08/06/2015 - 6ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

R
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 6ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento nº 115, de 2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de uma audiência pública interativa, com as entidades indicadas no Requerimento nº 3, de 2015, aprovado por esta Comissão.
Estão presentes os seguintes convidados: Fabiano Dias Monteiro, Pesquisador do Viva Rio; Ivan Contente Marques, Diretor Executivo do Instituto Sou da Paz; Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, Advogada e Presidenta do Geledés Instituto da Mulher Negra; Maria de Nazaré Costa da Cruz, Representante da Juventude da Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras); Hamilton Borges dos Santos, Militante da Campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto; Átila Roque, Diretor Executivo da Anistia Internacional.
Peço à Secretaria da Mesa que, imediatamente, conduza e acomode à mesa os nossos convidados, os quatro primeiros.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso as pessoas que tenham interesse em participar, com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no endereço: www.senado.leg.br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número: 0800-612211.
Para organizar nossos trabalhos, informo que, após a exposição dos convidados, a palavra será concedida aos Srs. Senadores e às Srªs Senadoras.
Agradecendo a presença sempre ativa e que nos honra muito da Senadora Fátima Bezerra, ativa e integrante da nossa Comissão e das causas populares.
Bom, nós vamos fazer, dois a dois. É isso, Secretaria?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vamos colocar os quatro? Temos lugar para todos?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Aí iniciamos com os quatro, depois abriremos.
Quero, também, registrar a presença do Frei David, da Educafro de São Paulo. É um enorme prazer e satisfação tê-lo aqui, no dia de hoje, nos nossos trabalhos. Certamente, haveremos de dar oportunidade para ouvi-lo também. Quebrando um pouco...
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Senadora Lídice.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Pois não, Senadora Fátima.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Quero cumprimentá-la, saudar aqui a todos e todas presentes, cumprimentar os nossos convidados e convidadas que, certamente, com o relato que farão aqui hoje, a exposição que farão, contribuirão e muito para o trabalho da nossa CPI.
Mas a minha questão de ordem é bem objetiva, Senadora Lídice: nós aprovamos os requerimentos para realização de audiências públicas em alguns Estados - inclusive o requerimento para levar uma audiência pública da CPI lá no nosso Estado do Rio Grande do Norte, em Natal também foi aprovado.
Indagaria a V. Exª se já tem ideia do indicativo de calendário, da proposta de calendário, a ser apresentada no que diz respeito à realização dessas audiências públicas.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Nós ficamos, Senadora, de fazer o calendário em combinação com os Senadores, para que pudesse adequá-lo à agenda de cada Senador solicitante.
R
No entanto, o Senador Telmário, juntando-se à Senadora Ângela, fizeram um apelo para que a primeira audiência pública fosse lá, em Roraima, em função, segundo eles, do período das cheias. Então, há uma expectativa, eu estou esperando a chegada do Senador Lindbergh, que acompanha o Presidente da Casa no encontro dos BRICS, na Rússia, para combinarmos a data precisa, mas a expectativa é de que nós pudéssemos já iniciar neste fim de semana, na próxima sexta-feira, se houver condições da presença de Lindbergh, porque ele, como Relator, torna-se imprescindível na viagem. Está certo?
Nós poderíamos logo, em segundo lugar, fecharmos o Rio Grande do Norte.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Perfeito, nós vamos trazer uma proposta de data para V. Exª.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Uma proposta de data, está bom. Obrigada.
Volto a lembrar que quem quiser apresentar, enviar comentários, perguntas, pode e deve fazê-lo através do 0800-612211 ou pelo portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania.
Vamos, então, companheiros, iniciar a nossa rodada de hoje, ouvindo os quatro convidados, que já se encontram aqui, à mesa. Vamos combinar um procedimento. Então, vamos começar de lá para cá.
O Fabiano, pode ser? Então, pronto. Pela ordem de chamada. Então, o representante do Viva Rio, Fabiano Dias Monteiro.
Vamos combinar também o tempo. Quinze minutos está bom para cada um de vocês? Se houver necessidade, a gente estende um pouquinho.
O SR. FABIANO DIAS MONTEIRO - Obrigado, Srª Senadora.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Estamos recebendo, pelo que estou entendendo aqui, vários integrantes do Educafro, de vários Estados, o que é para nós uma grande satisfação tê-los aqui. São mais de... Peço uma salva de palmas. (Palmas.)
Pelos menos uns 20 a 30 estão aqui presentes; 40 estão aqui presentes, entre nós, e é para nós uma grande alegria poder contar com a presença de vocês e a ajuda nessa discussão tão importante para a juventude do nosso País.
Com a palavra, Fabiano.
O SR. FABIANO DIAS MONTEIRO - Obrigado, Senadora.
