29/06/2015 - 45ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Bom dia a todos e a todas.
Declaro aberta a 45ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participação Legislativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 28, de 2015, da Comissão de Direitos Humanos, de autoria do Senador Paulo Paim e também de minha autoria, para discutir a situação da menina Amy Galvin, filha da brasileira Karla Janine Martins de Albuquerque, residente na Flórida, Estados Unidos, que está reivindicando a guarda da criança com o americano Patrick Joseph Galvin.
Esta audiência será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tiverem interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, pelo número 0800 612211.
Bem, eu gostaria de iniciar convidando para comporem a Mesa, em primeiro lugar, a Drª Kátia Albuquerque, advogada, e a avó da criança Amy Galvin.
Eu também gostaria de convidar para compor a Mesa o Coordenador Geral da Autoridade Central Administrativa Federal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, George Lima (Pausa.)
Convido também a Ministra Luiza Lopes da Silva, do Ministério das Relações Exteriores. (Pausa.)
Convido o Sr. Fabrício Bittencourt da Cruz, Juiz Federal e Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). (Pausa.)
Convidamos também o Sr. Arnaldo José Alves da Silveira, representante da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça. (Pausa.)
E, por último, convidamos o representante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. (Pausa.)
Na verdade, a realização desta audiência pública tem por objetivo ampliar o conhecimento da população brasileira sobre um caso que tem preocupado todos aqueles que militam nessa área dos direitos da criança e do adolescente, na área dos direitos humanos, e que tem gerado uma grande angústia na população de Pernambuco, porque se trata de uma família daquele Estado.
Nós já tivemos oportunidade de participar de algumas gestões no sentido de encontrar uma solução para esse caso. A família, especialmente a Drª Kátia Albuquerque tem sido uma lutadora incansável pelo direito de sua filha, Karla, reaver a guarda da filha dela, a Amy.
Eu pude acompanhá-la numa visita ao Ministro das Relações Exteriores ainda no ano de 2014, e ela, recentemente, teve uma audiência na Justiça americana sobre esse caso.
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Trata-se de discutir a situação da menina Amy, filha de Karla Janine Martins de Albuquerque, que, por sua vez, é filha da Drª Kátia Albuquerque. Karla Janine, que é residente no Texas, fugiu com sua filha menor, ainda no ano passado, alegando que estava fugindo de agressões perpetradas pelo marido e pai da criança, o cidadão americano Patrick Joseph Galvin.
O Consulado brasileiro em Houston foi mobilizado e procurou dar apoio à família nesse episódio, inclusive garantindo o registro de nascimento como brasileira à criança, e também tem procurado fazer um acompanhamento.
Tem dito, e aqui nós vamos ouvir a representação do Ministério das Relações Exteriores, das limitações das ações diplomáticas, porque, em verdade, se trata de um processo que está na Justiça americana.
A família da jovem alega que o Sr. Patrick Joseph é denunciado em uma lista de supostos abusadores sexuais e que, com isso, a jovem Amy estaria em uma situação de risco, de insegurança, o que reforça a defesa da família de que a guarda possa retornar à mãe dela, à família materna.
Então, sem mais delongas, vamos passar a palavra à Drª Kátia, para que ela possa fazer uma narrativa inclusive mais completa daquilo a que eu estou me referindo nesse momento, e também de que maneira ela entende que o Senado Federal, as autoridades federais brasileiras, os movimentos de direitos humanos podem ajudá-la a encontrar uma solução que seja positiva para a criança e para sua família.
Tem a palavra a Drª Kátia, por 10 minutos inicialmente, mas fique à vontade para usar o tempo que for necessário para esses esclarecimentos.
A SRª KÁTIA ALBUQUERQUE - Bom dia a todas as autoridades presentes e a todos os demais que estão aqui.
De antemão, eu quero dizer que não sou afeita a falar em público, embora seja advogada, mas as minhas atuações eram em audiências.
Eu quero agradecer a presença de todos. Quero agradecer também aos esforços e todos os empenhos que foram encetados até hoje em favor da Amy, que é a primeira e única causa de estarmos aqui agora, eu principalmente.
Por favor, também levem em consideração que estamos nesta luta não é de hoje, não é do ano passado, mas desde 2007. No dia 8 de novembro de 2007, estivemos em busca da cidadania brasileira da Amy, em Miami, e, naquela ocasião não nos possível, não nos foi oportunizada em razão de questões de documentos.
Amy nasceu em Miami. Durante a gravidez, Amy não teve o apoio desse biológico genitor e só veio a ter contato com ele após uma decisão judicial em que ele conseguiu visitas não supervisionadas, embora ele seja, não é suposto, ele é um sexual offender, registrado da Flórida, portanto está, para quem interessar, no Google, basta colocar o nome, o registro dele como tal.
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Em 2010, quando Amy esteve em visitas não supervisionadas com esse senhor, ela apresentou queixas, ela apresentou comportamentos que dizem de uma criança abusada. Ela teve acompanhamento psicológico na época, por uma cidadã americana, mas também uma cidadã brasileira, a Drª Karina Lapa, que é pernambucana e que foi encontrada por meio de uma reportagem em que se apresentou como uma pessoa atuante nesses feitos, em termos psicológicos.
Então, tão logo tivemos conhecimento, foram procuradas todas as autoridades. Inclusive há um documento que fala do acontecido, como também há sem respostas, porque nenhuma das nossas indagações e em nenhuma das nossas batalhas junto à Justiça tivemos êxito. Uma roupa foi enviada para perícia, roupa da criança, e até não foi feita essa perícia, nem nos foi dada resposta alguma.
Logo após esses acontecimentos, esses fatos, as visitas passaram a ser supervisionadas a esse senhor, para, em seguida, ele novamente ter as visitas não supervisionadas: ele podia levar a criança no meio da semana e em todos os finais de semana.
Nessa ocasião, para proteger a filha, salvaguardar os direitos da criança, ela se ausentou sem autorização judicial, o que era exigido para que ela se ausentasse do Estado da Flórida. Ela se ausentou da Flórida e foi para o Texas, onde permaneceu na cidade de Brownsville de 2011 até 2014, quando foi encontrada, presa, e a filha entregue ao Estado do Texas, em janeiro de 2014. No dia 3 de abril de 2014, ela foi entregue, desta vez, com a guarda exclusiva ao genitor biológico, que levou a criança para a Flórida. Nessa ocasião, Karla já estava livre e também retornou à Flórida para continuar em busca de justiça.
Quero esclarecer que, quando esteve na cidade de Brownsville, no Texas, Karla esteve todo o tempo trabalhando - inclusive trabalhou no aeroporto, em contato com o público. Ela não esteve em algum lugar escondida; ela tinha uma vida social intensa, frequentando igrejas e todos os ambientes sociais, tendo o apoio de uma família que conheceu ao chegar ao Texas. Essa família apresentou-a todas as principais autoridades da cidade, inclusive policiais. Karla apresentou toda sua documentação, e essas autoridades a acolheram e ampararam; e não reportaram... Se alguém haveria de ser penalizado, então, seriam as autoridades da cidade, que sabiam... Ela teve assistência médica e assistência psicológica nessa cidade - não só a mãe, como a filha também. Acrescento que a mãe esteve também sob atendimento psicológico quando estava na Flórida, quando esteve no Texas. Agora, na Flórida, ela continua tendo.
Então, eu gostaria de solicitar, pedir, clamar e conclamar a todas as autoridades aqui presentes, afora todas as outras com quem estivemos em contato... Acredito que só faltou irmos ao Papa, e, se preciso for, nós iremos, porque a autoridades eclesiásticas da Igreja Católica nós fomos em Pernambuco. Eu estive com a autoridade maior lá. Com autoridades religiosas e outras denominações evangélicas, porque sou de uma linha ecumênica, mas a Karla e a Amy são evangélicas; Amy era uma criança que louvava na igreja.
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Nós conclamamos a todos que possam ajudar de todas as formas possíveis, não aguardando, como foi dito por alguém em algum momento muito infeliz, que haja um fato novo - o que se dizia e o que se presume ser um novo abuso.
Nós sabemos que, após um ano em mãos desse biológico genitor, ela provavelmente está sendo de novo alvo, porque não há cura, não há ressocialização para uma pessoa que tem um perfil de pedófilo. Eu não acredito em cura, eu não acredito em ressocialização porque não vi nenhum caso que assim o seja.
Esse cidadão se encontra... Ele é um cityzen e assim é que ele está sendo tratado. Ele é filho de um policial aposentado, e Karla é uma brasileira pobre, mas digna.
O crime ou o suposto crime que ela poderia ter cometido seria a salvaguarda do direito da filha, o que ela vai continuar fazendo. Ela não pode se ausentar da Flórida porque está sob condicional. Ela não virá para o Brasil, porque, mesmo que quisesse, eu não aceitaria.
(Soa a campainha.)
A SRª KÁTIA ALBUQUERQUE - Eu estou aqui para isso. Amy precisa da nossa ajuda. Nós continuaremos clamando, lutando, pedindo, implorando, reclamando. Nós faríamos tudo de novo, e faremos muito mais, se for preciso.
Era isso o que eu tinha a dizer. E sou grata a todos, de antemão, por qualquer ato que venha em favor da Amy.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Obrigado à Drª Kátia Albuquerque, avó de Amy Galvin.
Nós agora vamos ouvir o Dr. George Lima, que é Coordenador-Geral da Autoridade Central Administrativa Federal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O SR. GEORGE LIMA - Muito bom dia a todos e a todas! Eu quero agradecer o convite do Senador Humberto Costa para que nós estivéssemos aqui nesta audiência pública. Quero cumprimentar as demais pessoas que integram esta Mesa, a Srª Kátia Albuquerque, o Dr. Fabrício, o Dr. Arnaldo, a Ministra Luiza do Ministério de Relações Exteriores.
Excelência, eu vou fazer uma breve explicação sobre o papel da Autoridade Central Administrativa Federal, que é um órgão da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e que atua em casos muito semelhantes ao que foi descrito agora pela Drª Kátia.
A Autoridade Central é um órgão que foi designado por um decreto da Presidência da República para atuar em casos de subtração internacional de crianças.
A subtração internacional de crianças está prevista na Convenção de Haia de 1980 sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. Esta Convenção hoje é ratificada por 93 países. Ela foi assinada em 1980, mas passaram-se 20 anos até a sua conclusão.
Esta Convenção trata sobre subtração internacional de crianças, e essa subtração ocorre quando uma criança é deslocada ilicitamente de um país em que ela detinha residência habitual para um outro país.
E por que os países concordaram que esse fato, esse ato de levar uma criança do seu país de residência habitual para outro deveria ser um ato ilícito? Isso porque a Comunidade Internacional concorda, e os termos do tratado trazem nesse sentido, que o juiz que deve julgar todas as questões relacionadas à guarda da criança é o juiz da residência habitual da criança.
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No âmbito da proteção dos direitos da criança, temos: por que é o juiz da residência habitual o competente para julgar as questões da guarda? Porque é esse juiz, que está na residência, no local de residência da criança, que está próximo do contexto em que vive a criança: da escola, dos amigos, da comunidade, dos médicos, do psicólogo. São diversos atores em torno da criança que podem contribuir para a definição da guarda, de quem deve ficar com a guarda da criança quando esse é o litígio.
A Convenção estabelece que, quando a criança é retirada de um local, da sua residência habitual, e levada para outro país, há então a subtração internacional de crianças, e os países precisam cooperar para a devolução, o retorno dessa criança para o seu país de residência habitual.
Este é o trabalho que nós realizamos hoje: o de cooperar com os demais países, tanto para o retorno das crianças trazidas ilicitamente para o Brasil como também para trazer de volta ao Brasil crianças levadas ilicitamente daqui.
Hoje, só para se ter uma ideia, em termos de números, há mais ou menos 395 casos de subtração internacional em trâmite na Autoridade Central Administrativa Federal. Desses 395 casos, eu não tenho o número exato aqui, mas em torno de 30% são de crianças levadas do Brasil para o exterior ilicitamente; os outros 70% são de crianças trazidas ilicitamente para o Brasil. Muitos desses casos também se relacionam com o direito de visitas, que é um dos artigos da Convenção, mas eu não vou me deter nesse tema, vou focar na questão da subtração.
Quando os países cooperam pelo retorno da criança, cooperam no sentido de que a criança deve ser retornada para o seu país de residência habitual para que lá o juiz competente possa tomar as decisões sobre a questão da guarda.
Então, vejam, hoje, desses 395 casos, mais ou menos, eu posso afirmar com bastante segurança que 90% dos casos, talvez um pouquinho menos, de subtração envolvem casamentos entre brasileiros e estrangeiros. É um contexto dentro da migração brasileira, basicamente de brasileiros e brasileiras que deixam o Brasil para viver no exterior e que se relacionam com estrangeiros. Em determinado momento da vida, o casamento acaba se deteriorando e a parte brasileira decide voltar para o Brasil com a criança, muitas vezes em violação ao direito da guarda do outro genitor, que permanece no exterior. Esses são os casos que nós temos hoje. É um caso que se assemelha e muito àquele de que estamos tratando aqui, da Amy Galvin. Neste caso, há uma situação em que o pai é americano e a mãe é brasileira, e a criança tem dupla nacionalidade. Mas é importante esclarecer que este caso específico não se enquadraria, pelo menos em princípio, na Convenção da Haia de 1980, porque não houve a transferência do país de residência habitual para outro país, que é o que faria enquadrar no art. 3º da Convenção.
Nós temos aqui um caso, como já foi dito tanto pela Drª Kátia como pelo Senador Presidente desta Comissão, em que a residência da criança era no Estado da Flórida. Em sendo o Estado da Flórida o estado de residência habitual da criança, o juízo competente para julgar as questões da guarda é o juiz do Estado da Flórida. Isso à luz da Convenção da Haia. Entretanto, isso não quer dizer que as autoridades brasileiras não possam atuar no caso. O fato de não se aplicar a Convenção da Haia neste caso específico não quer dizer que as autoridades brasileiras não tenham autonomia e competência para atuar no caso. Acontece que a autonomia e o mandato que as autoridades brasileiras têm para atuar no caso são limitados porque é outra jurisdição.
