24/06/2015 - 43ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Boa tarde a todos. Declaro aberta a 43ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública nos termos do Requerimento nº 80/2015, da Comissão de Direitos Humanos, de minha autoria e outros Senadores, para debater sobre o tema Violências motivadas por orientação sexual e identidade de gênero, análise de situação e respostas.
Essa audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, link www.senado.leg.br/e-Cidadania, e do Alô Senado, através do número 0800.61 22 11.
Chamo agora para fazer parte da mesa os convidados: Srª Juliana Gomes Miranda, Diretora do Departamento de Promoção de Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa de Direitos Humanos. (Palmas.)
Muito bem-vinda.
Sr. Carlos Magno, Presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais). (Palmas.)
Débora Diniz, Professora da Universidade de Brasília e do Instituto de Bioética e Direitos Humanos e Gênero. (Palmas.)
Ella Wiecko, Coordenadora do Grupo Candango de Criminologia da Faculdade de Direitos Humanos da UnB, representando o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. (Palmas.)
Saúdo todos os presentes. A audiência pública que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa hoje realiza em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados acontece em decorrência da aprovação de requerimento de minha iniciativa e dos Senadores Capiberibe, Randolfe Rodrigues, Cristovam Buarque e Paulo Paim. Ela tem como objetivo discutir um tema de grande importância no contexto da defesa dos direitos humanos.
Com efeito, as violências motivadas por orientação sexual e identidade de gênero constituem terrível chaga que cotidianamente macula a convivência social neste País, ofendendo os pilares do nosso Estado Democrático de Direito, ancorado, conforme o preâmbulo da Carta de 88, entre aspas, "nos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.".
A homossexualidade foi retirada da relação de doenças pelo Conselho Federal de Medicina em 1985, vários anos antes de a Organização Mundial de Saúde fazer o mesmo. O Conselho Federal de Psicologia, por sua vez, determinou em 1999 que nenhum profissional pode exercer, entre aspas "ação que favoreça a patologização de comportamento ou práticas homoeróticas.".
Em maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a distinção do tratamento legal às uniões estáveis homoafetivas. Já decisão do Superior Tribunal de Justiça julgou não haver obstáculos legais à celebração de casamento de pessoas de mesmo sexo, e o Conselho Nacional de Justiça proibiu os cartórios de todo o País, em maio de 2013, de recusar a celebração de casamento civil de pessoas do mesmo sexo ou de negar a conversão de união estável de homossexuais em casamento.
R
Choca, contudo, em face de todos esses avanços, a persistência do preconceito, que mostra a sua face - aliás, pode ser até exatamente por causa desses avanços - mais horrenda nos repetidos episódios de violência homofóbica, violência que acontece nos mais diversos locais, nas ruas, nos parques, nas escolas, nos locais de trabalho, nos lares, nas delegacias de polícia, nos presídios, violência que pode ser espontânea, pode ser organizada, perpetrada por indivíduos ou por grupos extremistas.
O aumento significativo do número de violações noticiadas ao Poder Público Federal é extremamente preocupante. Em 2012, foram registradas 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Em comparação ao ano anterior, esses números representam um aumento de 166% das denúncias e de 46,6% das violações, haja vista que, em 2011, haviam sido notificadas 1.159 denúncias de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos. É importante também observar que os dados revelam, no caso de 2012, uma média de 3,23 violações sofridas por cada vítima. O cenário desenhado pelos relatórios produzidos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República se torna ainda mais preocupante ao se levar em conta a subnotificação de dados relacionados à violência em geral e a esse tipo de violência em particular.
Muitas vezes, ocorre a naturalização da violência, como único tratamento possível, ou a autoculpabilização. Afinal, as estatísticas constantes dos relatórios referem-se somente às violações reportadas, não correspondendo, nem de longe, à totalidade das violações ocorridas cotidianamente contra a população LGBT. Infelizmente, são muito mais numerosas do que aquelas que chegam ao conhecimento do Poder Público. De qualquer maneira, ainda que se desconsidere a subnotificação, apenas os números constantes dos relatórios já seriam suficientes para evidenciar um quadro grave de violências homofóbicas no Brasil, pois foi reportada, no ano de 2010, uma média de 27,34 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29 pessoas, em média, foram vítimas de violência homofóbica reportada no País.
Outra fonte de informações é o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais no Brasil, produzido pelo Grupo Gay da Bahia, a mais antiga organização de defesa de homossexuais do País, fundada em 1980. O levantamento relativo ao ano de 2013 documentou 312 assassinatos de gueis, travestis e lésbicas no Brasil, incluindo uma transexual brasileira morta no Reino Unido e um guei morto na Espanha. Isso representa um assombroso índice de um assassinato a cada 28 horas, o que, segundo o Grupo Gay da Bahia, mantém o Brasil no posto de campeão mundial de crimes homotransfóbicos. Essa é uma taça que ninguém deseja.
O relatório do grupo da Bahia afirma que, segundo agências internacionais, 40% dos assassinatos de transexuais e travestis no ano de 2013 foram cometidos no Brasil e que o Nordeste é a região mais violenta, concentrando 43% dos assassinatos de homossexuais. O levantamento também aponta que o mês de janeiro de 2014 foi particularmente sangrento, tendo registrado o assassinato de 42 LGBTs, o que representa um a cada 18 horas. No que se refere particularmente a assassinato de transexuais, o relatório do GGB faz uma interessante comparação. Segundo o documento, nos Estados Unidos, com cem milhões de habitantes a mais que o nosso País, foram registrados 16 assassinatos de transexuais em 2013, enquanto no Brasil foram executados 108 transexuais.
R
Conclui-se, portanto, o risco de uma travesti ser assassinada no Brasil é 1.280 vezes maior do que nos Estados Unidos. Foi apontado que os autores somente foram identificados em 103 ou 33% dos crimes letais cometidos contra homossexuais em 2013, no Brasil, não havendo informação sobre a captura dos criminosos nos 67% restantes dos casos. O relatório do Grupo da Bahia evidencia o alto índice de impunidade nesses crimes de ódio, bem como a gravíssima homofobia institucional/policial, que leva à não investigação em profundidade de tais homicídios.
Feita a apresentação do tema, reforço que estamos aqui reunidos em dois significados: ouvir as reflexões dos convidados dessa mesa e as reflexões das reuniões estratégicas dos movimentos LGBTs que estão aqui em Brasília desde segunda-feira, debatendo a questão da violência contra a população LGBT e buscando encaminhamentos.
Houve apoios a essa iniciativa por parte da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal; Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara dos Deputados; Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual; Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; União Nacional Pluripartidária LGBT; Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero; Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, que é a Unesco; Ministério da Saúde, por meio do Departamento DST/Aids e Hepatites Virais; Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa; Departamento de Apoio à Gestão Participativa; Secretaria Geral da Presidência da República; Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
E quero fazer um agradecimento a todos os parceiros.
Num breve histórico sobre a questão da criminalização da homofobia, em 2011, desarquivamos o Projeto de Lei nº 122, de autoria da então Deputada Federal Iara Bernardes, e que no Senado foi um tema defendido antes pela Senadora Fátima Cleide, que conseguiu a sua aprovação na Comissão de Assuntos Sociais.
Fátima propôs um substitutivo com equiparação da discriminação aos homossexuais ao racismo.
Bem, assumi a relatoria do projeto, e buscamos levar o debate adiante. Tentamos, juntamente com parte do movimento, aprovar novo substitutivo aqui, na Comissão de Direitos Humanos, para avançarmos, mesmo que à frente tivéssemos que retomar alguns pontos. A luta, às vezes, exige, na estratégia, aprovar o que é possível e, fazendo o possível, alcançar o que parece impossível. Mas a matéria nem prosperou aqui nesta Comissão de Direitos Humanos.
E eu fui para o Ministério da Cultura e, neste momento, o Senador Paim ficou como relator - era Presidente da Comissão de Direitos Humanos -, mas aconteceu uma manobra que levou o projeto a ser arquivado, ou melhor, não foi arquivado, foi apensado ao Código Penal. Quer dizer, desapareceu daqui, não está mais em votação. Daqui, ele foi para o Código Penal e sumiu. Sumiu no Código Penal. Por que estou dizendo que sumiu no Código Penal? Quando voltei para o Senado, me interessei em saber em que pé estava. E tive a surpresa de ver que tinha ido para o Código Penal e, no Código Penal tinha desaparecido. E esse desaparecimento fez com que voltássemos à estaca a zero em todas as questões porque estava desaparecido.
Então, o que fizemos? Imediatamente, vários Senadores e eu também fizemos emendas ao Código Penal, recompondo a questão dos direitos LGBT no Código Penal.
A partir daí, o Código Penal estava na Comissão de Justiça, onde ia ser discutido e votado. Essas emendas foram feitas dois dias antes, se não me engano, no final do ano, de o Senador Vital do Rêgo sair da Presidência - agora está no Tribunal de Contas da União - e não foi votado. Então, as emendas estão lá prontinhas para serem votadas na votação do Código Penal, que está na Comissão de Justiça, aguardando ser discutido e votado.
Esse é o status atual.
R
Repito, vamos ter no novo Código Penal as previsões de crimes por preconceito contra etnia, por regionalismo, por religião, e a surpresa era que a questão da homofobia tinha sida riscada, mas foi reintroduzida em vários artigos. Isso é absolutamente uma discriminação patente contra os homossexuais. Por que a questão étnica, ou regional, ou de raça é mais importante do que esses dados terríveis que acabei de ler para todos os presentes?
Eu apresentei nove emendas ao Código Penal, e todas as emendas foram debatidas com o coletivo pela minha assessoria, durante a reunião estratégica de como proceder, em virtude da situação que estava criada. São emendas que agravam penas sempre que a motivação do crime for por questões de gênero, orientação sexual ou identidade de gênero. Em síntese, criminaliza a homofobia, claro, tema também muito debatido nesses dias, e todos sabem que a sociedade se move por ondas.
Eu estava, faz uns minutos, conversando com o Carlos e com Tony, e mostrando isso. Eu me lembrei da campanha do Obama, a primeira, em que ele mal tocava no assunto; na segunda campanha, ele já assumiu essa questão do casamento guei, mas uma coisa leve; e, hoje de manhã, fiquei surpresa, já vi na internet a campanha da Hillary Clinton, em que ela fez um vídeo sobre casamento guei. E, das camisetas vendidas na sua campanha, metade é de camisetas apoiando o casamento guei. Isso é, sei lá, há quantos anos? Doze ou quinze anos.
As coisas caminham. Nós estamos hoje num momento muito conservador, num momento muito difícil de se caminhar tanto na Câmara, quanto no Senado. Mas tenho certeza de que há certas ações, certas circunstâncias da humanidade em que é inexorável que vão acontecer.
Antes, existia escravatura e que todo mundo achava normal. Hoje, se pensarmos em uma situação dessas, todo mundo se horroriza, e temos até fortes ações contra o trabalho infantil e escravo. O divórcio é outra situação em que, até 40 ou 50 anos atrás, as mulheres que se divorciavam, aí eram principalmente mulheres, marginalizadas na sociedade, e hoje o divórcio foi assimilado pela sociedade.
Então, temos que pôr tudo dentro do contexto. A sociedade caminha dessa forma, mas existem certas situações em que sabemos que caminham para a liberdade, para o respeito, para a tolerância com pessoas diferentes umas das outras. E é isso que se busca numa sociedade para que seja mais harmoniosa.
Hoje, podemos dizer que tivemos avanços na pauta LGBT no Judiciário. No Executivo, por exemplo, em todas as gestões que antecederam a da Presidenta Dilma, tivemos conferências, na questão previdenciária também tivemos avanços, mas, quanto mais visibilidade ganhar a causa, maior será a reação, mas isso também faz parte.
A Argentina avançou bem mais que o Brasil na garantia de direitos, embora o perfil da sociedade fosse muito mais conservador. Eu lembro, quando, há 14 ou 15 anos, começamos a mencionar esse tema na Câmara, a Argentina era muito conservadora, não se falava dessa questão de homossexualidade. Só que hoje Buenos Aires é uma cidade gay friendly, e temos assassinato de homossexual na Avenida Paulista. E passa batido, como se fosse alguma coisa que ocorre absolutamente, como qualquer tipo de assassinato.
Estamos hoje convivendo com esses paradoxos. A maior parada guei do mundo acontece na mais importante avenida do País, onde as agressões continuam ocorrendo, e bárbaras. Ninguém se esquece, por exemplo, do caso do rapaz que caminhava na Paulista e foi agredido sem qualquer razão, e apenas por preconceito de que o agrediu.