Boa noite a todas e todos presentes. Gostaria de iniciar a minha fala agradecendo, mais uma vez, ao gentil convite da Comissão para que a ONG Viva Rio pudesse se fazer presente e um pouco contribuir com a sua experiência no enfrentamento, da questão fundamental para a sociedade brasileira, que é o enfrentamento da violência, sobretudo da violência contra jovens.
O mito de origem da própria organização Viva Rio está muito ligado a esse tema, a essa questão. O Viva Rio não nasce como uma organização, como uma entidade jurídica, mas nasce como um movimento, como um processo de parceria, aproximação de vários intelectuais, artistas, jornalistas, acadêmicos e militantes de movimentos de diversas áreas no Rio de Janeiro, no ano de 1993, quando do massacre da igreja da Candelária. Então, o Viva Rio fez, em 2013, 20 anos e aproveitou para fazer um balanço das suas ações, repensando o seu mito de origem, no sentido antropológico, de pensar o que motivou a organização a existir, o quanto a gente conseguiu avançar e o quanto precisa ser avançado, talvez numa velocidade mais contundente, de uma maneira mais incisiva, nesse enfrentamento.
A apresentação que eu trouxe para a gente poder conversar, refletir conjuntamente, é um pouco... Traz uma análise dos dados do Mapa da Violência de 2014. Imagino que esses números sejam recorrentes esta noite, imagino que eles sejam números conhecidos de muitos aqui presentes e que, ano a ano, toda vez em que há a divulgação do Mapa da Violência, a gente tem uma certa efervescência do tema de mortalidade juvenil na mídia, em determinados setores da academia, mas, infelizmente, essa discussão tende a se arrefecer com o tempo, principalmente no que diz respeito a impactar a sociedade como um todo sobre a dramaticidade desses números.
R
A segunda parte da apresentação tem um caráter menos quantitativo e menos qualitativo sobre as experiências que o Viva Rio teve, nos últimos 10 anos, tratados aqui como estudos de caso. Claro que as nossas questões são tratadas como casos particulares, questões relacionadas a projetos sociais que foram conduzidos por essa ONG especificamente, mas que certamente tem enfrentamentos, desafios e alcances também observados por outras entidades comprometidas com essa causa.
Então, sem tentar extrapolar o tempo, exatamente porque a ideia é mais ouvir do que falar ou refletir em conjunto, vamos aos dados.
A primeira questão principal: o lugar que os homicídios ocupam nas mortes violentas. Temos, nesse primeiro gráfico, que fala sobre a taxa de mortalidade violenta por idade simples, uma significação expressiva do número de homicídios, sobretudo na faixa entre 20 e 30 anos. Isso vai ser uma constante nos dados que vamos observar. Quando desagregarmos os dados de uma série temporal, desagregarmos os dados por cor, a tendência de que a concentração de mortalidade violenta, concentrada entre 15 a 30 anos numa amplitude menor e com pontos críticos entre 20 e 25, ela se mantém.
Agora, há um dado, obviamente não pudemos trazer muito material sobre o mapa da violência, que é significativo. Há uma tendência recente de que esse pico venha se transferindo dos 20 para idades anteriores, ou seja, o pico de dramaticidade da violência está atingindo pessoas progressivamente mais jovens. Então, a tendência, que não fica tão evidente nesse gráfico, merece ser frisada também.
Pode avançar, por favor.
Aqui é um gráfico análogo e marca a taxa de homicídios por cem mil habitantes, de 2012, no Brasil, que é 29. É importante mantermos o número 29, porque esse é o número Brasil. Quando pegamos o Brasil e desagregamos por regiões, por cor, por idade e por sexo, vamos ver que alguns grupos da sociedade brasileira se encontram expostos a números exorbitantemente maiores do que a taxa média. Se fizermos um universo homogêneo da sociedade brasileira, teremos a taxa de 29. Progressivamente vamos ver que, em determinados setores, os números são bem diferentes.
Pode avançar, por favor.
Aqui nos temos uma série temporal do lugar, do homicídio juvenil, dentro dos homicídios. Em 1980, menos da metade dos homicídios eram homicídios juvenis. Esse número muda mais ou menos por volta de 1994. Quem acompanha a mídia, sobretudo a mídia dedicada à violência, consegue se lembrar mais ou menos de que os anos 90 foram anos tramáticos no que diz respeito à violência juvenil no Brasil. A partir deles, temos uma crescente, que segue mais ou menos até 2006, ou seja, mortalidade juvenil já é a maior parte da mortalidade violenta como um todo no Brasil. Ela atinge o seu número mais alto em 2005, 2006, com 55,8% e depois volta a cair, mas volta a cair num ritmo lento.
Pode avançar.