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O entendimento da Autoridade Central é de que o principal para que o caso seja solucionado, a melhor saída talvez seria haver uma cooperação direta entre as autoridades brasileiras e as autoridades americanas, porque nós precisamos conhecer a situação atual da criança, que já está há algum tempo com o genitor, isso é importante saber: em que situação ela se encontra, se os direitos dela estão sendo garantidos; isso é primordial e urgente, é o primeiro passo. E o segundo é que haja cooperação das autoridades brasileiras de forma direta com as autoridades americanas.
O que é importante que nós tenhamos em mente é que, por ser uma jurisdição diferente, qualquer cooperação que o Brasil possa ter com as autoridades americanas não poderá incidir diretamente na decisão que será tomada pelo juízo competente, porque é uma jurisdição estrangeira. Nós estamos tratando aqui da soberania de outro país. O Brasil é um País soberano, nós temos juízes brasileiros - e, depois, eu imagino, o Dr. Fabrício deva colocar essas questões também em nome do CNJ -, mas a jurisdição brasileira também é soberana e nenhum outro país poderá incidir diretamente sobre as decisões que são tomadas no exercício da jurisdição pelos magistrados brasileiros. É claro que apesar desse contexto de soberania entre os Estados, em que os Estados Unidos da América são um país soberano e o Brasil é um país soberano, e, dentro dos princípios das relações internacionais não possa haver intervenção de um país com outro, não quer dizer que nós devamos ficar inertes em relação à situação da criança.
Portanto, não sendo cabível a cooperação no âmbito da Convenção da Haia.
(Soa a campainha.)
O SR. GEORGE LIMA - Portanto, não sendo cabível a cooperação no âmbito da Convenção da Haia - eu já estou concluindo, Presidente -, não sendo o caso da aplicação da Convenção da Haia nessa situação em específico, eu imagino que o ideal seria uma cooperação direta.
Nós temos outros casos em que nós conseguimos atuar nesse sentido, e eu vou dar um exemplo para ilustrar. Nós temos situações de crianças brasileiras que foram adotadas para outros países, e também para os Estados Unidos, em que os pais adotivos não seguiram o rito da adoção internacional. E o fato de esses pais brasileiros, brasileiros e americanos, nós temos situações nas duas vertentes, nas duas modalidades, nessa situação em que não se segue o rito correto da adoção internacional, porque a criança está indo morar em outro país, mais para frente essa criança enfrenta um problema para permanecer nos Estados Unidos, por exemplo, onde há regras muito rígidas no âmbito da imigração.
E o que nós fizemos nessa situação? Nós, da Autoridade Central, cuidamos também de uma convenção, que é a Convenção da Haia de 1993, sobre a adoção internacional. E, como o rito não seguiu no caminho da adoção internacional, a criança corria o risco, por exemplo, de ser deportada para o Brasil, porque era uma cidadã brasileira, não tinha cidadania americana e a situação era irregular porque não se seguiu o rito da adoção internacional. O que nós fizemos foi cooperar com as autoridades, mas aí diretamente, conversando com as autoridades americanas tanto do USCIS, que é um órgão americano do Departament of Homeland Security, que significa da segurança interna dos Estados Unidos e que cuida das questões migratórias, para que todo o rito que deveria ter sido cumprido fosse esclarecido. Então, nós conseguimos dizer que a adoção foi concluída no Brasil; ela é irrevogável; os pais biológicos ou concordaram com a adoção ou tiveram o poder parental terminado. Portanto, todos os ritos, todas as questões que eram suscitadas pelas autoridades americanas foram cumpridas, mesmo o rito inicial não tendo sido cumprido, e nós conseguimos que a criança permanecesse nos Estados Unidos com os pais. Não houve, na verdade, dolo no processo de adoção, apenas o rito escolhido é que não deveria ter sido daquela forma.
Nesses casos - não foi apenas um, foram alguns, porque é comum que haja certa confusão no processo, é um processo realmente muito complexo -, nós conseguimos solucionar o problema, e nós não infringimos na soberania dos Estados Unidos e nem os americanos incidiram na soberania brasileira.
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Em suma, o que eu quero dizer é que, em que pese nós não podermos incidir diretamente na decisão americana, é importante que as autoridades possam cooperar, para que a gente possa garantir o direito dessa criança de estar num ambiente livre de qualquer tipo de violência - isso é extremamente importante - e, principalmente, que ela tenha acesso à sua mãe e também ao seu pai, se a autoridade judiciária considerar que isso atende ao seu melhor interesse, desde que, como eu já comentei, mas gostaria de ressaltar, essa criança seja inserida num ambiente totalmente livre de violência.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Agradeço, aqui, ao Dr. George Lima, que representa a Autoridade Central Administrativa Federal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Eu gostaria de passar a palavra, agora, à Ministra Luiza Lopes da Silva, do Ministério das Relações Exteriores.
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Obrigada.
Exmo Senador Humberto Costa, Srª Kátia Albuquerque e demais membros da Mesa, eu gostaria de, em primeiro lugar, manifestar a solidariedade do Itamaraty para com o drama que vem sendo vivido pela família Albuquerque. Nós somos muito sensíveis às dificuldades enfrentadas pelos nossos brasileiros no exterior.
Dito isso, eu preciso, com toda franqueza, dizer que casos dessa natureza, que envolvem a guarda e a subtração de menores de nacionalidade brasileira no exterior, são dos maiores desafios enfrentados pela assistência consular brasileira, porque, como bem disse o nosso colega George Lima, nós temos limitações muito claras à nossa atuação em situações que envolvem disputa judicial e subtração de menores no exterior. A nossa competência é extremamente limitada. Isso não quer dizer, exatamente como disse o George, que nós nos abstenhamos de intervir. Não. Nós costumamos intervir nos casos, mas a verdade é a seguinte: o que quer que nós possamos fazer, o que quer que a nossa rede consular possa fazer não atende às expectativas dos genitores brasileiros, que se sentem vitimados nessas situações.
O que eles querem, lógico, é o retorno da criança, de preferência a guarda integral e o direito de trazer para o Brasil, e isso nós não temos condição de garantir. Nós podemos prestar assistência, fazer visitas, acompanhar as audiências, verificar a situação pessoal e jurídica. É um apoio que nós damos, mas nós não conseguimos resolver a situação, nós não conseguimos interferir na decisão dos judiciários norte-americano, alemão, sueco, suíço, norueguês - eu estou citando países em que nós temos casos dessa natureza. É frustrante para os genitores brasileiros e é frustrante para nós também, porque as expectativas em cima dos órgãos do Governo brasileiro e do Itamaraty, da nossa assistência consular, não são realistas. Espera-se que nós tenhamos uma atuação que extrapola nossa competência e isso, para nós, é muito frustrante.
Então, no caso da Amy Galvin, nós temos procurado prestar toda assistência possível e está muito aquém do desejo da família, nós sabemos disso. Nós não temos condição de garantir que o judiciário e as autoridades americanas constatem que houve abuso sexual por parte do pai biológico, uma vez que, após várias investigações, as autoridades americanas não encontraram nenhuma prova.
Então, esse é o principal argumento da Karla Janine - de que ela retirou a menor para deixá-la livre do genitor americano, por questões de abuso -, mas as autoridades americanas, a quem cabe fazer essa investigação e chegar a alguma constatação, não chegaram a essa conclusão. Então, o principal argumento caiu por terra e todo o caso... Correu o seu processo normal, no judiciário e junto às autoridades americanas competentes, de outra forma. Ele correu verificando um caso de subtração não internacional, porém doméstica, de uma menor, que foi retirada da possibilidade de convívio do pai.
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É assim que as autoridades americanas vêm o caso, foi assim que o caso da Karla foi tratado pelas autoridades americanas. E nós não conseguimos. Nós adoraríamos poder intervir, poder ter uma atuação decisiva, claro, adoraríamos, mas não podemos ter. Então, o que fazemos é paliativo, é acompanhar, é prestar apoio. Sentimos que a Karla se afastou do Consulado, em Miami, do nosso assessor jurídico, quando viu que, por mais que pudéssemos fazer, não teríamos como garantir a decisão que ela deseja. Isso não impede que continuemos acompanhando o caso.
Devo dizer que o parecer do nosso assessor jurídico na Flórida não é o que todos gostaríamos de ouvir. O parecer dele é que as perspectivas são as seguintes: a Karla deveria, segundo nosso assessor jurídico, buscar reconquistar a confiança da corte americana, para, com o tempo, obter direito de visita sem supervisão. Hoje, ela tem direito de visita supervisionada, o que sabemos ser extremamente constrangedor para uma mãe visitar seu filho, seus filhos, com assistente social estrangeiro observando, criticando, tomando notas, pois se perde toda a liberdade, toda a espontaneidade. São visitas bastante difíceis para os pais. Já ouvimos vários relatos. Mas essas são as regras norte-americanas.
Então, uma vez conquistada a guarda, a médio prazo, haveria a possibilidade de a Karla pleitear judicialmente, junto às autoridades americanas, a guarda compartilhada da Amy. Essa é a perspectiva a médio prazo e, segundo o nosso assessor jurídico, esse é o cenário possível. A menos que surja um fato novo com relação ao pai biológico, não vemos outra alternativa. Não conseguimos interferir, já tentamos, dentro das nossas limitações, mas sabemos muito bem como isso é mal aceito.
Eu gostaria de dizer que, segundo o assessor jurídico, o caso tem sido encaminhado de forma correta pelas autoridades americanas. Nós temos certeza de que qualquer intervenção política por parte do Governo brasileiro, além de contrária ao Direito Internacional, poderia ser infrutífera, inclusive poderia ser contraproducente, mostrando uma tentativa irrealista do Governo brasileiro de intervir num caso sobre o qual não temos elementos que nos embasem para fazer um protesto.
Dito isso, esse é o caso da Amy Galvin. Pensando grande, acabamos de realizar, na semana passada, a primeira conferência sobre questões de gênero na imigração brasileira, inclusive tivemos a participação da Autoridade Central, do Ministério da Justiça, da Secretaria de Política para as Mulheres, Secretaria de Direitos Humanos, Defensoria Pública, Advocacia-Geral da União. Um dos temas dessa conferência que reuniu 30 lideranças brasileiras no exterior foi questão de subtração de menores e guarda no exterior. Houve um consenso geral, inclusive houve representantes de países onde temos casos graves, como países escandinavos, Alemanha, Estados Unidos. Esse problema de guarda, em casos de casamentos mistos desfeitos, e desfeitos com uma grande dose de tensão e beligerância por parte de ambos, nós sabemos que, quando um divórcio é amistoso, o problema da guarda é resolvido de outra forma, é um problema muito comum na nossa comunidade no exterior. Está no nosso horizonte, e a nossa rede consular em países, sobretudo na Europa Ocidental e Estados Unidos, vivencia muito frequentemente.
O que nos propusemos a fazer, já não sobre casos específicos, mas pensando no geral, é um esforço muito grande para fazer campanhas de esclarecimento junto a nossa comunidade brasileira sobre o que é a Convenção da Haia. O que acontece se alguém subtrair um menor e trouxer para o Brasil. Não é o caso da Amy, mas é o caso de dezenas de outros, como o George mencionou.
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Há uma expectativa de que trazendo um menor de nacionalidade brasileira para o Brasil, as autoridades brasileiras darão refúgio, abrigo, proteção e não mandarão de volta. É uma expectativa de que aqui seja o porto seguro desse menor brasileiro.
O George explicou muito bem que não é assim que funciona a Convenção da Haia. A Convenção da Haia não leva em conta a nacionalidade do menor.
(Soa a campainha.)
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Estou concluindo.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE. Fora do microfone.) - Essa campainha, passados nove minutos, necessariamente ela toca. Mas V. Exª ainda tem tempo.
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Obrigada.
Então, se o país de residência de um menor brasileiro é na Suécia, ele será devolvido para a Suécia, como acabamos de ter um caso mês atrás de devolução para a Suécia. Então é assim que funciona.
A expectativa dos genitores brasileiros se baseia no desconhecimento dos meandros dessa Convenção e da prática da nossa atuação.
Então, nós nos dispusemos - e vamos começar esse trabalho nessa semana, já temos a primeira reunião de segmento marcada para quinta-feira - a fazer primeiro o material didático e muito claro sobre o que o Governo brasileiro pode e não pode fazer, para que as famílias sejam vítimas de casos como a Convenção da Haia e também o caso da Amy, que, embora, não envolva a Convenção da Haia na falta de uma subtração internacional, terá dificuldades e procedimentos muito semelhantes, para que elas saibam qual o caminho a não ser seguido. Que recursos serão desperdiçados buscando caminhos que não são viáveis e quais são os caminhos viáveis. Infelizmente, essa é a realidade. Nós gostaríamos de aqui ter uma palavra de maior conforto, de fazer uma promessa, mas seria, eu devo dizer, leviana, fazermos qualquer promessa de que o Governo brasileiro vai intervir e vai conseguir reaver a guarda da criança. Não vai, infelizmente.
O que nós podemos fazer aqui é manifestar a nossa total disposição de acompanhar Família Albuquerque ao longo de todas as dificuldades. Caso a Karla queira se reaproximar do Consulado em Miami, nosso Consulado está absolutamente à disposição, nosso assessor jurídico, mas dentro de todas as limitações mencionadas.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Agradeço à Ministra Luiza Lopes da Silva, que aqui falou em nome do Ministério das Relações Exteriores.
De imediato, convido o Juiz Federal Fabrício Bittencourt da Cruz, Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça, para que possa discorrer sobre o tema também.
