18/06/2015 - 42ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Boa tarde a todos e a todas. Sejam muito bem-vindos!
Declaro aberta a 42ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 48, de 2015, da CDH, de nossa autoria, para debater sobre a luta antimanicomial.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular, por isso as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no link www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Eu passo a compor esta audiência pública, que tem como objetivo falar um pouco das políticas de saúde mental no País e nos situar sobre a situação geral no País. Nós temos a felicidade de contar com a presença da Profª Louise Fournier entre nós e a convidamos para participar desta audiência. Eu vou compor a Mesa e logo em seguida a gente começa.
Temos a honra de ter presente entre nós a Deputada Federal Janete Capiberibe - seja muito bem-vinda a esta Comissão! - e também aqui está o representante da Embaixada do Canadá - seja muito bem-vindo, é um prazer tê-lo aqui!
Eu convido para compor a Mesa a Profª Eva Faleiros. A Profª Eva é professora aposentada pela Universidade de Brasília, mestra em Serviço Social, militante pela luta antimanicomial e membro da Diretoria Colegiada da Inverso ONG Saúde Mental. (Palmas.)
Convido também a Drª Louise Fournier, Mestra em Psicologia. (Pausa.)
Eva, além de apresentadora, vai fazer a tradução de Louise. Louise fala francês do Quebec e Eva, como morou muito tempo no Quebec, cinco anos, fala um québécois perfeito.
Louise é Mestra em Psicologia com doutorado em Saúde Pública e professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Escola de Saúde Pública da Universidade de Montreal, Diretora do programa de Mestrado em Saúde Pública.
Convido, para compor a nossa Mesa, o Dr. Edmar Carrusca. (Palmas.)
O Dr. Edmar Carrusca tem formação em Psicologia, especialista pela cátedra Unesco de Bioética, da Universidade de Brasília, atua no Instituto de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
E por último convido o Dr. Alexandre Trino. (Palmas.)
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O Dr. Alexandre Trino é mestre em saúde coletiva pela Universidade Federal Fluminense, gestor em saúde pública, atua no Ministério da Saúde como Coordenador-Adjunto da Coordenação de Saúde Mental do Ministério.
Para abrir os trabalhos, temos uma apresentação de dois vídeos sobre o tema.
Solicito que apaguem as luzes para que possamos assisti-los.
(Procede-se à exibição de vídeo. )
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Esse é um programa, um documentário realizado pela TV Senado. Na verdade, é só uma parte, não é o documentário inteiro. O documentário tem 56 minutos. Não seria possível apresentá-lo devido ao tempo. Na verdade, o nosso interesse é ouvir os nossos convidados para que possamos ter uma ideia clara da política de saúde mental.
Está aqui presente o representante do Ministério da Saúde, que vai, certamente, nos dar um panorama da Política Nacional de Saúde Mental.
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Aproveito para passar a palavra ao Dr. Alexandre Teixeira Trino, que representa o Ministério da Saúde aqui nesta audiência pública. O senhor tem dez minutos, com uma prorrogação de cinco e um pouco de tolerância de mais um ou dois minutos.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Boa tarde a todas e a todos.
Gostaria de, em nome do nosso Ministro Arthur Chioro e do nosso Coordenador Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, Roberto Tykanori, cumprimentar a Mesa, na pessoa do Senador Capiberibe, e agradecer pelo convite, pela oportunidade de estarmos aqui, podendo debater um assunto, um tema que para nós é muito caro, e de cumprimentar a pesquisadora canadense Louise Fournier; a pesquisadora Eva Faleiros, da UnB; e o Dr. Edmar Carrusca, também nosso companheiro da luta antimanicomial.
Para nós, da Coordenação Nacional de Saúde Mental, dentro de um contexto de iniciar reflexões acerca do tema, eu acho que é importante situar historicamente que o cuidado destinado aos portadores de transtorno mental sempre foi circunscrito ao modelo asilar, ou seja, ao modelo direcionado para a internação, para o afastamento, para a segregação e a institucionalização de hospitais psiquiátricos.
É bom que se diga que a Política Nacional de Saúde Mental tem um potencial indutor de desconstruir esse processo histórico de segregação, de internação, por conseguinte, de desconstruir o próprio equipamento hospital psiquiátrico.
A partir disso, é importante lembrar uma das nossas maiores referências em termos de modelo da atenção psicossocial, Basaglia, que vai dizer que desinstitucionalizar não é somente modificar as formas de atenção à loucura, mas produzir modificações na cultura, na sociedade, uma sociedade excludente de diferenças, portanto, produzir modificações na racionalidade social sobre esse fenômeno.
O grande desafio que temos é colocar a reforma psiquiátrica para além da reorientação do modelo de atenção em saúde mental, mas que seja também uma indução de mudança de concepções da própria sociedade. Quando a gente tem ainda muitos estigmas e preconceitos em relação à loucura, torna-se importante ter essa preocupação.
A Política Nacional de Saúde Mental corre muitos riscos, entre os quais reduzir o processo de reforma psiquiátrica a uma mera mudança de modelo assistencial. É o que disse anteriormente: a reforma psiquiátrica vai muito além de apenas reorientar o modelo assistencial. Tem todo um contexto indutor que Amarante vai colocar, como a dimensão sociocultural que também é muito importante, pois trabalhamos para transformar a relação da sociedade com as pessoas em sofrimento mental. Por conseguinte, é fundamental a gente construir a reinserção social dessas pessoas manicomializadas e apartadas por tanto tempo dentro dos hospitais psiquiátricos, dentro de um contexto que produza uma integração e uma intersetorialidade necessária dos equipamentos públicos e das políticas públicas com essa finalidade.
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Aí é, um pouco, para a gente comparar o antes da reforma e o depois da reforma, a partir de um modelo que, antes da reforma, era de cuidado centrado na internação em hospital psiquiátrico. Fazendo um comparativo, hoje, a gente tem um contexto em que existe a perspectiva legitimada em política de se criar uma ampla rede de cuidado em saúde, que é a nossa rede de atenção psicossocial. Mais à frente, vocês vão ver um pouco o desenho dessa rede de atenção psicossocial dentro da política nacional.
Antes da reforma psiquiátrica, o isolamento era a marca forte do contexto segregacionista em que, a partir do manicômio, essas pessoas com transtornos mentais ficavam. A partir da abertura, da reforma, o modelo se direciona para um modelo focado no território de base comunitária, em que a produção do cuidado seja eminentemente focada no contexto social em que o indivíduo vive, dentro do território da comunidade, na capilaridade da vida e do cotidiano que esse indivíduo tem e no desafio enorme de reincluir esses usuários dentro dessa perspectiva territorial. Daí, os CAPs (Centros de Atenção Psicossocial) serem um equipamento, para nós, da política, fundamental, além de vários outros que a gente vai citar mais na frente, que são fundamentais para esse contexto.
A normatização dos sujeitos era uma outra característica bem marcante do modelo hegemônico fundado na psiquiatrização, em que o controle exercido é focado por vários cerceamentos de direitos, enquanto, a partir da reforma, o que se direciona é a complexificação do objeto do cuidado a partir de uma centralidade na garantia de direitos do indivíduo.
A lógica da instituição total é uma outra característica desse modelo antes da reforma psiquiátrica. Essa instituição total é o próprio hospital psiquiátrico asilar, de modelo asilar, enquanto, após a reforma, a gente vem com um modelo paradigmático de ampliar as práticas e saberes e, mais do que isso, fundamentalmente, de qualificar, dentro da subjetividade e da singularidade de cada caso, a potência que esse indivíduo e que qualquer ser humano tem para resgate da sua identidade como cidadão e como ser humano.
Por último, antes da reforma, a violação dos direitos humanos é uma marca mais do que sabida, é flagrante essa violação dos direitos, e essa perspectiva, depois da reforma, vem muito consubstanciada com a corresponsabilização pelo cuidado. Ou seja, a autonomia e a necessidade de promover a contratualidade com o usuário de que ele também é responsável pelo seu próprio fazer na vida, pela sua própria saúde. Essa contratualidade produz autonomia, produz, de alguma forma, corresponsabilização.
Então, falar de tudo isso é falar de integralidade, um conceito, para nós, dentro do Sistema Único de Saúde, muito caro, que defendemos com muita veemência; integralidade como um conceito que é integrar procedimentos, ações e serviços em torno de estratégias e diretrizes que promovam a saúde da população. E, aí, falar de integralidade é falar de um conceito que dialoga com vários outros setores - direitos humanos, cultura, trabalho, educação, assistência social, segurança, saúde e vários outros que não estão aqui.
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Esse tema é um tema bastante complexo, que eu acho que dá pano para manga para a gente conversar aqui, e que eu acho que vai transversalizar muito todas as falas, tanto a minha quanto as dos nossos colegas aqui na mesa.
Falar do Decreto nº 7.508 é importante. Dentro do Ministério da Saúde, a gente institui as regiões de saúde. Quando eu, lá atrás, falei do território como base fundamental para espraiar esse modelo contra-hegemônico que a gente institui a partir da política nacional, o Ministério da Saúde formula o conceito de região de saúde. Seria um espaço geográfico contínuo, constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes e delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais, e de redes de comunicação e infraestrutura de transporte, e compartilhados com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução das ações e serviços de saúde.
Pois bem, dentro dessa região existe uma série de diretrizes que, dentro do Ministério da Saúde e dentro da política nacional, são estratégicas. Uma delas é a atenção psicossocial, a rede de atenção psicossocial implantada nessa região de saúde. É isso que a gente vem desempenhando a partir da formulação da política, em 2011, no sentido de implantar nas regiões de saúde, na capilaridade dos Estados e Municípios, essa racionalidade de termos, nas regiões de saúde, uma atenção primária, uma rede de urgência e emergência, uma rede de atenção psicossocial, uma rede de atenção ambulatorial especializada e hospitalar e uma vigilância em saúde. Então, esse é o desenho que está na política nacional.
E aí vem a Política Nacional de Saúde Metal, com todas as normativas legais que, para nós, são muito pertinentes de serem citadas, porque são marcos dentro da reforma psiquiátrica e dentro do próprio histórico de luta antimanicomial. Não dá para deixar de citar a Lei nº 10.216, de 2001, um marco dentro da política pública do Estado de Direito e Cidadania e de superação do modelo asilar, que marca com muito potencial indutor um contexto importante para dentro da reforma psiquiátrica; a Lei nº 10.708, de 2003; o Decreto nº 7.508, de 2011; e a própria Portaria nº 3.088, que legitima as Redes de Atenção Psicossocial. A partir disso, o que está como direcionalidade é consolidar os princípios da reforma psiquiátrica no SUS a partir das conferências nacionais de saúde mental e intersetoriais e fortalecer a pauta de saúde mental na agenda das políticas públicas intra e intersetoriais, e a articulação com os movimentos sociais.
A partir da Política Nacional de Saúde Mental, é importante colocar alguns marcos. Primeiro: a rede de saúde mental deve ser integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção, para atender às pessoas em sofrimento e/ou com demandas decorrentes de transtornos mentais ou de consumo de álcool, crack e outras drogas. Ou seja, tem que haver uma rede articulada, integrada, não só pelo CAPs, mas por equipamentos da atenção básica, por equipamentos de urgência e emergência, por equipamentos da própria atenção hospitalar e equipamentos que são necessários para a gente produzir a desinstitucionalização manicomial. Cito os serviços de residência terapêutica, que, para nós, são muito importantes nesse processo.
Devem-se considerar as especificidades locorregionais. Em um País continental como este, logicamente a gente tem a pressuposta necessidade de considerar a realidade locorregional. A ênfase é nos serviços de base comunitária, caracterizados pela plasticidade de se adequar às necessidades dos usuários e familiares, e não estes se adequarem aos serviços. Isso é importante ser destacado. Normalmente os serviços de saúde apresentam cardápio de ofertas aos quais os cidadãos têm que se adequar. Tentamos aqui instituir justamente o contrário, ou seja, o serviço de base comunitária instalado na capilaridade do território que deve se adequar às necessidades e demandas que esse usuário traz. É importante rever esse jogo.
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Atua na perspectiva territorial conhecendo suas dimensões, gerando e transformando lugares e relações. Fundamentalmente, esse quarto item para nós é muito importante. Vou me adiantar, porque o tempo é curto.
Objetivos: ampliar o acesso à atenção psicossocial da população em geral, promover a vinculação de pessoas em sofrimento, transtorno mental, com necessidade decorrente de uso de álcool, crack, outras drogas e suas famílias aos pontos de atenção, e garantir a articulação e integração dos pontos de atenção da rede no território.
Vou passar isso.
Aqui são diretrizes fundamentais que dialogam com conceitos muito caros para a produção do cuidado de saúde mental, por exemplo: o cuidado integral; o projeto terapêutico singular de cada indivíduo no sentido de perceber a singularidade e a processualidade de cada usuário - o profissional do CAPs ou o profissional de outro equipamento de saúde utilizar essa importante ferramenta para acompanhar e gerenciar o cuidado desse indivíduo -; a diversificação de estratégias e o respeito aos direitos humanos; o pleno exercício da cidadania, como foco principal para incluir socialmente novamente essas pessoas; desenvolvimento de atividades no território. E fundamentalmente, tudo isso tem um teor muito forte de desconstruir estigmas e preconceitos muito arraigados socialmente, que fazem toda diferença quando entramos com potencial de ferramentas de cuidado, como estas que estou citando aqui.