Aqui nós temos uma decomposição regional. Lembrando que a nossa taxa média nacional era de 29, se pegarmos 29 homicídios por 100 mil habitantes, se pegarmos o ano de 2012, vamos ver que Maceió tem 218,1 homicídios para cada 100 mil habitantes, número absurdamente maior do que a média nacional.
Pode avançar.
Aqui nós temos o pico de idade média, maior número absoluto de homicídios simples. No ano de 2012 nós tivemos 2.473 mortes, confirmando a tendência de que, entre 15 e 30 anos, temos o maciço da nossa violência, atingindo jovens cada vez mais nas regiões Norte e Nordeste e atingindo sobretudo a população negra, conforme vamos ver nos gráficos a seguir também.
R
Aqui é apenas uma exceção, só para fazermos um corte para percebermos o Brasil no panorama internacional. Então, nós temos a taxa de homicídio juvenil do Brasil comparado a outros países. A série está cortada ali no 21º país mais violento, que é o Iraque. O Brasil está bem à frente do Iraque, um país que vive uma situação de confronto, e há uma predominância dos países da América Latina, como podemos observar. Entre os dez primeiros colocados, praticamente todos, se não todos, são da América Latina.
Pode seguir.
Aqui, a decomposição da taxa de homicídios por população negra e por população branca. A taxa da população negra, nos últimos dez anos - quer dizer, nos dez anos avaliados pelo mapa -, oscila entre 75,8 e 80,7. A taxa de homicídios da população branca oscila entre 42,1 e 30,1, ou seja, ela está caindo. Mas não está caindo na mesma proporção em que a taxa de homicídios da população negra está subindo. A taxa de homicídios entre a população branca decaiu de forma um pouco mais acelerada do que sobe a taxa de homicídios da população negra.
Aí é o chamado homicídio negro. A decomposição por unidade da Federação segue a mesma lógica, ou seja, um padrão onde Norte e Nordeste começam a predominar da virada do século XX para o século XXI até os dias atuais, nesses primeiros 15 anos. Então, a sequência de exposição da população negra à morte violenta segue por ordem dos Estados: Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Distrito Federal, Goiás, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Rio Grande do Norte, Pará, Amazonas, Amapá. E observamos que os Estados da Região Sudeste predominam no hemisfério abaixo da média nacional. Temos um corte ali Brasil, que é 41,4. Rio e São Paulo estão abaixo dessa média - Rio um pouco abaixo, São Paulo bem abaixo.
Pode seguir.
Enfim, falando um pouco dos projetos que o Viva Rio tem desenvolvido nos últimos 15 anos, de enfrentamento desse cenário, o Viva Rio trabalha com uma diversidade muito grande de temas, mas particularmente se concentra na questão da formação policial e da articulação comunitária. Então, um dos projetos do Viva Rio que têm maior vigência dentro da Instituição é o curso de aperfeiçoamento da prática policial cidadã (CAPPC), que é de 2002. Portanto, é um projeto que tem 13 anos, desenvolvido em parceria com a Polícia Militar do Rio de Janeiro, e que consiste basicamente numa metodologia específica de trabalho de estudo de casos para policiais que fazem policiamento ostensivo. Ou seja, ao contrário de os policiais trabalharem com dados e conceitos apenas, eles trabalham com situações concretas, onde, em tese, o trabalho da polícia foi mal desempenhado, ou seja, onde o dever de levar segurança e assegurar os direitos do cidadão falhou. E os policiais em treinamento refletem a respeito dessa situação concreta. Esse trabalho é feito, sobretudo, com os policiais praças, soldados, cabos e sargentos, e agora também com os recrutas em formação no Centro de Formação e Aperfeiçoamento dos Praças do Rio de Janeiro.
O que podemos observar é que, tanto os policiais que já têm uma vivência maior, como os sargentos, quanto os policiais recrutas, que estão ingressando na corporação, ao final do curso, há uma mudança de discurso, ou seja, o reconhecimento de que assegurar direitos é uma função da polícia. Mas, por outro turno, não percebemos que o policial se desapegue do discurso de que o enfrentamento é a missão precípua da polícia. Então, tanto o policial muito jovem, ainda em formação, quanto o policial mais experiente, que passam por esse programa de reflexão sobre os atos que não foram cometidos por ele, mas foram cometidos por um colega de profissão dele, ainda assim, tem o etos do guerreiro, o etos do combate no seu principal referencial lógico do que é ser policial. Então, mesmo com treinamento - isso é uma coisa que tem sido muito difícil para nós desconstruirmos; eu trabalho no Viva Rio desde 2009, coordeno esse programa especificamente desde então -, nós não temos conseguido muitos avanços.