Também há mais um tempinho, houve o caso do pai que teve a orelha arrancada, porque ele estava caminhando na cidade, abraçado ao filho, e foi confundido como sendo homossexual. Isso ocorreu no interior de São Paulo. E foi uma coisa muito chocante naquele momento.
R
Mas cada um aqui deve conhecer um caso, deve ter um caso pessoal de humilhação, de dor ou de desrespeito. Nós não queremos que isso aconteça.
Aqui, no Congresso, como eu dizia, há um retrocesso na agenda dos direitos humanos, mas nós temos de ter, então, toda boa vontade para pensar em como avançar, com bom senso, em conquistas tão importantes para o ser humano, porque todos merecem ser felizes.
Agora, vamos ouvir a Mesa e o Movimento, para encontrarmos caminhos, para vermos como podemos agir nesta situação e qual a postura, quais as palavras que nossos convidados têm para nos brindar.
Vou conceder a palavra, primeiro, para a Srª Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Coordenadora do Grupo Candango de Criminologia.
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Muito obrigada, Senadora Marta e meus colegas e minhas colegas de Mesa.
A todas as pessoas aqui presentes dou meu boa-tarde, meu abraço fraterno.
O tema desta audiência pública constitui um problema social e, portanto, deve ser encarado pelas instituições brasileiras em todas as esferas do Poder Público.
A homofobia, a lesbofobia e a transfobia se manifestam por atos que resultam em dano físico ou emocional, letal ou não, perpetrado com o abuso de poder de uma pessoa contra a outra, numa relação pautada em desigualdade e em assimetria entre os gêneros. Colocam, assim, em posição vulnerável à vitimização por violência aqueles e aquelas cuja orientação sexual e identidade de gênero não se conformam aos padrões considerados normais e aceitáveis ou socialmente toleráveis, passando a serem percebidos como corpos abjetos aqueles cuja existência não se enquadra nos modelos preestabelecidos.
Vou me referir aqui a alguns dados do 2º Relatório Nacional sobre a Violência Homofóbica no Brasil, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Algumas menções já foram feitas na fala da Senadora. Acho isso interessante, porque sei que a Juliana Miranda vai apresentar dados que foram coletados agora, em 2015, mas que ainda não foram publicados. Então, isso será interessante até para fazermos uma comparação, para vermos se as coisas mudaram, em que as coisas mudaram e como as coisas mudaram.
Esse 2º Relatório já assinalava que vivemos um movimento paradigmático no Brasil em relação à busca pela garantia de direitos humanos da população LGBT e que, na mesma medida do avanço de direitos e da crescente busca por visibilidade, têm ocorrido reações conservadoras e, por vezes, violentas de diferentes setores da sociedade, sobretudo de uma elite heteronormativa que se diz guardiã de direitos e de garantias, de uma suposta moral, da tradição e de costumes, conservando e perpetuando o alijamento e a negação de direitos a esses sujeitos e o não reconhecimento das possibilidades de seus vínculos afetivos e de sua cidadania plena.
Ainda há grande dificuldade de dar visibilidade à violência homofóbica e transfóbica, assim como a outras violências baseadas no gênero que afetam mulheres, crianças, pessoas idosas etc., sobretudo no âmbito familiar, pois, embora formalmente criticadas, elas são toleradas devido a valores culturais internalizados e cristalizados que admitem a violência como instrumento de dominação e de controle.
No caso da violência homofóbica, lesbofóbica e transfóbica, o quadro agrava-se pelo repúdio aberto às diferentes formas de existir da população LGBT. Embebidos de ódio e até de discursos institucionalizados, políticos, médicos e religiosos utilizam argumentos legitimadores para essas diferentes agressões, muitas fatais e executadas com crueldade.
R
Os últimos dados que foram apresentados no Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, em 2012, publicados em 2013, são baseados no Disque 100 - Direitos Humanos; na Central de Atendimento à Mulher, Ligue 180; e no Disque Saúde, Ouvidoria do SUS, bem como em e-mails e correspondências encaminhadas ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT e Coordenação Geral de Promoção dos Direitos LGBT.
Vou fazer uma comparação, um comentário a respeito dos dados hemerográficos, que são as notícias veiculadas nas mídias sobre a violência homotransfóbica.
Como já dito, esse conjunto de dados soma 3.084 denúncias, 9.982 violações, 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Vê-se que as vítimas, predominantemente, são do sexo masculino, mais de 70%, mas não há dados sobre a orientação sexual de mais de 80% do total de vítimas.
Quanto à identidade de gênero, 60,44% das vítimas foram identificadas como gueis. Foram 37,59% como lésbicas, 1,47% como travestis e menos de 1% como transexuais.
Na variável raça/cor, temos 33% de vítimas pardas, 7% de pretas, total que pode ser maior, porque faltou informação referente a 32% das vítimas.
Na variável faixa etária, predominam mais de 60% de vítimas entre 15 e 29 anos, seguidos de dezessete e pouco por cento na faixa de 30 a 39 anos. Então, são pessoas jovens.
Mais da metade das vítimas conhecia os suspeitos, quase 60%, sendo desses, em primeiro lugar, vizinhos e, em segundo, familiares.
No que tange à faixa etária dos suspeitos, há elevada taxa de não informação, mas cerca de metade fica na faixa de 15 a 39 anos, ou seja, na mesma faixa de idade das vítimas.
As violações ocorrem principalmente em casa, quase 40%, e, na rua, pouco mais de 30%.
Os tipos de violação mais reportados são de discriminação, 74%, e, de violência psicológica, 83,20%. A violência física foi relatada em cerca de 33% dos casos, e a discriminação, que é a maioria, ocorre principalmente devido à orientação sexual. E a violência psicológica se traduz em humilhações, hostilizações e ameaças.
No campo da violência física a mais reportada é a lesão corporal, cerca de 60%, mas não há qualquer dado sobre a gravidade dessas lesões corporais. Também há uma percentagem de maus tratos, mas também o relatório não esclarece a que se referem esses maus tratos. Maus tratos, pelo Código Penal, também englobam lesão corporal.
(Soa a campainha.)
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Quanto aos homicídios, foram apenas 19 ocorrências, ou seja, menos de 2% do total.
É interessante notar que, em 47% dos casos, os denunciantes não conheciam as vítimas anteriormente.
R
Isso demonstra muito bem esse ódio pelo simples fato de perceber a outra pessoa como tendo uma orientação sexual homossexual, não heterossexual; e 33,49% diziam respeito a uma vitimização difusa, que se situa nesse mesmo plano, que demonstra, sim, um ódio, uma não aceitação da população LGBT.
Agora, muito rapidamente, porque me parece que...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Só para a sua orientação e dos outros também, está vendo aquele reloginho?
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Sim.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Ele vai diminuindo. E aí dá para controlar.
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Eu estava olhando para ele.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Eu acrescentei cinco minutos.
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Obrigada.
Então, os dados hemerográficos, que são aqueles colhidos em pesquisas na internet, foram colhidos não na mesma época dessa coleta do Disque 100. E o resultado estatístico difere porque, nessa, o que aparece são as violações noticiadas principalmente de violência física, com 310 homicídios. A prevalência da violência física se justifica pelo interesse sensacionalista das mídias, mas favorece a reprodução do preconceito e da discriminação que percebem as relações entre homossexuais e com travestis e transexuais como potencialmente violentas.
Eu também teria alguns comentários a fazer a respeito das porcentagens apresentadas por esse banco de dados hemerográficos, mas, em virtude do tempo, vou passar adiante.
Gostaria também de dizer que fiz uma pesquisa de análise de jurisprudência, que apresentei no ano passado, em Belo Horizonte, em um congresso, e o que verifiquei nessa análise de jurisprudência é que existe realmente uma taxa muito pequena de violência física que é levada ao sistema judiciário. A maior parte dos acórdãos ocorre justamente na Justiça do Trabalho. São as discriminações e os assédios praticados nas relações de trabalho.
Todos os relatórios sobre violência homofóbica e transfóbica no Brasil a que me referi têm um valor indicativo, havendo necessidade de os governos, os vários níveis da Federação, estabelecerem coleta de dados confiáveis e permanentes para a formulação de políticas públicas e o monitoramento delas.
Gostaria também de, muito rapidamente, dizer que existe uma orientação das Nações Unidas que diz que os Estados têm cinco obrigações a cumprir com relação à proteção dos direitos humanos de pessoas LGBT, que são: proteger indivíduos de violência homofóbica e transfóbica; prevenir tortura e tratamento cruel, desumano e degradante de pessoas LGBT; descriminalizar a homossexualidade; proibir discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero; e respeitar as liberdades de expressão, de associação e de reunião pacífica.
Portanto, na esteira das recomendações das Nações Unidas, os relatórios sobre violência homofóbica e transfóbica no Brasil têm pontuado, por exemplo, a obrigatoriedade de notificação dos casos, que haja espaço para informação sobre identidade de gênero e orientação sexual nos registros de óbito e no Ligue 180, que serviços públicos específicos para travestir e transexuais tenham acesso a canais de denúncia governamentais, que os espaços públicos de sociabilidade sejam incentivados pelos Poderes Públicos...
(Soa a campainha.)
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Enfim, também há outras. Vou deixar este texto à disposição.
R
Finalizando, a violência homofóbica, lesbofóbica e transfóbica é um problema estrutural no Brasil, decorrente do sistema sexo/gênero, e atinge sobretudo jovens, negros e pardos nas ruas e em suas próprias residências, operando de forma a desumanizar as expressões de sexualidade divergentes da heterossexual, atingindo lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais, nos espaços públicos e privados institucionais até o nível familiar.
O Ministério Público da União, em suas diferentes esferas de atuação, não tem fechado os olhos para esse problema e, nesse ponto, eu gostaria...
(Soa a campainha.)
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - ... de pontuar o envio recente pelo Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal de parecer à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, coerente com o parecer anterior, que ele já dera num mandado de injunção, opinando, novamente, pela procedência da ação, para que o STF reconheça que a violência homofóbica e transfóbica seja criminalizada.
Hoje, na página da PGR, inclusive, tem um áudio de notícia do Procurador-Geral e a íntegra do parecer, parecer esse que incorporou os argumentos que lhe foram apresentados pela ABGLT.
Senadora, muito obrigada e desculpe-me por ter avançado tanto no tempo. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Nós é que agradecemos a sua presença, Srª Ela Wiecko, coordenadora do Grupo Candango de Criminologia, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, por dados bastante relevantes a que nós não tínhamos acesso. Nós estamos também sendo televisionados e isso é muito importante para que essa informação se distribua pelo País todo.
Gostaria de citar a presença de Laura Alves, diretora da Diretoria de Enfrentamento à Violência de Direitos, do Distrito Federal; da Senadora Regina Sousa, membro desta Comissão; do Deputado Federal Wadih Damous, do PT, do Rio de Janeiro; de Kátia Guimarães, representando o Departamento DST/Aids e Hepatite Virais do Ministério da Saúde; Kilvia Cristina Teixeira, assessora parlamentar e federativa da Presidência da República, Secretaria Nacional de Juventude; de César Medeiros, assessor para assuntos parlamentares federativos do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Passo a palavra agora para a Srª Juliana Gomes Miranda, diretora do Departamento de Promoção dos Direitos Humanos, da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.
A SRª JULIANA GOMES MIRANDA - Boa tarde, Senadora. Boa tarde, demais colegas de Mesa e todos que aqui se encontram, numa plateia bastante qualificada, interessada e, principalmente, protagonista deste tema.
Nós, da Secretaria de Direitos Humanos, em nome do Ministro Pepe Vargas, também gostaríamos de agradecer, Senadora, a oportunidade de trazer aqui alguns dados um pouco mais atualizados e contrastar, mas nem tanto, com o que a nossa Profª Ela, querida professora, acaba de apresentar a todos nós.
Infelizmente, é uma realidade bastante objetiva que vem se perdurando por anos, e o que eu trago aqui hoje é um pouco desses dados mais atuais, que é o levantamento que a gente tem na atualidade de 2015. Digo infelizmente porque vão corroborar que, ao longo dos anos, as denúncias, as violações de direitos humanos que a população LGBT enfrenta no País tem realmente crescido e tem realmente se contrastado com o que a gente vê aí de evolução dos direitos humanos, mas também, por outro lado, uma crescente pauta de tentativa de retrocessos nos valores, nas ideias, enfim, de uma maneira geral, na nossa educação e cultura em Direitos Humanos.
Aqui é um pouco do histórico. Peço licença a alguns que já viram parte desses dados, da nossa militância, e o público presente, Senadora.