Aqui é um pouco do desenho dos componentes da Rede de Atenção Psicossocial. São sete componentes. O primeiro componente de atenção básica, em que temos unidades básicas de saúde, núcleos de apoio à saúde da família, consultórios na rua e centros de convivência e cultura fazendo parte desse componente de atenção básica. O componente de atenção psicossocial, que são os próprios CAPs em suas diversas modalidades. A atenção de urgência e emergência, caracterizada pelo Samu e pela UPA. A atenção residencial de caráter transitório, que são unidades de acolhimento e serviços de atenção em regime residencial. Unidades de acolhimento, é bom que se diga, são equipamentos eminentemente voltados para indivíduos em vulnerabilidade social, que dependem de um tempo para serem, de alguma forma, recebidos e acolhidos na unidade de acolhimento até conseguirem se inserir socialmente. A atenção hospitalar são os leitos de saúde mental em hospital geral, é bom que se diga isso. Se queremos e há toda uma direcionalidade de não reconhecer os hospitais psiquiátricos como equipamentos que legitimem essa política, não seria coerente incluir hospital psiquiátrico dentro da Rede de Atenção Psicossocial. Por isso, hospitais gerais, ou seja, existem leitos de saúde mental dentro do hospital geral. Estratégias de desinstitucionalização, que são os nossos serviços residenciais terapêuticos. Indivíduos que estão há muito tempo manicomializados, às vezes, trinta, quarenta anos asilados, muitos deles perdem completamente seus vínculos sociais e familiares. Os que conseguimos resgatar os vínculos sociais e familiares não vão para essas residências terapêuticas, vão direto para o seio de suas famílias, mas muitas vezes não conseguimos mais encontrar esses laços, e os serviços de residência terapêutica são equipamentos que agrupam, agregam indivíduos que estão sendo desinstitucionalizados para viverem em sociedade novamente. E a estratégia de reabilitação psicossocial, que são iniciativas de geração de trabalho e renda e fortalecimento de protagonismo de usuários e familiares, com todo um foco em cooperativismo social e geração de trabalho e renda que são fundamentais nesse contexto. Está aí desenhada a Rede de Atenção Psicossocial. Acho que mais para a frente podemos debater.
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Aqui está um desenho do que são esses equipamentos que eu disse anteriormente. Também vou passar por esse.
Aqui é um desenho daquilo que consideramos trabalhar em rede, tendo uma linha de cuidado por trás de todas as esferas de complexidade do Sistema Único de Saúde. Mais do que isso, para além do Sistema Único de Saúde, há necessidade de tecermos redes intersetoriais nesse contexto.
Garantir direitos e produzir direitos da pessoa com sofrimento psíquico requer pontos de atenção da rede voltados para a não violação de direitos, garantir direitos e, mais do que isso, promover direitos, cuidados que garantam e promovam autonomia, fortalecimento do poder de contratualidade social, acesso e exercício de direitos, atenção a situações de crise.
Eu vi ali no vídeo uma menção à crise. É fundamental termos em nossos serviços um escopo necessário de preparo para conseguirmos mediar com a crise, sem a necessidade de internar esse indivíduo novamente. Isso é fundamental.
O atendimento domiciliar para os casos necessários e as ações de reabilitação psicossocial, que são fundamentalmente focadas em contextos de iniciativas articuladas de trabalho no território, com economia solidária, habitação, educação, cultura, direitos humanos, que garantam o exercício do direito de cidadania, visando à produção de novas possibilidades.
Essa promoção de contratualidade no território é para nós, também, potencial estratégico fundamental. O acompanhamento de usuários em cenários da vida cotidiana, na casa, no trabalho, com iniciativas de geração de renda e empreendimentos solidários, contextos familiares, sociais e no território, com a mediação de relações com a criação de novos campos de negociação e de diálogo que garantam e propiciem a participação do usuário em igualdade de oportunidades e ampliação de redes sociais e sua autonomia. Isso é um grande desafio. A reabilitação psicossocial é um grande desafio para nós.
Fortalecimento do protagonismo de usuários no Centro de Atenção Psicossocial. O Centro de Atenção Psicossocial, é importante citar, tem uma dimensão muito importante dentro desse desenho, dentro dessa política.
A atividade que fomenta e a participação de usuários e familiares nos processos de gestão e serviços e da rede, como assembleia de serviços, participação em conselhos, conferências e congressos, e a apropriação e a defesa de direitos e criação de formas associativas de organização. Ou seja, em linhas gerais, o que estamos falando aqui é de promover o protagonismo e a participação do usuário no serviço de saúde que ele frequenta, fundamentalmente.
Projetualidade da reforma psiquiátrica do SUS. É importante que se diga que questões complexas não devem ser respondidas por respostas simples. As respostas devem ser complexas; Saraceno lembra isso. Essa dimensão da política nacional de saúde mental tem uma complexidade enorme, que precisamos encarar.
Riscos de simplificação. Que não dimensionemos todo esse potencial que desenhou em termos de política de forma simplificada. E aí o grande desafio é exatamente complexificarmos esse processo. Apostar fundamentalmente na equidade e na universalidade, cuidar do sofrimento, acesso e direitos.
Por último, Paul Singer, um economista nosso importante vem defendendo muito, e corroboramos, estamos escrevendo documentos na Coordenação Nacional de Saúde Mental a respeito da questão de vincular políticas públicas com felicidade, lembrando um pouco do conceito de felicidade, congregando aí uma série de domínios e possibilidades que dialogam na perspectiva da política pública e que podem dimensionar a felicidade para esse contexto das políticas públicas. Lembrando que felicidade pode ser vitalidade comunitária, pode ser aproveitar melhor o seu tempo onde você está vivendo, ter acesso à educação, ter acesso ao lazer, ter acesso à saúde, ter acesso ao trabalho, ter inclusão social, resgatar a sua identidade, o seu pertencimento como cidadão.
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Agora, para terminar, é importante citar um pouco a série histórica de expansão dos CAPs no País, desde 1998 até 2015. Hoje, em 2015, nós temos 2.237 Centros de Atenção Psicossocial em funcionamento no País. Então, existe todo um processo bem característico de crescimento, em progressão geométrica, desse processo de implantação dos CAPs no País. Hoje, repito, há 2.237 CAPs em funcionamento.
Aí o número de CAPs por tipo. Nós temos seis tipos de CAPS diferentes: CAPs I, CAPs II... CAPs I e CAPs II são para transtornos. CAPs III é um CAPs para 24 horas, que atende 24 horas. Nós temos no País, em 2015: 1.081 CAPs I; 483 CAPs II; 86 CAPs 24 horas. Este é um grande desafio: aumentar os CAPs 24 horas. CAPSi, que é um CAPs Infantil, voltado para a infância e adolescência, e o CAPs Álcool e Drogas, além do CAPs AD III, que é o CAPs Álcool e Drogas para 24 horas. No total, somam 2.237 CAPs.
Esses aqui são os Municípios elegíveis com CAPs no Brasil hoje. Dos 2.237 CAPs, no Brasil, nós temos hoje 1.506 Municípios que são elegíveis com CAPs. Municípios elegíveis são aqueles acima de 15 mil habitantes. Pela política, Municípios acima de 15 mil habitantes podem implantar CAPs no seu território. E 62% dos Municípios que são elegíveis hoje, no País, têm CAPs.
Aqui é um pouco da cobertura por Municípios. Não é a linha histórica do mapa, em 2002, 2006 e 2014. Vejam que avançamos consideravelmente em 12 anos de estratégias voltadas para a implantação desse equipamento.
Aqui é o Programa De Volta para Casa, que é um programa voltado para usuários que são desinstitucionalizados e que recebem um benefício. Como eles não têm a condição de sobrevivência legitimada, nós pagamos um benefício para eles terem condições necessárias para serem reinseridos socialmente, novamente. Então, temos 4.364 beneficiários hoje do Programa De Volta para Casa, 2015.
Aqui os serviços residenciais terapêuticos. Hoje nós temos 624 residências terapêuticas, que, como eu disse antes, são equipamentos que têm um objetivo central de acolher usuários que estão manicomializados.
Aqui é o último eslaide. É a evolução de recursos de custeio da Rede de Atenção Psicossocial de 2011 a 2014. Então, avançamos consideravelmente nesse último quadriênio. Tínhamos um orçamento que gerava uma monta, em 2011, de 460 milhões. Em 2014, chegamos a um orçamento total de 1,5 bilhão. Isso é característico de um contexto bem propulsor de incentivo e de estímulo à política.
Era isso.
Quero agradecer mais uma vez e estou aberto para o debate, para as perguntas e para a fala dos colegas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado. Em nome da Comissão, agradecemos a apresentação da Política Nacional de Saúde Mental. Eu tenho certeza de que são informações importantes que não só nós que estamos aqui participando da audiência, mas quem nos acompanha pela internet está tendo oportunidade de tomar conhecimento.
Dando sequência, nós vamos ouvir a Drª Eva Faleiros, que é especialista no tema.
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A SRª EVA FALEIROS - Boa tarde. Faço uma saudação aqui aos componentes da Mesa pela realização desta audiência pública.
Como militante do movimento há muitos anos, desde 1993, a gente vem acompanhando esses esforços da política do Brasil.
Nós temos, em Brasília, uma ONG, que é um centro de convivência para pessoas com intenso sofrimento psíquico.
O que eu pensei em falar aqui para vocês seria o aprofundamento do que nós viemos vivendo, sofrendo, de certa forma, também.
No ano passado e este ano, aconteceram duas coisas muito importantes. Uma é que nós da nossa ONG resolvemos escrever um livro. O nosso paradigma foi definido desde a inauguração, a criação, a desinstitucionalização. Então, depois de quatorze anos de funcionamento, nós resolvemos escrever um livro sobre essa experiência, que já está quase na sua etapa final.
Outra coisa que aconteceu foi que nós organizamos um grupo de militantes da luta antimanicomial do DF e fomos a Trieste ver a experiência, a prática da origem das nossas escolhas epistemológicas.
Esses dois fatos nos possibilitaram aprofundar a teoria e a prática da desinstitucionalização. E em função desse aprofundamento, eu queria conversar com vocês sobre a análise que eu faço hoje em dia sobre a reforma psiquiátrica no Brasil.
Bom, a reforma psiquiátrica no Brasil nasceu sob a influência de Basaglia e da equipe dele - não é em Gorizia e Trieste -, nos anos 60 e 70, que tem uma produção espetacular.
Em 1978, Basaglia esteve no Brasil. E no Brasil, a partir do encontro de Bauru, que foi o encontro dos profissionais de saúde mental que não se conformavam com o estado em que se encontrava a assistência às pessoas acometidas de transtorno mental, criaram, então, o Movimento Antimanicomial - isso em 1987. Então, começou a luta pela aprovação da lei, que só ocorreu em 2001. Isso para contextualizar.
Eu, a partir da experiência de reflexão e de prática da desinstitucionalização, não concordo com este nome: "reforma psiquiátrica". Não é reforma e não é da Psiquiatria. Trata-se de outro paradigma. É uma ruptura radical na concepção do que é loucura, de como trabalhar com isso.
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E está muito claro, na teoria e na prática da desinstitucionalização, que nós temos que pôr a doença entre parênteses. Não se trata de doença. As pessoas estão acometidas, têm uma existência-sofrimento. O nosso objetivo na desinstitucionalização, o objeto da ação não é doença e não é sintoma. É existência-sofrimento. Tu adoeces porque tu tens uma existência-sofrimento. E é muito interessante quando a gente pergunta para eles onde é que dói. Eu me lembro de que uma moça falou assim: "Dói aqui, dói aqui". Dói viver daquele jeito.
Eu me lembro de um queridíssimo amigo quebequense que faleceu, Taleghani, que fez uma pesquisa sobre quase 300 pessoas, 200 e tantas, que tinham tentado suicídio. Dessas, só três se suicidaram, porque as outras queriam era mudar de vida. Não é que não queriam mais viver; não queriam aquela vida. Então, essa é uma coisa fundamental.
O paradigma da medicina biológica, que é centrado na doença, como qualquer instituição, tem os seus aparatos científicos, legislativos e administrativos que então vão dar conta daquele paradigma. Se eu estou cuidando de doença, eu vou ter todo um aparato para cuidar de doença. Agora, se o meu objeto é mudar a existência-sofrimento, o meu aparato tem que ser outro. Não quer dizer que a gente não cuide do sofrimento, só que o sofrimento não é só doença. Sofrimento não é só sintoma. O sofrimento não se resolve só com medicação.
Então, o que se vê, segundo Rotelli, é que o quadro epistemológico define as ações a serem empreendidas, como está organizado o espaço, como são os equipamentos, como são as rotinas, como são as relações, o que é que se faz.
A desinstitucionalização, em uma síntese feita pela equipe do Basaglia, é outra orientação teórico-prática que implica colocar a doença entre parênteses. Ou seja, adotar como objeto a existência-sofrimento. Então, por exemplo, vou fazer uma anamnese de alguém que chega para ser atendido. Normalmente, segundo o meu modelo, se eu estou cuidando da doença, eu começo: quando é que você adoeceu?; o que é que você sentiu?; onde é que você foi tratado?; que remédio você tomou?. Se o meu objeto é existência-sofrimento, eu vou saber da existência dele. E aí, dentro dessa existência, o que levou ao sofrimento.
Outra coisa é não reduzir a pessoa a um CID como identidade. É interessante que lá na ONG há pessoas que chegam e se apresentam assim: "O meu CID é tal". Eu digo: eu não sei de CID, não quero saber de CID, eu quero saber o seu nome, por que você veio para cá e o que você tem vontade de fazer.