R
Nem com o advento das Unidades de Polícia Pacificadora, que requerem um redirecionamento muito forte de um policiamento, que, de fato, em tese, não vai encontrar um nível de combate tão alto, mas que vai ter que atuar dentro de uma política preventiva de maneira muito mais significativa, mesmo diante de um novo cenário. Hoje, temos dez mil policiais militares lotados nas comunidades ditas ou tidas como pacificadas. Desse número, praticamente todos passaram pelo programa. Os policiais lotados em UPP ou são policiais recém-formados ou são policiais, via de regra, com menos de dez anos de corporação. O programa já tem 13 anos, então, de certa forma, conseguiu atingir todo esse universo. Nas UPPs, a gente também identifica essa mesma dificuldade.
Um desdobramento desse programa foi o Curso de Cidadania e Acesso à Rede de Proteção Social, que é um programa exitoso, no sentido de que tem provocado, de maneira satisfatória, isso é verdade, a aproximação da polícia com atores da rede de proteção social local. Então, os centros de referência de assistência social, os centros especializados de referência de assistência social, os centros especializados para tratamento de álcool e drogas, conselhos tutelares, ou seja, os órgãos que embasam a garantia de direitos para a população pobre e jovem das nossas cidades, encontravam-se em dissintonia completa com a polícia, por questões que iam desde resistência de parte a parte até por uma questão de incompatibilidade administrativa. Ou seja, os programas de cada funcionário público, a sua função operava dentro de universos tão específicos que, de fato, eles não tinham problemáticas obrigatórias, então, nunca se encontravam, até a questão pura e simplesmente de desconhecimento.
(Soa a campainha.)
O SR. FABIANO DIAS MONTEIRO - Já foram 15 minutos?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FABIANO DIAS MONTEIRO - Dá para encerrar e a gente conversa mais. Então, o programa, de certa forma, tem provocado esse movimento, mas é uma coisa que está muito no início ainda. Ele vem sendo desenvolvido de 2011 para cá, mas é uma das coisas que a gente percebe que têm um caminho muito maior a percorrer do que, de fato, já foi percorrido.
Vou encerrar com o último eslaide, você pode adiantar para mim, que são as principais conclusões a que a gente chega, dentro do Viva Rio, através da execução desses programas nos últimos 15 anos.
Primeiro, investimentos em serviços básicos, evidentemente, são necessários, embora não sejam suficientes talvez. Maior investimento em educação, saúde, habitação e segurança, obviamente, fazem parte desse processo de enfrentamento à violência.
Uma mudança de filosofia nos processos de seleção e formação dos nossos agentes de segurança é fundamental. Se a polícia é preparada para o combate, ela não apenas vai reagir de maneira mais imediatista ao combate, como vai provocar o combate, vai produzir o confronto, num determinado sentido. Ela se reconhece como instituição feita para isso, feita para o uso da força, feita para o uso da arma. Qualquer atribuição que fuja desse referencial lógico se torna aparentemente estranha para as nossas polícias. Não por acaso temos números tão elevados de uso de arma de fogo e de letalidade policial. Então, mudar essa filosofia, mudar esse entendimento do que seja segurança pública é fundamental.
Empoderamento dos atores locais, desde lideranças religiosas até associações de moradores, lideranças comunitárias, pessoas autônomas que conduzem, com muito sacrifício, às vezes, projetos sociais, sem apoio do Governo e da iniciativa privada. Esses atores, gozando de uma invisibilidade, conseguem bons resultados, mas ninguém sabe e ninguém consegue replicar. Então, é fundamental dar visibilidade para essas iniciativas.
Coibição de práticas racistas, sexistas e homofóbicas dentro das corporações policiais é algo fundamental. A polícia é um lugar, ainda, do masculino, da exacerbação da masculinidade. Então, isso é uma coisa que precisa ser revista, apesar do número progressivo de mulheres nas corporações policiais.
Por fim, uma coisa essencial é a revisão da nossa lei de drogas. Uma política de drogas que confunde traficante e usuário produz uma quantidade absurda de mortes desnecessárias. Isso é um fato. Não tem como pensar em avançar diante dessas questões sem ter esses referenciais, pelo menos, como horizontes imediatos, para a gente seguir como próximo passo na nossa jornada.
Perdão por estourar o tempo. Obrigado pelo convite, mais uma vez. Estamos juntos. (Palmas.)
R
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada por sua intervenção. Não se preocupe com o tempo, nós temos que ser um pouquinho flexíveis mesmo, mas, como nós temos tempo para acabar, é que não podemos ultrapassar muito para também permitir um debate indispensável.
Vamos continuar, pela ordem de chamada, concedo a palavra a Ivan Contente Marques, do Instituto Sou da Paz.
O SR. IVAN CONTENTE MARQUES - Boa noite a todos e a todas, Exma Senadora Lídice da Mata, Senadora Fátima Bezerra, colegas de mesa e de luta.
Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer o convite ao Instituto Sou da Paz e parabenizar a iniciativa desta CPI em não só ouvir a sociedade civil, mas em investigar o que, indiscutivelmente, é o maior problema que o Brasil tem hoje em dia.