O SR. FABRÍCIO BITTENCOURT DA CRUZ - Exmo Senador Humberto Costa; Srª Kátia Albuquerque; Sr. George Lima, Coordenador Geral da Autoridade Central Administrativa Federal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Ministra Luiza Lopes da Silva, do Ministério das Relações Exteriores; Sr. Arnaldo José Alves Silveira, representante da Secretaria Nacional da Justiça do Ministério Justiça; senhoras e senhores, bom dia a todos.
Ao tempo em que agradeço a oportunidade de estar aqui nesta Mesa, eu diria que a minha fala terá duas vertentes: uma, institucional, na qualidade de representante de Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça; e a outra, na qualidade de Juiz Federal e, naturalmente, o destinatário das demandas que envolvem a aplicação da Convenção da Haia sobre o sequestro ou subtração internacional de criança.
E nessa minha segunda fala, eu a direciono especialmente à Srª Kátia, com o objetivo de transmitir um pouco da nossa experiência e daquilo que nós vislumbramos que possa, em tese, ser possível.
Em termos institucionais, e aqui falando na qualidade de Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça, assim como o Sr. George o fez, eu explico um pouco sobre o papel do Conselho Nacional de Justiça, especialmente nessa questão que envolve a aplicação da Haia.
O CNJ, neste ano, celebrando os dez anos de existência, é uma instituição administrativa que, ao lado, a par das funções correcionais que todos nós conhecemos, o CNJ também tem duas funções: uma, delas a estratégica, e outra, de planejamento no Poder Judiciário.
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Na linha de planejamento estratégico, o CNJ dispõe, por Regimento Interno, da possibilidade de estabelecer normativas, que nós chamamos de resoluções, direcionadas especialmente aos magistrados brasileiros. E, na linha das resoluções, o próprio CNJ tem seus limites quando o assunto é a independência do magistrado, porque o pano de fundo nada mais é do que a independência do próprio Poder Judiciário.
Então, para nós, no Conselho Nacional de Justiça, se, por um lado, pode-se normatizar, regulamentar, indicar caminhos a serem seguidos por magistrados, no País, por outro, o CNJ tem seus limites com relação àquilo que nós chamamos de atividade eminentemente jurisdicional, forte na independência do Judiciário. Isso porque - todos nós aqui sabemos - sem um Judiciário independente, sem um Judiciário forte, dificilmente consigamos a manutenção, a longo prazo, do Estado democrático de direito. E nessa linha, também faz sentido para nós respeitarmos a independência de um Poder Judiciário estrangeiro.
Essa é a minha fala introdutória com relação à atuação do CNJ. Eu também ressaltaria um acordo que o Presidente Lewandowski celebrou com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, na semana que se passou, na terça-feira passada, cedendo à Secretaria de Direitos Humanos um sistema chamado Processo Judicial Eletrônico, que, a partir da cessão, passa a se chamar Processo Administrativo Eletrônico. E essa cessão foi celebrada com um objetivo muito simples: proporcionar mais agilidade a todo e qualquer caso que envolva a aplicação da Convenção da Haia sobre subtração de criança.
Isso por quê? Porque, no dia a dia - e George teria plenas condições de chancelar essa observação -, a maior dificuldade dos países signatários é proporcionar a aplicação da Convenção com a maior agilidade possível, porque o tempo corre contra todos os interesses dos envolvidos. E o Processo Eletrônico, na medida em que as pessoas podem participar dessa instrução onde quer que estejam, no mundo, pareceu uma solução tecnológica muito bem-vinda.
Bom, agora falo como Magistrado Federal. E, nessa condição, eu, primeiro, digo que a impressão que tenho, Srª Kátia, é que, se a sua filha tivesse cruzado a fronteira dos Estados Unidos, nós em tese teríamos uma pequena possibilidade de discutir a situação. Isso porque a Convenção da Haia, em seu art. 13, alínea "b", diz o seguinte:
Artigo 13 - Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, (...)
b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável.
Eu disse em tese, porque nós não temos aqui o processo, não temos aqui os detalhes do caso que foi julgado, que está sendo analisado nos Estados Unidos. Mas seria, digamos assim, um benefício ter cruzado a fronteira e ter essa possibilidade de discutir.
De todo modo, pela experiência que tenho ao já ter julgado causas com base na Convenção da Haia, a maior dificuldade não é o retorno ou não da criança, a maior dificuldade é depois decidir com quem a criança fica. Isso porque, com base na Convenção da Haia, as distâncias transcontinentais permanecem. O pai ou a mãe em países diferentes; enfim, no caso específico, nós teríamos 10 mil quilômetros de distância. Então, aí, seria um aspecto muito negativo para a própria Amy. Quer dizer, decidido onde fica, como fica a questão de relacionamento com o pai ou com a mãe. Então, esse seria um aspecto muito negativo.
Como a Ministra Luiza Lopes da Silva já mencionou, a alternativa que eu sugeriria seria a busca de apoio das nossas autoridades internacionais. E já existe inclusive o parecer no sentido da impossibilidade de atuação perante as autoridades estrangeiras, como a família pretende.
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Essa sugestão do parecer do Ministério das Relações Exteriores no sentido da reconquista da confiança por parte da sua filha e a busca da guarda compartilhada a médio prazo, talvez seja a melhor das soluções. Porque hoje ela não se apresenta como adequada, mas, pelo menos, há esse horizonte, especialmente porque sua filha ainda está nos Estados Unidos. Esse é um ponto que eu chamarei a atenção: ela não saiu dos Estados Unidos, ela não está proibida de ingressar nos Estados Unidos da América. Ela continua na Flórida, certo que em liberdade condicional, mas horizontes mais amenos podem se descortinar a médio prazo.
Então, eu faria coro à observação da Ministra Luiza Lopes da Silva. E, no aspecto jurisdicional, lhe falando como Juiz Federal destinatário dessas questões especificamente da Haia, realmente seria muito difícil que a República Federativa do Brasil intercedesse definitivamente a ponto de alterar decisões judiciais americanas.
Pelo o que tudo indica, a Justiça americana já está colhendo muitas provas, enfim, nós não temos acesso a esse processo, mas seria uma opinião, não um julgamento, de Juiz aqui, uma opinião, ouvindo e tentando, na medida das minhas possibilidades, lhe trazer uma notícia um pouco mais amena.
A SRª KÁTIA ALBUQUERQUE - Nós reabrimos o caso, que não foi julgado o mérito. Não foram consideradas as provas. Nada foi considerado. Nós tivemos uma péssima atuação da defesa. Nós, praticamente, não tivemos advogado, em razão de que nós não temos condições financeiras. Mas nós tínhamos o que nos foi possível.
Só isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Eu agradeço aqui a participação do Dr. Fabrício Bittencourt, do Conselho Nacional de Justiça.
E, de imediato, eu passo a palavra ao Sr. Arnaldo José Alves Silveira, representante da Secretaria Nacional de Justiça.
O SR. ARNALDO JOSÉ ALVES SILVEIRA - Muito bom dia a todos e a todas!
Muito obrigado, Excelência, Senador Humberto Costa; a nossa saudação a Srª Kátia Albuquerque; ao Dr. George Lima, Coordenador Geral da Acaf, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; a Ministra Luiza Lopes da Silva, do Ministério das Relações Exteriores; S. Exª o Sr. Juiz Federal e Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça, Dr. Fabrício Bittencourt da Cruz.
Primeiro, agradecer muito a oportunidade de estarmos aqui e podermos aqui expressar, em nome do Secretário Nacional de Justiça, Dr. Beto Vasconcelos, a posição do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, onde exerço o cargo de Coordenador Geral de Cooperação Jurídica Internacional.
Bom, entre outras competências, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional tem competência para atuar como autoridade central para cooperação jurídica internacional, em matéria civil e em matéria penal. Especificamente na matéria civil, que está aqui sendo tratada hoje, o Departamento tem competência para atuar como autoridade central em todos os casos em que existam tratados para Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, e vigentes no Brasil, e também nos casos em que não existam tratados vigentes.
As duas exceções são os três tratados, que são responsabilidade da Secretaria de Direitos Humanos, que o Dr. George já explicou, e a Convenção de Nova Iorque, para prestação internacional de alimentos, que é responsabilidade da Procuradoria Geral da República.
Entre esses tratados, existe uma convenção, também da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, chamada Convenção da Haia de Acesso Internacional à Justiça. Trata-se da abertura que os países fazem uns aos outros, e aí, no caso, o Brasil e outros 30 países signatários, para fornecer, aos estrangeiros, em seu território, a mesma condição de litigar que é dada aos seus nacionais residentes e também aos estrangeiros que estejam no exterior, por meio de solicitações feitas por intermédio das respectivas autoridades centrais.
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Esta Convenção não se aplica aos Estados Unidos da América, e, portanto, não se aplica ao caso Amy Galvin, porque os Estados Unidos da América não são parte dessa Convenção. Neste caso específico, então, o que cabe é o apoio consular, que tem sido feito, conforme bem relatou a Ministra Luiza.
Várias outras convenções também estão sob responsabilidade da nossa Autoridade Central, e essas convenções têm, basicamente, o condão de garantir que as fronteiras não impeçam o exercício de direitos.
Essa é a tônica do trabalho como Autoridade Central em Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Repito: fazer com que as fronteiras não impeçam o exercício de direitos.
É claro que, além desse mandato maior que nós temos, de fazer com as fronteiras não impeçam o exercício de direitos, é importante respeitar também as fronteiras de cada um dos países e a jurisdição e a soberania de cada um desses países. Quer dizer, no caso específico que nós estamos aqui analisando, trata-se de um caso cuja jurisdição é dos Estados Unidos da América. É um caso que todo o desenvolvimento dele se deu no âmbito daquele país, e que, portanto, não cabe à Cooperação Jurídica Internacional, que é aquilo em que nós temos competência para atuar, que, em poucas palavras, pode ser descrito como um pedido da Justiça de um país à Justiça do outro país.
Então, no caso específico, não se vislumbra no momento, mas caso exista um pedido do Judiciário brasileiro a ser feito ao judiciário dos Estados Unidos da América, esse pedido, se não se enquadrar nas três Convenções que são operacionalizadas pela Secretaria de Direitos Humanos ou naquela que é operacionalizada pela Procuradoria Geral da República, e todos os casos das demais Convenções, ou caso não haja convenção aplicável, será feito, então, por intermédio da Secretaria Nacional de Justiça.
Vamos dar aqui alguns exemplos desses quase mil casos que tramitam mensalmente pela Secretaria Nacional de Justiça. São casos, por exemplo, de mães, cujos pais estão no exterior, mães que estão no Brasil e cujos pais estão no exterior, e que precisam de pensão alimentícia. Essas mães vão fazer a sua solicitação ao Judiciário brasileiro e esse pedido vai ser canalizado ao exterior por meio da Secretaria Nacional de Justiça, que vai fazer um exame dessa documentação para verificar se, tal como se encontra aquela documentação, ela tem condição de ser plenamente atendida no exterior e da maneira mais rápida e mais efetiva possível.
Além dessas convenções que já estão em vigor, e de atuar também nos casos em que não há convenção em vigor, tem sido feito um trabalho com a parceria importantíssima do Ministério das Relações Exteriores e com a decisiva colaboração do Poder Legislativo brasileiro, um trabalho para ampliar as bases jurídicas para o exercício de direitos dos brasileiros na seara internacional.
Então, diversas convenções hoje estão prestes a entrar em vigor. Eu cito, como exemplo importante, que está neste momento no Legislativo para apreciação, a Convenção da Haia para Prestação Internacional de alimentos, que também vai facilitar muito os casos das mães brasileiras que precisam de prestação alimentícia de pais que estão no exterior, e vice-versa, o Brasil também, claro, abre as suas portas para os casos que receba. É exemplo essa Convenção. A outra Convenção que tem muita importância nessa seara é a Convenção da Supressão da Exigência da Legalização de Documentos Estrangeiros, a Convenção da Apostila, também da Conferência da Haia, que tem uma importância muito grande para facilitar essa cooperação entre os Poderes Judiciários do Brasil e do exterior.
Quero colocar aqui a Secretaria Nacional de Justiça inteiramente à disposição da família, e de outros que precisem do serviço que prestamos, e dizer que é muito importante que nós tenhamos em mente - repito - que as fronteiras não podem impedir o exercício dos direitos das pessoas. Mas, ao mesmo tempo, essas mesmas fronteiras têm que ser respeitadas nos casos em que não se vislumbre a possibilidade de atuação do judiciário de um outro país numa questão que se desenrole apenas no domínio do judiciário do país em que se encontre.
Muito obrigado, Sr. Senador.
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Eu quero agradecer aqui ao Dr. Arnaldo José Alves Silveira pela sua presença, sua participação, e, antes de dirigir algumas perguntas aos nossos ilustres convidados, eu gostaria de dar a palavra a duas pessoas que se encontram aqui, acompanhando a reunião, que fizeram solicitação. Então, eu vou passar a palavra à Drª Jacy Raduan-Berger, para que possa se pronunciar, se possível num prazo de cinco minutos. Caso contrário, pode se estender um pouco mais.
A SRª JACY RADUAN-BERGER - Bom dia!
Agradeço a palavra. Eu vou aproveitar e fazer uma pergunta. Eu sou uma mãe brasileira, dupla nacionalidade, brasileira e alemã, tenho duas crianças pequenas na Alemanha, perdi o contato com essas crianças quando as levei para uma viagem de visita para a Alemanha. Respondi, tive um processo da Convenção da Haia lá, que eu perdi. E, a partir daquele momento, tudo ficou muito pior. Os contatos foram suspensos, e eu fui perseguida na Alemanha, tive que deixar o país, e estou hoje três anos praticamente sem contato com as crianças, agora voltando a retomar os contatos, enfim. Diversas gestões foram feitas pelo Governo brasileiro, inclusive de diversos departamentos.
Da forma como a Ministra Luiza Lopes disse, a gente não fica satisfeito, porque o resultado não é aquele que a gente espera. Qual é o resultado que a gente espera quando perde um filho? É ter o filho de volta. Qual é o resultado que a gente espera quando o nosso filho é retido no exterior? É tê-lo de volta no Brasil, e a gente poder criar o nosso filho. E depois de tantos anos, cinco anos, eu ainda não tenho os meus filhos de volta. Daí passamos realmente a pensar como retomar os contatos, mas, lógico, que com grande rancor, depois de tanto tempo vendo os nossos filhos sofrerem, de como compartilhar uma guarda.