R
Temos que pensar nisso que a senhora mencionou. A luta dos direitos humanos é uma luta que tem que ser constante, persistente e, muitas vezes, de altos e baixos. Quando pensamos no Estado liberal e na evolução desse Estado liberal para o Estado sociodemocrático em que nos encontramos, vamos perceber que, muitas vezes, o Estado e a sociedade, nessa interação, colocam-se desafios que a sociedade normalmente e as suas instituições buscam enfrentar.
E aqui acho que também foi muito pertinente o que a senhora e a Profª Ela colocaram: é que esse é um problema social; não é um problema que vai ser resolvido pelo Poder Executivo, mas é um problema que tem de ser discutido na sociedade e envolver, principalmente, aqueles que têm os poderes de modificar progressivamente essa realidade, que eu vou aqui corroborar. A Profª Ela já apresentou boa parte dessa realidade.
Antes, a realidade LGBT era muito correlacionada, intimamente relacionada ao tema DST/Aids. É um pouco aquele histórico que a senhora mencionou no início da nossa audiência.
A partir de 1990, isso começa a se descolar, e, em 2004, há o lançamento de um programa nacional nosso de governo que é o Brasil sem Homofobia, que começa a dar contornos da necessidade de o movimento, de a sociedade conhecer a fundo que realidade é essa e batalhar por um Estado realmente democrático e diverso.
Em 2008, Senadora, houve a primeira conferência nacional LGBT, em que se coloca a demanda bastante específica para os governos trabalharem principalmente o tripé da cidadania LGBT - 20 anos depois de promulgada a nossa Constituição, que é vista como a mais participativa. E eu venho de um trabalho muito forte também na Secretaria-Geral da Presidência da República, em que nós temos nos empenhado fortemente, ao longo dos últimos governos do Brasil, em ser referência em participação social. E é uma pena que, só 20 anos depois da promulgação da nossa Constituição, tivemos a primeira conferência nacional, mas pelo menos tivemos a primeira.
Por fim, houve a criação da Coordenação na nossa Secretaria de Direitos Humanos; o decreto que configura e formata o Conselho Nacional de Combate à Discriminação voltado para a população LGBT; o módulo no Disque 100 que trata especificamente de violações - e é nesse em que estamos nos baseando um pouco nos dados; a segunda conferência em 2011; e a terceira conferência está em curso e terá sua culminância, na etapa nacional, em maio de 2016.
O Disque 100, então, é a fonte de que bebemos e de onde eu trago esses dados. O Disque 100 não só trabalha violações contra a população LGBT, mas também outras populações ou pessoas que sofrem violações constantes, como pessoas em situação de rua, deficientes, idosos e assim por diante. Temos uma pauta bastante forte de graves violações motivadas por intolerância de toda ordem e de todo gênero, e o Disque 100 tenta trabalhar um pouco esses dados.
Claro que reconhecemos também, conforme disse a professora, qualificar esses dados e detalhá-los bem. E isso não é tarefa só da Secretaria de Direitos Humanos; é nossa de Governo, com o MEC, o Ministério da Saúde e outros órgãos que estão bastante relacionados a esse tema.
Em 2015, já foram recebidas 356 denúncias de violência contra a população LGBT - em média, portanto, três violações por dia notificadas ao Disque 100 em 2015. De 2011 para cá, houve um total de 7.548 denúncias e 8.169 vítimas LGBT.
Às vezes, os números parecem bastante frios; parece frio nós ficarmos falando e repetindo números, mas é importante colocarmos que essa é uma realidade realmente objetiva, e daí a importância de trabalharmos também os números.
A violência mais recorrente é esta mesmo - não é, professora? -, a discriminação, seguida da violência psicológica e, em terceiro lugar, a violência física.
R
O público, a vítima maior dessa violência é o segmento que percebemos em quase todos os setores: na juventude, é o homem preto, é o jovem preto que vai de 15 a 29 anos, e na população LGBT isso também se verifica, a partir dos dados do Disque 100. Então, hoje, neste ano de 2015, a gente ainda tem um maior número de notificações de denúncias que chegam ao Disque 100 envolvendo sexo biológico masculino.
Aí é um pouco da qualificação desses dados em relação a raça, cor e sexo biológico, o que nos diz também que a cor parda e preta é a predominante, do sexo biológico masculino, e há um grande número também de não informação, ou seja, de dados não informados, muito pelo que a Professora também identifica aqui, que a maioria dos dados notificados são de pessoas que desconhecem a vítima ou de desconhecidos.
Aquele dado da população jovem: desse número de 356 denúncias do ano de 2015, na maioria, 128, a vítima está entre seus 18 e 24 anos.
E onde ocorrem essas violações? É fácil a gente pensar que elas ocorrem principalmente nas ruas, envolvendo aí, com certeza, uma população que a gente conhece bem, que é a população travesti e transexual também, homem trans, mulher trans. Mas ela ocorre principalmente dentro de casa. Então, é na casa dessas pessoas...
(Soa a campainha.)
A SRª JULIANA GOMES MIRANDA - ... principalmente... Essa campainha é para matar a gente de susto, aí a gente para de falar. (Risos.)
Principalmente dentro de casa, há essa discriminação; essa violação, essa violência psicológica que a gente configura aqui como a principal violência sofrida pela população LGBT está dentro de casa.
Temos um número aí: quando a gente relaciona vítima versus suspeitos, um terço desse número é não informado, quase outro terço é desconhecido, mas há um número grande, que é o verdinho, que é o vizinho. São aqueles dados de 2011 que a Professora mencionou, e a gente percebe a manutenção desse dado ao longo dessa série histórica de que são os mais próximos; o suspeito, o violador se encontra muito próximo, muito perto da vítima.
A gente tem também essa tentativa de qualificação dos dados em quem são essas vítimas, quem são as nossas vítimas por identidade. Também em valores em unidade, a gente tem aí um número em torno de 23% de gueis, cerca de 11% de travestis, 9%, lésbicas; transexuais, 8%; bissexual, 1,5%, e hetero, 0,26%.
Principais violações já mencionei. É importante dizer que, nesse gráfico aí, não aparece, surpreendentemente, o homicídio. E não quer dizer que não haja, é importante ratificar isso. O fato de a gente não ver a palavra homicídio nos dados não quer dizer que ele não ocorra, pelo contrário, há uma subnotificação e há mais, uma subqualificação ou classificação, e acho que isso é o importante do debate de hoje, ver em que medida a gente avança em legislações ou em propostas estratégicas que busquem enfrentar definitivamente a ausência de punição dessas violações de direitos humanos.
Aqui é um exemplo bastante singelo, Senadora e demais colegas, do que a gente está querendo propor, que é uma discussão também do enfrentamento à discriminação ou intolerância nas redes.
R
Um dos temas é a homofobia. Então, o Humaniza Redes foi lançado no início deste ano, agora em abril, ainda com a Ministra Ideli, e é uma articulação que envolve não só o Governo Federal, mas também parceiros como a SaferNet e outros, na busca de que a internet também tem de ser um espaço livre de manifestação, respeitando a diversidade. Há alguns exemplos de memes que foram trabalhados ao longo desses poucos meses de combate e de enfrentamento à violação dos direitos humanos na internet. Posso, depois, deixar isso para vocês.
Estamos falando, então, não só do Poder Público Executivo, mas também de um engajamento principalmente das redes e da sociedade civil em espaços que deveriam ser vistos como espaços privilegiados de discussão e de deliberação. Há exemplos de Conselhos Estaduais espalhados no Brasil. Há Conselhos Municipais, e, além deles, há Centros de Referência de Promoção e Proteção aos Direitos LGBT no País. Hoje, 14 Estados possuem Centros de Referência.
É claro que não estou aqui para tapar o sol com a peneira. Precisamos, Senadora e colegas, pensar em como fortalecer institucionalmente principalmente essa rede de proteção, seu fluxo e seus protocolos de denúncia, para qualificar as denúncias e para efetivar, principalmente, o encaminhamento dessas denúncias, com um direcionamento correto no Judiciário ou na porta necessária.
Temos de pensar, como eu estava mencionando, em legislações antidiscriminatórias. Temos exemplos em alguns Municípios e em alguns Estados, mas o Brasil, nacionalmente, no âmbito federal, carece ainda de legislações que punam definitivamente atos de discriminação ou de preconceito motivados por orientação sexual ou pela identidade de gênero.
Acho que essa notícia que a Profª Ela nos traz do parecer da PGR é superinteressante...
(Soa a campainha.)
A SRª JULIANA GOMES MIRANDA - ...e vai muito na linha do que, acredito, o Movimento vai trazer para a gente aqui hoje.
Eu trouxe aqui, plagiando algumas ideias de colegas meus advogados, mas lhes pedindo permissão, como isso está sendo discutido nos outros países. O Brasil sempre foi visto na vanguarda da promoção dos direitos humanos, com um protagonismo internacional. Por que não sê-lo também no tema LGBT, principalmente contrastando essa realidade discriminatória com proposições legislativas que busquem a paz e a democracia, mas que também não fechem os olhos para a realidade?
Aqui, trato da proibição constitucional. Mostro alguns exemplos, como a proibição de discriminação por orientação sexual no ambiente de trabalho. É o que a Professora mencionou. Aqui, inclusive, a nossa jurisprudência é muito mais produzida no tribunal trabalhista.
(Soa a campainha.)
A SRª JULIANA GOMES MIRANDA - Internacionalmente, a gente verifica também que boa parte dos Estados, dos países, conseguiu avançar nesse sentido. Na Europa, há essa proibição em 40 países. Na América Latina, isso se dá em 11 países, mas, infelizmente, a gente não vê o Brasil entre eles.
Há previsão legal de crime de ódio motivado por orientação sexual em 38 países. Desses 38 países, 26 se encontram na Europa; oito, na América Latina. Também não vemos ali citado o Brasil.
Há proibição de incitação ao ódio em razão da orientação sexual da pessoa em 35 países, dos quais 28 estão na Europa; quatro, na América Latina. Também ainda não vemos o Brasil figurando nessa lista boa.
Mostro os desafios do Estado brasileiro, juntamente com a sociedade, como aprovar marcos legais. Primeiro, acho que é preciso dialogar, discutir, debater. Acho que temos de permitir espaços como este de hoje, nesta Casa e em todas as casas que se dizem democratas, para que discutamos, com liberdade, sem agressões físicas e morais, o que pensamos. Acho que esse é o principal desafio. Segundo, temos de caminhar na aprovação e na discussão de marcos legais que tipifiquem essas situações.
Já terminei, Senadora. Aqui ficam meus contatos. (Palmas.)
R
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Eu agradeço à diretora do Departamento de Promoção dos Direitos Humanos da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Juliana Gomes Miranda.
É muito interessante observar como os dados são semelhantes, dados do Disque 100 e dos outros tipos de pesquisa. É muito importante que vejamos essa correspondência.
Passo a palavra, então, para Débora Diniz, professora da UnB e pesquisadora do Instituo de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
A SRª DÉBORA DINIZ - Muito boa tarde a todos vocês. É um prazer muito grande estar aqui.
Eu agradeço, em particular, à Senadora Marta Suplicy pela convocação desta audiência pública; aos meus colegas de Mesa, Drª Ela Wiecko, Dr. Carlos Magno e à Drª Juliana Miranda.
A nossa audiência tem uma pergunta. É tanto uma análise da situação quanto as respostas que podem ser oferecidas pelo Estado brasileiro.
Começo fazendo um esclarecimento de que a minha apresentação vai ser em torno do nosso maior desafio, que me parece ser a análise da situação.
Sabemos que se constituir como alguém fora disto que chamamos norma heterossexual, que é um jargão heteronormatividade, e viver essa subalternidade, resistindo à discriminação, é o que chamamos de analisar a situação. Isso que aqui demos o nome de crimes de ódio, de homofobia, de discriminação, de homicídio, de matança, de violência.
Quanto à tese que provocou esta audiência pública, eu diria que nenhuma de nós aqui hoje tem dúvida. O desafio para o processo legislativo ou para as políticas públicas é saber quais são as consequências disso que já sabemos, que é vivermos em uma sociedade que discrimina pelo gênero em que vivemos, pelo sexo em que habitamos. Daí fazemos a pergunta: como enfrentar?
Por isso, enfrentarei o que a convocação desta audiência pública descreveu como análise da situação, o que sabemos sobre discriminação homofóbica. Permitam-me uma simplificação. De todas as variações linguísticas que permitem maior reconhecimento da nossa diversidade é simplesmente para fins de simplificação do que passo a dizer, que chamarei de discriminação homofóbica ou homofobia.