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Outro dia eu estava com um grupo de assistentes sociais e uma estava contando uma coisa muito interessante: para ter acesso a certos benefícios, eles dizem que tem que ter um CID forte. Por exemplo, ao vale-transporte, se tu não tens um CID forte, tu não tens acesso a esse benefício. Então, eles chegam e pedem para o médico: "Me dê aí um CID forte". Eu achei tão estranho! Mas é uma forma de dar conta de certas políticas que são burras: tem de ter CID forte para ter vale-transporte. Se tu não tens CID forte, é o caso, por exemplo, de depressão, aí, fica deprimido mesmo, cada vez mais deprimido até que seu CID fique forte, então vai ter vale-transporte para ir se tratar.
Bom, uma outra coisa é que o objetivo do modelo biológico é a cura ou a melhora. Isso é, ao mesmo tempo, uma contradição, porque dizem que essa doença não tem cura, mas vamos atrás da cura. Acontece que, na desinstitucionalização, a questão, o objetivo não é a cura, é a tua singularidade - tu, sujeito.
Outro dia eu fiquei muito chocada. Houve aqui aquela exposição daquela japonesa famosíssima, que é compulsiva, que faz rodinhas, bolinhas. Eu fui ver essa exposição. Vocês foram?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª EVA FALEIROS - Eu saí de lá pirada, porque eu disse o seguinte: se tivessem tirado esse CID dela, ela não seria ela. Eu fico arrepiada. Será que não é isto que a gente está fazendo: tirando o que tu és, a tua singularidade, o teu jeito de ser? Porque, então, se eu o leio como um sintoma, vamos tirar isso dessa pessoa.
E eu tenho uma história comovente de uma equipe, uma psiquiatra ótima que nós tínhamos, até faleceu, e uma assistente social. Estavam cuidando de um rapaz que tinha delírio religioso. O quarto dele, a casa dele, o comportamento dele era totalmente delirante. Aí a psiquiatra falou assim: "Olha, agora tem uma nova medicação. Quem sabe a gente tenta com ele?". Mas ele era um santo, ele gostava de ser santo, ele era um santo, e deram a medicação. O quarto ficou arrumadinho, ele deixou de ser santo, entrou e se apagou. E se apagou o santo, ele era um santo. Então, eu fiquei impressionada com a coragem dessa médica e dessa assistente social: "Vamos tirar o remédio dele. Deixe-o ser o que ele é." Deixem ser uma obsessiva que é uma artista. Isso é o que eu acho uma radicalidade que a gente não tem coragem, porque, no fundo, eu acho que a gente ainda está apegado a esse modelo, que tem mesmo...
(Soa a campainha.)
A SRª EVA FALEIROS - ... que tratar, que tem mesmo que dopar, tem mesmo que fazer algo para diminuir o sofrimento, mas não para matar o indivíduo, a sua singularidade.
Então, isto é uma coisa muito importante: a diferença entre objeto e objetivo.
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Outra coisa, nós não podemos explicar o adoecimento como uma coisa súbita; é uma história. E é nessa história que nós temos que retomar a pessoa. Eu lembro que nós temos uma colega, a Elisa, que sempre diz o seguinte: a gente trabalha com a pessoa a partir do momento em que ela adoeceu, mas toda a história dela, o que ela sabe - eles sabem fazer as coisas, eles viveram, eles tiveram desejos que não têm mais -, nós não cuidamos disso. Então eu acho que o nosso fio da meada ao trabalhar com as pessoas é saber essa história, porque é na história que está o que move o ser humano, que é o desejo.
Chega a um ponto a gente que trabalha com pessoas que foram internadas há muitos anos de ver coisas que até Deus duvida. Em um hospital que foi fechado aqui, a Clínica Planalto - tu sabes disso, tu os acompanhaste, tu os recebeste quando saíram de lá -, havia pessoas que não sabiam mais o seu nome. O que é isso, gente? Não é possível isto: deixar uma pessoa sem nome.
(Soa a campainha.)
A SRª EVA FALEIROS - Fora um outro senhor que nunca mais falou. O que eu vou dizer? Ficou anos, anos e anos interno, nunca ninguém o viu, não tinha nada, não tinha assunto sobre o que falar e parou de falar.
Bom, outra coisa da desinstitucionalização é a questão, isso nem se fale, da integridade física, psicológica e os plenos direitos dos cuidados, porque é impressionante o que se fez e o que ainda existe de tortura em instituições de internação. É revoltante, é inumano, não há... E aí nós temos que também mudar a nossa forma, fazer a inclusão do sujeito - vocês usam um outro nome; no Ministério, nós chamamos intersetorialidade -, porque ninguém vive sem casa, sem renda, sem saúde, sem lazer, sem cultura, sem trabalho - entre parênteses, gente.
Em Trieste, o que nos chocou foi isto: a ênfase do tratamento é o trabalho, é o trabalho. Começa com bolsa de trabalho, há cooperativa de trabalho. E não é um trabalhinho, um artesanatozinho de má qualidade que tu compras por peninha; não mesmo. É direito trabalhista, é horário de trabalho, é impressionante essa mudança.
Eu acho que nós temos que realmente...
(Soa a campainha.)
A SRª EVA FALEIROS - Em relação à política do Ministério, eu acho que falta muito para a desinstitucionalização. Tem alguns traços de desinstitucionalização, mas é centrada ainda na doença. Quando eu leio as portarias dos CAPs, o que é aquela equipe? Equipe só de saúde. Então está muito centrado na doença. Houve uma desospitalização muito importante, uma humanização muito importante, os CAPs são muito importantes, agora, em termos de desinstitucionalização, e coincide com o que vocês colocaram, são as residências terapêuticas e as políticas de renda: o De volta para Casa, o BPC, a questão do transporte, porque eu sou implicada com essa questão do passe livre. Olha, um recado para o Ministério: há que se resolver isso em nível nacional, porque está todo mundo nas mãos de cada prefeito, de cada governador, se quer ou não quer que isso aconteça. E, sem transporte, não há inclusão. Tem que haver uma mudança em relação a isso.
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Outra coisa, a questão da internação curta em hospital geral. Infelizmente, aqui no DF, sofre uma resistência absurda. Os diretores de hospital não aceitam. Há uma lei que não se faz valer. Aqui em Brasília, nos anos 60, começou a atenção no Hospital de Base, no nono andar; depois é que se criou o Hospital Psiquiátrico. E o que a gente viu em Trieste é que não coexiste hospital psiquiátrico com serviço aberto. Hospital psiquiátrico não existe. Isso é uma coisa fundamental, porque, na medida em que existe, o que acontece? Nos casos, nas situações de crise, crônicos, dependente químico em medida de segurança, interna-se. Os que estão melhorzinho vão para serviço aberto. Não pode haver isso! Enquanto for assim, não vamos avançar.
Então, o que eu leio? Leio que está havendo um retrocesso em relação à internação no Brasil. Nas clínicas privadas, perderam clientela de transtorno mental. Bom, vamos cuidar de dependente químico, que tem bastante recaída, e internação, como se fosse a única saída a internação para tratamento de dependente químico. E, aí, vai uma crítica à atual política em relação às comunidades terapêuticas. É insuportável isso. A pesquisa feita em Brasília, que visitou as unidades terapêuticas daqui: é manicômio. Estamos financiando outra vez manicômio. Então, há uma política de internação, uma volta à internação. Isso eu considero grave.
Outra coisa que é grave é o desmonte de experiências famosas, de maior sucesso, como Campinas, como Minas Gerais e outras pelo Brasil. Não se pode ficar na mão de político, que quer ou não quer, deixa ou não deixa, está interessado ou não está interessado. Acho que falta - eu digo isso e o pessoal acha graça - cacete democrático. Tem lei, tem direito, vai fazer valer. Não é autoritarismo; é fazer valer.
O pessoal diz que vai criar o partido do cacete democrático. (Risos.)
Bom, por que está ocorrendo isso? Por que não se avança? Por que se retrocede? Acho que há diversas razões. Há razões de ordem política, há razões de ordem metodológica e há razões de gestão.
Política. A correlação de forças. Nós, que somos pela luta antimanicomial, estamos desarticulados politicamente; não sabemos trabalhar articuladamente. Depois vou dar como acho que podemos fazer um pouco, porque isso a gente perguntou em Trieste: "Como é que vocês conseguiram manter essa experiência?" Porque, no Brasil, se avança, muda o prefeito, não avança mais. Então, não sabemos nos articular politicamente. Tem que articular partido político, sindicato... Depois vou relacionar outras coisas.
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Por outro lado, quem quer manter o status quo sabe se articular; são bem articulados e têm grandes parceiros.
(Soa a campainha.)
A SRª EVA FALEIROS - Bom, metodologicamente. Eu acho que a grande maioria das pessoas que estão trabalhando na saúde mental não conhecem o paradigma da desinstitucionalização.
Eu acho que tem que ser definido, vai ser o paradigma da desinstitucionalização, cacete democrático onde for necessário e formar as pessoas nisso. Eu, se não fosse tão idosa, iria fazer um levantamento para ver quantas pessoas estão trabalhando em saúde mental e que sabem o que é o paradigma da desinstitucionalização.
Não sabem! Não têm a mínima ideia dessas coisas básicas que estou dizendo aqui.
Então, em primeiro lugar, tem que ter essa unidade de paradigma, porque o que está acontecendo é o seguinte: pode ter um serviço aberto, como o CAPS, mas cada um está fazendo o que quer. O sujeito diz: "Ah, eu sou da desinstitucionalização", mas, aí, chega o psiquiatra: "Não, tem que internar, tem que fazer isso". E sei porque temos militantes que sofrem dentro dos CAPS, porque não há essa definição.
É desinstitucionalização? É desinstitucionalização meia boca ou não é? Definir. Se não, somos desinstitucionalização, mas meia boca. Que história é essa?!
Essa é uma questão importantíssima: definir. E eu acho, na nossa ONG, que o que nos manteve fieis foi que, desde o princípio, nós tínhamos uma clareza metodológica: é isso aqui. Agora, como vai fazer, nós vamos fazendo. Se um tiver uma recaída: "Ó cara, isso aí não é". Entendeu? Há que se ter essa base, porque parece que a gente trabalha assim como franco atirador, hoje vou fazer isso, amanhã faço aquilo, você faz uma coisinha, você faz outra diferente da minha, mas não tem importância. Assim, não se vai adiante.
E, depois, há uma questão de gestão muito séria.
Só para retomar, há as questões políticas, as metodológicas e as de gestão, planejamento.
Não se trabalha com planejamento...
(Soa a campainha.)
A SRª EVA FALEIROS - ... com definição de prioridades e orçamento correspondente. Você não pode fazer tudo, mas o que é prioritário fazer? Cara, isso é o ABC; é um problema de gestão.
Outra coisa: há uma desarticulação de comunicação entre nós. Na rede local, a gente não se comunica. Com todos os instrumentos disponíveis hoje em dia... E é impressionante ver como as pessoas aderem.
Nós recebemos na ONG uma estagiária de Serviço Social; e, embora nós tenhamos computadores lá, eles eram assim, quase que um brinquedo. Ah, eu quero isso, eu quero aqui, e resolvemos fazer um blog da ONG. Ela disse: "Ah, eu vou conversar com eles também, vamos tentar a inclusão". Gente, o tal do blog foi uma revolução, viu? Ela escreveu o trabalho final de curso dela sobre isso.
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Cara, o blog... Cada um tem o seu blog. Um disse assim quando se viu: "Agora eu estou no mundo!" Outro me disse assim uma terça-feira: "Sabe que...". E ele mora sozinho, mas passa os finais de semana com a mãe e se dá muito mal. "Sabe que esse final de semana foi ruim com a minha mãe, mas a gente já se acertou pelo blog". (Risos.)
Então, se as pessoas... Gente, há cada instrumento maravilhoso hoje em dia! Por que a gente não se articula, a rede local, a rede nacional? Por isso, nós somos desarticulados, até entre nós.
No Hospital São Vicente, aqui, tem urgência, internação - já vou acabar, tá? - e ambulatório. Tinha o Hospital Dia também. E eu achei interessante porque eles não se comunicam entre si. Então, teve um usuário que falou assim: "Eu estava no HPAP e agora estou no São Vicente". Bom; não tem 100m de distância um do outro. O HPAP era urgência e o São Vicente era internação. Por que não se comunicam? "Eu te atendo na urgência... Olha, tu vais ter que ir para a internação, mas você não sabe o que foi feito aqui".
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª EVA FALEIROS - Está vendo?!
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª EVA FALEIROS - O.k.
Nós vamos abrir aqui para vocês abrirem a boca.
Bom, gente, mas chega de dizer... Já me cobraram o tempo.
Eu sempre gosto de pensar: "Como é que a gente vai avançar?".
Então, eu acho que a primeira coisa é adotar o paradigma da desinstitucionalização. Não hospitais psiquiátricos, hospital geral, ambulatório, atenção básica, PSF território, redes, residência terapêutica, novos serviços abertos, centros de convivência, acompanhamento terapêutico, terapia comunitária, trabalho corporal, No particular, vou abrir um parêntese para dizer: em Trieste, eles tratam dependência de heroína com trabalho corporal! É de cair o queixo. Nós não cuidamos disso. Ainda: cultura, capacitação das equipes, inclusão nestas políticas - BPC, De Volta para Casa e Passe Livre -, que estão cada vez piores de acessar, e trabalho.
2) Intersetorialidade. Aí, nós temos que trabalhar, pois são situações complexas: saúde, educação. As demandas de educação. Lá na ONG já chegou gente analfabeta e já chegou gente que queria entrar na universidade para fazer um curso universitário e fez. No Brasil, a gente convive com o analfabetismo, gente! O que é isso?!
Bom; cultura, renda, habitação, trabalho. A gente cansa de dizer isso, mas a gente não se articula para fazer junto.