Em relação às cartas rogatórias, eu vejo que existe ainda um grande problema. Vou dar exemplo, então, do que eu conheço na prática Brasil e Alemanha. No meu caso, a Alemanha quis que fosse feita uma perícia no Brasil. A fez via ONG, não expediu carta rogatória para tanto, a Justiça brasileira expediu carta rogatória, uma, de busca e apreensão para o pai devolver a criança para mim, a outra para fazer uma perícia. As duas cartas rogatórias foram negadas pelo Ministério da Justiça alemão, e o Brasil fez o quê? Nada. E eu esperava que alguma resposta fosse dada, quando a atitude é essa. Não foi tratada da mesma forma que nós tratamos. Então, ali, eu gostaria de uma resposta, se possível.
Outro ponto: eu tenho percebido que o Brasil vem repatriando crianças. Independentemente se o autor da ação é pai ou mãe. O Brasil tem repatriado diversas crianças, já a Alemanha nunca repatriou uma criança para o Brasil. Simples assim: não repatria a criança, suspende, interrompe os contatos e vai em busca de alguma atitude para justificar tal fato. Dali eu também esperei que o Governo brasileiro tomasse alguma atitude num tribunal internacional, pelo fato de a Alemanha não ter cumprido a Convenção da Haia, em relação eventualmente ao Itamaraty, à Autoridade Central, para tomar alguma atitude.
Há alguns anos eu venho percebendo que o grande problema que o brasileiro passa no exterior é a falta de conhecimento jurídico. Quando a gente vai viver no exterior, principalmente nessa fase de faculdade, eu mesma fui para a Alemanha para fazer um mestrado, tinha pouquíssima noção do que era Direito Internacional, muito menos do que era o direito alemão, apesar de ter feito meu mestrado com base no direito alemão, por ser muito amplo. Então a gente sempre sofre aquela pressão, aí advogado tem que conhecer a lei, por que é que aconteceu isso com você. Então, é lógico que a situação é muito complicada. Depois é que eu fui passar a conhecer, a estudar outros casos e hoje ainda digo que existe uma lacuna muito grande no que diz respeito a conhecimento.
(Soa a campainha.)
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A SRª JACY RADUAN-BERGER - Então, eu acho muito bom o Itamaraty estar fazendo apostila, dar conhecimento, deixar claro, principalmente para as mães brasileiras. Digo mãe porque, hoje em dia, são poucos os pais que acabam fazendo esse sequestro internacional, mas as mães brasileiras acabam sofrendo uma violência doméstica, física ou psicológica, e aí querem se ver livre daquela situação, não têm o amparo da Justiça estrangeira e vêm para o Brasil. Chegam aqui, a Justiça brasileira deve cumprir a Convenção da Haia, repatriar a criança, e aí só fica pior para a criança. O maior interesse da criança não está sendo respeitado quando esse tipo de coisa acontece.
Então, antes disso, é dar conhecimento para as mães brasileiras de que essa viagem para o Brasil é um sequestro, a criança corre, realmente, o risco de ser devolvida, o que vai piorar muito a situação, mas, antes de tudo, dar também o amparo. Quando a gente busca resolver a situação, a gente procura o posto consular pedindo socorro, "estou nessa situação, preciso de ajuda, como proceder?", a gente precisaria, então, ter uma resposta mais rápida e, ali sim, efetiva.
E mais ainda, a prevenção. O Governo brasileiro tem feito muitos incentivos para o brasileiro ir para o exterior. No caso da Alemanha, temos o Ciência sem Fronteiras, diversos cursos, inclusive fora desse programa, com bolsa de estudos para a gente estudar na Alemanha; temos, agora, a aposentadoria Brasil e Alemanha, que facilitou que se aposente trabalhando nos dois países; temos a questão do trabalho, autorização para o brasileiro trabalhar na Alemanha, quer dizer, está muito fácil, está tudo facilitado para o brasileiro agora, "vá para a Alemanha estudar, que lá é ótimo, lindo e maravilhoso", mas ninguém contou pra gente que, na Alemanha, o estrangeiro perde o filho - não precisa ser brasileiro -, que existe, sim, um preconceito e que diversas crianças são tiradas diariamente das famílias dentro da Alemanha e são levadas para abrigos, para orfanatos. Isso ninguém conta pra gente, isso a gente descobre quando passa a ter o problema e quando é uma pessoa com instrução, que tem algum conhecimento jurídico, que sabe falar alemão, para perceber o que está acontecendo e começar, se tiver dinheiro, a se defender na Justiça. Porque, senão, nem essa chance a gente tem.
Então, acho que seria muito importante ser feito um trabalho preventivo, ver se realmente valem a pena esses incentivos que o Governo brasileiro está dando.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - O.k.
Muito obrigado, Srª Jacy Raduan-Berger.
Concedo a palavra à Srª Eliana Rodrigues-März para, novamente, retomarmos aqui a palavra para a Mesa.
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Muito bom dia!
Agradeço a oportunidade de me manifestar nesta audiência. Eu gostaria de fazer alguns comentários de tudo que ouvi.
Para quem ainda não conhece minha história, eu sou mãe de uma criança que agora tem 15 anos. Não vejo a minha filha há três anos. Ela foi repatriada. É uma criança com síndrome de Down, num processo que, dentro do Brasil, durou apenas 40 dias, e não se consideraram sequer as provas que estavam sem tradução dentro do processo. É um processo lamentável e, como eu digo, infelizmente, para o Brasil, na pressa em repatriar as crianças, 40 dias bastam, que foi o que durou o processo da minha filha. Mas, há três anos estou tentando na Justiça a reversão dessa sentença. Inclusive, somente agora, em dezembro passado, foi que consegui, no STJ, que houvesse uma sentença definitiva de que essas provas, que não foram consideradas, devem ser reavaliadas. Então, há uma discrepância muito grande entre a pressa de se satisfazer o pedido da repatriação estrangeira e a pressa de corrigir o malfeito. Isso é muito sério.
À parte isso tudo, eu gostaria de fazer, conforme eu disse, alguns comentários. Não sei se as pessoas da bancada poderiam me responder algumas curtas perguntas a cada um de vocês. Eu gostaria de começar pelo Dr. Fabrício Bittencourt, do CNJ. Naquilo que o senhor disse, Dr. Fabrício, a pergunta é: nesse processo de conseguirmos agilizar as questões de repatriação, de mudanças na aplicação da Convenção, será que o CNJ poderia começar um movimento, por exemplo, de alterar o tempo de tramitação, que se instaurassem novos tribunais que cuidassem de casos de Vara de Família? Porque o que temos hoje no Brasil, por exemplo, é essa dificuldade de que nossos processos estão no meio de tantos outros, e os nossos têm de ter uma prioridade, trata-se de crianças, trata-se de infância, e isso muda muito rapidamente. Em três anos que não vejo minha filha, naturalmente agora ela é uma adolescente, a situação é outra, e existe uma preocupação, do ponto de vista da alienação parental, que é inclusive prevista no nosso código de leis, que não deveria estar acontecendo.
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Então, essa tramitação muito lenta é um dos problemas que eu gostaria, se o senhor acha que o CNJ poderia colaborar, de pedir ao senhor um esforço do CNJ nesse sentido, para que haja modificações.
Uma outra modificação seria a questão das garantias de visita, nessa orientação aos magistrados que lidam com essas questões, as garantias de visita antes que se repatriasse. Uma vez que somos signatários dessa Convenção, não se pode voltar atrás, mas pode-se orientar os magistrados para que antes da repatriação, nessa sentença, haja garantias para que o genitor que está sendo deixado tenha como prosseguir esse convívio. Não se trata de proteger o direito do genitor ou do pai que requeria a criança. Trata-se de proteger o direito da criança ao convívio com ambos os genitores, e isso não tem sido feito.
Com relação a essa cartilha, eu vi na internet que está havendo o preparo de uma cartilha por parte do CNJ, para orientação aos magistrados. Como está esse processo? Isso já está pronto, já está em andamento, o senhor tem notícia disso?
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Muito obrigado à Srª Eliana März, que se pronunciou aqui.
Como eu não tenho nenhuma pergunta a fazer ao Dr. Fabrício e ele já me comunicou que daqui a pouco vai precisar se ausentar, vou passar a palavra a ele para que ele possa se pronunciar sobre as colocações que...
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Perdão, Excelência, eu tinha ainda outras perguntas. Devo fazer à bancada toda e depois...
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Prefiro que faça assim. Prefiro que faça assim, aí eu passo logo para ele e depois vou fazer as minhas e eles respondem a todas. Está certo?
No caso dele, é porque ele vai precisar sair.
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Porque eu acho importante também a questão do que foi dito pelo Sr. George Lima, da Acaf, essa questão das exceções do art. 13. Ele explicou muito bem a Convenção e a aplicação, mas não explicou a exceção do art. 13. Eu gostaria de perguntar a ele como nós vamos verificar que existe realmente a aplicação da exceção do art. 13 se as provas desses abusos ou dessas violências sofridas por essa mãe estrangeira não forem consideradas. Por exemplo, recentemente ele se pronunciou contrário a que haja laudos da Secretaria de Políticas para Mulheres na avaliação dessas provas. Então, se isso não existir, eu pergunto a ele como a gente vai conseguir provar que existem motivos para se enquadrar o processo nas exceções do art. 13?
Com relação a se imiscuir nos casos internacionais, a pergunta que fica é: nós tivemos recentemente o caso da Srª Roberta Santalucia que, infelizmente, está presa na Suécia, e isso porque a Acaf apresentou no processo, dentro do Judiciário, as garantias suecas de que a mãe não seria presa. Ou seja, houve, sim, uma intervenção, e pesada, da parte do governo sueco nesse processo. A mãe foi presa e, apesar de tudo, apesar de todos os nossos esforços, não houve sequer uma manifestação, por parte do Governo brasileiro, de repúdio. O governo sueco, infelizmente, assim que a mãe chegou a solo estrangeiro, eles prenderam essa mãe.
Então, além de se imiscuir, sim, no nosso Judiciário, não foi feita sequer uma nota de repúdio. Não dá para aceitar as coisas dessa forma, com esse discurso de que não podemos nos imiscuir no judiciário estrangeiro, uma vez que a recíproca não é verdadeira; e isso é muito sério. Por exemplo, ninguém garante numa sentença que a mãe não será presa quando chegar um momento de visita. Isso é muito sério, entende? Essas perguntas, para mim, com relação ao que o Sr. George Lima disse, estão muito em aberto.
A Ministra Luiza Lopes, por exemplo, afirma que a gente não conhece muito das limitações do MRE, ou da Convenção da Haia, de sua aplicação. Na realidade, não é bem assim. O que a gente não sabia, a gente aprende ao longo da desgraça que se abate sobre nós. Em muitos casos, as mães são advogadas, são pessoas estudadas. Eu já trabalhava fora do Brasil, no tempo em que vivi na Alemanha, com um grupo de voluntárias que atendia mulheres com problemas na Justiça. Então, na realidade, o problema não é só o desconhecimento - seria muito fácil se fosse, porque a gente instruiria e tudo bem. Mas acho que o problema vai além, vai na base do problema quando, na primeira vez em que uma mãe brasileira liga num consulado, liga numa embaixada e registra um problema - "eu estou sofrendo violências domésticas", ou "estou com um problema com minha criança" -, acho que ali deveria haver um trabalho de interação maior entre a Autoridade Central Federal e o Itamaraty, porque o primeiro a ser notificado é sempre o MRE.
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Então, se houvesse pastas abertas notificando "olha, nós temos uma brasileira assim, assim em tal país que está relatando problemas", isso seria minimizado. Mas isso não acontece hoje em dia. O Itamaraty e a Acaf agem separadamente. Quando aconteceu o meu caso, não havia nenhum registro. Apesar de eu estar vindo desde 2008 dando notícias ao MRE de que eu estava sofrendo violências, de que havia problemas com a minha filha, não houve essa comunicação entre esses órgãos.
Então, eu acho que o problema vai muito além de se afirmar que é desconhecimento da parte dos brasileiros, que é desprepara. Não. Isso é um problema que deve ser revisto pelos órgãos. Ou seja, tanto pela Acaf quanto pelo MRE, para que eles possam começar a trabalhar mais coesos, de maneira que uma lacuna dessas não exista. Quando entrar um pedido de repatriação dentro da Acaf e houver uma pasta que o MRE já tenha aberto e tenha conhecimento de que houve um problema com essa criança, com essa mãe, essa informação precisa ter sido bem casada para que não aconteça o que aconteceu no meu caso.
Então, é muito doloroso, como mãe, ver o que aconteceu no meu caso e que continua acontecendo. É como se o Brasil não tivesse aprendendo com os erros que está cometendo. Eu acho que isso é muito, muito grave e precisamos trabalhar isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - O.k. Muito obrigado.
Eu vou passar a palavra ao Dr. Fabrício e depois eu farei algumas indagações.
O SR. FABRÍCIO BITTENCOURT DA CRUZ - Muito obrigado, Senador Humberto Costa.
Já passo diretamente às respostas das perguntas a mim dirigidas. A senhora me fez três indagações. Duas delas seguem uma linha de conscientização. Então, eu pensei imediatamente no CNJ, em algo que é intrínseco à atividade do Conselho Nacional de Justiça, que para nós chega a ser viável a curto prazo, que é a conscientização via cursos específicos para os magistrados. Eu lhe diria que não só apenas aos magistrados, mas também a todas as pessoas envolvidas no procedimento judicial que tramita no Poder Judiciário, desde o servidor do atendimento ao público até as pessoas que trabalham em audiências e que tenham uma sensibilidade maior para com essa questão, especialmente para a possibilidade das videoconferências internacionais, que são sempre muito indicadas em situações como a da Convenção da Haia, especialmente porque o CNJ trabalha também com o ensino a distância. Então, nós podemos chegar num grupo muito grande de pessoas rapidamente. Lembrando que, como são juízes federais, nós também podemos trabalhar só com um grupo de juízes que hoje, George, tenham questões a serem analisadas ou sub judice. Então, são várias possibilidades.