Antes de tudo, chamo a atenção para a necessidade de quebrar a nefasta insensibilidade da nossa sociedade perante as atrocidades que são as mortes violentas no nosso País. De que adianta dizer do impacto que isso gera hoje nas pessoas se durante a minha fala duas pessoas vão ser assassinadas no Brasil? Provavelmente jovens, negros e habitantes das periferias das grandes cidades do País. Está aqui o Átila Roque, que cunhou um termo excepcional para essa situação, uma vez que ele disse que a gente está vivendo uma epidemia da indiferença. E esse talvez seja o primeiro ponto que a gente precisa atacar para começar a tratar o problema das mortes violentas, dos homicídios de jovens, como eu vou colocar um pouco mais para frente, esse problema que a gente tem no País.
Eu vou dar alguns dados, eu não trouxe uma apresentação, e eu disponibilizo esses dados para quem quiser, enfim, o site do Instituto Sou da Paz está à disposição, mas a gente faz questão de compartilhar, porque muitos dados são discutidos e debatidos como ideologizados, os dados que a gente tira das pesquisas dizem o que querem.
Um dado a gente não pode dizer que é mentiroso, que é o dado de mortes, dado trazido pelo Ministério da Saúde pelo número de pessoas que morrem de maneira violenta no Brasil. E esse dado que eu trago, tirado também do mais recente mapa da violência, mostra que, entre 1980 e 2012, 497.590 jovens perderam suas vidas por arma de fogo. Isso corresponde a aproximadamente 56% do total de vítimas de homicídios no Brasil por armas de fogo.
Se a gente quer aprofundar aqui a análise do problema de homicídios de jovens no Brasil, é impossível não falar do instrumento que potencializa essas mortes. Essa discussão tem ganhado os jornais, tem ganhado a mídia, e é óbvio que o problema é muito maior e anterior do que a simples questão das armas. A gente tem que encarar uma realidade que mostra que o Brasil tem uma sociedade violenta. E isso não é um problema só do Brasil, é um problema de toda a América Latina. A violência letal, infelizmente, é uma das coisas que unem o Brasil aos seus irmãos latino-americanos. Se nós pegarmos Brasil, México, Colômbia e Venezuela, esses países correspondem a cerca de 25% dos homicídios totais no mundo; um quarto dos homicídios do mundo estão nessa região. Então, a letalidade violenta é um problema latino-americano, a gente precisa encarar isso de frente.
Quando a gente trata de armas, e o Instituto Sou da Paz está muito ligado a esse assunto desde a sua origem, a gente ouve o discurso de que países mais armados do que o Brasil têm o índice de letalidade menor, menos mortes e tudo mais. Só como base de comparação, um dado trazido pelo Coronel José Vicente, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que é a favor da manutenção do Estatuto do Desarmamento, do controle de armas em geral, diz que o Brasil é seis vezes mais homicida do que os Estados Unidos, onde todo mundo conhece o dado, a maioria das casas tem uma arma.
R
Mas justamente sabendo desse fato e genuinamente querendo solucionar esse problema é que a gente não pode importar soluções de outros países. A gente não pode querer comparar a realidade brasileira com a realidade europeia ou com a realidade norte-americana. A gente tem que olhar de vez para o nosso quintal, para este Brasil profundo, e ver o que deu certo e o que não deu certo do ponto de vista de políticas públicas de combate a essa violência letal.
Uma das questões que deram certo, uma das políticas públicas que foram muito bem sucedidas é a política estabelecida sobre controle de armas no Brasil, trazida pelo conhecido injustamente, Senadora, como Estatuto do Desarmamento. Eu digo injustamente porque é uma lei que trata muito mais do que simplesmente campanhas de entrega voluntária de arma ou desarmamento civil. Ela rege a vida toda da arma de fogo, desde a sua fabricação até o seu recolhimento, no caso de a arma ser usada para crime, e a sua destruição posterior.
Enfim, apesar de o Sou da Paz estar muito associado à questão do controle de armas, eu aproveito a oportunidade também para dizer que o instituto tem se debruçado sobre as questões de violência e suas potenciais soluções, desde 1999, desde a sua criação. A gente entende que o problema da violência é um fenômeno complexo e o combate à violência deve ser igualmente sofisticado, para que a gente possa, na sua totalidade, abranger as soluções possíveis.
Dessa maneira, o Sou da Paz vem trabalhando com diversas frentes, como a prevenção muito ligada à questão da justiça juvenil, aprimoramento de gestão pública de segurança, pesquisas originais, qualificação do trabalho policial, além de políticas de controle de armas, colaborando para um país menos violento e auxiliando na redução de crimes, principalmente ligados a homicídio e a roubo. Hoje a gente conta com 34 profissionais exclusivamente dedicados a auxiliar a redução de roubos e de homicídios no Brasil.