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Falei de intersetorialidade.
3) Articulação política.
Agora, vou falar rapidamente sobre articulação política: sindicatos, partidos políticos, movimentos de defesa de direitos, Academia, Legislativo com frentes parlamentares, serviços de defesa de direitos, mídia escrita, rádio, televisão e redes sociais - e temos de trabalhar com rede social -, organização dos usuários e com controle social.
Para concluir, acho que temos de revisar a política de álcool e drogas e a política de medicamentos, porque se está botando dinheiro fora. Uma hora há um medicamento; outra hora, há outro; outra hora, há outro; outra hora, há outro. O Ricardo Lins tem uma proposta interessante: que esses medicamentos básicos entrem nessa cesta da Farmácia Popular.
Leva essa ideia, cara! Vamos fazer um projeto sobre isso!
Chegou, gente! Estou sem voz. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado, Eva. Obrigado por essa aula para todos nós.
A SRª EVA FALEIROS - Dei meu recado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Todos nós somos tomadores de decisão e, de fato, precisamos de informação, para melhorar o nosso atendimento à coletividade. Aqui, a nossa função é garantir direitos, independentemente de as pessoas serem brancas, negras, homossexuais...
A SRª EVA FALEIROS - Loucas.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ...loucas. Isso não interessa. Nós estamos aqui para lutar para garantir esses direitos.
Eu queria agradecer e anunciar que aqui estão participando desta audiência pública conosco os usuários do Instituto de Saúde Mental do Riacho Fundo, o grupo da Rose, Derli e Raimunda. (Palmas.)
Obrigado pela presença de todos vocês. Sejam bem-vindos! Ajudem-nos a poder melhorar o atendimento.
Tenho de tomar uma decisão aqui. Há dois palestrantes.
A Louise vai falar da experiência canadense, que, daqui a pouco, vamos ter a satisfação de conhecer minimamente.
Vou passar a palavra ao Edmar Carrusca, representante do Instituto de Saúde Mental do DF.
Portanto, o senhor está com a palavra.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - O senhor é o representante da Comissão de Direitos Humanos do DF? Ainda está lá?
O SR. EDMAR CARRUSCA - Não, mas estou querendo voltar já.
Boa tarde a todos!
Deputada Janete Capiberibe, prazer em conhecê-la!
Senador João Capiberibe, também tenho prazer em conhecê-lo.
Cumprimento a Drª Louise Fournier e o Dr. Alexandre Trino.
É um prazer estar aqui, nesta Casa. É um prazer ver meus colegas. (Palmas.)
Desculpem-me!
Eu tinha preparado um texto, mas depois que ouvi a Eva... Sou discípulo da Eva. Aprendi muito com ela.
Eu gostaria de falar em nome dos usuários de saúde mental, não na visão do Ministério, daquilo que apresentou o Alexandre, mas daquilo que nos falta.
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O Distrito Federal, há bem pouco tempo, estava em último lugar no ranking de CAPS do Ministério da Saúde. Sei que o Ministério da Saúde tem feito um excelente trabalho e um esforço bastante profícuo, mas eu gostaria de me referir àquilo que nos é mais difícil.
Meus colegas precisam de capacitação, precisamos de geração de renda, precisamos de ônibus na porta, e vimos numa luta política intensa... A Eva falou 93, e eu devo ter começado em 91, com a criação do Movimento Pró-Saúde Mental, do qual fui parte em 91.
Na realidade, a minha experiência é pequena, mas luto pelos direitos humanos de pessoas em sofrimento psíquico.
A Eva, outro dia, provocou-me num curso de especialização em Saúde Mental, da UnB, e disse assim: "Nós temos que estudar Hannah Arendt, porque Hannah Arendt falava que cidadania é o direito a ter direitos". Essa frase me capturou. A partir daí, fui estudar Hannah Arendt... Estou tentando estudar Hannah Arendt, porque, realmente, é muito complexo, e ainda há muita coisa para aprender.
Fascinou-me muito a posição de Hannah Arendt, filósofa alemã, porque ela começa a discutir a questão do nazismo e, a partir daí, começa a discutir a exclusão dos judeus e fala da perda da cidadania dos judeus, que, a partir de então, são colocados em situação de perder todos os seus direitos e, a partir disso, são colocados em campos de concentração, são torturados, sofrem experiências científicas e, a partir disso, às vezes a morte de milhões de pessoas. O hospital psiquiátrico fez isso no Brasil... No mundo; não é, Eva?
Hannah Arendt, então, foi um canal que procurei para começar a discutir direitos humanos de pessoas em sofrimento psíquico. Aprendi muito com as assistentes sociais. Há uns 20 anos, a Eva já supervisionava as assistentes sociais no Instituto de Saúde Mental, e tínhamos um grupo chamado Grupo de Cidadania. E esse grupo discutia direitos humanos e direitos civis.
Desculpem-me a emoção.
Nós levamos 12 anos para aprovar a Lei nº 10.216. Eu participei junto com os nossos colegas dessa luta no Instituto de Saúde Mental, quando enchíamos um ônibus de pacientes e vínhamos para a Câmara ou para o Senado lutar pelos direitos dos nossos usuários, dos trabalhadores e dos familiares.
Eu não vou me prolongar, mas é emocionante estar aqui hoje, discutindo, e estar com meus colegas e meus pacientes.
O que me pediram? Coisas simples: defesa intransigente dos direitos humanos de pessoas com sofrimento psíquico.
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Não podemos ter casos como o da condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Brasil, de forma exemplar, a não repetir morte em hospital psiquiátrico.
Nós fomos condenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Damião Ximenes, paciente psiquiátrico que morreu vítima de maus-tratos no hospital psiquiátrico, se não me engano, em Sobral, Ceará.
Eu estava com o Ministro Paulo Vannuchi, na época, num seminário de direitos humanos internacional - estava fazendo um curso com ele, em Joinville, juntamente com várias pessoas -, com palestrantes de direitos humanos, e, ali, comprei esse livro chamado Damião Ximenes: Primeira Condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que eu li esse livro em duas semanas. Numa semana eu tinha um curso, houve um intervalo e, na segunda semana, eu tinha um segundo curso.
E, naquele seminário, eu decidi que direitos humanos seria a minha forma de lutar pela saúde mental.
A situação no Distrito Federal não é a melhor. Eu gostaria muito que tivéssemos o que o nosso Alexandre colocou sobre a política nacional. A gente vem lutando muito, a Disam, que é a Diretoria de Saúde Mental, tem lutado muito. A gente melhorou nos últimos quatro, cinco anos, talvez tenha melhorado, mas ainda falta muita coisa. Falta geração de renda, falta capacitação, falta, às vezes, medicação.
Então, não dá para a gente, simplesmente, achar que está tudo bem. Não está tudo bem! Não está tudo bem. Eu acho que, enquanto uma pessoa, no Brasil, não estiver com seus direitos garantidos, a gente tem que se indignar. Não tem como mantermos um sistema que é biomédico, centrado na figura do médico, centrado na figura da internação, centrado na exclusão, com um outro modelo que tenta ressocializar, que tenta ser democrático, que tem uma visão.
Eu acho que existe um conflito entre esses dois modelos. Esse conflito existe. Conversando com o próprio Ministério da Saúde, com a Fernanda Nicácio, na época, quando ela foi nos dar uma palestra lá, no Instituto, fui levá-la para casa e perguntei a ela: "Fernanda, tudo bem, aprovamos a Lei nº 10.216. E agora? O que é que a gente faz?" E ela virou para mim e falou: "Edmar, tem um texto do Benedetto Saraceno chamado Libertando Identidades que você tem que ler". Aí, eu fui atrás, há pouco tempo, desse livro e não consegui o livro inteiro, porque eu acho que ele está esgotado, mas consegui alguns capítulos, por apoio do próprio Ministério, e, nesse livro, o Benedetto Saraceno fala que a gente não tem que consertar, não tem que normalizar ninguém. Isso é um mito, isso é uma utopia. A cidadania dessas pessoas vai vir pelo respeito a seus direitos, e não porque eles se tornaram normais. Nós não vamos normalizar ninguém.
E essa questão mudou muito a minha forma de pensar, porque eu falei assim: "Se nós não temos que normalizar as pessoas, então, por que não reconhecer a diferença, reconhecer os seus direitos de cidadania, como dizia Hannah Arendt? E por que não incluir essas pessoas?"
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Precisamos de uma lei de inclusão social das pessoas com transtornos mentais. A Lei nº 10.216 não garantiu todos os direitos; ela deu alguns direitos. Eu fui contar quantos direitos há na lei - eu nunca havia parado para pensar nisso. Aí, num belo dia, eu falei assim: qual é a da Lei nº 10.216? Vamos analisar essa lei. E, então, descobri o livro de uma professora do UniCEUB, a Luciana Mussi, que fala sobre os novos sujeitos de direitos de acordo com a Lei nº 10.216. Ela faz toda uma discussão sobre a Lei nº 10.216 e a mudança que ela traz, dizendo que, a partir da Lei nº 10.216, essas pessoas passaram a ser cidadãos.
E eu falei: "Belíssimo isso!" Fui ler o livro. E, como ela cita a Hannah Arendt, eu fiquei mais feliz ainda. Mas eu fiquei pensando: "Mas realmente a lei mudou alguma coisa"? Mudou muita coisa, mas alcançou tudo o que precisamos alcançar? Eu acho que ainda não. Temos que pensar algumas leis e, nesta Casa - está aqui a Deputada, está aqui o nosso Senador -, temos que dar continuidade ao processo. O processo não se esgota só na Lei nº 10.216. É um conjunto - eu contei 17 - de direitos, mas eu não vou enumerá-los aqui.
Aí eu me meti lá na Bioética com o Professor Volnei da UnB, a quem eu gostaria de prestar uma homenagem, porque é uma pessoa maravilhosa, que me ajudou muito a compreender esse processo. E o Volnei pediu para a gente fazer uma pesquisa, e eu falei: "Bom, vou tentar fazer uma pesquisa dentro da área de Direitos Humanos, Bioética e saúde mental". E eu falei: "Vou pegar essa Lei nº 10.216 e vou transformá-la em um questionário para perguntar para os meus colegas o que eles acham sobre os artigos e os direitos". Então, comecei a fazer a pesquisa. Passamos um ano nesse trabalho...
(Soa a campainha.)
O SR. EDMAR CARRUSCA - E, a partir daí, a gente chegou à conclusão de que avançamos sim. Todos os direitos estão sendo cumpridos? Não. Direitos muito simples não estão sendo cumpridos.
Vou dar um exemplo básico: a explicação para o paciente sobre qual a medicação ele está tomando, quais os sintomas, qual o diagnóstico, qual o prognóstico que ele tem da sua doença, enfim, isso não é feito! E há vários motivos pelos quais isso não é feito, mas é um dos direitos garantidos na Lei nº 10.216 e que não é cumprido.
Bom; meu tempo já se encerrou.
A Lei nº 10.216 veio para trazer uma mudança? Sim. Ela está finalizada? Acabou o processo? Não. Acho que a luta pela cidadania, pelos direitos humanos só está começando. Há muita coisa para melhorar.
Nesse sentido, meus colegas pediram várias coisas, do que a gente precisa no Distrito Federal, do que a gente precisa no Entorno. Eu fiquei feliz de poder falar com a Deputada Janete, com o Senador e de estar aqui na Comissão de Direitos Humanos do Senado, nesta Casa maravilhosa, para poder dizer exatamente isto: temos que construir alguma coisa dentro da visão dos Direitos Humanos das pessoas em sofrimento psíquico.
Como é que um paciente não tem dinheiro para poder pegar um ônibus ou comprar esse remédio?! É o básico!
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Eu vou abrir para a gente conversar em outro momento, até para baixar um pouco a minha emoção...
Louise vai falar, e, então, a gente continua em um momento.
Eu queria agradecer. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Janete Capiberibe. PSB - AP) - Bom, eu gostaria de aguardar o Senador Capiberibe. Não sei onde ele se encontra. É que não podemos ficar a Mesa sem um parlamentar na Presidência para darmos continuidade à audiência pública.
Ele saiu para ir ao banheiro, mas eu acho que ele foi fazer outra coisa também, aproveitou... Isso para sermos transparentes.
Então, dando continuidade, para aproveitar esse tempo tão importante, quando nós estamos aprendendo muitíssimo, quero aqui consignar que nós já deixamos registrada, Edmar, a nossa decisão de, com o apoio de vocês, apresentarmos essa lei que você fala, uma lei que garanta os direitos humanos das pessoas... E há até toda uma terminologia a respeito da qual a gente fica preocupada em usar e não estar usando acertadamente, mas o nosso compromisso fica aqui.
Nós podemos - o Senador Capi, aqui no Senado, e eu, na Câmara -, ao mesmo tempo, dar entrada no mesmo projeto de lei, e, assim, ganharíamos tempo na tramitação, e, enquanto isso, continuaríamos a promover as audiências públicas, por exemplo, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, da qual eu sou membro, dando maior visibilidade a todas essas questões que os senhores colocam aqui, tanto a Eva, como você, o Alexandre...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Janete Capiberibe. PSB - AP) - Informaram-me aqui que o Senador está sendo entrevistado. É bom porque, assim, ele está divulgando, está dando visibilidade a este momento tão importante.
Mas, depois desse compromisso assumido aqui, que é para valer, Eva... Eu não sei se o partido vai ter aquele nome... Como é mesmo o nome do partido?
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Partido do cacete democrático.
A SRª PRESIDENTE (Janete Capiberibe. PSB - AP) - Partido do Cacete Democrático.