Eu achei muito interessante a sua percepção e o seu testemunho com relação à importância da visita antes da eventual repatriação. Esse é um assunto interessantíssimo. Eu creio que esteja dentro das atribuições do Conselho Nacional de Justiça. Mas eu devo lhe afirmar que falo na qualidade de mensageiro hoje. Eu, como Secretário-Geral, não sou conselheiro, e esse é um assunto para a resolução do CNJ, um assunto para o Plenário, que envolve a atuação de 15 conselheiros. Essa é uma decisão colegiada e algo que deve ser levado por um conselheiro para tramitar dentro do CNJ. Mas essa orientação é muito bem-vinda e na minha rápida opinião, rápido pensamento, creio que não estejamos aqui invadindo a independência de um juiz ao analisar o caso. É simplesmente uma orientação sobre algo extremamente importante e que talvez possa estar passando despercebido.
Com relação à Cartilha, nós não a publicamos ainda porque no CNJ - eu até fiz uma pesquisa atualizada aqui -, nós temos um grupo de trabalho formado pela Portaria 190, que é uma Portaria do Ministro Joaquim Barbosa. Ela é de outubro de 2013 e criou um grupo de trabalho composto pelo Coordenador, Conselheiro Guilherme Calmon, e também pelo Conselheiro Saulo Bahia, pela Desembargadora Mônica Sifuentes Pacheco de Medeiros, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pelo Juiz José Carlos Dantas, do TRF-5, pelo Juiz Marcelo Denardi, do TRF- 4, pela Juíza Marcella Brandão, e pelo Juiz Wilney Magno, ambos do TRF-2. A ideia do grupo não é apenas a Cartilha, mas também propostas e recomendações, talvez até com essa percepção que a senhora mencionou.
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Eu, na qualidade de Secretário-Geral, ainda não tive conhecimento do resultado do trabalho desse grupo. É bem provável que ele esteja bem adiantado, até pela data da portaria, e me comprometo com a senhora em diligenciar a respeito dessa situação, para sabermos até que ponto anda especialmente a cartilha. Talvez ela possa ser mais eficaz do que o próprio curso, a curto prazo.
Então, eu lhe daria essas respostas: a possibilidade, em tese, via proposta de conselheiro, de uma possível recomendação sobre a questão da visita e, também, uma proposta de um ato normativo mais abrangente, a partir dos resultados desse grupo de trabalho que, até então, era capitaneado pelo Conselheiro Guilherme Calmon.
Advirto que o Conselheiro teve expirado seu mandato em abril deste ano, então, nós estamos em uma transição. Precisamos analisar quem vai assumir essa pasta e, consequentemente, esse trabalho.
Espero ter respondido suas perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Eu quero agradecer ao Dr. Fábio Bittencourt e queria fazer um pedido a V. Exª e aos demais integrantes desta mesa.
Eu acho que, a partir dessa discussão específica do caso Amy e das colocações das duas mães aqui presentes, existem determinadas questões que nós podemos aprofundar e talvez, até, criar a possibilidade de troca de opiniões entre os movimentos que existem... Certamente, vocês fazem parte de algum movimento organizado que lida com essa questão...
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ (Fora do microfone.) - É uma associação, a Associação de Mães de Mãos Vazias.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Associação de Mães de Mãos Vazias.
Assim como no Poder Judiciário, como no Ministério da Justiça, no Ministério das Relações Exteriores, talvez nós pudéssemos, aqui no Senado, por intermédio de uma discussão que envolvesse não só a Comissão de Direitos Humanos, mas a própria Comissão de Relações Exteriores e a Comissão de Justiça, fazer uma discussão mais aprofundada sobre essa temática, de modo que, naquilo que seja da alçada, da competência do Poder Legislativo, nós possamos promover algum tipo de aprimoramento da lei, se for o caso, e no caso, digamos, de entendimentos de procedimentos que estejam na esfera do Governo, do Poder Judiciário, que nós possamos, também, ter uma interação, para fazermos alguns aprimoramentos.
Acho que algumas das colocações que as senhoras fizeram foram bastante pertinentes.
Nós sabemos que existe uma série de outros fatores que pesam para um lado e para o outro, como as diferenças culturais. Algumas vezes, a gente imagina que um país, porque é desenvolvido, tem uma visão diferente de como se lida com as mulheres e, muitas vezes, não é, e a gente precisa, talvez, ter um aprofundamento sobre essa questão.
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Se V. Exª me permite um aparte, eu fiz um trabalho voluntário com mulheres na Alemanha (Fora do microfone.), nesse tempo que vivi lá, de socorrer essas mulheres que, infelizmente, também não falavam o idioma do país, o que é um outro fator, naquele período, uma coisa muito grave que a gente ouvia sempre e sempre era essa coisa da diferença cultural.
Eu acho que não dá para deixar de falar que, em qualquer lugar do mundo, o respeito deve ser a palavra gestora de todas as relações, isso lá, como aqui, como em todas as partes.
Infelizmente, em 90% desses casos que deslindam de maneira tão trágica, com a perda da criança para um dos genitores, faltou, em algum momento, o respeito, e o respeito, esse é universal.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Com certeza. Muito obrigado.
Então, eu queria poder contar com a Associação...
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Estou à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - ...e também contar com a disponibilidade dos demais representantes, aqui, para que nós pudéssemos pensar em conjunto, talvez uma audiência, um evento, em que nós pudéssemos trocar algumas ideias e tirar algumas resoluções que sejam politicamente importantes.
Eu queria dirigir as minhas perguntas, mais especificamente, à Drª Luiza Lopes.
Eu acho que ficou muito claro, e quando nós estivemos com o Ministro Figueiredo, acho que no ano passado, também já tinha ficado claro para nós, que há uma limitação da atuação do Ministério das Relações Exteriores, porque se trata de uma demanda judicial.
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E, neste caso, realmente, as gestões que podem ser feitas esbarram na autonomia do Judiciário, na soberania de outros países.
Mas, naturalmente, de posse de algumas informações que são fundamentais para a defesa dessa família brasileira que está, neste momento, lutando para ter a guarda dessa criança, eu gostaria de saber... Por exemplo, é fato - eu estava revendo aqui depois que a Drª Kátia falou - que há, em uma página do Departamento de Execução Criminal ou de Execução Legal da Flórida, uma citação bastante ampla do cidadão Patrick Galvin como sexual offender, como abusador sexual. Não sei, inclusive, qual o desdobramento disso. Por isso, quero perguntar, por exemplo - nesse caso, sei que o Ministério das Relações Exteriores acompanhou a demanda da família, no sentido de que houvesse uma apuração mais aprofundada de um possível abuso que tivesse sido cometido contra a Amy -, sobre os desdobramentos dessas acusações que foram feitas e que constam dessa página: por que razão esse cidadão foi colocado numa lista como essa? Houve algum processo formal? Qual foi o resultado que esse processo teve? Se isso não teve nenhuma consequência, por que essa página continua existindo com a presença desse cidadão?
Há outra questão sobre a qual pergunto. Nós sabemos que existe toda essa limitação, mas há, de algum modo, alguma possibilidade, ainda que indireta, de apoio jurídico a essa família e a outras famílias? Quando estivemos lá com o Ministro Figueiredo, o Presidente da OAB de Pernambuco esteve lá e falou, inclusive, da possibilidade de entendimentos entre a Ordem dos Advogados do Brasil e a sua correspondente em outros países, para que houvesse a possibilidade de facilitação de acesso a advogados, à defesa. Enfim, será que o Ministério das Relações Exteriores não poderia ser um facilitador desse tipo de entendimento? Ou isso foge totalmente à sua alçada?
Eu entendi também, pelo que disse o Dr. Arnaldo José, que, se os Estados Unidos fossem signatários dessa Convenção, haveria a possibilidade da busca de um suporte em termos de assessoria jurídica a essas famílias. Enfim, nesses casos em que não há essa adesão do país a essa Convenção, nós temos de ficar inteiramente de mãos atadas? A gente sabe que, especialmente nos Estados Unidos, é extremamente caro se contratar um advogado. Então, era isso que eu gostaria de perguntar.
As pessoas que respondem podem também se manifestar sobre as colocações que as duas senhoras da plateia fizeram.
Pela ordem, eu gostaria de pedir que começássemos com a Drª Luiza Lopes.
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - A Ministra Luiza Lopes.
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Pois não, Exmo Senador.
Nós também temos conhecimento sobre as informações referentes ao Sr. Patrick Galvin na internet, mas, segundo todas as informações que nos foram repassadas, essas informações não correspondem a um processo formal concluído. São informações que estão no site, mas, pela Justiça americana, não tramitou e não foi concluído nenhum processo que apontasse para provas reconhecidas desse eventual crime. Digo isso sem nenhum juízo de valor, naturalmente. Mas esses são os fatos.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Mas existem vítimas que se manifestaram ou que se manifestam? Há potenciais ou supostas vítimas?
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Entendo, Senador, que uma coisa são informações veiculadas num site da internet e que outra coisa muito diferente é a conclusão de um processo judicial que avalia provas - não alegações; provas - e conclua pela sua veracidade.
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Estamos informados, sem nenhuma dúvida, de que não houve nenhum processo judicial. Então, o que quer que esteja circulando, tenha circulado, não foi considerado como prova. Portanto, não interferiu na decisão das autoridades americanas, tanto do conselho tutelar quanto do Judiciário, para abster-se de conferir a guarda da Amy ao pai biológico, tanto é que hoje ele detém a guarda da menina.
Nós estamos acompanhando o caso de longe, mas eu devo dizer que, a muitas informações, nós não temos realmente acesso. Recentemente, nós pedimos informações junto ao Department of Children & Family Services e ao advogado do pai sobre alguns temas específicos, e ambos os interlocutores se recusaram a repassar as informações ao nosso consulado em Miami e ao nosso assessor jurídico, e eles têm direito a isso. Só as partes diretamente envolvidas têm acesso em muitos casos.
A Srª Karla Janine não está desassistida juridicamente. O fato de os Estados Unidos não serem membros da Convenção da Haia não a deixa desassistida. Na verdade, nos Estados Unidos, há a figura do defensor público. Eu já fui chefe de setor consular e muitas vezes tramitei os pedidos. O que nós fazemos nos Estados Unidos é um sistema misto. Como o Estado fornece defensor público a todos os estrangeiros e americanos, naturalmente, nós temos um assessor jurídico nos consulados que supervisiona os casos. Eles acompanham tudo, eles dão pareceres, eles não defendem os brasileiros porque não é esse o papel deles, mas eles fazem uma coisa muito importante que é acompanhar e dar o parecer de como está indo.
Eu devo dizer que a Srª Karla Janine teve defensores ao longo desses meses, mas, ao que estamos informados, como ela ouviu dos defensores que a linha de ação desejada por ela não seria seguida, não seria viável, ela, enfim, abriu mão dos serviços de alguns defensores, que foram, por sua vez, substituídos por outros. Ela queria insistir na tese da culpabilidade do genitor biológico, mas os defensores, completamente familiarizados com o caso e com os autos do processo que foi aberto, disseram que não havia base legal para seguir nessa direção de insistir no fato de que o pai seria culpado de crimes sexuais contra menores, pedofilia. Sei que a Karla já teve dois ou três - talvez mais - defensores. Não sei o número exato. Eu sei que, em fevereiro último, o último defensor abandonou o caso por uma discordância na estratégia, mas, quando um defensor abandona um caso, outro toma o seu lugar, e o nosso assessor jurídico procura acompanhar a situação.
Então, não temos dificuldade de acesso à Justiça. Há acesso à Justiça, direito à defesa. O que tem havido realmente são posições conflitantes de qual seria a melhor estratégia.
Essa é a nossa posição.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Eu queria só lhe fazer uma pergunta adicional, porque ela vem de uma das pessoas que estão acompanhando, lá da Bahia, esta audiência pública, a Srª Maria Alice de Barros Castro. Ela gostaria de saber se o método de atenção psicossocial vem sendo utilizado pela Diplomacia brasileira para que seja decidido o destino da garota Amy.
A outra pergunta que faço creio que, de certa forma, a senhora já abordou o tema, mas só para ficar mais claro.
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No caso dessa audiência que acontecerá no dia 24 de julho - foi adiada do mês passado, não é? -, a nossa representação diplomática parece-me que não tem condição de acompanhar a própria audiência; mas pergunto se ela está acompanhando o desenrolar desse processo que vai culminar com a audiência.
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Sim, nosso consulado tem procurado estar presente nas audiências. Eu tenho até aqui o relato de audiências que foram acompanhadas, uma delas por dois agentes consulares. Então, nós temos, sim, acompanhado quando são audiências estratégicas, porque algumas são meramente formais, já sabemos que não vai haver uma decisão de substância, mas apenas decisões processuais.
Portanto, nós procuramos estar presentes nas audiências estratégicas, não nesse caso específico, mas de modo geral. Uma de nossas funções é autorizar, daqui de Brasília, inclusive deslocamentos. Mesmo nos tempos atuais, com contingenciamento de recursos, nós temos procurado garantir a presença de agentes consulares nas audiências.
Só para dar uma ideia, nós estamos acompanhando audiências em Malmö, na fronteira com a Suécia, do caso da moça Roberta Santalucia, que foi mencionado pela Srª Eliana März; dessa vez, nós mandamos o nosso Embaixador Marcos Pinta Gama para essa audiência em Malmö, além do vice-cônsul. Então, quando é uma audiência estratégica, nós procuramos comparecer. Claro que há muitas audiências, e não podemos estar em todas; mas nós acompanhamos o caso para saber quais serão realmente importantes.