Eu trouxe, como eu disse no começo, alguns números que eu acho importante compartilhar aqui. São duas partes de duas análises diferentes que trazem um pouco o diagnóstico dessa realidade do homicídio de jovens no Brasil. O primeiro deles é uma pesquisa original do Instituto Sou da Paz que analisou todos os boletins de ocorrência ligados a homicídios, na cidade de São Paulo, entre janeiro de 2012 a julho de 2013, ou seja, três semestres de estudo analisando todas as ocorrências de homicídio.
Na segunda parte da minha fala, eu vou colocar um pouco a problematização da necessidade do controle de armas na redução do homicídio de jovens no Brasil, utilizando uma pesquisa original que o Instituto Sou da Paz lançou recentemente em parceria com o Ministério Público, com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e também do mapa da violência.
Falando da primeira parte, essa pesquisa, como eu disse, foi uma análise dos homicídios ocorridos, na cidade de São Paulo, entre janeiro de 2012 e julho de 2013, que comprova um pouco aquilo que, há muito, vem sendo dito sobre o perfil das vítimas de homicídio no Brasil inteiro. São Paulo, a cidade mais populosa do Brasil, acaba contendo um pouco do Brasil dentro da sua diversidade e a gente consegue perceber, nos números trazidos na cidade de São Paulo, um pouco do que é o resto do País, apesar dos grandes esforços na redução de homicídios, do ano de 2003 para cá.
Alguns dados: foram analisados 1.983 boletins de ocorrência de homicídio doloso, sendo que esses registros acabaram trazendo 2.156 vítimas. Da motivação de homicídios dolosos, temos duas frentes muito distintas: os boletins de ocorrência e os registros policiais que ensejam autoria conhecida, ou seja, sabe-se quem cometeu o crime, e autoria desconhecida. Sendo a autoria conhecida ou não, a gente consegue dizer, pelo laudo pericial, como foi a morte ou, pelo menos, ter alguma ideia de por que essa morte ocorreu. E chama a atenção, dos de autoria desconhecida, que 22,2% dos casos totais são indícios de execução, pessoas que foram assassinadas de maneira proposital e que acabaram tendo indícios no seu corpo, no laudo cadavérico, de que foram executadas.
R
Os de autoria conhecida, e isso se liga muito com esse panorama de sociedade violenta que a gente precisa enfrentar, 37,1% desses crimes têm origem em discussões ou relações interpessoais. Ou seja, as pessoas se conheciam ou, por algum entrevero do dia a dia, acabaram matando, cometendo homicídio.
Quando a gente olha para a idade desses mortos, dessas pessoas mortas nesses casos, 3,8% dos de autoria conhecida tinham de 0 a 14 anos. Então, o dado que o Fabiano traz de que a gente vem reduzindo a idade daqueles que sofrem com homicídio no Brasil, essa pesquisa já é um pouco mais antiga, mas já começa a mostrar indícios de que isso aparece.
Quando a gente pega a idade, que talvez seja o grande mote aqui desse nosso encontro, que é de 15 a 29 anos, os jovens, a gente tem quase 40%, 39,9% dos homicídios dolosos de autoria conhecida são jovens de 15 a 29 anos. E o número de autoria desconhecida não muda muito, de 32,9%; e aí de 30 a 44 anos, 27,8%. Ou seja, a grande maioria das pessoas que sofrem com o homicídio é de jovens.
Quando a gente olha com uma lupa um pouco mais forte para essa questão de quem são esses jovens, separando por idade, a gente tem, de 15 a 17 anos, 13,4% dos mortos; de 18 a 24 anos, 51,5%. Ou seja, é uma idade bastante específica. Mais da metade dos jovens vítimas de homicídio têm entre 18 e 24 anos.
E aí eu me permito fazer um parêntese aqui. Na Câmara dos Deputados, hoje, está em tramitação um projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento, que é uma lei que conseguiu controlar os homicídios no Brasil desde 2003, como diversos especialistas colocaram.
Esse projeto de lei tem um ponto que é crucial para essa nossa discussão, porque ele reduz a idade mínima para obtenção da posse da arma de fogo de 25 para 21 anos. E aí fica a pergunta no ar: a quem interessa colocar arma na mão de justamente quem mais morre no Brasil? Fica essa questão.
E o meio empregado, como já era de se esperar: 61,2% de todos esses homicídios são cometidos através de uma arma de fogo. Arma branca, que tem causado grande discussão nos últimos tempos por conta do fatídico episódio no Rio de Janeiro, correspondeu em São Paulo, nessa pesquisa, a 16% dos homicídios. Esse é um pouco do panorama que a gente encontrou na cidade de São Paulo analisando os boletins de ocorrência.