Pois é, às vezes a gente pensa que é necessário um partido desse, porque os partidos se deterioram e terminam perdendo o foco naquilo para o qual ele foi criado. Eu acho que nós vamos fazer uma tentativa, Eva, da criação desse partido.
Bom, nós convidamos a Louise Fournier, Professora Doutora da Universidade de Montreal, Québec, no Canadá, para fazer a sua exposição.
Eu creio que Eva vai, ela que foi professora na Universidade de La Vale, no Québec...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Janete Capiberibe. PSB - AP) - Ah, não? Foi o Vicente.
Sim, Vicente Faleiros foi professor e Eva trata do mesmo tema e com o mesmo compromisso, aqui no Brasil, com que Louise também trata do tema no Canadá, na parte francesa, em Québec.
Eu passo, então, a palavra à Professora Louise.
Nós temos muita alegria em recebê-los aqui em casa. Nós que convivemos muito proximamente, depois de muitos anos que vivemos exilados no Canadá, o Senador Capi, eu, nossos filhos, Eva também esteve exilada no Canadá.
Eu vou deixar para você anunciar a convidada Louise Fournier.
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado, Deputada. Sorte a nossa que nós temos o Congresso Nacional dentro de Casa. (Risos.)
Já fiz a apresentação da Louise Fournier, professora na Universidade de Montreal, uma pessoa que nós conhecemos já depois de muito tempo, casada com Claude Lortie...
Claude, seu marido, quando chegamos ao Canadá, em janeiro de 74, ao abrirem a porta do avião, nós, que tínhamos escapado do Chile - eu, Janete, com nossos três filhos - em um avião da Força Aérea canadense, juntamente com cento e poucos refugiados, tivemos a sensação de que estava entrando em um frigorífico, em uma geladeira, num freezer. Estava tudo branco...
A SRª EVA FALEIROS - Janeiro, não é?
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Quase que eu me sufoco. A temperatura era de -10ºC. Jamais imaginei que pudesse viver naquele clima. No entanto, é um belíssimo país, onde nós fomos muito bem acolhidos e onde nós tivemos o privilégio de conviver com o Claude, que nos mostrou o seu país, que parecem ser dois países.
E eles me influenciaram, de tal forma - Claude e todos os amigos do Québec francês... Aliás, nós moramos no Canadá por quatro anos e eu não consegui aprender uma palavra em inglês, porque eles não aceitavam qualquer aproximação com os ingleses. (Risos.)
O nacionalismo québécois daquela época, nos anos 70, era algo feroz, e eles patrulhavam mesmo. Então, nós, depois de quatro anos... E é uma pena; algo que hoje eu lamento. A estreiteza ideológica foi a característica do século XX, desse embate do século XX.
Mas vamos ouvir a nossa última convidada.
Há ainda mais uma pessoa que gostaria de falar, um caso concreto, mas, logo depois, a gente vai abrir para ouvirmos esse caso que é...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - A Deputada Erika Kokay virá? Vai ser um prazer um enorme recebê-la.
E vamos ouvir os Parlamentares.
Aqui, pelo Regimento Interno, pelas regras do Senado, o Parlamentar pode falar na hora que julgar necessário, até porque cada Parlamentar aqui... Até porque hoje é quinta; hoje é um dia mais tranquilo, mas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Sim; temos a Ordem do Dia. Mas, na quinta, é mais tranquilo. Na terça e na quarta, você tem três, quatro agendas na mesma hora. E os Senadores aqui têm que... É impressionante! Há uns aqui que, realmente, têm dificuldade. Há alguns casos em que a gente vai precisar do CAPS, para poder, tem alguns Senadores que vão... (Risos.)
Olha, eu mesmo, numa terça-feira, em vez de entrar pela porta, dei de cara para o vidro ali, de tão agoniado que eu estava, em busca de cumprir a agenda.
Bom; eu tenho a honra de passar a palavra para a Profª Louise Fournier.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Bom; como eu vou fazer a tradução, ela vai dizer uma frase e eu vou traduzir; ela vai dizer e vou traduzir. Vai ficar meio assim.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Ela está dizendo que está muito satisfeita de estar aqui, está muito feliz. Saudou todas as pessoas presentes e disse que vai, então, falar da experiência dela lá.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Ela diz que as preocupações de lá e as daqui não são as mesmas e que os temas, talvez, não coincidam absolutamente, mas que a gente sempre tem o que aprender de um lado e outro.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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A SRª EVA FALEIROS - Ela diz que está bem impressionada por todos os esforços que têm sido feitos aqui e que, embora sejam diferentes, é muito interessante saber que o Brasil está avançando.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Ela vai falar da reforma de saúde mental no Québec e também vai falar um pouco na questão do hospital psiquiátrico.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Ela se desculpa porque ela fala em francês, o dispositivo lá está em espanhol e eu falo em português. É a mundialização, a globalização.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - O.k. Ela está em um ano sabático. Então, ela já esteve no Chile, no México e na Argentina e, agora, está aqui. Agora, são os objetivos com que ela está percorrendo este País.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - O segundo ciclo é Atenção Básica? É Especializada já.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª EVA FALEIROS - É conhecer os programas de serviços já especializados em Atenção Básica, em saúde pública, e ter as possibilidades de estabelecer a colaboração e intercâmbio para enriquecer os nossos conhecimentos e experiências.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Como a saúde mental se integra nos programas de formação em saúde pública e, finalmente, conhecer como esses países Latino-Americanos organizam seus serviços e suas intervenções para melhorar a saúde mental de suas populações.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Aqui é o Canadá e dados da sua população e da Província do Québec: são 8,180 milhões. Ela vai se ater mais ao Québec, que é a região que fala francês.
Esse é o sistema de saúde público lá, vamos dizer o SUS de lá.
Vou fazer uma pergunta para ela.
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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A SRª EVA FALEIROS - É um sistema universal público e não existe saúde privada.
Já pensaram que bom! É universal, é gratuito para todos, financiado por impostos.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Cada província, que corresponde aos Estados, tem o seu próprio programa de saúde, o sistema de hospitalização, desde 1961, de segurança de doença e de medicamentos. Tudo é incluído, menos cuidado dentário, ótico e psicológico, e, às vezes, as empresas oferecem um programa de seguro complementar para os gastos com saúde.
Vocês viram os gastos, a porcentagem em relação ao produto interno: Canadá (Québec), México, Chile, Argentina e Brasil.
Gasta-se tudo isso no Brasil?
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Em 2004, houve uma reforma da saúde em Québec e mudou a filosofia e a estrutura. Os estabelecimentos de saúde têm a responsabilidade pela saúde da população do território. Então, os serviços são hierarquizados com prioridade para o serviço de atenção básica. Criaram os centros locais de saúde e serviços sociais; são 95 que cobrem toda a província.
Quer dizer que eles fizeram uma fusão de três tipos de estabelecimento: o hospital geral, os centros locais de serviços comunitários e os hospitais de cuidados de longa duração.
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Eles são responsáveis pelo território e isso já é a reforma.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Agora é a reforma em saúde mental.
Pela primeira vez, a saúde mental será incluída na saúde geral. Não era parte, fazia parte integral do sistema de saúde. A saúde mental, pela primeira vez, foi integrada ao sistema global de saúde.
(Soa a campainha.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Antes eles cuidavam somente dos casos graves. Com a reforma, eles passaram a cuidar dos transtornos moderados e leves como depressão, ansiedade, já a nível de território. A ênfase é nos serviços de base, que serão dados exemplos. Aumentou a gama de serviços para crianças; considerou, pela primeira vez, a promoção e a prevenção; passou a ser importante a participação dos usuários do serviço e as famílias e também tinha como objetivo a diminuição da taxa de suicídio, que era relativamente elevada em Québec. Melhorar os serviços residenciais, as residências, e trabalho para pessoas com transtornos mentais graves, que inclui pessoas idosas, com demências, são residências.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - A desospitalização psiquiátrica estava quase praticamente acabada em 2005. Perguntei se ainda tinha hospitais psiquiátricos e ela respondeu que ainda existiam alguns, mas que são de terceiro nível, locais de pesquisa e com poucas pessoas sendo atendidas nesses hospitais.
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A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Eles estavam ocupados em melhorar a atenção e que as pessoas melhorassem, para poderem realmente se dedicar depois a serviços de prevenção.
Então, eles criaram uma equipe de saúde de primeiro nível em cada Serviço de Saúde e Serviços Sociais para cada 50 mil habitantes, uma equipe para as crianças e outra equipe para os adultos.
Vocês entenderam qual era a responsabilidade da equipe? Informação, promoção, prevenção, tratamento, formação de recursos humanos para atuar nesse nível, integração social de pessoas com transtorno mental grave estabilizado.
Era interdisciplinar a equipe: psicólogo, trabalhadores sociais, enfermeiros e médicos.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
O SR. CLAUDE LORTLE (Fora do microfone.) - São 20 especialistas, que podem ser médicos, psicólogos, etc por cada 100 mil habitantes.
A SRª EVA FALEIROS - Não estou entendendo, porque lá é 50 mil habitantes.
O SR. CLAUDE LORTLE (Fora do microfone.) - Vinte pessoas especializadas que seja médicos, psicólogos, trabalhadores sociais por cada 100 mil habitantes.
A SRª EVA FALEIROS - Sim, mas lá em cima, 50 mil habitantes. Isso que não estou entendendo. Uma hora é 50 mil, outra hora é 100 mil.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
O SR. CLAUDE LORTLE (Fora do microfone.) - É o número dos recursos de humanos...
A SRª EVA FALEIROS - Quantos psicólogos trabalhadores há?
O SR. CLAUDE LORTLE (Fora do microfone.) - Tem que ter 20 Por exemplo, o CSS, que tem 200 mil habitantes, ele tem direito a 40 recursos humanos.
A SRª EVA FALEIROS - Sim.
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
Não tinha nenhum privilégio de ter mais médicos do que entre esses 20 profissionais?
Não obrigatoriamente tinha mais médicos; entendem?
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Essas equipes eram formadas por pessoas que já existiam nos centros de saúde e serviços sociais; transferiram pessoas de hospitais psiquiátricos e novas pessoas.
R
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Então, a atenção primária, equipe de saúde mental em cada serviço, clínicas médicas, psicólogos privados e alguns agentes comunitários.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Se esperava que essa equipe pudesse atender a maior parte da população que necessitava de serviços.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Um momento.
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
Esse da família, como é que é?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª EVA FALEIROS -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
PSF - Programa de Saúde da família.
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
Eu pergunto para ela se lá é como aqui, que a equipe vai às casas.
Ela vai responder agora.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
O SR. CLAUDE LORTLE - Quer que eu faça a tradução? (Risos.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Traduza.
O SR. CLAUDE LORTLE - Ela disse que, assim, as pessoas vão lá e se for algum problema físico eles vão cuidar, se for um problema social, eles vão cuidar, vão atender e se for um problema de saúde mental, vão atender.
A única porta de entrada é igual para todos, não tem um serviço especial do outro tipo de hospital. Você entra e vão atender. Dependendo...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. CLAUDE LORTLE - É um local; você vai ao hospital.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Eva, eu trabalhei em um centro local de serviço comunitário. Na época era CLSC.
A SRª EVA FALEIROS - Não, CLSC eu conheci, que eu tive alunos, também.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Isso. Eu trabalhei, eu fazia parte de uma equipe. Eu era - vamos dizer - agente comunitária. A que acompanhava os imigrantes de Língua Portuguesa e Espanhola a todo o tipo de serviço, como ela coloca, social, de saúde...
O SR. CLAUDE LORTLE - Para entender a diferença, é que antes se você tivesse um problema de saúde mental...
A SRª EVA FALEIROS - Tinha que ir ao serviço.
O SR. CLAUDE LORTLE - Tinha que ir a um lugar especializado em saúde mental.
A SRª EVA FALEIROS - Sim. Entendi.
O SR. CLAUDE LORTLE - Com essa reforma...
(Soa a campainha.)
O SR. CLAUDE LORTLE - ...você vai para o ponto que há perto da casa e vão te atender lá. Lá mesmo. No mesmo nível que se fosse físico ou outras coisas. Não há essa diferença. A reforma permitiu isso.
O SR. EDMAR CARRUSCA (Fora do microfone.) - Que caracteriza, basicamente, serviços de atenção primária.
O SR. CLAUDE LORTLE - Exatamente. É considerado como atenção primária.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Em segundo nível.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Aí, claro, vai apoiar o primeiro nível e se ocupar do tratamento dos transtornos mais complexos.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Bom, para avaliação, tratamento especializado, hospitalização, tratamento...
(Intervenção fora do microfone.)
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A SRª EVA FALEIROS - Afirmativo.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Essa é a diferença.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Bom, vocês entenderam. São hospitais que operam esses serviços, agentes comunitários e os centros de saúde.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Eu estava perguntando para ela se esse terceiro nível era de pessoas mais idosas que tinham cronificado ou se eram casos graves que podiam ser a primeira crise, e ela disse que sim, que são situações, assim, muito especiais.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Pode ser para criança ou adulto.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Então, é como aqui a gente chama de serviço de - quando tu recebes a pessoa - acolhimento. É o acolhimento, e lá, então, verifica-se que encaminhamento se pode dar para aquela situação.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Não é serviço de urgência. Não funciona 24 horas.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - O planejamento é local. Cada centro desses tem um planejamento, que é de acordo com o território.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Que há o psiquiatra consultor, que pode trabalhar dando consultoria ao pessoal que está trabalhando lá em primeira linha.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Um psiquiatra para 50 mil habitantes.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Eles fizeram uma avaliação, em 2013, desse plano. Agora, ela vai nos contar sobre os resultados dessa avaliação.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
R
A SRª EVA FALEIROS - E, no primeiro nível, em todos os CSS, já havia uma equipe de saúde mental.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Como estava previsto, a equipe tinha uma composição multidisciplinar, mas raramente havia um médico incluído.