Oficialmente, sabemos muito pouco. As duas apresentadoras que me antecederam mostraram o que tentamos saber, mas eu repetiria: quando falamos em nome do Estado, nós sabemos muito pouco.
Estatísticas oficiais, a ausência de estatísticas oficiais do Estado brasileiro é um dos exemplos da expressão da discriminação. Conhecer é uma das formas de reconhecer que temos um problema no campo dos direitos humanos. O Estado brasileiro não produz dados oficiais sobre homofobia e suas variações discriminatórias pelo gênero ou pela sexualidade. Sabemos que homofobia mata, mas temos dificuldade em provar, e prova é um instrumento importante de análise da situação. Prova pode ser uma única história, algumas histórias ou pode ser uma multidão de números.
Eu, hoje, farei um caminho inverso das duas que me antecederam. Eu vou abdicar dos números, vou contar histórias e vou mostrar rostos, pelas brechas, pelas formas com que socialmente reconhecemos fissuras para sermos apresentados a essas histórias, que são as notícias que circulam no País.
Começo com uma afirmação: é perigoso viver nesse lugar, de uma palavra que sabemos mal sobre o que representa, que é viver fora da heteronorma. Vejam a palavra: perigo. Mostrar que há perigo em ser quem se quer ser, em mostrar-se como se acredita ser, a melhor maneira de se apresentar no mundo é perigoso na sociedade brasileira. Demonstrar o perigo é um passo necessário para um debate sobre justiça sexual e de gênero. Provando que o perigo existe, nosso movimento seguinte, também tema desta audiência pública, é sobre o que fazer, é quais são as soluções. A pergunta é a análise da situação e a proposição de soluções.
R
Uma delas, que está sendo discutida hoje aqui também, é o caminho da criminalização da homofobia. Há o caminho educacional, agora sob intensa controvérsia, que é o que chamamos de sensibilização de gênero nas escolas e que foi tema de um blogue que nós temos e que se chama Vozes da Igualdade. E eu disse aqui que foi com bom humor que nós enfrentamos a controvérsia da propaganda do perfume de O Boticário há duas semanas. E, na semana que vem, vai ser da controvérsia sobre a chamada ideologia de gênero. E aqui me permitam certa ironia ao citar essa categoria.
O terceiro é o caminho também desta Casa, do Legislativo, sobre constituição de famílias, aquilo que vamos reconhecer como família. Eu diria que esse espectro é muito amplo, porque fala do mesmo tema de hoje, que é reconhecimento de outras formas de se viver a vida.
Então, vejam que há um leque de possibilidades e caminhos e que sempre precisamos estranhar quando um deles avança sozinho. Se for importante criminalizar a homofobia, deve ser igualmente importante falar de gênero nas escolas, igualmente importante falar de família, igualmente importante falar... (Palmas.)
É tão difícil me concentrar quando batem palmas, mas vamos lá.
É igualmente importante reconhecer que há outras formas de família, e esse estatuto plural no Brasil. Se um desses braços da luta igualitarista avançar sozinho e outros oferecerem maior resistência, eu diria: nós precisamos de um alerta. Um alerta porque, em algum momento, nós dissemos que queremos punição, mas não queremos igualdade nas escolas e não queremos novas famílias. É porque alguma coisa está saindo do nosso controle de uma agenda igualitarista e sendo apropriada por outros grupos de outra maneira.
Eu descreverei o perigo. Começarei pelos nomes, e peço muito perdão pela dor que eu sei que vou compartilhar com vocês pelo que eu passo a mostrar. Começarei pelos nomes daqueles que viveram na carne o medo da discriminação. Mais do que isso, são vítimas do horror da violência homofóbica.
Eu não vou perder tempo explicando a vocês como foi feita a pesquisa. Aqui está o livro. Ele está sendo distribuído, tem o formato PDF, foi financiado pela Secretaria de Direitos Humanos. Vocês encontram rapidamente na internet:
Abelha (Adilson Felippe), Altamir da Silva, Nicole Galisteu, Diego Assis da Silva, Edivan Alves Pereira, Eliwelton da Silva Lessa, Evanílson da Silva Melo, Guilherme de Almeida Filho, Ismar Eugênio Pompeu, Itamar Ferreira Souza, Jeferson Oliveira da Silva, Luciano Silva, Luiz Antônio de Jesus, Marcelo José da Silva, Messias Moisés Santos Leitão, Mônica Levinski, Otávio Nascimento Valadares, Rodrigo Milão.
Essas foram as dezoito vítimas fatais que durante seis meses e o monitoramento de quase seiscentos veículos, quase sete mil notícias, nós encontramos como mortas pela violência homofóbica no Brasil. Elas não representam a multidão que sobreviveu a essa violência ou outras pessoas, outras tantas que possam ter morrido e que não tenham rompido com o marco daquilo que vai ser notícia.
Então, há limites nos nomes que eu apresento. A realidade e o material da violência não se separam das formas de representação e reconhecimento. As notícias são filtradas. Eu repito: há jogos de representação em curso, mas como representar o que se vive, mas se resiste a ser congelado em uma imagem? Como se representa a imagem de um corpo fora da norma sexual? Como dizer homofobia pelo corpo violentado ou morto? Nem tudo vira notícia, e quando vira é nas páginas policiais. A escuta é também policial. E todo enquadramento é político, ou seja, se nós vivemos em uma ordem social que ignora a homofobia, como representar o que se esconde? Mesmo assim, nós encontramos.
E eu lembro que produzir notícias é produzir vidências. Testemunhar as fotos que eu passo a exibir...
(Soa a campainha.)
A SRª DÉBORA DINIZ - ...é não esquecer jamais que a homofobia impõe perigo e mata.
Então, eu passo a contar as histórias do que eu testemunhei, do que nós testemunhamos na pesquisa. E eu queria que todos nós saíssemos daqui com essas histórias quando nós falássemos do que representa uma luta por igualdade, do que representam os caminhos que nós vamos escolher para a igualdade.
R
Luiz Antônio é mostrado em coma. Ele era um cabeleireiro de 49 anos. Morreu em uma boate, aqueles espaços que se imaginam livres de discriminação. Os suspeitos foram os seguranças da boate. A pergunta do enterro de Luiz Antônio é também a nossa de hoje: Por que Luiz Antônio foi morto?
Eliwelton da Silva Lessa: sabemos muito pouco dele. Ele era um homem grande e forte, dizem as notícias. Eu não sei por que a insistência em descrever o corpo de Eliwelton. Talvez possa ser por dizer que ele poderia ter se defendido ou, quem sabe, foi ele que atacou outro homem. Ele foi morto atropelado de dia e repleto de testemunhas.
André Barbosa: essa é uma imagem de antes e depois, produzida por ele mesmo. Ele foi espancado em uma boate. Ele sobrevive.
José Ricardo era jovem. Ele foi morto na rua, andando à noite, por desconhecidos. Sua mãe, Eleonora, é uma das mulheres do Movimento Mães por Igualdade. A trágica história de José Ricardo foi notícia já na fase de conclusão das investigações e dizia - abro aspas: " A Polícia Civil de Pernambuco identificou, prendeu os suspeitos do crime e concluiu: o rapaz foi vítima de intolerância sexual." - fecho aspas.
Antes, no entanto, Eleonora brigou pela troca do delegado que investigava o caso, pois - cito agora Eleonora: "O delegado afirmou que o meu filho era culpado da morte, pois ele era guei e estava numa via pública à noite." Então se você é homossexual não pode sair de casa? - diz Eleonora.
Para os agressores de José Ricardo a resposta foi: "Como ele não ficou trancado, ele seria morto".
LN não tem nome, ele é só um pedaço de corpo, a prova da agressão sofrida em um culto religioso para espantar o demônio da sexualidade de seu corpo. Ele é o espectro da sobrevivência de quem resiste, de quem quer viver, mas teme mostrar o rosto.
O que essas imagens nos provocam? O rosto, a existência, a falta de dados, aquilo que tentam esconder. As imagens fazem mais, elas não nos deixam esquecer o tema desta audiência pública nos convocou a conversar: a análise da situação. A situação é esta: homofobia mata, quebra braço, impõe medo, proíbe pessoas de andarem na rua ou irem a boates, restringe até mesmo a nossa capacidade de contar histórias. Metade das fotografias em circulação pelas notícias do País não foram feitas por fotojornalistas, mas pelas vítimas, pelos sobreviventes ou pelas famílias. Foram retiradas de álbuns pessoais estampadas para a nossa lembrança.
Eu repito: ver é uma forma de não esquecer. Lembrar é uma forma de afirmar que há homofobia no Brasil. Agora, se me permitem a ousadia, envergonhadas e provocadas pelos rostos das vítimas e dos sobreviventes, podemos nos perguntar quais são as melhores soluções que esta Casa vai oferecer para a análise dessa situação.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Agradeço à professora da UnB Débora Diniz por essa apresentação tão contundente, porque, quando se mostram imagens, a gente vê de forma diferente. Então, realmente, é importante aprender a falar do tema nesse sentido. As estatísticas dão os números, que são vitais para que a gente possa prosseguir, e as imagens dão um outro significado, porque elas atingem cada um de nós.
Agora, passo a palavra ao Carlos Magno Silva Fonseca, que é o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Gays.
O SR. CARLOS MAGNO SILVA FONSECA - Primeiramente, eu queria dar boa tarde a todos e todas, aos companheiros e às companheiras. E queria aqui fazer um agradecimento muito especial à nossa querida aliada e amiga, a Senadora Marta Suplicy. É sempre bom reafirmarmos, na nossa memória, que Marta é uma das Parlamentares pioneiras neste País, que sempre levantou muito alto a luta pelos direitos da nossa população LGBT.
R
É sempre bom reafirmarmos, na nossa memória, que Marta é uma das parlamentares pioneiras neste País, que sempre levantou muito alto a luta pelos direitos da nossa população LGBT.
Então, eu queria agradecer toda essa trajetória de dedicação que a Senadora tem dado à nossa população... (Palmas.)
... mas também agradecer por ela ter garantido este encontro e esta audiência, porque, infelizmente, o Congresso Nacional foi tomado por uma onda conservadora, e nós estamos impossibilitados, até este momento, de fazer debates democráticos. O Senado é uma demonstração de que este Parlamento não se fecha por conservadorismo e pelo retrocesso.
Queria também agradecer à nossa querida Débora Diniz. Eu acho que o papel da academia é fundamental para o nosso movimento, quando vemos a universidade aliada aos movimentos sociais e apontando questões de que a sociedade necessita. Então, daqui a pouco, eu vou repassar o endereço eletrônico, pois há uma versão digital, e eu acho que nós precisamos ler esse material tão rico e tão importante da professora. Obrigado, professora.
Eu queria também agradecer à Drª Ela Wiecko Castilho, que deu um parecer favorável à Ação 26, que equipara a homofobia ao racismo. Inclusive, o Paulo Iotti, autor da ação, está aqui e sempre está aliado ao Movimento ABGLT para fazer essa defesa. Drª Ela, eu queria agradecer, e acho que precisamos reconhecer não só as posições, o discurso, mas reconhecer esse parecer favorável nessa ação, que equipara o racismo à homofobia. Obrigado, doutora.
Queria também dar um grande abraço na Juliana Miranda, que está representando a Secretaria de Direitos Humanos, que hoje centraliza a política da população LGBT - e, brevemente, a Symmy Larrat vai assumir a Coordenaria. É importante que essa política continue, fortaleça-se e dê resposta inclusive à pergunta que a Drª Débora colocou aqui no início.
Gente, eu estou aqui representando não somente a ABGLT. Estivemos, durante três dias, reunidos com vários grupos, vários ativistas, advogados, acadêmicos, para tirar uma posição que dê conta de responder à necessidade do momento atual.
Então, na verdade, aqui eu serei apenas porta-voz de um documento político elaborado conjuntamente por vários movimentos, entidades e militantes e também pelo Poder Público, em defesa dos direitos da população LGBT e no enfrentamento da homofobia.
