas são substituídos no outro dia; têm morrido muitos policiais - 490 policiais em 2013 não é pouca coisa. Têm sido gastos bilhões e bilhões num sistema irracional e que fracassou no mundo inteiro.
E há mais outra coisa: quando eu falo da crítica à política de guerra às drogas como um todo, nós temos de olhar que ela se expressa no território de forma diferente.
E também, da mesma forma, cito novamente o Rio de Janeiro: lá no Rio de Janeiro, não há uma política tão ostensiva de guerra às drogas em Ipanema; ninguém entra armado em Ipanema, fazendo uma operação como aquela ali. Quando se prende traficante ali, é quando se faz um trabalho de inteligência, de investigação.
Infelizmente, essa não é a realidade das regiões da periferia, das favelas do Rio de Janeiro. E, quando eu estou falando Rio de Janeiro, eu estou falando do Brasil, mas é que eu conheço mais, conheço bem a realidade do Rio de Janeiro, onde ocorre a situação em que se entra atirando para tudo que é lado com os nossos... - ajude-me, Walmyr!
O SR. WALMYR JÚNIOR - Com o Caveirão do Bope.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - ... com os blindados, com o Caveirão do Bope.
Então, acho que essa realidade sobre guerra às drogas, vocês do Governo - eu sei que não é um tema simples - tem que também começar a entrar nesse debate.
E, por fim, vou falar também, porque já se falou da desmilitarização. Eu acho que temos de defender o fim dos autos de resistência, mas também pensar em outra segurança pública. Temos que discutir reforma da polícia, mais policiamento de proximidade, mais policiamento comunitário, e entender que desmilitarizar não é ter uma polícia fraca - a Swat norte-americana é uma polícia civil; não é uma polícia militarizada.
A gente tem que reformar a estrutura da polícia, para que ela tenha outra forma de abordagem. E falo isso também, porque nós temos lá no Rio as UPPs, mas, em algumas regiões, a forma como está sendo implementada a ação truculenta da polícia não lembra em nada, nem de perto, o policiamento comunitário, o policiamento de proximidade. Parecem mais forças de repressão aos pobres naquelas regiões, naquelas favelas que estão ali ocupadas.
E acho que não é só isso. É uma discussão mais profunda do sistema de segurança também, quando eu falo do ciclo completo, porque só acontece no Brasil essa história de a gente ter uma polícia, que é a Polícia Militar - isso é uma jabuticaba nossa. A Polícia Militar faz o trabalho de prevenção, o policiamento ostensivo, e outra polícia, a Polícia Civil, faz um trabalho de investigação, e as duas não se gostam, as duas não trabalham de forma harmônica.
E outro ponto é a carreira única também, para a gente possibilitar a progressão: que um agente da Polícia Federal possa transformar-se em delegado; que um agente da Polícia Civil possa..., porque as polícias não se falam, a Polícia Civil e a Polícia Militar. E tem mais: elas estão completamente divididas internamente. Existem os agentes da Polícia Civil contra os delegados.
Então, temos que ir a fundo. Acho que é preciso ter coragem, para colocar o dedo nessa ferida e ver que, em resolução de homicídios no País, temos o número inferior a 8% - isso é uma vergonha!
E o que vemos no País, Senadora Lídice - já estou falando muito para encerrar -, é o extermínio da juventude. É uma loucura completa falarmos em 56 mil homicídios como um todo por ano, e, desses, mais de 30 mil sendo nossos jovens.
Eu espero que a gente consiga resistir a esta onda conservadora aqui.
E eu fico muito feliz, Senadora Lídice, de dizer que, no dia de ontem, o Rio de Janeiro foi palco de uma grande manifestação que juntou em alguns momentos mais de 10 mil pessoas no Amanhecer contra a Redução da Maioridade Penal, com artistas e com uma coisa vibrante.
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Isso me leva a acreditar seja possível fazer, como no Uruguai, onde se começou o debate sobre a redução da maioridade penal, e era amplamente majoritário o sentimento da sociedade em relação à redução da maioridade penal. Mas, depois de uma campanha muito benfeita, houve uma reversão, e não foi aprovada a redução da maioridade penal.
Eu acho que aqui é uma tarefa nossa, mas é também uma tarefa da sociedade, dessa juventude, que se está organizando. A juventude estava fora do processo político - eu vejo isso no Rio de Janeiro -, mas está-se organizando para resistir a essa redução da maioridade penal.
Desculpe pelo tempo, Senadora Lídice. Acabei...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - De jeito nenhum. V. Exª tem todo o direito de falar e relatar.
Quero concordar com sua fala sobre a guerra às drogas, o quanto elas têm trazido a violência à tona no nosso País, e nós não conseguimos medir a sua eficácia.
Hoje, visitei uma escola estadual no interior da Bahia, próxima a Salvador, na terra dos meus pais, com o governador, que, em toda viagem que faz, visita uma escola pública estadual - e eu acho isso muitíssimo importante. Quando entramos no banheiro masculino, estava lá anunciado na parede um grito do território de um grupo de tráfico.
Apesar de tudo isso, de toda essa violência, o tráfico está entrando nas escolas públicas de segundo grau para disputar o jovem com o Estado, com a sociedade. Por isso mesmo, ela precisa ser revista com força, com profundidade, com discussão com especialistas, sem paixão; apenas com a paixão pela vida.
Eu quero ler a última mensagem que nós recebemos aqui, no Alô Senado, com a participação do cidadão Américo França, do Rio de Janeiro, com relação à CPI de Assassinatos de Jovens:
Penso que 'Todo poder emana do povo'. Sendo assim, por que não criar referendo sobre o assunto? Ora, do meu ponto de vista, o ECA nasceu morto. Criança e adolescente não devem ser comparados a bandidos. Até quando suportaremos tanta violência?
Muito obrigado por sua participação, Américo França e Carlos Murilo, que deram sua contribuição ao nosso debate de hoje.
Quero agradecer novamente a cada um de vocês que, com seu depoimento, ajuda o Senado a divulgar essa realidade para o Brasil, através da TV Senado, da Rádio Senado do Portal do Senado, e ajuda também, em especial, o Senador Lindbergh Farias a organizar o seu relatório, para que possamos avançar nesse debate.
Então, mais uma vez, muito obrigada.
Não havendo mais nenhum assunto a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 19 horas e 49 minutos, a reunião é encerrada às 21 horas e 49 minutos.)