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Mesmo um clínico geral era raro.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - A maior parte das equipes estava incompleta.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Estavam muito incompletas essas equipes, inclusive em âmbito de toda Quebec, só 40% dos recursos necessários.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - E muitas pessoas em lista de espera. Estão vendo, mesmo em Quebec isso acontece. (Risos.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - A hierarquia entre os serviços de primeiro, segundo e terceiro níveis era muito variável de um centro para outro.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Essa hierarquização não estava bem definida, então não se sabe bem a trajetória dos pacientes de um nível e de outro.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Perguntei para ela se não havia critérios, como tais e tais situações atendidas no primeiro nível e tal. E ela disse que, no começo, era muito pouco definido e que variava de um serviço para outro, porque o planejamento é local.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Esse... Como é que eu disse, quando você vai procurar primeiro a porta de entrada? O acolhimento.
O acolhimento era só de 40%?
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Não, a metade. A metade das regiões tinha implantado esse acolhimento.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Aí o Ministério, em 2008, publicou normas, manuais, e isso facilitou muito a melhora desse acolhimento.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Aqueles psiquiatras que davam consultoria...
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - ... os psiquiatras resistiram.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
Eles resistiram muito, os psiquiatras, a serem consultores e, finalmente, em 2009, houve um convênio da remuneração dos psiquiatras, da federação dos médicos com o Ministério da Saúde. E aí medida pouco realizada...
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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A SRª EVA FALEIROS - Ela disse que, quando fizeram em 2013, ainda tinha muito pouco consultor, mas que agora, já neste ano, já pode dizer que melhorou, então, como se vê a coisa era grana, não é?
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Algumas lições que se tirou disso é que foi uma transformação que foi bem aceita pela maioria dos atores do Sistema de Saúde Mental.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - A criação das equipes de Saúde Mental não foi fácil, porque a maioria dos profissionais não tinha o conhecimento e a experiência de um serviço de primeiro nível. A capacitação foi um componente importante, porque, aí, depende também da formação que as academias dão. Já dão para especialistas, já fazem residência em...
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Não, e a formação da ...
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Como a mudança foi muito grande na estrutura e no Sistema de Saúde e de Saúde Mental, foi avaliado com muito pouco tempo de experiência, então, vamos ter que se esperar mais tempo para ver os resultados.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Falta de recursos para manter essas equipes. Já vimos que são 40% das equipes que estão completas. Que bom, como a gente sabe, a gente sabe aqui também que o serviço tem equipes muito incompletas.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Eles trabalharam muito nesse período nas mudanças estruturais, mas agora precisam trabalhar nos processos e nas qualidades.
A SRª LOUISE FOURNIER - Obrigada.
A SRª EVA FALEIROS - Obrigada. (Risos.) (Palmas.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Ela quer dizer uma outra coisinha.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
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A SRª EVA FALEIROS - Ela diz o seguinte: que, para mudar as estruturas, como aqui o Ministério apresentou, e eles também o fizeram, temos que ser muito sérios no seguinte sentido, de nos perguntarmos: "Nós temos recursos para isso?" E, depois, acompanharmos, monitorarmos.
Aí, eu acho que - o que já é uma opinião minha, como falei - é prioridade, tem que haver planejamento e prioridade. Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.) (Risos.)
A SRª LOUISE FOURNIER -
(Pronunciamento em língua estrangeira, aguardando posterior tradução.)
A SRª EVA FALEIROS - Apoiarmo-nos no que dá certo, nos sucessos, porque temos muito o hábito de dizer: "Isso não dá certo, isso não dá certo, isso não dá certo!" Mas é importante saber o que dá certo.
A SRª LOUISE FOURNIER - Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Em nome da Comissão de Direitos Humanos, eu agradeço a participação da Profª Louise Fournier, que nos trouxe informações e nos permitiu estabelecer paralelos entre o que estamos fazendo aqui em saúde mental e o que é feito em um país com um nível de organização e de profissionalização da saúde certamente muito mais avançado que o nosso.
Nós temos aqui um sistema de composição, uma estrutura administrativa pública que, nem de longe, compara-se com os países que profissionalizaram as suas burocracias públicas. Cada governo que chega aqui troca todo mundo, e os que entram começam a aprender a governar. E isso leva no mínimo de um a dois anos.
Já nos países que profissionalizaram as suas burocracias públicas, não existe essa dificuldade. Os governos assumem, mudam as políticas, mas os executores são os mesmos. E eu acho que, enquanto, no nosso País, não fizermos essa profissionalização da burocracia pública, nós vamos sofrer com a descontinuidade das políticas.
Eu tenho aqui uma observação de uma pessoa que nos acompanha pela internet, a Suely Áurea Furtado de Farias. Ela diz aqui:
Concordo com Dr. Edmar Carrusca que não está tudo bem enquanto não houver inclusão total de aceitação das diferenças, respeitando-se as pessoas e levando-se em consideração as capacidades de cada um.
É evidente que o grande problema do nosso País, um país escravocrata como nosso, é a convivência com as diferenças. O Brasil é um país escravocrata, um país de pouca tradição democrática, de pouca cultura democrática e fundamentado no preconceito, que leva à discriminação, à segregação e à eliminação. E isso é muito comum na sociedade brasileira, com pessoas com distúrbio mental, com pessoas que fazem opções sexuais diferentes, religiosas diferentes.
Então, há uma carga de preconceito enorme nesta sociedade, que a gente precisa combater. Obrigado pela questão, Suely.
E eu gostaria também de ouvir a Drª Valkíria Borba, que é advogada. E ela gostaria de colocar uma questão emblemática.
Está com a palavra V. Sª, Drª Valkíria Borba.
A SRª VALKÍRIA BORBA - Boa tarde a todos! Obrigada pela ajuda, pois para mim é uma ajuda vir aqui pedir.
Recentemente, peguei um caso, fui substabelecida num caso de um rapaz lá de Minas Gerais, de Carmo do Paranaíba.
R
E ele está preso por ter cometido um crime de roubo. Ele roubou R$20,00 de um caixa que era de uma lan house do pai dele. E o pai dele havia colocado um rapaz para administrar a lan house, e este rapaz não estava repassando o dinheiro para o pai do menino que está preso. O que ocorreu? O rapaz tomou aquilo como um pedido do pai de socorro. "Oh, me ajuda, vai lá, cobra", ou coisa desse tipo. Ele foi lá, conversou com o rapaz e em um determinado momento se irritou, veio à tona o transtorno afetivo bipolar, que é o que ele tem, e foi preso por isso, certo, art. 157.
Preso, entrou um advogado, pediu a liberdade provisória, foi concedida por ele ter residência fixa, ser primário, então, ele foi solto. Só que ele ficou com aquele compromisso de comparecer ao fórum, não sair da cidade, dar notícias de onde está. E ele veio para Brasília, porque ele tem irmãs aqui. E ficou vindo para cá, indo e vindo, indo e vindo. Nesse meio tempo, o juiz pediu exame de sanidade mental. O fato ocorreu em 2009, e em 2010 o juiz pediu, através de portaria, um exame de insanidade mental.
Esse exame levou, aproximadamente, só para vocês entenderem, até hoje, cinco anos e cinco meses, de 2009 até hoje - cinco anos e cinco meses! Não foi concedido. O exame foi pedido, a Secretaria de Minas Gerais informou que não havia vaga em manicômio para ele fazer esse exame. Em 16/7/2012, a Secretaria informou que não havia vagas - isto foi em julho. Em agosto, veio o ofício informando que tinha autorização para fazer o exame. Só que o rapaz, como não estava em Minas - estava aqui em Brasília - não foi encontrado. O oficial de justiça não o encontrou, o advogado dele não correu atrás para pegá-lo pela mão e trazer, porque seria até, entre parênteses, obrigação do advogado, avisar que pelo menos havia saído o exame. Ele não foi. Não conseguiram encontrar o rapaz, ele não foi fazer o exame.
Então, o exame ficou parado, ficou esperando, esperando, esperando. Como o rapaz estava indo e vindo, eles não conseguiram encontrar o rapaz nunca, o oficial de justiça.
E ele estava em liberdade ainda, mas aí houve uma audiência, a que ele também não compareceu porque ele também não estava lá. Estava aqui, e o advogado também não avisou.
Então, depois da audiência, o juiz decretou a prisão preventiva dele.Saiu o mandado, e ele ficou, foi ficando, foi ficando, até que agora, dia 1º de maio, passou em uma blitz e foi preso. Então, ele está, desde o dia 1º de maio, preso.
Só que o juiz... O advogado dele entrou com um pedido de relaxamento de prisão. O juiz não concedeu porque ele quer que faça o exame de sanidade mental. Esse exame de sanidade mental é feito, parece, em Juiz de Fora, em Minas Gerais. Só que, agora, até que surja uma nova vaga, não se sabe quando surgirá uma nova vaga... E tem o problema da forma como são tratados os doentes que vão para lá.
Ele é um menino que, de 2009, desde que aconteceu o incidente do roubo, de 2009 até 2015, até um pouquinho antes de ser preso, teve n trabalhos sociais feitos entre Brasília e Minas Gerais. Ele é um artista plástico, trabalhou com a Apae, com os idosos, com a igreja, com os Vicentinos. Trabalhou aqui em Brasília, no Jardim Botânico, no Paranoá, em São Sebastião, só fazendo coisas boas para a sociedade.
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O juiz quer que ele fique preso, alegando que ele é um cara que pode ser perigoso para a sociedade.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Você me permite?
A SRª VALKÍRIA BORBA - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Ele foi julgado?
A SRª VALKÍRIA BORBA - Não foi julgado ainda. Ele não foi julgado.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Mas o crime dele foi de lesões corporais?
A SRª VALKÍRIA BORBA - Não, não está nem como lesões corporais, está só como roubo dos vinte reais.
Antes de eu vir para cá, eu vi. Mandaram-me pelo telefone, porque não consegui fazer a cópia, uma fotinho da decisão do juiz, indeferindo o meu pedido. Eu fiz um portfólio, fiz um catatau de fotos de jornais, declarações de todas as entidades de que ele participou, dizendo que ele é uma pessoa muito boa. Quando ele veio de Minas para cá, a primeira vez, saiu no jornal: "Tio Alex". Como ele trabalhou muito com crianças, com escolas, saiu todo mundo se despedindo dele, com a maior tristeza, e ele está lá agora preso.
Eu fui falar com ele, que me disse: "Poxa, Valkíria, me tira daqui, porque não tem cabimento eu estar aqui!" E, realmente, ele tem a doença, ele tem o transtorno afetivo bipolar.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Ele tem o diagnóstico médico?
A SRª VALKÍRIA BORBA - Tem laudos médicos, que ele fez, ele esteve internado cinco vezes em hospitais psiquiátricos. Há laudos assinados, inclusive no CAPS, de Minas, atestando a doença dele, tratando ele.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vou encaminhar para que a Comissão entre em contato, requeira toda a documentação. Tudo o que a senhora tiver em mãos entregue aqui na Secretaria da Comissão de Direitos Humanos, porque vamos acionar o CNJ. Esse é um caso, e igual a esse deve existir...
A SRª VALKÍRIA BORBA - N casos.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Ele está preso porque é doente, porque, se ele fosse condenado pelo roubo, a pena seria infinitamente menor do que esse tempo que ele está respondendo o processo.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Esse exame não é feito no manicômio judicial. É IML.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não é manicômio.
A SRª VALKÍRIA BORBA - Pois, então, doutora.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Manicômio já é para quem tem sentença.
A SRª VALKÍRIA BORBA - Ele não tem sentença.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Então, vamos dar esse encaminhamento. E eu gostaria de consultar as Deputadas... A Deputada gostaria de fazer uso da palavra?
V. Exª tem a palavra.
A SRª ERIKA KOKAY (PT - DF) - Bom, eu queria pedir desculpas, eu vou ter que voltar, está havendo sessão na Câmara, mas eu não podia deixar de vir aqui para participar dessa discussão. Quero parabenizar a Comissão de Direitos Humanos aqui do Senado, por estar realizando... Essa é uma discussão absolutamente fundamental, penso eu.
Ela não é uma discussão menor, primeiro, porque precisamos transformar em realidade o que foi uma conquista deste País, que é a reforma psiquiátrica, a condição e a Lei Antimanicomial. Precisamos transformá-la em realidade. E, para transformá-la em realidade, temos que tirar do limbo, da periferia, inclusive, do ponto de vista orçamentário, as políticas ou a política de saúde mental. Por isso, saúde mental nunca é priorizada. E não estamos falando de qualquer coisa. Estamos falando, inclusive, da necessidade de termos na atenção básica uma política de saúde mental.
Ou seja, é preciso ter espaço para a fala e para lidar com o sofrimento. O sofrimento é desconsiderado, o sofrimento psíquico. E vivemos em uma sociedade com muito sofrimento psíquico, uma sociedade que estimula e nega o consumo, que diz que é preciso que você consuma para ser validado socialmente, e não dá o direito de consumir. É uma sociedade que provoca muito sofrimento.
E vivemos uma etapa de muito fundamentalismo. Os fundamentalistas são, naturalmente, não reflexivos e intolerantes. Então, vivemos numa lógica muito intolerante, em que a mão invisível do mercado, digo eu, adentrou a cidadania da intimidade e capturou os desejos, capturou os comportamentos, capturou as percepções, capturou os pensamentos.