Passo a ler o documento:
Carta de Brasília
Reunidos e reunidas de 22 a 24 de junho de 2015, nós, ativistas de direitos humanos, gestores e gestoras públicos (as), pesquisadores (as), militantes de diversos partidos políticos, comprometidos (as) com a luta pelos direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), discutimos a situação nacional, a ofensiva conservadora e as alternativas para avançar na criminalização das discriminações e violências em razão da orientação sexual e identidade de gênero. A síntese dos nossos debates é a que segue:
1. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal brasileira, que pôs fim ao período de ditadura militar e abriu um ciclo de garantia dos direitos individuais e coletivos, proibição de todas as formas de discriminação e construção de políticas públicas;
2. Desde então, vimos a criação e consolidação de leis e políticas de proteção às mulheres, crianças e adolescentes, população negra, pessoas com deficiência, idosos (as), indígenas, juventude. Nessa trajetória de acúmulos e avanços, foi fundamental a garantia dos princípios da laicidade estatal, da pluralidade política, da liberdade religiosa e da democracia participativa;
R
3. Durantes os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff, em diálogo com o movimento social, foi possível a construção - mesmo que de maneira ainda insuficiente e incompleta - de uma política nacional de proteção e promoção dos direitos humanos;
4. O movimento social que luta pelos direitos LGBT obteve muitas vitórias nestas quase três décadas. No âmbito do Poder Executivo, ocorreram conferências nacionais, foram instituídas políticas e planos [...] em diversas instâncias e governos. O Poder Judiciário tem afirmado sistematicamente os direitos civis LGBT, a exemplo do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, e do Conselho Nacional de Justiça, que assegurou o casamento civil [...]
Acho que, inclusive, o movimento precisa adotar o 5 de maio de 2011 como Dia Nacional pela Cidadania LGBT, dia da maior vitória que tivemos nos últimos tempos, quando o Supremo reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo igual à união entre pessoas de sexo diferente. Então, acho que a gente precisava adotar essa data do 5 de maio.
5. Contudo, nos últimos anos, temos assistido ao crescimento de forças reacionárias que se opõem às políticas afirmativas e de promoção dos direitos das mulheres, LGBT, negros(as), dentre outros;
6. O Brasil atravessa um verdadeiro "tsunami reacionário": um momento grave e delicado no que diz respeito ao projeto de nação livre, justa e solidária, que promova o bem de todos(as), sem preconceitos de qualquer natureza, na qual o valor civilizatório dos direitos humanos se constitui o paradigma norteador. Sem dúvida, o período de maior ascensão das forças obscurantistas, desde as lutas em favor da redemocratização;
7. O fundamentalismo religioso tem aumentado sua influência na esfera dos Poderes Legislativo e Executivo. Com um discurso muitas vezes agressivo, parlamentos são transformados em púlpitos religiosos. Programas em concessões públicas de rádio e TV são utilizados como instrumentos de propagação de discursos de intolerância e ódio contra LGBT e praticantes de religiões de matriz africana, principalmente [...]
Isso a gente não pode admitir. Temos que defender, cada vez mais, a laicidade do Estado e não admitir que a arena política seja tomada pelos discursos morais e religiosos.
8. Tais segmentos ignoram que o Estado é laico, não devendo este estabelecer quaisquer formas de dependência ou aliança com nenhum culto religioso ou igrejas. A liberdade religiosa só se efetiva, de fato, com o pleno respeito à laicidade estatal;
9. Da atual legislatura da Câmara dos Deputados, emergem o protagonismo e iniciativa política de uma agenda globalmente reacionária e regressiva;
10. Se o objetivo anterior de parlamentares fundamentalistas era barrar iniciativas favoráveis aos direitos sexuais e reprodutivos e às políticas pró-LGBT, agora sua agenda é formalmente regressiva com o objetivo de retirar conquistas, por meio de proposições de projetos, tais como: "Estatuto da Família", que não reconhece a diversidade das famílias brasileiras; "Dia do Orgulho Hétero" [...]
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS MAGNO SILVA FONSECA -
"Cura Gay" e concessão do direito para que associações religiosas possam propor ações de inconstitucionalidade;
11. Nesse momento, portanto, a prioridade de todos(as) democratas e ativistas pelos direitos humanos deve ser barrar a ofensiva que busca retirar direitos e atenta contra os fundamentos constitucionais;
R
12. Manifestamos nossa disposição em ajudar a construir uma ampla Frente com movimentos sociais, feministas, jovens, intelectuais, sindicalistas, militância de diversos partidos e setores religiosos progressistas, que se disponham a articular ações de resistência à agenda reacionária e a afirmação de valores democráticos contra a intolerância, pela laicidade do Estado e pelas políticas afirmativas e pela consolidação das políticas sociais.
De acordo com o relatório de nossa Associação Internacional LGBT (ILGA), 34 Estados-membros da ONU criminalizam a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, seja como tipo penal específico, seja como circunstâncias agravantes de outros tipos penais. No continente europeu, são 24 países; na América Latina, sete países.
A mobilização decorrente de crimes com grande repercussão permitiu aprovação de lei de vários desses países. De igual modo, a ONU e a OEA possuem resoluções conclamando seus Estados-membros a punirem tais discriminações e violência.
Nesse sentido, conclamamos o Congresso Nacional a quitar essa dívida histórica, que tem com a população LGBT e aprovar uma lei que torne crime o ódio, o preconceito e a violência, a discriminação e a intolerância contra essa população.
Nessa mesma direção, esperamos que a Presidenta Dilma Rousseff reafirme seu compromisso de campanha e engaje o Governo Federal na aprovação deste marco normativo.
Brasília, 24 de junho de 2015. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Agradeço a participação do Carlos Fonseca, presidente da Associação Brasileira LGBT, cuja manifestação, eu diria, se resume na disposição de barrar ofensiva contra direitos LGBT, através de ampla frente contra intolerância, a favor da laicidade do Estado e de políticas sociais. Essa é uma carta importante, fruto do seminário que ocorreu na segunda e na terça-feira em Brasília.
Agora, eu diria que a Mesa colocou com muita propriedade, bastante amplamente, como se resume a situação hoje, em termos do que ocorre e da dificuldade de obter os dados realistas sobre a questão LGBT. Os dados apresentados se correspondem e vêm de diferentes fontes - e isto é muito importante -, tanto os dados da Drª Ela, como da Juliana, são semelhantes. O que impressiona é que são dados parecidos com o que a Lei Maria da Penha encontra: violência contra a mulher. As pessoas são vitimizadas ou por serem mulheres, ou por serem LGBT, dentro de suas casas e a violência doméstica é muito forte. E impera aí a discriminação e a violência psicológica, e as pessoas com quem convivem ou tem amigos ou que são LGBT têm a experiência do que se pode fazer contra essas ações, em termos de humilhação, de provocação e de baixar a autoestima da pessoa com a qual se convive.
Chamou-me a atenção - eu não tinha esta ideia - a presença da violência dos vizinhos, porque os vizinhos convivem geralmente de forma harmoniosa, mas com LGBT não convivem. Eu não imaginava que os dados fossem tão fortes, a ponto de estar nas estatísticas.
Também a fala da Débora foi muito forte, porque, além de ressaltar a ausência das estatísticas, trouxe aqui depoimentos e uma cobrança ao Estado brasileiro, que não produz dados satisfatórios. Essa é a grande questão. Não temos essas informações.
R
Agora mesmo eu estava comentando, quando me preparava para a votação na questão da maioridade penal, que vamos votar sem ter dados, porque os dados que nós temos são absolutamente inconsistentes. E interessante é e, quando se diz que um dado instituto tem tal dado, você entra no instituto e ele diz que não tem aquele dado. Ou seja: você vai votar uma mudança da Constituição, que é alguma coisa muito, muito séria, sem ter os dados da realidade e o fazendo de forma açodada.
Então, eu acredito que a primeira coisa, quando nós vamos fazer um diagnóstico, é termos a confiabilidade dos dados, e essa é uma cobrança que fica aqui para o Governo - e nós temos aqui vários representantes do Governo - com relação ao empenho nessa direção.
Nós vamos, agora, abrir para as perguntas.
Temos aqui até as 16h30min a possibilidade de usar a sala e já há várias pessoas inscritas.
Assim, vou chamar pela ordem dos que vieram. Já temos sete inscritos. Vou dizer os nomes...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Sim; então, há mais três. E pronto, gente, pois não dá para ser mais.
Vou começar com a Senadora e, depois, vou passar a palavra aos três que levantaram a mão primeiro, porque, senão, nós não damos conta. Se forem bem breves, em três minutos, dá para ampliarmos. Em três minutos, vai soar a campainha, e a gente dá mais dois para vermos se contemplamos todo mundo.
A palavra, primeiro, vai estar com o Fábio Meireles Hardman de Castro, que é o Coordenador-Geral de Direitos Humanos, do Ministério...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Ah, sim; primeiro, a Senadora; depois, o Fábio, que já fica preparado.
Com a palavra a Senadora Regina Sousa.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Srª Presidente, convidados e convidadas, representantes dos movimentos, eu vou ser breve, porque quero muito mais ouvir, mas, só para colaborar com a discussão, quero ressaltar que avança escandalosamente a pauta conservadora deste Congresso, e a reação não está avançando assim, está deixando a desejar.
Eu fui sindicalista por muito tempo, minha vida... Já fomos mais valentes, não é?
A questão da solidariedade. Os temas dizem respeito a todos nós, mas quem está brigando ali, na Câmara, na questão da maioridade penal? A juventude, a UNE. E os outros movimentos? Por que não estão juntos? Por que não lhes diz respeito a questão da redução da maioridade? Então, essa questão da solidariedade dos movimentos a gente está precisando retomar, porque já houve um tempo em que éramos mais unidos, fazíamos tudo juntos para ter força. E é preciso, porque vem muita coisa por aí ainda.
E quero lembrar só algumas questões... Tive uma discussão com um movimento no Piauí, recentemente, em que eles, por exemplo, falaram dos avanços, mas ainda há muita coisa que avançou e retrocedeu. É contraditório! Por exemplo, as meninas do Movimento LGBT que estiveram comigo registraram o direito à adoção, o que foi um avanço, uma coisa boa, mas, na hora em que vão ao cartório registrar a criança, só pode ter uma mãe ou um pai. E, aí, como é que fica? Chegam ao cúmulo de perguntar quem faz o papel do homem. Quer dizer, adotou a criança, coloca o nome da mãe (fulana de tal), e não pode colocar o nome da outra. Isso também é uma violência; é uma conquista que não foi conquista.
Eu li a carta de um Deputado... Um Deputado está mandando uma carta para todos os prefeitos e prefeitas, governadores e governadoras, relativamente ao Plano de Educação - porque estão em fase de elaboração o Plano Estadual de Educação e o Plano Municipal de Educação -, para retirar as expressões “orientação sexual” ou “identidade de gênero”; para não colocar no Plano de Educação. E pode ter certeza de que os prefeitos que são conservadores vão retirar. Vai sair um documento, que vai nortear a educação no País, nos Municípios, nos Estados, sem essa expressão. O avanço é tremendo, mas, daí, a gente vê que o movimento dos professores não está olhando para isso, não está prestando atenção a isso, que também é uma forma de violência contra a população LGBT.
R
Então, era isso, só para colaborar, porque o que quero mesmo é ouvir mais as pessoas, os representantes dos movimentos, para que possamos ver o que podemos fazer aqui neste Congresso.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Você é fantástica! Fale mais! Vá para as redes sociais... Cada um tem que divulgar o que a Débora faz. Respeitando aqui todas as outras falas, mas a dela foi fantástica!
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Sempre que se chega perto do coração e sai dos números, a gente presta mais atenção, não é, Senadora?
Só uma observação, já me referindo às moças, com as quais V. Exª se encontrou: já existe jurisprudência sobre a questão de mãe. Já se colocam duas mães. Toni Reis registrou dois pais quando adotou as suas crianças. Então, isso foi um avanço. Infelizmente, como diz V. Exª, aqui não temos avanço. Nós temos avanços no Supremo Tribunal Federal ou para alguns juízes em Estados que conseguem perceber essa questão.
Então, vou dar a palavra agora para o Fábio Meirelles Hardman de Castro, que é do MEC.
O SR. FÁBIO MEIRELLES HARDMAN - Boa tarde, Senadora!
Gostaria de lhe dar os meus parabéns, de saudar a iniciativa da convocação da audiência pública e de agradecer a contribuição de todos os nossos palestrantes. E, principalmente, faço uma saudação à Juliana Miranda, que é a nossa companheira de Governo e que nos dirige na pauta da promoção dos direitos LGBT. É só uma fala de saudação.
Parabéns, Carlos Magno, pela Carta de Brasília. Sugiro que a carta seja protocolada aos Ministros também. Sei que há uma fala mais para o Legislativo, mas que ela seja protocolada nos Ministérios que têm políticas para população LGBT.
E, para além de dizer que, claro, o Ministério da Educação tem compromisso com essa pauta, sobre a qual fizemos uma sistematização na gestão do ex-Ministro Fernando Haddad, do ex-Ministro Aloizio Mercadante, do ex-Ministro Paim, do ex-Ministro Cid, e, agora, com o Ministro Janine, a gente já tem investimentos líquidos da ordem de R$20 milhões nessa política, com cursos de formação continuada, com materiais didáticos pedagógicos, com programas e projetos de extensão. E a gente destaca agora a nossa preocupação com o debate sobre os planos estaduais e municipais de educação.