A Srª Karla Janine distanciou-se do consulado em Miami. Eu sei que o consulado continua oferecendo auxílio, mas, como também, no caso dos defensores, nós não pudemos oferecer os resultados desejados, nós vimos que houve uma grande frustração da parte dela e uma tendência a se afastar. "Se vocês não podem me ajudar, então, eu não preciso de ajuda, não preciso desses contatos." Mas os consulados não trabalham dessa forma. Eles continuam buscando acompanhar.
Respondendo à pergunta dessa cidadã brasileira da Bahia: sim. Se o consulado for convidado, estará presente; se a família tiver interesse, nós estaremos presentes na audiência de julho.
Sobre acesso psicológico, eu precisaria me informar, mas eu entendo que o Departamento de Assuntos para Crianças, nos Estados Unidos, tem protocolos de atuação muito rígidos, que envolvem o acompanhamento psicossocial dos menores. Essa é uma unidade muito estruturada - eu tive oportunidade de visitar -, e há uma grande preocupação com o bem-estar e a fase de transição dessas crianças, quando são devolvidas. Mas, se houver interesse, nós podemos procurar obter essa confirmação. Contudo, de experiência, nós diríamos que sim, que essas crianças são acompanhadas, durante muito tempo, pela unidade responsável.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - A senhora quer se manifestar sobre algumas das colocações que foram feitas por elas?
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - Já que o senhor me dá a oportunidade, sim.
A Drª Eliana März disse que o trabalho de prevenção do consulado, no qual estamos trabalhando agora, poderia ser muito enriquecido se nós passássemos a compartilhar, pelo que eu entendi, com a Acaf (Autoridade Central Administrativa Federal no Brasil), os alertas amarelos - foi assim que eu anotei - de situações conjugais que vêm se agravando e que poderão desembocar numa situação de crise. Eu achei uma ideia muito intrigante, e fiquei pensando no seguinte: nós, o consulado, temos a obrigação de dar tratamento confidencial, reservado, às informações que nos são passadas, em confiança, pelos consulentes; então, nós não repassamos a terceiros, a menos que haja uma necessidade, uma manifestação de vontade do interessado.
Assim, o que eu estava pensando aqui, justamente a partir da sua provocação muito interessante, é que eu pretendo discutir isso com o George, se nós poderíamos estabelecer alguns protocolos de rotina. Possivelmente, nós não tenhamos de repassar os nomes das pessoas, mas os casos; ou podemos vir até a consultar as brasileiras se elas nos autorizam a repassar.
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Eu acho que isso é muito interessante.
Eu não sei se a sua pergunta também se referiu ao acúmulo de informações que possam servir de provas em um eventual processo. Isso eu não sei se... Dificilmente um relato de uma agente consular poderia ser uma prova de um crime de abuso sexual perpetrado, que seria apenas...
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Perdão...
A SRª LUIZA LOPES DA SILVA - ... mas, enfim fica... Podemos discutir isso, mas eu achei a ideia muito interessante, de uma atuação não preventiva ou apenas informativa, mas caso a caso, quando nos chega - quando nos chega, não é sempre que nos chega - uma informação dessa deterioração da situação conjugal.
Então, estamos abertos a - entendo que o George está dizendo que sim - explorar melhor essa proposta.
Obrigada.
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Para responder ao questionamento de S. Exª a Ministra, não penso na questão de uma testemunha - do ponto de vista jurídico - em um processo dessa natureza. Não. Eu penso na prevenção de que, existindo um relato, uma pasta aberta, no nome dessa criança e dessa brasileira, quando o pedido de repatriação chegar por parte do estrangeiro, quando isso deslindar - infelizmente pelo pior -, já haverá uma informação de que havia um caso dessa natureza com tudo o que foi registrado ali dentro.
Não se age de maneira abrupta - como foi no meu caso, em que imediatamente a coisa foi parar no Judiciário - porque, simplesmente, tudo o que eu disse, tudo o que eu pedi no MRE, à embaixada, ao consulado à época, foi como se tivesse caído ao solo. Tanto na Acaf quanto no MRE as notícias que chegaram não foram registradas, não foram abertas pastas, não houve uma coesão de informações entre MRE e a Acaf. E, quando o pedido chegou - como em todos os casos acontece -, a coisa estava fácil demais, porque ninguém - apesar de ter ouvido por tanto tempo as queixas dessa mãe e as denúncias que eu vinha fazendo com relação à minha filha -, ninguém registrou isso tudo. Limitavam-se a me dizer ao telefone, inclusive e infelizmente: "Nós não podemos fazer nada, a senhora está em solo estrangeiro." Essa não é a realidade. Continuamos sendo brasileiras: nós e nossos filhos. Continuamos pagando impostos e contribuindo, e nós continuamos merecendo o direito à proteção sob essa bandeira.
Apenas isso.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Passo a palavra ao Dr. George Lima, da Autoridade Central da Secretaria de Direitos Humanos.
O SR. GEORGE LIMA - Muito obrigado, Senador Humberto Costa.
Eu vou pedir um pouquinho de paciência de V. Exª porque, como foram muitas perguntas, eu vou me deter em alguns dos temas que foram levantados, tendo em vista que muitas das questões estão afetas ao trabalho da Autoridade Central e na aplicação da Convenção da Haia.
Primeiro, eu gostaria de dizer que o que a Srª Jacy colocou é extremamente importante no que tange a esse esclarecimento da comunidade brasileira vivendo no exterior, sobre a própria aplicação da legislação no exterior. É importante que a gente esclareça à população brasileira que decide migrar ou inclusive que deseja viajar para o exterior. Hoje nós temos um mundo muito mais interconectado do que nós tínhamos há 15 anos, os brasileiros hoje viajam muito. E continuam migrando - em que pese nós percebemos um fluxo diferente, agora, de brasileiros voltando para o Brasil. Mas é importante que essa comunidade esteja esclarecida que, quando você ultrapassa a fronteira brasileira e você passa a viver no exterior, é a essa jurisdição você está submetido. É aquela legislação que vai se aplicar ao caso concreto.
Eu coloco isso porque a Ministra Luiza fez uma colocação em relação aos países da Escandinávia, por exemplo, e a Srª Jacy também citou a situação da Alemanha, de que há até um certo problema em relação à cultura brasileira. Existe a cultura brasileira, característica da cultura brasileira, e, também, existe a cultura desses outros países.
Para se ter uma ideia, eu cito a Suécia que, há mais de 33 anos, aprovou uma lei que proíbe castigos físicos naquele País. O Brasil aprovou muito recentemente, no ano passado, a Lei Menino Bernardo. Mas, na Suécia, até 33 anos atrás, havia a cultura de se corrigir as crianças com castigo físico. Hoje a cultura na Suécia é outra completamente diferente. Qualquer tipo de castigo físico que seja repreender a criança, como, por exemplo, usar um chinelo para ameaçar a criança, é visto como reprovável pela cultura sueca.
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E, se a cultura brasileira ainda mantém resquícios dessa cultura, isso pode ser visto, no ambiente sueco, como algo que vai contra a legislação da Suécia. Citei esse exemplo para mostrar que a própria situação da cultura gera conflitos que precisam ser considerados pelo cidadão brasileiro que decide viver no exterior.
Em uma situação eventual como essa, por exemplo, se há a cultura de corrigir a criança a partir dos castigos físicos, um conselho tutelar ou os órgãos de proteção na Suécia poderão olhar isso como uma situação extremamente crítica e tomar providências que estiverem dentro da legislação da Suécia.
Então, é muito importante, realmente, fazer esse esclarecimento para a população brasileira. Há um senso comum de que o brasileiro que está no exterior está garantido de total proteção do Estado brasileiro. Isso, infelizmente, não é verdade, porque o cidadão que está no Brasil, como eu já disse, mas quero ressaltar, está submetido à jurisdição estrangeira.
Agora, em relação à prevenção, sem dúvida, nós temos um papel importantíssimo - isso que foi colocado pela Srª Jacy, que gostaria de reiterar. E não apenas a prevenção dos casos específicos, quando a mãe está no exterior e quer voltar para o Brasil, e, de alguma forma, o consulado ou as autoridades aqui no Brasil intervêm para prevenir a subtração, seja buscando as autoridades daquele país para discutir a guarda e receber autorização para vir definitivamente ao Brasil com a criança, mas até antes disso. Levar a informação para a população brasileira que tem vontade de migrar para que ela esteja ciente da situação em si.
No caso da Alemanha - a Srª Jacy muito bem lembrou que a Alemanha ainda não retornou nenhuma criança brasileira com base na Convenção da Haia -, nós já nos manifestamos para o governo da Alemanha preocupação nesse sentido. Estamos reiterando isso, na verdade, em todos os grupos bilaterais que temos com a Alemanha. Essa situação é tão crítica e está na nossa agenda que criamos um grupo de trabalho bilateral com a Alemanha para tratar de todos os casos que envolvem a subtração internacional de crianças. E pode chegar ao ponto - é importante que se diga isso - de que o Brasil possa alertar ao governo da Alemanha que vamos precisar de reciprocidade. Não há como o Brasil cumprir a Convenção do nosso lado, e a Alemanha deixar de aplicá-la em seu turno. Isso já foi mencionado na última reunião que tivemos e será mencionado na reunião que teremos em outubro deste ano. E seguiremos nessas gestões bilaterais com o governo da Alemanha.
Em relação às perguntas feitas pela Srª Eliana, acho também importante citar a duração do devido processo. Hoje, o processo no Brasil demora, infelizmente, muito mais do que achamos que deva demorar um processo como esse. Estou aqui me referindo ao processo em que a criança é trazida ilicitamente para o Brasil, e o Brasil está obrigado a determinar o seu retorno para o país de residência habitual. Hoje, o processo tem durado, em média, quatro anos.
O caso que a Srª Eliana citou, em que o retorno foi muito rápido, é uma exceção nos casos que temos hoje. Um caso que se iniciou em 2003, que estava no STJ, foi concluído na semana passada, quando o Tribunal decidiu manter a criança no Brasil. O caso ingressou no Brasil em 2003 e foi julgado, em última instância - e vai transitar em julgado, porque a AGU não vai recorrer da decisão -, na semana passada.
Então, o processo ainda dura muito no Brasil. Nós estamos com sérias e diferentes iniciativas para fazer com que o processo tenha uma duração mais célere, mas há uma ressalva a se fazer - acho importante a colocação da Srª Eliana - de que esse processo deve ter uma devida duração, que tem que ser justa. Ela não pode ser uma duração muito célere e que impeça a ampla defesa no processo e também não pode ser demorada demais e que prejudique o resultado útil do processo que seja pela manutenção da criança no Brasil ou que seja pela devolução para o país de residência habitual.
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Agora, é importante também que se diga que o Código de Processo Civil - o rito que segue é do Código de Processo Civil - que permite que haja decisões liminares inclusive para determinar, numa situação de antecipação dos efeitos da tutela, o retorno da criança.
A posição hoje da Autoridade Central é de se evitar o retorno da criança em sede de antecipação dos efeitos da tutela na primeira instância. O que nós consideramos ideal é que haja pelo menos uma decisão de um tribunal, um órgão colegiado para que o retorno aconteça de forma mais segura. E nós já colocamos isso reiteradas vezes para a Advocacia-Geral da União, que tem o mandato inclusive constitucional para definir a estratégia processual desses casos no Judiciário.
Mas o que eu quero dizer com isso que é hoje o Código de Processo Civil permite que haja a devolução da criança antes mesmo da emissão da sentença. Isso está previsto no Código. Então, não é ilegal. O que nós entendemos é que é importante utilizar esse mecanismo com muita cautela para evitar reiteradas violações no direito da criança.
Em relação às exceções ao retorno, realmente eu não me detive na explicação da Convenção no que tange às exceções porque eu estava fazendo uma palavra introdutória. Era uma introdução ao tema da Convenção, mas a Convenção prevê efetivamente exceções ao retorno. Aquilo que o Dr. Fabrício colocou em relação ao caso da Amy se enquadrar numa exceção ao retorno, em princípio o Judiciário brasileiro tomaria uma decisão nesse sentido, mas é possível, pelo que foi relatado aqui, que esse caso se enquadrasse na situação do art. 13, I, "b", até por conta da inserção do pai nessa lista dos sexual offenders, porque a Convenção não diz que você precisa comprovar que houve a violência. A Convenção utiliza a palavra "grave risco". O risco não necessariamente significa que haja violência. Mas que possa haver a violência. Então, é importante fazer essa colocação.
E a Convenção não trata apenas dessa exceção, que se enquadraria numa situação de violência sexual, por exemplo, ou numa situação de violência doméstica voltada para a criança. Outras exceções se aplicam. Sem dúvida, esta do 13, I, "b", que trata do grave risco de ordem física e psíquica para a criança, é o que mais vem sendo utilizada porque é uma guarda-chuva. Várias situações podem estar inseridas nessa exceção.
A posição da Secretaria de Direitos Humanos é que a situação de violência doméstica se enquadra nessa exceção. Inclusive, o Brasil vem defendendo essa posição nos espaços multilaterais. Existe um grupo de trabalho que foi constituído no âmbito da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado que está discutindo especificamente a abrangência desse artigo da Convenção e se se aplicaria às questões de violência doméstica. O Brasil defende que sim, que as situações de violência doméstica precisam estar inseridas nessa exceção ao retorno.
Em relação a qualquer tipo de laudo da Secretaria de Políticas para Mulheres, é importante fazer dois esclarecimentos. A posição da Autoridade Central é que a situação de violência ocorre no exterior. E a Secretaria de Políticas para Mulheres tem mandato para atuação no Brasil. Então, há uma limitação de mandato de atuação da Secretaria de Políticas para Mulheres que inclusive foi analisada pela Advocacia-Geral da União para manifestação nesses casos. Nós entendemos que atuação da SPM é essencial e extremamente importante, inclusive na proteção dessa mulher que vem para o Brasil. Então, quando ela está em território brasileiro e vem para o Brasil, é importante que a SPM dê todo apoio de ordem psicológica e jurídica para essa mãe, mas, no que tange ao que aconteceu e ao que foi perpetrado no exterior, a SPM não tem condições de certificar que houve essa violência. O que a SPM faz é dizer se há indícios de violência doméstica quando o conjunto probatório que é trazido ao processo indica nesse sentido. Não é possível certificar, mas é possível indicar a incidência, a possível incidência dessas questões.