Temos uma mercantilização muito grande, uma coisificação da vida. Então, neste sentido, essa é uma sociedade com sofrimento psíquico. É preciso que a política de saúde mental não desconsidere a atenção ao sofrimento. Nós temos serviços que lidam com a doença consolidada, mas não temos a atenção básica nos postos de saúde da família, onde haja o espaço de fala, particularmente das mulheres, particularmente para as mulheres.
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E sabemos que as mulheres sentem uma dor imensa, a dor da violência doméstica, a dor da despersonalização, desfulanização, que tem a violência doméstica, a dor dos meninos, a dor dos jovens. Quem chora a morte dos meninos, jovens negros, que estão sendo exterminados nesse País - e a CPI trabalha nessa perspectiva, há uma CPI trabalhando nesta investigação - são as mulheres, são as mães, que não têm espaço de fala para lidar com o seu sofrimento.
Mas não é só isso. Precisamos fazer valer os serviços substitutivos. Não há residências terapêuticas em quantidade suficiente neste País. Nós temos pessoas que estão inimputáveis, em cumprimento de medida de segurança nos presídios deste País, que deveriam estar em liberdade. E não estão em liberdade porque não têm para onde ir. E ficam nas masmorras - que são os presídios brasileiros - e, particularmente, os hospitais, os manicômios psiquiátricos - e também judiciais e também as alas de tratamento psiquiátrico.
Nós não temos CAPS. Aqui em Brasília, por exemplo, fechamos uma unidade de acolhimento onde as pessoas que estavam em tratamento no CAPS poderiam ter um espaço para serem reinseridas na vida. E o CAPS, muitas vezes, reproduzem uma lógica que não é da articulação das políticas públicas. O CAPS tem que incluir, tem que ser um espaço de inclusão.
Não se pode ter um CAPS, um Centro de Atenção Psicossocial, que não tenha relação com a escola, que não tenha relação com as unidades de assistência, ou seja, com os outros serviços públicos, que não tenha relação com a política de emprego. Porque essa pessoa precisa ser incluída nas políticas públicas. O CAPS não pode ser uma lógica de um manicômio aberto; ele tem que ser uma lógica de inclusão nas políticas públicas.
Por isso, eu diria que temos ainda muito o que avançar aqui no Brasil. Nós tivemos a oportunidade de coordenar um grupo de saúde mental da Câmera, na legislatura passada, e vi coisas que eu não queria ter visto. Temos uma série de comunidades terapêuticas hoje, muitas delas bancadas com recursos públicos, que reproduzem a lógica manicomial. Na semana passada eu estive em uma comunidade terapêutica onde havia tortura e alguém me perguntou: "Esse não é um método abolido?". Eu disse assim: "Isso não é um método terapêutico". Tortura não é método terapêutico, é crime, é crime! E essas pessoas estavam lá.
Eu vi isso no Piauí. Vi no Piauí mais do que isso, vi as internações compulsórias, o poder dos psiquiatras e o poder dos juízes, inclusive. E, nesse caso, internação compulsória - 20% das pessoas estavam internadas em um hospital psiquiátrico que tratava pacientes em crise. Tinham sido internadas por decisão judicial, sem parecer algum e sem nenhum tipo de atenção ou de consulta ou, enfim, de contato com saúde. Tinham sido internados sem avaliação da saúde. E ali eu vi o diretor do hospital com a alta na mão e dizendo que não podia implementar a alta porque era uma decisão do juiz. E a pessoa ali, como se tivéssemos os barbacenas da vida - os hospitais colônia -, que foram os holocaustos brasileiros, que assassinaram tantas pessoas e foram incorporadas na nossa capacidade larga e inaceitável de naturalizarmos a barbárie e a violação de direitos.
Por isso, encerro dizendo que precisamos pensar a saúde mental e nos organizarmos na perspectiva de abolirmos definitivamente os manicômios.
Em Sorocaba, existiam 12 hospitais psiquiátricos. Ali houve um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), mas vi ali uma pessoa, em um hospital psiquiátrico que estava sob intervenção do Estado e sob um TAC, que estava há 50 anos no hospital psiquiátrico! Ela não era mais ela! Não era mais ela! Ela perdeu qualquer capacidade de ser alguém.
É como a Clínica Planalto, na qual o Edmar Carrusca esteve, e fechamos aqui em Brasília. Nunca vou esquecer, mas havia uma senhora que chegava e tinha um chinelo Havaianas. Ela guardava o chinelo. A única coisa que dizia que era uma pessoa e que tinha uma subjetividade, e que tinha uma especificidade, era aquele chinelo Havaianas, porque nem nome ela tinha. Tinha sido rasgada a sua própria identidade. Essa é a lógica dos manicômios e, muitas vezes, são as lógicas que estão presentes em várias comunidades terapêuticas.
Por isso, eu diria que é preciso que repensemos a saúde mental na perspectiva daquilo que já foi construído e consolidado na legislação brasileira, para que ela se torne uma realidade e possamos, definitivamente, abolir os manicômios. Em Sorocaba, em um desses hospitais, houve uma mudança, e ele foi transformado em um SPA.
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Foi feita uma obra, e, quando as máquinas começaram a cavar o chão, encontraram ossadas! Encontraram ossadas!
Então, é terra de morte: a morte simbólica e, em seguida, a morte literal, que, muitas vezes, povoa o universo dessas instituições.
Por isso, nós não podemos mais permitir. É preciso gritar. Nós não podemos permitir nem os manicômios metafóricos, nem os manicômios literais. Que nós possamos assegurar que as pessoas com transtorno possam ser atendidas em crises nos hospitais gerais, como são atendidos aqueles que têm problema no rim, ou problema na garganta, ou problema de quebrar um braço, como são atendidos. Que possam ter direito à vida plena, porque não deixam de ser pessoas.
É preciso romper a lógica de desumanização que se tem naturalizado todos os dias, no nosso País, e implementar a reforma psiquiátrica, com orçamento, com controle social, nos princípios que já são previstos pelo SUS -, nos princípios do controle social, da equidade, todos os princípios já previstos para o SUS -, para que nós possamos avançar, porque também eu, Eva, estou ficando com uma impaciência geriátrica! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Ao invés de impaciência, ela está dizendo que é urgência geriátrica.
Muito bem.
Eu consulto a Deputada Janete se deseja usar a palavra. (Pausa.)
Muito obrigado, Deputada Erika. É uma honra tê-la aqui conosco, na Comissão de Direitos Humanos.
Com a palavra, a Deputada Janete Capiberibe.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Senador João Capiberibe, que preside esta reunião de audiência pública, Dr. Alexandre Teixeira, representando o Ministério da Saúde, Edmar Carrusca, que tanto se emocionou durante sua fala, Capi.
A gente compreende a emoção do Edmar. A gente fica com a impaciência geriátrica, como disse a Deputada Erika Kokay, minha colega. Nós estamos nessas mesmas lutas, as duas, e o nosso sofrimento é muito grande. Nós também sofremos muito em contato com o mundo da política, aqui dentro da Câmara, do Senado.
Ontem, por exemplo, foi aprovada, numa Comissão especial, de uma forma secreta, praticamente secreta para o plenário Ulysses Guimarães, a redução da maioridade penal. Uma coisa triste! Eu sentia vontade de chorar. Eu e o Padre Luiz Couto, do meu lado, a gente só conseguia dizer, quando entrou aquele exército de evangélicos, militares, a bancada BBB, como a gente chama, que é a do boi, os ruralistas, a bancada da bala e a bancada da Bíblia... São os três bês.
Eles entraram ali, cantando, felizes porque conseguiram aprovar, na Comissão especial, a redução da maioridade penal, quando um dos motivos que escondem todo esse desejo dessa bancada é a privatização, entre outros, dos presídios, construir um monte de presídios para colocar a nossa juventude lá dentro. Isso teria que ser escolas, construir escolas de tempo integral, atendimento, enfim.
Eu quero parabenizar todos vocês, que compõem esta Mesa, pela riqueza das exposições que acabam de acontecer.
Eu queria, eu até tinha colocado, aqui, do passado, mas eu acho que se trata, agora, de vermos no presente como vamos fazer para acabar com essa violência que acontece com as pessoas que estão com transtorno mental, assim como acontece a violência obstétrica com as mulheres, todos os dias, nos hospitais. É tanta violência aos direitos humanos de todos, que a gente já até fica impaciente mesmo. A Deputada Erika, minha colega, tem razão quando ela coloca.
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Uma das preocupações que eu tinha... Eu queria ouvir vocês, da Eva e do Edmar, acerca das comunidades terapêuticas, que, como ouvimos, são manicômios. São verdadeiros manicômios essas comunidades terapêuticas. E elas estão nas mãos de políticos e evangélicos, que querem praticar todo tipo de cura.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - É o Ministério da Saúde.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Então, dirigida ao Ministério da Saúde, que, entre os transtornos mentais, as vítimas são as pessoas que têm o direito de escolher a sua sexualidade. E eu acredito que aí dentro acontece a "cura gay", como os pastores, os evangélicos que são políticos colocam. Eles dizem que podem curar uma pessoa que tem a sua sexualidade definida por si mesma. E eles transtornam essas pessoas a ir.
Então, é uma preocupação muito grande, Dr. Alexandre, que temos com essas comunidades terapêuticas e com o que acontece aí dentro.
Eu quero, assim, só para concluir a minha participação, Senador Capiberibe, Edmar coloca a necessidade de melhorar a lei...
O SR. EDMAR CARRUSCA (Fora do microfone.) - Uma outra lei, complementar, talvez...
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Uma outra lei complementar. E assumimos esse compromisso, de apresentar nas duas Casas ao mesmo tempo. Mas, para isso, precisamos do apoio de vocês, para podermos...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Isso. Com certeza. Com certeza.
O SR. EDMAR CARRUSCA - Nós temos algumas questões, tipo: pode ser uma lei complementar, no sentido de não mexer na lei que já existe, que está aí garantida, que é a 10.216, mas uma lei de inclusão social para pessoas com transtornos mentais.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Certo.
O SR. EDMAR CARRUSCA - Seria uma ideia: definir, como o próprio Ministério colocou para nós. Não é só uma lei que vai resolver o problema, mas a gente, hoje, necessita de uma inclusão social para pessoas que têm transtornos mentais. Eu acho que essa é que é a questão.
A SRª EVA FALEIROS - ... no Brasil hoje em dia. Sabe? Vamos ter que analisar o momento de mexer nisso. Porque, senão, tu ainda podes perder. Sabe? Então, eu não tenho medo de lutar, mas eu acho que temos que ver lutas que tu não vais entrar para perder... O que já conseguiu, entende?
Então, a temos que ver onde é que dá para avançar, o que é que dá para avançar.
O SR. EDMAR CARRUSCA - É nesse sentido que eu não proponho que se mexa no que já está aí, que é a 10.216.
A SRª VALKÍRIA BORBA (Fora do microfone.) - Certo.
O SR. EDMAR CARRUSCA - Meu cuidado é, assim... O que está aí, a lei, não é ruim, no sentido de que ela existe. Primeiro, porque ela é a primeira que realmente...
A SRª EVA FALEIROS - Tu imaginas que estão querendo mexer na Constituição, cara?
O SR. EDMAR CARRUSCA - É, eu sei.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - E a Presidência da Câmara está mexendo todos os dias. E eles conseguem, porque o Brasil elegeu uma maioria de Deputados, principalmente na Câmara, que estão fazendo uma colcha de retalhos da Constituição, relacionados aos índios... Os índios foram vítimas, grandes vítimas, aí, nos manicômios, neste País. E todos os dias estão morrendo índios. Eles estão sendo assassinados. E o Brasil não sabe disso. Nós sabemos porque nos dedicamos, aqui dentro, a isso.
Na época da ditadura militar eles foram internados em manicômio, morreu um número grande, considerável, de índios em Minas, da etnia krenak, e outros. A ditadura militar conseguiu chegar até lá, no Brasil profundo, como diz o Ministro Mangabeira Unger. O Brasil profundo que ninguém nem conhece.
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Mas era isso. A gente fica, Eva, à disposição. Nós não vamos fazer de qualquer maneira; não vamos tomar qualquer atitude de qualquer maneira. Nós vamos receber essa... E não precisa ser correndo, como a Eva diz, porque, pelo que entendi, há questões que estão nas leis que já existem e que não são cumpridas.
O SR. EDMAR CARRUSCA - Sim, sim. Aqui no Distrito Federal nós tivemos de ir ao Ministério Público pedir o cumprimento das leis. Nós temos duas leis, a lei distrital...
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP. Fora do microfone.) - E a lei do DF é mais avançada do que a nacional; é anterior e mais avançada...
O SR. EDMAR CARRUSCA - Nós temos a Lei distrital, que é a 975, que é de 95. Portanto, está fazendo 20 anos, e se formos analisar, nesses 20 anos não foi implementada
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDMAR CARRUSCA - Nem se conhece. Eu concordo com a Eva de que nos temos atuais é complicado, mas, Eva, eu acho que não podemos prescindir da luta. Então, eu acho que se tem de aperfeiçoar o sistema...
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Ter direito aos direitos humanos, como você colocou.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Nós temos de ter força. Nós estamos muito sós.
O SR. EDMAR CARRUSCA - Sim, força é o que viemos buscar aqui com o apoio do Senador, da Senadora...
A SRª EVA FALEIROS - Sim, é isso, mas é uma parte. Nós não temos suma base. Como é, por exemplo, que os sindicatos nunca... Quando a gente sabe que o número de pessoas que adoece no trabalho é enorme. Há profissões em que há um grande número de suicídio e nunca nenhum sindicato foi mobilizado?