No dia 25, faz um ano de aprovação do Plano Nacional de Educação. E o Plano Nacional de Educação foi encaminhado ao Congresso Nacional, como resultado da Conferência Nacional de Educação, com a previsão do debate sobre gênero e diversidade sexual. O encaminhamento do plano pelo Ministério da Educação foi com a previsão do debate, em suas metas e iniciativas sobre gênero e diversidade sexual, mas foi este Congresso que interditou o debate no PNE e que retirou o trecho sobre gênero e diversidade sexual do Plano Nacional de Educação. E, agora, a gente está vendo o resultado disso nos debates dos planos estaduais e municipais de educação.
Então, estamos muito preocupados na interdição desses debates também nos Estados e Municípios. A Rede Federal de Educação corresponde a 3% da rede nacional. Então, a gente sabe que a gestão da educação é pelos Estados e Municípios. Assim, a gente está muito preocupado com relação aos planos estaduais e municipais de educação.
Há um levantamento que dá conta de que somente 1,5 mil planos municipais de educação já foram aprovados e homologados pelos prefeitos. Então, a gente tem por volta de 1,5 mil em vias de homologação e uma maioria ainda não foi homologada pelos prefeitos...
(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO MEIRELLES HARDMAN - ... e discutida no âmbito das Câmaras de Vereadores e das Assembleias Legislativas.
Dessa forma, achamos que ainda há um fôlego, que ainda temos capacidade de mobilização para enfrentar essa onda conservadora.
Então, parabéns pela iniciativa. E gostaria de colocar o MEC à disposição.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Obrigada, Fábio Hardman, do MEC.
Gostaria de saudar a Deputada Federal Erika Kokay, que está aqui presente.
Passo a palavra à Andrea Ribeiro Bosi, que é do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (Pausa.)
Onde ela se encontra?
Pois não.
Não quer vir até a frente?
A SRª ANDREA RIBEIRO BOSI - Falo daqui mesmo.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Pois não.
A SRª ANDREA RIBEIRO BOSI - Boa tarde a todas e todos!
Meu nome é Andrea; eu trabalho no PNUD, no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; estou falando aqui também em nome da Unesco, uma vez que a minha colega Mariana teve que sair.
Gostaria de parabenizar pela iniciativa e de afirmar, mais uma vez, que a ONU tem um compromisso em apoiar os direitos das pessoas LGBT. Nós temos a campanha Livres e Iguais, que já foi lançada em São Paulo e no Rio de Janeiro.
R
O Carlos esteve com a gente em São Paulo - não é, Carlos? Inclusive, nós temos um trabalho desenvolvido no âmbito do mundo do trabalho - os direitos da pessoa LGBT no mundo do trabalho -, o que é muito legal.
Então, o que eu queria era reafirmar o nosso posicionamento. Nós somos contra qualquer violação de direitos humanos, e vocês podem contar com a gente.
Obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Muito obrigada. O apoio das Nações Unidas é extremamente importante.
Dou a palavra a Christovam Mendonça, do Coletivo Nacional de Diversidade Sexual, da CNTE.
O SR. CHRISTOVAM MENDONÇA - Nossos cumprimentos aos amigos e às amigas presentes a esta audiência que para nós é muito cara.
Com respeito ao avanço escandaloso desse movimento reacionário em favor do sexismo, do machismo, em favor da homofobia, da transfobia, impedindo o acesso, permanência e condições de aprendizagem dessas crianças e adolescentes nas escolas públicas do Brasil, ressalto que esse avanço escandaloso, conforme já foi dito por alguns que me antecederam, está nos assustando.
Nesta semana, nós, educadores e educadoras, estamos, assim, realmente arrepiados, porque esta foi - e ainda está sendo - uma semana decisiva em todo o Brasil para a aprovação, nas Câmaras Legislativas, especialmente as municipais, dos planos municipais. E aí, Senadora, não é só a retirada de expressões, como a discussão de gênero, a discussão de orientação sexual, a discussão de identidade de gênero, expressão de gênero ou qualquer coisa nesse sentido, que nos preocupa. Não é só a retirada, mas o fato de já haver Câmaras Municipais, tais como a de Cariacica, no Estado do Espírito Santo, que, para além disso, colocaram emendas proibindo qualquer tipo de discussão com respeito à discussão de gênero, à discussão de orientação sexual no âmbito das escolas municipais.
Estamos assustados com a ousadia desses parlamentares, não só em retirar, porque, em alguns casos, os projetos de lei chegaram com esse texto; em outros casos, já chegaram às Câmaras...
(Soa a campainha.)
O SR. CHRISTOVAM MENDONÇA - ... sem esse texto. Mas, naqueles casos que chegaram, foram retiradas as expressões, suprimidas, e os textos ainda receberam emendas que proíbem essa discussão.
Então, a minha pergunta, a minha provocação vai no sentido do que faremos, daqui para frente, porque, se com essas expressões nós já tínhamos dificuldades de colocar esses elementos na formação continuada dos docentes, na discussão no currículo formal e participativo, sem elas vamos ter maiores problemas ainda. O que faremos com essas retiradas e o que faremos com essas emendas, que podem se tornar leis, proibindo essa discussão nos âmbitos das escolas públicas no nosso Brasil?
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - É estarrecedor mesmo, porque esse é o testemunho do retrocesso, quando nós pensamos que, no ano 2000, quando Prefeita de São Paulo, nós tínhamos a educação sexual nas escolas como algo normal, como algo que todas as pessoas... Houve certa reação, depois os pais entenderam, e se discutia tudo: discutia-se questão de gênero, discutia-se prazer, discutia-se responsabilidade. E, hoje, não se pode nem ouvir falar. E, entrementes, temos possibilidade de leis de retrocesso também. É bastante sério!
O SR. CHRISTOVAM MENDONÇA - Permita-me, Senadora, concluir em 30 segundos, mencionando dois casos.
Roliver de Jesus (12 anos), de Vitória, capital do Espírito Santo, sai da escola e se enforca.
Onde estava a rede de proteção? Saiu da escola, acabou de sair. Estivemos acompanhando esse caso e avaliamos que ele sofria de homofobia no espaço da escola.
E agora, recentemente, há dez dias, Rafael Babosa de Melo, 14 anos. É testemunho da mãe que ele sofria de homofobia no espaço da escola - uma mãe simples, mas que sabia o que significava homofobia -, uma vez que Rafael não se encaixava nesse padrão heteronormativo.
Duas crianças que poderiam ter sido salvas por uma discussão dentro de uma educação mais plural, mais inclusiva.
R
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - É verdade!
Cláudio Nascimento, Superintendente da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, coordenador do Programa Rio sem Homofobia.
O SR. CLÁUDIO NASCIMENTO - Senadora Marta, todos que compõem a Mesa, quero parabenizar por esta audiência e dizer que o tema da violência homofóbica, transfóbica, lesbofóbica no Brasil, tentam tratá-lo numa perspectiva subjetiva e abstrata, e nós estamos falando de algo extremamente concreto, nefasto, que mexe com a vida das pessoas.
Eu nunca fiz o depoimento que vou fazer aqui agora, mas resolvi fazê-lo para a gente pensar um pouco o quanto de dor, o quanto de tristeza traz para as pessoas, para as famílias essa homofobia generalizada que se tornou essa ideologia de gênero. Ideologia de gênero existe desde pequeno, contra a criança que não se enquadra no gênero heteronormativo estabelecido. Então, na ideologia de gênero, fui educado desde muito cedo. E, aos 18 anos, Marta, quando eu me percebi gostando de outro rapaz, tive a vontade de, primeiro, contar para minha família, e foi nesse lugar que eu não tive a primeira atenção, e foi depois daí que tentei dois suicídios, por conta de justamente não saber lidar com aquele processo de não vivenciar com a minha família, com meus amigos, e não saber o que eu ia fazer sozinho naquela estrada. A maioria dos gueis, lésbicas, travestis e transexuais vivem processos órfãos, solitários, que eu, como nordestino, quando sofri violência ou discriminação na escola, eu tive minha mãe e meu pai para ir à escola me proteger e me defender. Eu, como negro, mesmo "tinta fraca", como digo, tive apoio da minha família em situações de discriminação, mas em situação da homossexualidade, vivi um cotidiano extremamente solitário.
(Soa a campainha.)
O SR. CLÁUDIO NASCIMENTO - Infelizmente, é o que a gente vê hoje ainda. Vários jovens por este Brasil, como foi mencionado o caso do Espírito Santo, perdendo a vida, suicidando-se ou sendo assassinado por conta dessa ideologia de gênero nefasta, terrorista, cruel, que ataca o sentimento, que ataca a autoestima das pessoas.
Então, para nós, essa audiência tem um papel importante. É fundamental que os cristãos progressistas não silenciem nesse tema. Está na hora também das vozes de boa-fé se colocarem, está na hora de a gente entender que a laicidade do Estado é um bem riquíssimo para o País e riquíssimo, inclusive, para garantir que todos os posicionamentos, inclusive contrários aos nossos, tenham espaço. Mas não pode a gente ter uma república teocrática...
(Soa a campainha.)
O SR. CLÁUDIO NASCIMENTO - ... uma república que negue a possibilidade de existência da diversidade.
Então, quero parabenizar você e dizer o quanto é orgulho para nós tê-la como Senadora. No Rio de Janeiro, a gente tem conseguido ampliar algumas políticas, mas a gente sabe que depende do Congresso Nacional para ter uma legislação que possa, inclusive, instrumentalizar mais os Estados para atuação nessa área.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Obrigada, Cláudio Nascimento.
O Rio de Janeiro realmente fez avanços muito importantes, eu o parabenizo. Foi o Governador Cabral que começou e agora o Pezão está mantendo e avançando, num momento que não é fácil.
Gostaria de dar a palavra para Leonardo Bastos, Presidente do Fórum Nacional de Gestores da Política LGBT.
O SR. LEONARDO BASTOS - Boa tarde. Cumprimento os integrantes da Mesa, a Senadora Marta Suplicy, nosso Carlos Magno. Débora Diniz, quero reverberar que é uma delícia te ouvir.
Eu queria dialogar com algumas questões apontadas pela Juliana.
R
Para quem não conhece, o Fórum Nacional de Gestores da Política LGBT tem, hoje, cerca de 71 organismos, e há alguns colegas nossos aqui. Como a Débora colocou, os dados apresentados indicam que nós temos uma violência - eu sou psicólogo -, percebemos uma violência simbólica grande. Se eu penso em violência simbólica e psicológica, eu tenho que pensar que tipo de apoio o Estado oferece a essas vítimas sem rostos, com elas retratando a violência que sofreram, como disse a Débora. Então, eu penso que isso merece destaque. Não temos conseguido dar conta, para além das discussões de pensar na criminalização da homofobia, qual é o apoio imediato que essas vítimas recebem.
Não temos, de fato, uma rede de proteção fortalecida, Juliana. Acho importante você apontar isso, como você colocou na sua fala. Eu acho que esse é o nosso grande desafio, e otimizar a rede. Entendo que cada segmento, como o nosso, às vezes quer criar algo novo, mas nós já temos alguns equipamentos em nosso País, ligados à política de assistência social, entre outros, que podem dar conta.
Para esse desafio, para esse cenário que já conhecemos, a resposta de enfrentamento nossa implica, no meu entendimento, que a SDH dê um pouco mais de estrutura ou musculatura para o organismo que vai articular isso. Com os desafios que temos, com essa violência, uma coordenação dentro da estrutura de uma secretaria não é suficiente, do ponto de vista institucional, na minha avaliação pessoal, para fazer o enfrentamento necessário. Então, quando pensamos em quais são as pistas, as estratégias, os caminhos, eu penso que passa por isso.
Por fim, Senadora, eu quero dizer que os dados são importantes, tanto aqueles numéricos como aqueles que fazem chegar ao nosso coração, como a Débora colocou e a senhora tão bem refletiu, mas precisamos qualificar melhor esses dados. Temos vários problemas nas notificações do Disque 100 e eu penso que tempos que entender melhor, para quando isso vier para o Congresso Nacional, tenhamos mais qualidade de enfrentamento a partir desses dados estatísticos. É uma realidade inegável, a violência acontece todos os dias, mas temos dificuldade de aferir.
Por fim, para concluir, parafraseando o que o Júlio me cochichou aqui, temos criticado o GGB por não ser tão científico, talvez, mas em todas as falas oficiais, eles é que são citados. Então, temos que pensar que há uma lacuna a ser preenchida.
Obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Obrigada pelas suas considerações. Essa sugestão vai ser levada ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Senador Paim.
Aqui há uma mensagem: "Senador, eu vim de São Paulo. Flávio". Então, vamos lá. Depois, a Deputada Erica Kokay, Toninho, Julian, Leonardo Santana. Eu acho que vai dar para todos falarem.
O SR. FLÁVIO BANDEIRA - Foi um apelo para falar, na realidade.
Eu sou Flávio, militante da CSP-Conlutas, do setorial LGBT da Conlutas, uma central sindical. Sou de São Paulo. Soubemos do evento ontem à tarde. Eu dei plantão ontem à noite e vim correndo, porque queremos ajudar a construir o debate, achamos importante acumular nesta discussão aqui. Eu trabalho na prefeitura, lá em Itaquera, na zona leste. Sou enfermeiro, trabalho com pessoas vivas. Aqui, o debate sobre os assassinatos e as mortes que ocorrem. Então, chegam para mim, lá na ponta, pessoas que, antes de serem assassinadas, passam por violência, passam por agressão, passam por extorsão de diversas maneiras.
É interessante também como esses dados dialogam. Existem muitas pessoas negras que passam por situações de LGBTfobia e, como a LGBTfobia, é uma derivação do machismo, na realidade, há toda uma ideologia por trás.
Eu queria muito saudar a Mesa. Precisamos de informações técnicas e científicas. Eu acho que esses dados estão a serviço do movimento LGBT, a serviço dos movimentos sociais no nosso País e precisamos ter mais informações.
Agora, eu queria fazer um adendo. Eu acho que as pessoas bissexuais e as pessoas trans precisam ser mais presentes nas nossas intervenções. O movimento LGBT é muito dinâmico. Hoje em dia, inclusive, a gente até não fala mais em homofobia; a gente fala em LGBTfobia, para ver se a gente consegue agregar os diversos segmentos que a própria sigla aí coloca.
R
Na nossa avaliação, a gente acha que o tema LGBT ganhou uma expressão muito grande nos últimos tempos, tanto que, por exemplo, nas eleições do ano passado, o tema LGBT foi um tema das eleições, esteve presente em diversos debates. A própria Presidente Dilma chegou a falar em criminalização da homofobia, na importância da criminalização da homofobia. Mas, além disso, parte dos levantes de junho tinha relação com barrar o projeto de cura guei, tinha relação com tentar uma manifestação contra o Marcos Feliciano - como podia uma figura tão antidireitos humanos presidir uma comissão de direitos humanos no nosso País? Então, no mínimo, é uma contradição. E a própria mídia, a própria novela da Globo, por exemplo, não tira o tema dali, porque tem relação com todo um destaque especial.
Mas eu acho que é isso. A vida não é uma novela. Acho que os dados que são colocados aqui são estarrecedores, são cotidianos e fazem parte da vida de muitos brasileiros.
Eu queria destacar um tema que tem relação com o arquivamento do PLC nº 122.
(Soa a campainha.)
O SR. FLÁVIO BANDEIRA - (Flávio) Eu acho que o arquivamento tem uma questão política...
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Por favor, eu só vou pedir para encerrar, porque alguns têm a participação de fora, e às 16h30min nós temos encerrar. Então, temos pouco tempo.
Por favor.
O SR. FLÁVIO BANDEIRA - (Flávio) Está certo, rapidinho.
Acho que o arquivamento do PLC nº 122, além de uma questão política de não nos dar direitos de tipificar os crimes que ocorrem, na minha avaliação, acho que também é um ataque ideológico, é fazer com que nós, LGBT, achemos cada vez mais difícil alcançar um direito, alcançar alguma coisa. E, mais do que isso, há um acordo com o levante reacionário que a gente tem no nosso País, o que é muito contraditório. Como é que a gente pode legislar contra os direitos humanos no nosso País em pleno 2015, depois de tantas aberturas democráticas que a gente já teve?
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Obrigada, Flávio.
Concedo a palavra à Deputada Erika Kokay.
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Eu queria saudar a realização desta audiência, porque ela coloca a discussão no caminho que ela tem que ser trilhada e ela faz a construção do orgulho das pessoas serem como são, e, nesse dia 28 de junho, nós queremos que todos tenham orgulho de exerceram sua própria humanidade.
Então, penso que nós vivemos etapas muito duras e períodos muito duros, de muito fundamentalismo. O fundamentalismo tem algumas características, qualquer que seja esse fundamentalismo, seja o fundamentalismo patrimonialista, religioso ou o fundamentalismo punitivo. Qualquer desses fundamentalistas que estão tão presentes no Congresso Nacional, eles representam uma lógica de intolerância. Há uma intolerância no fundamentalismo. E outro aspecto é que também é uma lógica não reflexiva, não se reflete sobre os fenômenos da vida ou sobre a nossa própria humanidade.
Nós vivemos esse processo de muito fundamentalismo e de muita ameaça nas conquistas que foram tecidas sempre com muita dor pelo povo brasileiro, nas conquistas que emanam de qualquer canto, de outros poderes inclusive, que todas estão sendo ameaçadas por essa lógica.
Por isso, é importante que nós possamos avançar, avançar não apenas na criminalização, mas avançar fundamentalmente na possibilidade de resgatarmos a necessidade da discussão da identidade, da livre identidade de gênero e de orientação sexual em todas as políticas públicas - em todas as políticas públicas, e uma delas é muito particular, porque dela depende a qualidade das outras políticas públicas, que é a educação. E o que nós estamos vivenciando é que esses espaços têm sido ocupados por uma concepção que se chama de ideologia de gênero e que, em verdade, é uma construção deformada, mas uma construção que quer dizer que é preciso manter uma família patriarcal, e uma família que, na mesma concepção do Estatuto da Família que tem uma lógica, esse que está em discussão na Câmara, uma lógica persecutória. Quando se cria conselho de família com poderes, poder de requisitar, de representar, e esse conselho de família trabalha com uma família, com um modelo de família dentro da heteronormatividade, você pressupõe que esse conselho pode ser um instrumento persecutório de todos os outros arranjos familiares, particularmente o arranjo homoafetivo.
R
Então são construções, são ovos de serpente que estão em curso e que desenvolvem uma concepção fascista, porque é desumana. Ninguém é ser humano dentro de um armário. Ninguém pode viver a sua humanidade sem ter o direito de ser, de exercer a sua sexualidade ou a sua afetividade, o seu amor pelo outro, porque nós somos seres humanos faltantes, portanto querentes.
E, por fim, dizer que não há inocência nos discursos. Isso que está acontecendo, as terapias de ex-gueis, a cura guei, toda essa investida que se faz para aprisionar o afeto, para impedir o amor, esse discurso se transforma em ação. É como disse Guimarães Rosa, a ação é fruto da palavra pensada, da palavra pensada e elaborada. O discurso é a ponte entre o pensamento e a ação. Portanto não há inocência. Os discursos reverberam-se e traduzem-se nas manchas e feridas que se deixam na pele e na alma não apenas da comunidade LGBT, mas fundamentalmente desta Nação que se quer democrática e que quer construir a sua própria democracia.
O que nós estamos vivendo hoje são reações na perspectiva de impedir que a humanidade possa viver a sua própria liberdade. Nesse sentido, lutar pelo direito de ser e de amar, numa sociedade mercantilista, em que o ser humano é coisificado, é extremamente revolucionário. Lutar pelo direito de amar e de ser adquire um caráter revolucionário nesta etapa, o que não havia algumas décadas atrás. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Que bela fala, Deputada Erica Kokay! Belíssima fala. Parabéns!
Eu vou ler três comentários que chegaram e, depois, vamos passar para o Toninho Lopes, da UFES.
Ana Flávia Schmitt Baranski:
As violências motivadas por orientação sexual e identidade de gênero são iguais às que atingem mulheres e idosos que vivem sozinhos.
As Secretarias de Segurança Pública do Brasil devem uma estratégia de combate à violência desses grupos vulneráveis.
O segundo comentário veio de Orlando Cardoso:
Toda violência deve ser inibida e punida, porém nossas leis já preveem isso.
Há que se definir também o que é homofobia, levando em conta as crianças e as morais de cada indivíduo.
E, quanto a menores, não há nada para se discutir sobre esse tema, já que a educação compete aos pais.
Essas são as reações que estão chegando.
Nós temos o Facebook dessa pessoa, facebook.com/marisalobovideos.
(Manifestação da plateia.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Pelo jeito vocês conhecem. Eu não sei quem é.
E há o terceiro comentário, de Gustavo Don:
A Lei Federal nº 7.716 pune as discriminações por raça, cor, origem e religião, porém não pune as discriminações e preconceitos por orientação sexual e identidade de gênero, tipos de violência que crescem ano a ano, conforme aponta o relatório de violência homofóbica do Governo.
Com a palavra, agora, o Toninho Lopes, da UFES.
O SR. ANTÔNIO LOPES DE SOUZA NETO - Boa tarde, companheiros e companheiras.
Sem perder tempo com os cumprimentos, eu quero cumprimentar a Senadora que preside esta sessão e estender o cumprimento a todos os companheiros, guerreiros e guerreiras que estão aqui, nesse enfrentamento de tempos tão obscuros.
Eu venho do Estado do Espírito Santo, o mesmo Estado do meu colega, Professor Christovam, um Estado que já deu grandes contribuições à luta pela defesa dos direitos humanos de um modo geral. Vou lembrar aqui, por exemplo, a nossa ex-Ministra de Políticas para as Mulheres e ex-Deputada Federal que já presidiu a Comissão de Direitos Humanos, a Deputada Iriny Lopes, vou lembrar a ex-Senadora Ana Rita, que presidiu brilhantemente a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que tratou dessa questão de violência contra as mulheres, vou lembrar com muito carinho que já esteve aqui, na Secretaria de Direitos Humanos e também foi nosso Subsecretário de Direitos Humanos na gestão passada, Perly Cipriano, um grande aliado da causa LGBT, diga-se de passagem, embora tenha sido tolhido como Secretário e pouco pôde fazer pelo segmento LGBT no Estado do Espírito Santo. E vou incluir nesse rol uma pessoa que está agora representando o Conselho Federal de Psicologia no Conselho Nacional LGBT, que é a Rebeca Bussinger, uma grande militante.
R
Senadora Marta Suplicy, venho desse Estado.
Senadora Regina, a senhora mencionou que houve um Governador que encaminhou carta para os prefeitos. Talvez, seja até uma ação política, e eu compreendo.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI. Fora do microfone.) - Foi um Deputado.
O SR. ANTÔNIO LOPES DE SOUZA NETO - Foi um Deputado.
No meu Estado, infelizmente, vivemos, nesses últimos dois dias, além da violência física, uma agressão à nossa Constituição. Vereadores, nos diversos Municípios do Estado do Espírito Santo, receberam carta e tiveram reunião com o Arcebispo de Vitória. O Arcebispo, lamento muito, fez uma carta nos dias que antecederam...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO LOPES DE SOUZA NETO - ...as votações dos planos municipais, alinhando-se ao que há de mais perverso hoje no cenário político, que são os fundamentalistas religiosos. Lastimo isso. Fico entristecido, porque o Movimento LGBT, numa atitude digna, em 2012, procurou o Arcebispo para conversar, para dialogar, numa perspectiva de aproximação. Desde então, nunca - digo isto com todo o respeito aos fiéis da Igreja Católica - o Arcebispo nos retornou para fazer essa construção.
O mais entristecedor é que, na carta que o Arcebispo de Vitória encaminha, ele se nivela por baixo, junta-se à escória da política, que são os fundamentalistas religiosos. Ele mente para a população, reforçando a ideia da ideologia de gênero. Ele mente, dizendo que estamos querendo obrigar a desconstrução de gênero e que vamos prender pais e mães que se opuserem às políticas que construímos em espaços democráticos.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO LOPES DE SOUZA NETO - Termino, Senadora, apresentando uma proposição a esta Comissão, conclamando-a a fazer uma diligência no nosso Estado do Espírito Santo, que é um Estado que traz tantas pessoas, mas que também dá uma contribuição que nos "malta" de vergonha, como, por exemplo, um determinado Senador. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Transmitirei ao Presidente desta Comissão de Direitos Humanos, o Senador Paulo Paim, o pedido de V. Sª.
Aqui, sentimos todos muita falta da Senadora Ana Rita, pela sua contribuição e pela excelência com que conduziu esta Comissão.
Com a palavra o Julian Rodrigues, do Movimento Nacional de Direitos Humanos de São Paulo.