A segunda parte dessa minha fala é um pouco para problematizar a questão da arma de fogo, que, como a gente comprovou nessa pesquisa e outros levantamentos no Brasil também trazem o mesmo dado, arma de fogo é um catalisador do problema da violência no Brasil, principalmente quando a gente fala do homicídio de jovens no País. É impossível analisar o problema de homicídios no Brasil sem falar do problema do controle de armas de fogo.
Hoje, a gente tem plena consciência de que o objeto preferencial usado para cometer homicídios no Brasil tem nome e sobrenome: é um revólver calibre 38, nacional, no máximo uma pistola, com fabricação anterior a 2003. E a gente evita fazer propaganda, mas a gente tem até o nome do fabricante da arma. Essa é uma informação que a indústria de armas no Brasil - e a gente não pode achar que a indústria de armas é uma entidade diversa, com a categoria econômica enorme - é uma fábrica de armas, uma fábrica de munição.
Essa indústria não gosta, Senadora, que a gente conte um pouco como é esse levantamento porque o modelo, o calibre, a origem da arma não são o fuzil. Não é o que aparece na televisão como sendo a arma de guerra, de grande potencial ofensivo, a arma que é usada para exterminar a nossa juventude não é a metralhadora. Ela é o revólver calibre 38.
(Soa a campainha.)
O SR. IVAN CONTENTE MARQUES - E por que a indústria não gosta que a gente fale disso? Porque a arma que é vendida para o cidadão de bem, essa figura... Todo mundo é cidadão de bem até o dia em que perde a cabeça e usa a arma de fogo para cometer uma atrocidade ou faz qualquer coisa contrária à legalidade.
R
Mas é a arma que é vendida para esse suposto cidadão de bem se proteger, para proteger a integridade da sua família e da sua propriedade. É essa arma que cai na mão do crime e a arma que ajuda nos índices de conflitos interpessoais. É a briga de vizinho que, por ter uma arma presente, acaba se provocando uma fatalidade. É, como a gente vê toda semana nos jornais, a briga de marido e mulher que, pelo fato de a arma estar presente, o que poderia ser uma agressão - que já é uma fatalidade - vira uma morte.
Então é esse tipo de informação que a indústria não gosta que a gente conte. Em uma das pesquisas que o Sou da Paz fez recentemente, em parceria com o Ministério Público, nós analisamos todas as armas dos crimes nos anos de 2011 e 2012 apreendidas pela polícia na cidade de São Paulo. Foi amplamente divulgada essa pesquisa e, ali, a gente viu que a origem dessa arma quebra um outro mito trazido por esse debate sobre armas de fogo. Arma não vem de fora, arma é fabricada no Brasil e ela fica no Brasil. Ela fica em São Paulo, a pesquisa teve a cidade de São Paulo como escopo. A gente viu que a esmagadora maioria dessas armas foi comercializada em São Paulo, foi perdida em São Paulo - seja a empresa de segurança ou o suposto cidadão que comprou a arma para se defender -, perdeu essa arma e ela foi usada no crime na cidade de São Paulo. Apreendida pela polícia, muitas vezes ela é devolvida para o seu dono de origem e esse dono perde mais uma vez, a polícia apreende novamente; ou seja, a vida útil dessa arma no crime dura anos.
Então, obviamente, o Brasil tem um problema de fronteiras, a gente precisa controlar fronteiras, mas, se a gente quiser resolver o problema da violência, o problema do homicídio, a gente precisa olhar para o nosso quintal, a gente precisa resolve o nosso problema de controle de armas.
E aí eu trouxe alguns dados. Finalizando aqui para também não exceder muito o meu tempo. De 1993 a 2003, os homicídios causados por armas de fogo subiram de 17 mil, em 1993, para 36 mil em 2003. Foi um crescimento de 112%. Então, quando a gente quer falar de homicídio, a gente tem que falar de arma de fogo. Se a gente falar dos jovens: de 1980 a 2012, como eu coloquei, foram quase 500 mil jovens assassinados por arma de fogo. Em 2012, foram 75.553 óbitos de jovens, sendo que 24.882 por arma de fogo. Um em cada três jovens morreu por arma de fogo. A maior causa de morte de jovens hoje no Brasil é o homicídio por arma de fogo. Só para comparar, a segunda maior causa, como o Fabiano trouxe, é a questão das mortes no trânsito. O HIV, que é outra questão importante, muito difundida, com muitas campanhas do Ministério da Saúde, tudo o mais, matou 12 mil pessoas no total - entre jovens, adultos, crianças - em 2012. Armas de fogo mataram 15 vezes mais, se a gente for contar jovens. São 116 mortes por dia. Lembrando outro episódio da triste história paulistana, o Massacre do Carandiru matou 111 pessoas. Hoje, morrem 116 pessoas por dia.