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De qualquer forma, independente de se ter um relatório - que é como a gente tem chamado - da SPM nos autos administrativos, o juiz, na Justiça Federal, vai analisar todas as provas do processo.
Já estou caminhando para terminar, Presidente. Eu disse que eram várias considerações.
Mas nós consideramos então que o papel da SPM é essencial, e mais essencial ainda é, nisso que foi colocado pela Srª Jacy, no caso da prevenção da comunidade brasileira, principalmente quando a gente percebe que, em 99% dos nossos 395 casos, quem trouxe a criança para o Brasil ou quem levou a criança para o exterior foi a mãe. Então a questão de gênero está intrinsecamente ligada à subtração internacional de crianças; portanto, a atuação da SPM é essencial.
Quanto às garantias no retorno, quando a criança volta para o país de residência habitual, tanto daqui do Brasil ou do exterior para o Brasil, é importante que a gente diga o seguinte: a Convenção não trata de questões de guarda. Então, esse juiz que determina o retorno não pode se manifestar sobre a guarda daquela criança. Ele só pode se manifestar se a criança deve ser retornada ou não. Então, nesse sentido, se ele entra nas questões de visitação, a não ser que seja uma situação de acordo entre os genitores, o juiz não poderá se manifestar quanto à visita ou quanto à guarda da criança e muito menos impor à jurisdição estrangeira alguma garantia para ser cumprida no exterior, porque são duas jurisdições. O juiz brasileiro não pode impor que o juiz estrangeiro cumpra alguma decisão e tampouco o juiz estrangeiro pode impor ao juiz brasileiro que seja dada alguma garantia.
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Perdão, mas foi justamente o que aconteceu no caso de Roberta. A Acaf apresentou no processo garantias dadas pelo governo sueco, e elas não foram respeitadas. Infelizmente a recíproca não é verdadeira, Sr. George, como nós sabemos.
O SR. GEORGE LIMA - Nesse caso em específico, em que eu ia entrar logo em seguida - é importante que se diga: nós não estamos tratando desse caso em específico, Presidente -, mas nesse caso em específico, havia uma declaração do governo da Suécia, que não pode ser considerada como uma intervenção do governo da Suécia. O que se estava tentando era buscar uma decisão consensual das partes, isso em 2013. O retorno da criança aconteceu em 2015. Quando foi apresentada essa declaração do governo da Suécia, a ideia era, se fosse possível, chegar a um acordo entre as partes. No momento em que foi emitida a declaração, não foi possível chegar a um acordo.
Acontece, entretanto, que essa declaração que foi emitida dizia claramente - isso inclusive foi citado no julgamento da ação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo - que havia sim - e na Suécia o ato da subtração internacional de crianças é crime -, havia sim um processo criminal em trâmite na Suécia e que ele seguiria. Não houve nenhum tipo de garantia sobre a prisão da pessoa envolvida no caso. Então é importante que se coloque isso com atitude de esclarecimento.
No caso da manifestação do Brasil, que foi solicitada, isso já foi feito em duas oportunidades. A Autoridade Central já colocou a sua preocupação em diversos contatos que foram feitos com a Autoridade Central da Suécia. Eu conversei pessoalmente, por telefone, com a minha contraparte sueca, para manifestar a nossa preocupação, porque o Brasil entende - e também tem se manifestado nesse sentido em diversas instâncias multilaterais - que a criminalização da subtração internacional de crianças é um erro procedimental, mas que está dentro da soberania de cada país. Cada país pode considerar se esse ato será um crime ou não.
Eu já abro um aparte, Jacy.
Então, é importante que isso seja colocado. A gente tem insistido nisso com os demais países. E também o embaixador do Brasil já visitou inclusive o Ministério das Relações Exteriores da Suécia para manifestar também a preocupação do Governo brasileiro nesse sentido.
A SRª JACY RADUAN-BERGER - Daí, George, que eu digo: a importância de a gente ter um conhecimento do direito estrangeiro, inclusive do Direito Penal estrangeiro. De cada país com que a gente tem um problema, a gente tem que conhecer qual é o risco que a gente corre na hora em que a gente volta para lá. Não adianta a gente ter recebido uma gestão diplomática, que não garante direito nenhum. Quem garante direito é juiz, é a Justiça.
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Então a gente deveria saber, antes de repatriar uma criança, ou antes de recomendar que um cidadão brasileiro vá ao exterior, a gente deve conhecer aquele lei, saber se realmente ela tem garantia, tipo um habeas corpus preventivo, saber qual o remédio jurídico e como chegar até ele. Eu vejo que principalmente o Itamaraty até hoje não tem conhecimento jurídico suficiente para dar garantia para o brasileiro no exterior. Por exemplo, a Srª Ministra Luiza Lopes não conseguiu responder a pergunta que o Sr. Senador fez para ela em relação à lista de sexual offender nos Estados Unidos. Esse é o conhecimento básico de Direito Penal americano.
Então, se existe uma denúncia, alguma vez foi feito um boletim de ocorrência contra uma pessoa, ela entra para essa lista. Isso não significa que ela respondeu um processo, que ela tem um trânsito em julgado, ela entra na lista. Para que isso? Para, quando ocorrer um caso de pedofilia na região, é feita uma busca e, então, encontram-se os nomes prováveis de prováveis pedófilos. Isso é conhecido nos Estados Unidos. Mas nem isso o Itamaraty sabe responder, porque não tem conhecimento suficiente para defesa do cidadão brasileiro no exterior.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Repasso a palavra para o Dr. George e peço que conclua para que nós possamos ainda ouvir o Dr. Arnaldo e a Drª Kátia Albuquerque e também para que possamos concluir a reunião.
O SR. GEORGE LIMA - Dois pontos a mais, Sr. Presidente. Quanto ao outro ponto em relação às pastas abertas, o termo que foi utilizado pela Srª Eliana, eu considero a proposta extremamente importante. Nós já tivemos um caso recente em que nós utilizamos informações que haviam sido enviadas para a Autoridade Central antes mesmo que houvesse um processo em trâmite. Eu penso que a vinda do PJE, do Processo Judicial Eletrônico, para a Autoridade Central facilitará muito essas questões, porque, quando nós recebermos a informação, isso poderá ser registrado no sistema e, quando nós recebermos um caso de subtração específico em que haja algum tipo de alegação, nós poderemos facilmente fazer uma busca no sistema sem que haja necessidade de buscarem pastas físicas. Colocando basicamente o nome da pessoa no sistema, nós conseguiremos achar essas informações de forma mais célere e utilizá-las no processo. Isso sem problema nenhuma.
O que disse a Ministra é importante. Um consulado não pode passar a informação para a Autoridade Central de forma automática. Ele poderá consultar a pessoa interessada e, se ela tiver o interesse, essa informação poderá ser compartilhada conosco.
Por último, Senador, eu quero reiterar o papel do Poder Legislativo nesse processo. Eu estou à frente da Autoridade Central desde 2013. De 2014 para cá, nós tivemos uma ampliação do interesse do Poder Legislativo nesse tema. É um tema que, até então, era tratado basicamente no âmbito do Poder Executivo e Judiciário, mas o papel do Legislativo é muito importante. O que o senhor sugeriu - realizar um debate, analisar a questão a fundo, propor medidas legislativas que venham a contribuir com o trabalho da Autoridade Central e dos outros órgãos que estão envolvidos nessa temática - é relevante.
Do nosso lado, nós já gostaríamos de fazer um pedido ao Senado Federal. Nós estamos trabalhando numa comissão da qual vários órgãos que estavam aqui hoje participam - CNJ, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores -, que está propondo um anteprojeto de lei para justamente apresentar medidas visando a dar celeridade e garantias aos processos judiciais que tramitarão aqui no Brasil. Eles terão um rito específico nesse sentido. E o Governo brasileiro vai apresentar isso para o Congresso Nacional.
Esse tema vai ser ainda discutido no âmbito da sociedade civil, porque nós pretendemos fazer audiências públicas no Executivo antes de o texto chegar ao Congresso Nacional, mas, a partir do momento em que chegar ao Congresso Nacional, nós gostaríamos muito de contar com o apoio de V. Exª, para fazer com que esse projeto ande rapidamente pelas comissões desta Casa e também na Câmara dos Deputados, a fim de que seja aprovado o quanto antes e alterado da forma como o Congresso Nacional julgar pertinente.
Muito obrigado.
A SRª ELIANA APARECIDA RODRIGUES-MÄRZ - Com relação à resposta que o senhor me dá, Sr. George, eu gostaria ainda de dizer que essas garantias que o senhor disse que foram dadas em 2013 não existem, não constam do processo, em nenhum momento, que essas garantias tenham sido retiradas. É importante frisar isso.
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Se elas foram dadas em 2013 e não foram retiradas, elas existem, elas deveriam ser vigentes e o Governo brasileiro deveria cobrar o governo sueco pela retirada. Isso não foi feito, além do fato de que, infelizmente, no caso da Roberta de Santa Lúcia, estamos lidando com uma criança autista, que não teve contato com esse pai e que foi nascida no Brasil. Isso é muito sério também.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Só uma questão, porque já adotei aqui um regime de informalidade muito grande. Então, essa questão da concessão da palavra, enfim, vamos ter oportunidade de fazer essa outra audiência pública, quando vamos poder extrapolar bastante o debate sobre a questão Amy, mas é importante que tenhamos condição de, pelo menos, concluir aqui, ouvir a Drª Kátia e ver se há algum tipo de desdobramento que podemos tomar no curto prazo. E pode ter certeza de que as senhoras serão convidadas.
Bom, então, vou dar a palavra ao Dr. Arnaldo para, enfim, passar a palavra à Drª Kátia Albuquerque.
O SR. ARNALDO JOSÉ ALVES SILVEIRA - Muito obrigado, S. Exª, Senador Humberto Costa.
Bom, eu queria começar deixando claro para quem trabalhamos, para quem a Secretaria Nacional de Justiça, e acredito, tenho certeza, muitos órgãos, que aqui estão, todos, trabalham. Trabalhamos para as senhoras, trabalhamos para qualquer brasileiro ou estrangeiro que tenha aí um processo judicial com elementos transnacionais. Então, é muito importante ouvir das senhoras essas críticas, essas sugestões. Elas são muito bem-vindas, e não só as acolhemos, como vamos tratar delas de modo que venham a ter efeitos práticos, efetivos, e pedimos mais: precisamos de mais participação, de mais sugestões e estamos à disposição.
Bom, feito esse esclarecimento, eu queria agradecer especificamente à Srª Kátia Albuquerque, à Srª Jacy Raduan-Berger, à Srª Eliana März, e dizer que nossos telefones, correios eletrônicos estão absolutamente à disposição. Aqui, quando terminar, estamos também inteiramente à disposição pelo tempo que for necessário.
Mas, com relação aos casos específicos, a questão da Convenção da Haia de sequestro internacional de crianças, o Dr. George já explicou bem o caso, que é o caso que envolve mais a Srª Eliana März.
No caso de Amy Galvin, infelizmente, não conseguimos durante esta audiência identificar elementos que possam permitir que, no âmbito da cooperação jurídica internacional, possa ser feito algo nessa questão. Por outro lado, a questão consular está sendo muito bem desenvolvida pelo Ministério das Relações Exteriores, como foi relatado pela Ministra Luiza.
Com relação ao caso da Srª Jacy Raduan-Berger, eu gostaria de dizer que é feito um trabalho na Secretaria Nacional de Justiça com todos os casos de cooperação jurídica internacional que não são cumpridos. Pode passar a impressão de que nada foi feito, sinto isso, gostaria de explicar como é que isso funciona. São por volta de mil pedidos por mês que tramitam pela Secretaria Nacional de Justiça, são muitos, a equipe é enxuta, é suficiente, mas é enxuta, mas todos os casos que não são cumpridos, seja pela justiça do país estrangeiro, seja pela nossa justiça passam pela mesa do Coordenador-Geral de Cooperação Jurídica Internacional, que é o cargo que exerço.
Faço questão de ver pessoalmente cada um desses casos ou, quando não estou, que quem está me substituindo, veja. Em muitos casos, por exemplo, voltou uma citação porque o endereço estava incompleto e a autoridade estrangeira não fez uma busca. Mas nós fazemos essa busca. Temos algumas ferramentas à nossa disposição e, também, claro, ferramentas abertas de busca pela internet, e fazemos todo o possível para tentar ali, naquele momento, colocar aquele item que faltou, para que aquele pedido seja cumprido.
No caso específico da senhora, que eram dois pedidos, um, de busca e apreensão, e outro, de provas, de uma perícia, no caso, esse pedido de busca e apreensão, realmente, no momento, não existe um instrumento internacional que vincule Brasil e Alemanha e que permita que seja feita uma busca e apreensão na Alemanha ordenada por um juiz brasileiro. Neste caso, nos casos em que há cooperação jurídica internacional, ou seja, um pedido do Brasil para o exterior não é suficiente para resolver a questão, o que sugerimos é litigar no país estrangeiro para obtenção dessa questão. É, de alguma forma, frustrante ter que dizer que, por meio da Justiça brasileira, essa medida dificilmente vai ser obtida, mas, por outro lado, há que se entender aquela questão também dos limites das jurisdições e que não existe um instrumento internacional que vincule os dois países nesse sentido.