O SR. JULIAN RODRIGUES - Boa tarde, Marta! É sempre bom estar aqui com você. Sabemos que, onde você estiver, o seu compromisso com nossa causa é sempre o mesmo.
Antes de falar do assunto de que vou tratar e que tem a ver com São Paulo, quero só dizer que acho que, às vezes, a gente fala muito dos fundamentalistas religiosos, mas se esquece de que há setores de extrema direta e fascistas, que também não são necessariamente fundamentalistas religiosos, que estão, por exemplo, agora, numa audiência na Câmara dos Deputados, discutindo a cura guei. Então, há uma aliança de extrema direita, que, às vezes, é até mais ampla do que os fundamentalistas religiosos. Mas tenho a certeza de que o Brasil é maior do que os fascistas, do que os fundamentalistas. Este momento é assustador, mas acho que temos forças democráticas que vão superá-lo. A gente só tem de articular uma reação. Não podemos também ficar perplexos. Temos de articular uma reação.
Eu queria falar sobre violência homofóbica estatal. Em São Paulo, estamos acompanhando dois casos. Um deles ocorreu há mais de um mês, o da travesti Verônica Bolina. Ela foi presa pela Polícia Militar. Aparentemente, ela estava com algum tipo de surto. Ela foi jogada numa cela com vários homens. Foi violentada não sexualmente num primeiro momento, mas foi espancada pelos carcereiros. Ela reagiu. Ela entrou em luta corporal com um carcereiro e acabou arrancando um pedaço de uma orelha dele. Em reação a isso, ela foi mais espancada. Um cabo de vassoura foi introduzido no seu ânus. A gente foi visitá-la depois na cadeia. Ela sofreu, então, sob custódia do Estado, violência homofóbica. Ela ficou desfigurada. É um caso muito grave, que está sendo acompanhado por várias instâncias. Eu queria também sugerir, Senadora Marta, que pudesse esta Comissão do Senado acompanhar esse caso, porque é um caso muito emblemático.
Na última sexta-feira agora - ainda não conseguimos pegar mais detalhes -, a travesti Laura Vermont foi assassinada. Num primeiro momento, não se sabia por quem ela tinha sido assassinada.
(Soa a campainha.)
O SR. JULIAN RODRIGUES - Depois, ficou claro que foram dois policiais militares que a assassinaram. Eles tentaram encobrir o crime. Parece que ela tinha sofrido algum tipo de agressão na rua. Há um vídeo que, na primeira parte, mostra que ela foi agredida e estava ensanguentada. Depois, a Polícia arrumou uma testemunha para dizer que ela tinha sido atropelada. É uma história muito confusa. Mas, na sequência, os próprios policiais confessaram o crime, dizendo que ela ficou descontrolada, que eles tiveram de atirar nela e que a mataram.
R
Então, ela foi morta na rua por dois agentes de segurança pública do Estado de São Paulo.
São dois casos muito graves em nosso Estado, Senadora Marta.
Encerro aqui, mas peço que possamos tratar, em algum momento, desse assunto, porque, no Estado de São Paulo - um último dado -, aumentou o número de assassinatos por parte da Polícia Militar e da Polícia Civil. Esse número quase dobrou de um ano para outro. O caso é muito grave em São Paulo.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Prezado Julian, foi aprovado requerimento nesta Comissão, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, para uma audiência pública sobre o caso Verônica. Nós vamos discutir isso em breve.
Com a palavra, Leonardo Santana, do Levante Popular da Juventude.
Um momentinho, Leonardo. Antes, vou ler mais duas manifestações.
Uma, de Jack Wonder:
Temos jurisprudência o bastante para julgar casos de crimes contra orientação sexual. Da forma que as coisas vêm sendo conduzidas, estão querendo generalizar, abrangendo a liberdade de pensamento e interpretação da Bíblia. E não podemos aceitar, sob pena de virar uma Inquisição.
Outro comentário, feito por David Joade Lima Melo:
A criminalização da homofobia é uma demanda urgente do povo brasileiro. O mais prudente seria o Senado incluí-la e aprová-la no novo Código Penal, que está em discussão nessa Casa.
Com a palavra o Leonardo Santana.
O SR. LEONARDO SANTANA - Boa tarde a todos e a todas.
Eu sou do Levante Popular da Juventude e da Comissão de Diversidade Sexual e Enfrentamento à Homofobia, da OAB/BA, Subseção Feira de Santana.
Nós, como Juventude, estamos em vários Municípios agora, ocupando as Câmaras Municipais contra essa ofensiva conservadora com relação aos Planos Municipais de Educação. Talvez só daqui a quatro, cinco anos, vamos conseguir avaliar bem qual é o efeito da retirada do gênero da diversidade sexual desses planos. Cada vez mais, existe a investida conservadora no espaço público, e o que estamos fazendo é uma disputa pelo espaço público, uma disputa por viver, estar e ser como somos em sociedade. E acredito que é uma disputa em que só vamos conseguir avançar realmente quando o Movimento LGBT entender que precisamos ser protagonistas da construção de um Estado laico no Brasil. Nós precisamos reunir cada vez mais forças que também estão sofrendo com relação ao avanço do conservadorismo protagonizado por uma Bancada Religiosa, nós que somos minorias políticas, moedas de troca na mão dessas bancadas, e também com relação à Bancada Ruralista, à Bancada dos Industriários, à Bancada da Bala, do Boi e da Bola. Nós precisamos cada vez mais nos unir com outras minorias políticas e pautar o Estado laico no Brasil, pautar um modelo de Estado laico no Brasil que vá além da previsão constitucional que nós temos e que não tem sido suficiente para impedir o avanço de uma série de pautas conservadoras protagonizadas principalmente pela Bancada Evangélica.
Para nós, o grande desafio é esse. Nós entendemos que a Juventude não está representada por evangélicos e católicos nesta Casa, nas duas Casas. Nós que estamos com a Juventude na base, entendemos que é possível, sim, disputar esse entendimento.
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO SANTANA - Nós não conversamos para que ninguém saia da religião, mas para que todos pautem o Estado laico. Há uma série de fissuras dentro do campo religioso que precisamos aproveitar. Não só de religiosos progressistas, mas também de uma série de religiosos que não concordam com a atuação desses Parlamentares. E é aí que precisamos nos unir para uma proposta de Estado laico também com a Igreja, também com os religiosos, para além das minorias. Dessa forma, vamos conseguir pautar isso na sociedade.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Muito obrigada, Leonardo.
Agora passo a palavra ao último inscrito, que é Paulo Iotti, do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero.
O SR. PAULO IOTTI - Muito obrigado, Senadora Marta. Eu queria agradecer V. Exª por abrir a possibilidade de termos esta audiência pública importante no Senado. O Senado tem se mostrado, na atual conjuntura política, como a única possibilidade real de diálogo dos movimentos sociais, do Movimento LGBT em particular. Como sabem, o Presidente da Câmara vetou a nossa participação nas reuniões realizadas anteontem e ontem. A SDH nos socorreu de última hora, e eu acho que isso mostra a diferença de tratamento.
Eu queria também agradecer muito à Procuradoria Geral da República, na pessoa da Drª Ela Castilho, pelo parecer que deu recentemente pela equiparação da homofobia e da transfobia ao racismo.
R
Como o nosso querido Carlos Magno já destacou, eu sou o primeiro a destacar o quanto a tese, que é minha, no caso, como advogado, é polêmica. A PGR já deu o parecer favorável em uma primeira ação, em julho do ano passado, e sei o quanto ela foi criticada por alguns juristas de peso. Eu e outros juristas respondemos, mas seria muito fácil - eu queria que isso ficasse muito claro para todos - a PGR não dar o parecer favorável.
Então, tenha o nosso agradecimento, o meu, o da ABGLT e o da população LGBT, que tem muita esperança nessa ação. Até pretendemos enviar um ofício de agradecimento à Procuradoria nesse sentido, mas passo o nosso agradecimento ao Dr. Janot.
Parafraseando Hannah Arendt, costumo dizer que vivemos a verdadeira banalidade do mal homofóbico e transfóbico. A homotransfobia se tornou banal. Não são monstros que praticam isso. As pessoas "normais" - entre aspas -, nossos vizinhos, amigos e colegas de trabalho se sentem no direito, no pseudodireito de agredir, ofender, discriminar e até matar pessoas LGBT por sua orientação sexual e identidade de gênero. Acredita-se que a liberdade de expressão protege discursos de ódio. Brincando com Sérgio Buarque de Holanda, eu digo que a liberdade de expressão...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO IOTTI - ... é outro mal-entendido lamentável neste País. Em outros países, um assassinato marcante bastou para se ter a criminalização. No Brasil, houve vários, alguns já citados aqui, e nada disso sensibiliza o Congresso Nacional.
Por fim, Senadora, quero agradecer a V. Exª porque - é bom que todos saibam -, na primeira ação que eu movi no Supremo pela criminalização, pela ABGLT, V. Exª me acompanhou para despachar com o Relator, o Ministro Lewandowski. Foi um apoio importante, que podemos conversar se poderemos renovar ou não. Agradeço muito o seu apoio e digo que sempre que falarem aqui no Senado, no Congresso, que estamos querendo privilégios, não, não queremos privilégios, queremos igual proteção penal. A Lei de Racismo fala em raça. É de discriminação racial a tese da PGR, o racismo como inferiorização de uns sobre outros. O Supremo afirmou o antissemitismo como racismo anos atrás,...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO IOTTI - ... mas fala em cor, etnia, procedência nacional e religião. Que coisa! Fundamentalistas religiosos são protegidos pela Lei de Racismo, mas não querem que nós tenhamos a mesma proteção penal. Quem está querendo privilégios aqui? Isso é algo que tem que ser destacado.
Fala-se que orientação sexual e identidade de gênero seriam opções da pessoa. Sabemos que não é, mas, ainda que fosse opção, as pessoas têm a liberdade e o direito de fazerem o que quiserem, desde que não prejudiquem terceiros, desde a declaração dos direitos do homem e do cidadão, na Revolução Francesa.
Então, se a opção religiosa é protegida, como deve ser, pela Lei de Racismo, por que a sexualidade, a orientação sexual e a identidade de gênero não poderiam ser protegidas, ainda que equivocadamente se considere como opção? Há uma hipocrisia, uma incoerência que eu acho que é algo que precisa ser destacado.
Muito obrigado, Senadora. Agradeço a Mesa, na sua pessoa, também por essa oportunidade e pelo apoio. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Muito obrigada.
A SRª ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO - Senadora, eu só queria esclarecer que eu não subscrevi o parecer. Ele é subscrito pelo Dr. Rodrigo Janot.
A SRª PRESIDENTE (Marta Suplicy. S/Partido - SP) - Muito bom.
Quando ele faz os pareceres, tem dado certo. O último foi excelente.
Eu queria fazer um comentário que me ocorreu quando o senhor falava sobre a questão do racismo, da etnia e de outras áreas, de que nós temos que combater o preconceito. Eu acho que a Deputada Kokay e outras pessoas também manifestaram que temos que ter apoiadores. Eu acredito que uma das dificuldades foi a má compreensão dos que combatem o racismo da equiparação da homofobia com o racismo. Seria interessante, se alguém tem algum contato com esses grupos, aglutiná-los para esse apoio, porque eles seriam fundamentais, já que a luta deles teve um final bem-sucedido, pelo menos na lei. Foi uma luta muito sofrida, tanto quanto. Eles estão nessa luta há muito mais tempo, mas conseguiram essa inserção. Os homossexuais ainda estão nessa batalha. E não vai tirar nada da luta do combate ao racismo. Eu acho que deveríamos ter essa preocupação em relação à etnia também.
Eu vou ler agora os dois últimos comentários e encerramos a nossa reunião.
R
Comentário de Renata Andrade:
Já existe amparo legal. O art. 3º, inciso IV, diz que o objetivo fundamental da República é promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor e idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Logo, qualquer tipo de delito e de intolerância vai de encontro às leis.
Comentário de Caique Leandro:
A diferença entre eu, que sou gay, e minha irmã, que é hetero, é a seguinte: a sexualidade dela é vista como aceitável; a minha, não. Eu nasci assim. Por favor, me respeite. A sua sexualidade não me interessa. Por que a minha te incomoda? Só quero viver com alguém que eu amo, mesmo sendo do mesmo sexo. (Palmas.)
Acho que isto é um comentário do nível da Drª Débora, porque diz respeito aos nossos corações e à questão do que almejamos para um país mais tranquilo, harmonioso, onde todos possam viver em paz.
Muito obrigada a todos.
A audiência está encerrada.
(Iniciada às 14 horas e 29 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 45 minutos.)