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Então, eu queria dialogar um pouco com tudo o que foi falado e trazer algumas...
Acho que precisamos até provocar um pouco mais em torno do que está posto. Segundo a fala da pesquisadora Fournier, devemos ter preocupação de evidenciar e destacar os avanços sem nunca deixar de colocar os pontos nevrálgicos que ainda precisa ter de desafios pela frente.
Sem sombra de dúvida, dentro de tudo que foi colocado aqui, dentro do perfil que a nossa sociedade tem, extremamente conservadora, escravocrata, com o limiar de tensão que existe atualmente, se formos fazer uma retrospectiva em cima de dados, em cima de tudo que temos aqui desde o início da reforma, de todo esse contexto, avançou-se bastante.
Agora, acho que a Professora Eva Faleiros trouxe questões muito provocativas e fundamentais para pensarmos para frente. E eu acho que dialogam também com o que a nobre Deputada Janete coloca e que também a Deputada Érica Kokay colocou. Acho que dialoga também com a questão do Sistema Único de Saúde e do entendimento do Sistema Único de Saúde brasileiro, eminentemente focado na defesa da sua universalidade, mas que traz para a sociedade um debate que precisa ser mais aflorado e que o nosso Ministro vem provocando, que é o debate sobre a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde e das forças que a sociedade vem produzindo atualmente, inclusive para emperrar o próprio Sistema Único de Saúde.
A política de saúde mental está imbricada nesse processo. Existe fragorosamente instalada uma disputa de modelos. Por mais que tenhamos avançado, os modelos estão em disputa, e eles estão em disputa nos territórios. E nesse ponto é importante se entender o papel de cada ente federado dentro do SUS.
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Por mais que nós tenhamos uma política de saúde mental nacional, existe um respeito à autonomia federativa dos Estados e Municípios, que adotam políticas que nem sempre se coadunam com a nossa política nacional. Existe essa autonomia, que precisa ser preservada, e, aí, é uma legitimidade da própria democracia, mas que, ao mesmo tempo, nos leva a contradições que são da própria sociedade. Um exemplo disso é a comunidade terapêutica, nobre Deputada. Por mais que a comunidade terapêutica, dentro da Política Nacional de Saúde Mental, tenha sido reconhecida como um ponto de atenção da rede de atenção psicossocial, hoje, dentro do Ministério da Saúde, não existem comunidades terapêuticas financiadas pelo Ministério da Saúde, não existem.
A SRª EVA FALEIROS - E que tinha um orçamento bom.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Então, existe uma linha de financiamento pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, no Ministério da Justiça.
Nós, o Ministério da Saúde, junto com o Ministério da Justiça, vimos produzindo esforços no sentido de regular o máximo possível, a partir de diretrizes e critérios de editais, para que essas comunidades terapêuticas façam a sua adesão à política de acordo com os nossos critérios. E os nossos critérios não se coadunam, por exemplo, com comunidades que exercem induções no aspecto da religiosidade, protocolos que produzem trabalho escravo dentro dessas comunidades terapêuticas e uma série de outras coerções de direitos que atravessam completamente aquilo que nós consideramos dentro da política.
Então, por conta disso, hoje não existem, porque, dentro do Ministério da Saúde, em todos os editais que nós colocamos, as comunidades terapêuticas acabaram não se adaptando aos critérios que lá estavam. Então, isto é importante ser destacado: o Ministério da Saúde não financia comunidade terapêutica nesse exato momento por conta disso.
A SRª EVA FALEIROS - Mas tinha uma função de monitoramento, através dos CAPS, etc. Deu para fazer isso?
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Então, aí é a questão de reconhecer ou não a comunidade terapêutica como uma instituição de saúde. Nós, o Ministério da Saúde, não consideramos a comunidade terapêutica como um equipamento de saúde.
Por conta disso, eu acho que é importante criarmos, dentro dessas políticas locais, municipais e estaduais, formas de regular a ação e os encaminhamentos que se fazem dentro dessas comunidades terapêuticas e que, de alguma forma, contemplem a lógica da atenção psicossocial a partir dos CAPS, enfim, há toda uma linha de cuidado aí. Se, por acaso, a partir dessa linha de cuidados, o usuário não consegue se adequar ao que o CAPS oferta, ao que uma Unidade de Acolhimento oferta, ao que uma Estratégia de Saúde da Família oferta, e se essa comunidade terapêutica que existe lá naquele território, naquele Município tiver o mínimo necessário daquilo que nós consideramos fundamental - como uma articulação com a comunidade, como estratégias de reinserção social desse indivíduo que está com transtornos mentais de álcool e outras drogas, enfim, seguindo uma série de exigências -, ela poderia ser legitimada. Agora, é fato que a maior parte das comunidades terapêuticas hoje não atendem a esses pré-requisitos, então nós precisamos trabalhar muito nessa perspectiva.
Eu queria colocar alguns pontos a mais que foram trazidos sobre os quais eu acho muito relevante dialogarmos. A Profª Eva trouxe um ponto, que, para nós, também é bem importante no momento em que vivemos hoje, dentro do Ministério da Saúde, que é tratar a desinstitucionalização na veia, ou seja, de forma legítima, na sua base conceitual, para que efetivamente ganhe concretude daquilo que nós pretendemos.
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Por conta disso, estamos, dentro da Coordenação Nacional de Saúde Mental, pensando em polos de desinstitucionalização em algumas cidades que tenham potência para promover a desinstitucionalização em manicômios, em hospitais psiquiátricos, que estão aquecidos no sentido de desinstitucionalizar, mas é desinstitucionalizar não apenas para desospitalizar, não somente para tirar esse indivíduo do hospital psiquiátrico, mas, fundamentalmente, para qualificar a rede de atenção psicossocial do entorno desse Município que está fazendo a desinstitucionalização.
E aí entra uma coisa fundamental que a professora Eva trouxe: fazer desses polos um processo indutor de qualificação profissional, porque temos um limbo aí absurdo, uma desqualificação. O modelo formador não forma para o SUS, muito menos para a lógica da tensão psicossocial; existe aí uma necessidade de impulsarmos, nos modelos formadores, essa massa crítica, todo esse contexto de conceitos. E consideramos que precisamos fazer isso, de alguma forma, implementando a política também.
Então, trata-se de usar esses polos, nessas cidades, como um nicho de qualificação de trabalhadores de redes de outros Municípios que podem ir para esse Município trocar e ver aquilo que está acontecendo, de todo o contexto dos conceitos de "desinst" que defendemos e que podem ser, de alguma forma, vivenciados na prática por esse profissional do Município que está sendo agraciado pelo polo "desisnt", mas não somente por esses profissionais, também fazer intercâmbio.
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Isso é fundamental.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Esse processo está começando, existe toda uma abertura para que possamos fazer isso. E foi citado pela Érika Kokay, a Deputada, Sorocaba. Sorocaba seria, provavelmente, um desses polos, porque lá já existe um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) para favorecer esse movimento. Está aquecido o processo, a gente vê lá...
A SRª EVA FALEIROS (Fora do microfone.) - Tentar recuperar esse lugares que já foram espetaculares, como Campinas. Campinas era maravilhoso, fui lá.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Com certeza.
A SRª EVA FALEIROS - Minas Gerais tem coisas ótimas.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Fantástico, e há vários Municípios e Estados com uma história exitosa no campo, e precisamos valorizar, visibilizar mais, resgatar muita coisa. Agora, repito, há muita coisa que foge completamente à governabilidade do Ministério da Saúde.
Os Municípios e Estados têm as suas políticas locais, e sabemos que é esse campo é um campo minado de disputas, e precisamos, sim, produzir mais massa crítica na sociedade a respeito de discussões como essa, porque acho que, só assim, vamos conseguir efetivamente legitimar a luta manicomial. Trata-se daquilo que eu disse na minha apresentação: restringir a reforma psiquiátrica e a luta manicomial apenas para mudança de modelo assistencial é um tiro no pé, precisamos vincular esse movimento num contexto muito mais amplo junto à sociedade.
Acho que é isso.
A SRª EVA FALEIROS - Uma das coisas que acho muito interessantes, que há aqui em Brasília - há no Ceub e na Unb -, é a organização já numa perspectiva multiprofissional que estão ligado à saúde mental. Isso é importantíssimo!
Existe uma associação nacional de estudantes. Já houve congresso aqui de que até participei. Então, é com essa turma jovem que temos que trabalhar, porque, senão, estaremos falando para nós mesmos. É bonita a institucionalização? É, mas os outros não sabem nem o que é isso.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Existe uma necessidade de produção de massa crítica e de pegar exatamente o estudante nesse contexto. Existem algumas experiências, por exemplo, o VER-SUS, que é uma iniciativa do Ministério da Saúde, que produz vivência do estudante de graduação de todas as áreas de saúde para que ele tenha uma vivência no SUS.
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E, a partir disso, percebe-se claramente um outro olhar desse estudante frente ao próprio Sistema Único de Saúde, diga-se de passagem, modelo formador. Ele discrimina o SUS o tempo todo.
Dentro do sistema formador, existe muito mais uma pendência para o estudante, o graduando, se formar, voltado para o mercado privatista de saúde do que para o Sistema Único de Saúde.
Então, iniciativas como a do VER-SUS, como a que Eva trouxe, são importantes. Precisamos impulsionar esse movimento, além daqueles de residência médica, de residência multiprofissional, dentro da rede da tensão psicossocial, que, de alguma forma, produzem essa qualificação, mas concordo em que ainda precisamos investir bastante nesse potencial indutório.
Para terminar, gostaria de citar que, hoje, dentro da Coordenação Nacional de Saúde Mental, temos estratégias de qualificação em cursos de educação a distância sobre crise, álcool e drogas e sobre infância e juventude.
A SRª EVA FALEIROS - Vamos fazer um sobre desinstitucionalização, criatura!
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Sim. Está dentro desse escopo. A crise está dentro desse processo. E esse curso, principalmente o curso de crise, tem dado resultado bastante significativo pra gente. Há mais de três mil profissionais inscritos. Enfim, há todo um potencial indutor para qualificar esses profissionais.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Com a palavra, a Deputada Janete Capiberibe.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - É uma informação. Durante este ano, vão acontecer as conferências municipais, estaduais e a nacional de saúde. Aí, vejo que este é o momento de se mobilizar e movimentar este País todo em torno da saúde mental, fazendo esse debate, que vai acontecer lá no município. Acho até que ele já deve estar começando. São 5.600 municípios. Depois, serão nos Estados. Devemos fazer esse foco aí.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - As conferências municipais de saúde já estão em pleno andamento. Até o final do ano, vão ser as conferências estaduais, até chegar à conferência nacional aqui, em dezembro.
Então, o tema da saúde mental vai vir com força. E, mais do que isso, com o crescimento das forças conservadoras em torno de questões referentes inclusive ao próprio Sistema Único de Saúde, temos que nos preparar para essa conferência nacional de saúde, porque, com certeza, podem aparecer questões muito caras, que podem estar sob risco.
Assim, precisamos estar muito atentos. Temos um potencial indutor de ativar, nos conselhos municipais e estaduais, o protagonismo dos conselhos nesse contexto da reformulação do SUS e daquilo que se prioriza. Essa conferência nacional vai ser importante para isso.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Mais alguma palavra para encerrar, Deputada?
Quero encaminhar, porque acho que há questões para isso.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Estou pensando em, no início do segundo semestre, em agosto, realizarmos uma grande audiência pública, de qualidade, pois, como vocês acabam de colocar aqui, a formação é fundamental.
Então, em um plenário bem grande da Casa, podemos fazer essa mobilização e juntar, Eva, trazendo a voz da sociedade civil, militância. Vamos fazer esse encaminhamento juntas.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Sugiro que, depois da audiência pública, vocês se entendam, para que possam organizar-se.
A SRª JANETE CAPIBERIBE (PSB - AP) - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Agradeço a presença da Deputada Janete Capiberibe, da Deputada Érica Kokay, dos nossos convidados, em especial de quem veio de tão longe para cá, da Professora Louise Fournier, do Claude, da Eva, do Edmar e também do Alexandre Trino.
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Gostaria de agradecer a presença de todos vocês e de todos aqueles que nos acompanharam pela Internet.
Pelo que entendi, a lei é bem avaliada, do ponto de vista das pessoas que operam na gestão da mesma. Ela é bem avaliada.
Posso assegurar aos senhores que existe um clima no Senado, permitindo mudanças para melhor na legislação. Esta Casa está aberta a isso, mas precisamos estar muito bem informados.
Vou sugerir aqui um encaminhamento de um requerimento, de uma sugestão, ao Ministério da Saúde, para que faça uma avaliação dos 15 anos da Lei nº 10.216. Precisamos de um diagnóstico dessa lei. Ouvi falar de 2.200 CAPS, espalhados pelo Brasil. Precisamos saber como eles estão funcionando... Essa ideia veio de Quebec, que tem uma avaliação do seu sistema, anterior ao nosso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Em 2005, não é?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Com oito anos, eles fizeram a primeira avaliação e detectaram que 40% funcionam dentro das regras estabelecidas. Precisamos dessas informações, inclusive para propormos aqui, se tivermos de fazê-lo, alguma mudança na legislação, junto ao Ministério. Temos de estar muito bem alicerçados com informações.
Então, a Secretaria da Comissão precisa preparar, com base nesta audiência pública, um documento ao Ministro Arthur Chioro, sugerindo uma pesquisa sobre o funcionamento do sistema.
Nada mais havendo a tratar, além de agradecer a todos novamente, dou por encerrada esta audiência pública.
Muito obrigado.
(Iniciada às 15 horas e 14 minutos, a reunião é encerrada às 18 horas e 35 minutos.)