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O Senador Humberto Costa estava mencionando a Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça, recentemente em vigor. A Alemanha também não é parte. Então, nesse caso, se a senhora precisar litigar na Alemanha, a senhora ainda pode, sim, fazer, respondendo à indagação que o Senador colocou, a senhora pode, sim, solicitar à Defensoria Pública da União que encaminhe à Secretaria Nacional de Justiça uma solicitação de que seja fornecida à senhora uma assessoria jurídica na Alemanha. Essa solicitação vai ser encaminhada, por nosso intermédio, às autoridades alemãs, que vão analisar a possibilidade de conceder ou não a assistência jurídica para a senhora poder litigar naquela jurisdição.
Agora, tenho também uma boa notícia a dar, e nesta eu acredito mais, com relação à questão da perícia. A senhora disse que a perícia não foi realizada. Eu não sei as razões. Deveria ter sido, se devidamente instrumentalizada, se os documentos estavam em ordem. Não sei a razão, depois quero conversar com a senhora sobre os detalhes para saber, mas um pedido como esse foi facilitado pela recente adesão brasileira à Convenção da Haia de produção de provas no estrangeiro. Não sei de quando é o pedido da senhora ou se foi já com base na Convenção da Haia - duvido, porque ela é muito recente -, então, eu sugiro... Nós estamos inteiramente à disposição da senhora, do seu advogado ou de quem quer que seja, do seu defensor público, para ajudar a formatar um pedido com base na Convenção da Haia, para a qual somos Autoridade Central, a Convenção da Haia sobre a obtenção de provas. Então, esse caso da perícia precisa ser revisto, acredito que haja espaço.
Com relação à questão do pedido de busca e apreensão, existe um trabalho, também na Conferência da Haia de Direito Internacional, chamado Projeto de Sentenças, é Judgments Project, no qual temos tipo participação ativa junto a outros órgãos do Governo brasileiro no sentido de obter mais efetividade nas sentenças de um país nos outros países. Então, há um trabalho nesse sentido, mas, infelizmente, neste momento, esse instrumento não existe.
Com relação à difusão que foi sugerida para a Srª Eliana März, nós gostaríamos de dizer que já existe um trabalho de difusão, são editados pela Secretaria Nacional de Justiça Manuais de Cooperação Jurídica Internacional, que vão ao detalhe de explicar como se faz em cada país, quais são as peculiaridades da cooperação com aquele país. São feitos eventos de divulgação. Nós temos, diferentemente de outros órgãos, entre as nossas competências, a divulgação. Não se trata de um órgão que resolve divulgar o seu trabalho, nós somos obrigados - porque assim é com os órgãos públicos com relação a suas competências -, nós somos obrigados a difundir o nosso trabalho, porque sabemos que o desconhecimento, Srª Jacy, é um dos grandes problemas que se enfrenta nessa seara.
Então, o nosso sítio eletrônico tem bastante informação, mas é excelente a proposta de difusão junto às outras políticas públicas brasileiras, como, por exemplo, os contemplados pelo Ciência sem Fronteiras e outros. Isso vai ser explorado, nós agradecemos a sugestão. Essa possibilidade vai ser explorada pelos órgãos que aqui estão.
Eu queria, pedindo desculpas por ter me alongado um pouco, Excelência, aproveitar para aplaudir a iniciativa de V. Exª, Senador Humberto Costa, de nos proporcionar esta audiência pública, de propor, como foram propostas pelo Senador, novas iniciativas conjuntas. Desde já a Secretaria Nacional de Justiça se coloca inteiramente à disposição para essas iniciativas.
Eu gostaria de aqui mencionar e aproveitar para passar o pires, Excelência, porque algumas convenções internacionais da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado estão no Legislativo, para as quais eu peço a atenção de todos os legisladores e de V. Exª, em particular, pela preocupação que tem com o assunto. Está no Legislativo a Convenção da Haia sobre a Cobrança Internacional de Alimentos e o seu protocolo sobre lei aplicável. São convenções que vão permitir mais efetividade às mães brasileiras que precisam de pensão alimentícia de pais que estejam no exterior e vice-versa. Vamos também fornecer, com mais facilidade, com mais efetividade, pensões alimentícias às mães que estejam no exterior ou aos pais, quando for o caso, também, quando os pais sejam aqueles que têm a guarda das crianças.
Essa convenção vai permitir, por exemplo, que da minha própria mesa, por meio de um sistema eletrônico, eu seja capaz de encaminhar às autoridades estrangeiras um pedido de cooperação jurídica internacional sobre pensão alimentícia e que naquele país seja dada assistência jurídica correspondente para que esse pedido seja atendido. Então, para a questão dos alimentos, os Estados Unidos, em breve, serão parte dessa convenção, a Europa, como um todo, já é parte dessa convenção, e vários outros países estão examinando. Acontecerá uma conferência em Hong Kong no final deste ano para que os países asiáticos também venham a aderir.
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Então, é um trabalho com o qual nós contamos com o sempre pronto apoio que temos tido do Legislativo. Gostaria de frisar aqui que a tramitação, pelo Legislativo, das convenções que ampliam os direitos dos brasileiros que precisam de apoio na seara internacional tem sido rápida, tem sido efetiva. Gostaria de agradecer ao Poder Legislativo por isso.
Há outra convenção, também, para finalizar, Excelência, que se chama Convenção da Haia relativa à supressão da exigência de legalização de documentos estrangeiros. É a conhecida convenção da apostila. Então, provavelmente, quando for fazer seu pedido, a Srª Jacy teve de legalizar seus documentos na Embaixada da Alemanha para que eles pudessem ser enviados ao exterior. Isso demora, isso custa dinheiro, isso tem... Isso, de alguma forma, dificulta o exercício do direito pelos brasileiros no exterior.
Mais de cem países já são parte dessa Convenção. O Brasil ainda não o é, mas já foi encaminhado ao Congresso Nacional - e está com tramitação rápida - e entendemos que, muito brevemente, o Congresso Nacional vai promulgar a Convenção da Haia relativa à supressão da exigência de legalização de documentos estrangeiros. Com isso, vamos passar a ter mais esse facilitador.
Então, mais uma vez, quero agradecer a oportunidade e nos colocar à disposição e reiterar que, ao finalizar aqui, estaremos à disposição a quem tiver necessidade. Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Bom, eu quero agradecer a participação do Dr. Arnaldo Silveira. Quero lhe dizer, antecipadamente, que terei todo interesse, lá na Comissão de Relações Exteriores, de pedir uma tramitação célere. Eu sou integrante da Comissão também e gostaria que, se possível, pudesse me deixar os números e nomes desses projetos para que nós possamos fazer uma gestão no sentido de uma maior rapidez.
Eu queria aqui, antes de passar a palavra para a Drª Kátia, registrar duas questões: uma pergunta e uma colocação aqui muito relevante. A pergunta para a senhora vem de São Paulo, da Srª Lhelly Germina Nery Silva. Ela gostaria de saber se a mãe de Amy, Karla Janine Martins Albuquerque, está podendo visitar a filha e se o governo americano continua assistindo Amy após as denúncias de abuso.
Eu recebi aqui, no meu WhatsApp, uma mensagem da jornalista Isly Viana, de Recife. Ela acompanha esse caso e está acompanhando esta audiência. Ela diz: "Queria lhe passar somente uma informação: o homem em questão foi condenado por pedofilia em 1996", ao contrário do que teria sido dito aqui. Ela diz também (é verdade, ela me passou quando estive lá em Recife na TV Clube e no Jornal Diário de Pernambuco, uma série de documentos) que, além daqueles documentos, "há também outros demonstram registros do abuso denunciado em 09 de agosto de 2010".
Então, eu vou passar a palavra à Drª Karla; depois, se a Drª Luiza quiser se manifestar ou, pelo menos, a gente puder cobrar dela aqui se pode nos ajudar no sentido de confirmar essa informação por intermédio de nossa representação diplomática em Miami.
Bom, com a palavra, Drª Kátia.
A SRª KÁTIA ALBUQUERQUE - Bem, é muito oportuna a intervenção da jornalista que, inclusive, esteve em audiência lá no local e que tem acesso a toda documentação que Karla tinha, que Karla tem, e que está à disposição de todos quantos queiram realmente saber a veracidade dos fatos sofridos por sua criança, minha neta.
Karla recebeu green card por provar, diante do governo dos Estados Unidos, a violência doméstica. Então, isso é fato concreto. O entendimento entre a OAB e o American Bar Association foi realizado no sentido de uma atuação pro bono - e isso não foi conseguido. Não houve uma resposta do Bar Association. O defensor público, pelo que nós temos buscado, ele não atua em casos de família.
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Não houve indicação de defensor público. Orientaram-nos a buscar no Google um advogado. E isso por pessoa do Consulado de Miami. Não cremos que seja a melhor prática pedir notícias de uma criança na situação em que ela se encontra, sob a guarda do sexual offender, ao próprio e ao advogado dele, que por todo o histórico que nós temos, pois está provado na internet, tem um comportamento igual; recentemente esteve preso.
Em 2007, buscamos a cidadania brasileira para Amy, quando uma procuração pública ali foi expedida em favor da tia da Karla e minha irmã, Kilma Sarmento. A partir dessa data, nós procuramos a cidadã da Amy, até porque, como já prevíamos, Amy quase que nascia no shelter para mulheres que sofrem violência doméstica, onde a mãe esteve nos primeiros meses de gravidez.
Quanto ao desconhecimento de anterior registro, já foi esclarecido e é de se ficar pasmo como não se tem conhecimento disso. É um recorde público da justiça criminal dos Estados Unidos. Ele, o senhor biológico genitor, pagou uma indenização, fez um acordo pecuniário para não continuar preso. Ele, quando na condicional, infringiu os ditames da condicional. Lá eles usam um termo de quebrar a condicional. Foi isso o que aconteceu.
Há documentos, sim, que dizem dos abusos. Temos um relato público, feito na mídia, pela psicóloga que atua em caso de crianças, na época em que foi constatado. É um relatório conclusivo, mas há relatórios outros também. E há perícias nas roupas de Amy que não foram realizadas. Então, resta-nos perguntar o que deve ser feito pelos órgãos competentes, e o que se faz, o que se pratica na realidade. Porque em muitos casos não podemos provar as nossas idas ao consulado, porque não temos registro. Mas esses registros deveriam constar de um documento qualquer, uma pasta onde houvesse a história, o histórico da situação.
Mas nós buscamos, sim. Temos e-mails de pessoas daqui do Brasil, pessoas de Pernambuco, que nos remeteram... É porque nós não queremos entrar em pequenos detalhes que se transformam em um imenso universo de idas e vindas, de contradições. A verdade é que Karla lutou e luta, é digna sim, é uma trabalhadora sim. Mas há um desgaste natural. Todos temos limites. Somos humanos. Eu estou no meu limite. Karla se encontra há algum tempo além do limite. Há dificuldades de toda ordem, inclusive dificuldades financeiras. Nós buscamos advogados pro bono, nós buscamos defensores, nós somos pessoas que temos acesso às informações, e, mesmo assim, não conseguimos o êxito em nossas atuações.
E a Amy pede socorro. Ela está há muito com um pedófilo convicto, com abusos perpetrados contra outras crianças, filhas e enteadas do mesmo. Então, essa é a nossa história, esse é o nosso histórico. Nós não nos atemos a suposições, a fatos aleatórios, muito menos a mentiras, a inverdades. Nós estamos com a verdade. Nós buscamos apenas que essa verdade seja reconhecida.
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Nós pedimos respeito a uma criança. Não há na história criança apátrida, mas, se houvesse, ainda assim seria uma criança, é uma criança. Ela é uma criança como nós, com muito equilíbrio emocional, e isso está sendo contrário até... Nós temos muito equilíbrio emocional, nós estamos perdendo também isso.
A Amy se expressa em três línguas, é uma criança superdotada. Ela faz os relatos do que aconteceu com ela, fala com as outras crianças, quando estão com seus pais, se os pais fazem isso com essas crianças. Eu nunca consegui ouvir o relato completo de Amy, muito embora tenha ouvido outros relatos quando da minha atuação profissional, quando eu atuava nas varas da infância e adolescência. Mas, da minha neta, não posso ouvir. Sempre pedi para ela falar com a mãe dela. A escola soube, muitos souberam, muitos não querem saber. É uma história feia, é uma história que as pessoas não gostam de ouvir, mas é uma história verdadeira. Apenas isso.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Quero agradecer a participação da Srª Kátia Albuquerque; Sr. George Lima, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Ministra Luiza Lopes da Silva, do Ministério das Relações Exteriores; Dr. Fabrício Bittencourt da Cruz, Secretário-Geral do Conselho Nacional de Justiça; Sr. Arnaldo José Alves Silveira, representante da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça; e todos que nos acompanharam nesta audiência. Quero agradecer também às Srªs Jacy Berger e Eliana März.
Quero também reforçar essa preocupação e pedir encarecidamente à representação do Ministério das Relações Exteriores que possa confirmar essas informações que recebemos e as complementares, por parte da Drª Kátia, na medida em que se extrapola aí, como disse ela, a própria questão da nacionalidade.
Trata-se de uma criança. Se essas informações correspondem à realidade, é preciso que criemos mais condições para que a família faça chegar às autoridades americanas - nós sabemos que elas são muito cônscias da importância de se evitar esse tipo de prática, conhecemos o modo de pensar da sociedade americana em relação a isso -, não sei se o fato de se tratar de uma pessoa de outro país ou filha de estrangeiro, se há o mesmo zelo, mas vamos continuar acompanhando esse assunto. Aguardamos que esta audiência do dia 24 tenha um resultado positivo. Queremos pedir também o acompanhamento do Ministério das Relações Exteriores a essa audiência e o pleno esclarecimento de todos esses fatos.
Acho que o que está em jogo aqui é principalmente a saúde psicológica de uma criança que está em meio a uma disputa com muitas controvérsias. São muito fortes os argumentos que a família coloca. Reconhecemos também todos os argumentos que foram colocados aqui quanto à limitação da intervenção do nosso País, de suas autoridades, no caso, mas temos que levar até as últimas consequências a possibilidade de essa intervenção acontecer.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Obrigado.
(Iniciada às 9 horas e 26 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 56 minutos.)