Enfim, muitos dados, que eu disponibilizarei depois, mas, para concluir a minha fala, eu queria deixar a seguinte mensagem: o que a gente pode fazer frente a essa calamidade, esse discurso bastante triste da realidade brasileira? A primeira coisa a se pensar é, de fato, tirar da gaveta o nosso pacto nacional para redução de homicídios. Isso precisa ser uma coalizão do Congresso nacional, Câmara e Senado, Executivo, Governos Estaduais. Enfim, é preciso dar vazão a essa força reprimida - que é um pacto nacional de redução de homicídios -, precisa caminhar.
Por honestidade e também por participar de movimentos recentes do Ministério da Justiça, a gente precisa do apoio do Congresso para que esse pacto seja encaminhado da melhor maneira possível e que, de fato, saia do papel.
Como eu disse, o Sou da Paz é muito ligado à questão do controle de armas e a esse levantamento que as armas de fogo têm nos homicídios no Brasil.
R
Então, o que fazer? Desarmar a população é o bastante? E aí eu uso desarmar, porque o recolhimento de armas, a entrega voluntária é importante; e vários estudos também aqui disponibilizados comprovam isso. Mas é o bastante? Não, não é o bastante, mas desarmar é o requisito fundamental para limitar e cercear as condições e oportunidades de manifestação de violência letal. É para briga de bar não virar uma morte.
É preciso ir além, buscando tirar a centralidade da arma para resolução dos conflitos interpessoais para combater a violência e a sua manifestação criminosa, diminuindo a impunidade, entre muitas ações. Para o problema das armas a gente precisa, sim, implementar uma lei de 2003, que é tão surrada e que a cada ano acaba sendo bastante modificada, que é o Estatuto do Desarmamento. É a lei de controle de armas no Brasil.
Desde 2003, essa lei não foi implementada em sua totalidade, por uma série de questões técnicas que ajudariam a gente a reduzir homicídios, mas a grande realidade, o diagnóstico é que nós ainda não implantamos talvez a melhor lei de controle de armas que o Brasil já teve em sua história - talvez não, seguramente, a melhor lei de controle de armas que o Brasil já teve.
E aí eu volto a me referir à Câmara dos Deputados e à Comissão Especial que tem tratado dessa revogação, em vez de a gente gastar recurso público, energia, tempo dos nossos Parlamentares, para revogar uma lei que ainda precisa ser implementada e, apesar de não ter sido implementada em sua totalidade, já produziu efeitos magníficos, por que não trabalhar para um pacto nacional de redução de homicídios?
Finalizando, a epidemia da violência é algo posto, os dados de morte são inegáveis e dificilmente a gente encontra alguém que tenha a coragem de refutar esses dados. Por outro lado, é algo que o Brasil já convive há tanto tempo, com uma estranha naturalidade, normalizando a morte de jovens adultos, enfim, que é preciso fazer alguma coisa.
A gente precisa enfrentar agora o que o Átila colocou como essa epidemia da indiferença, para que a gente possa recuperar esse tempo perdido e estancar essa ferida aberta, se é que ainda dá tempo de estancar essa ferida.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Passando a palavra à primeira voz feminina entre os convidados a se pronunciar, concedo a palavra para Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, do Geledés.
A SRª MARIA SYLVIA APARECIDA DE OLIVEIRA - Obrigada, Senadora Lídice, principalmente pelo convite para participar desta audiência pública. Boa noite a todas e a todos. Eu quero dar aqui um abraço fraternal aos membros da Educafro.
Nós estamos aqui, somos sobreviventes. Bom, o Geledés Instituto da Mulher Negra é uma organização não governamental, fundada em abril de 1988, cuja missão institucional é educar e transformar a sociedade brasileira, para eliminação da discriminação racial e sexual e pela universalização efetiva dos direitos sociais, civis e constitucionais inerentes à cidadania, combatendo, prioritariamente, a marginalização da população negra.
Essa missão do Geledés está intrinsecamente ligada com sua área mais estratégica de sua atuação que é a área de direitos humanos. Eu creio que não dá para a gente conversar sobre homicídios de jovens sem fazer um recorte racial; então, eu vou trazer aqui um pequeno histórico, se eu estiver enganada em algum dado me perdoem, mas, dentro dessa ótica, o Geledés denuncia a violência racial e policial, já que essa atuação do Estado, através de agentes de segurança pública, revela o lado mais perverso do racismo institucional, que é o extermínio de jovens negros, o que se configura em uma grave violação de direitos humanos.
Bom, a denúncia da participação desproporcional de negros, como vítimas de homicídio, não é assunto recente no Brasil.
R
O Movimento Negro Unificado foi fundado no ano de 1978 em um ato público em São Paulo e denunciava dentre muitas outras violências sofridas pela população negra, a tortura e morte de um homem negro nas dependências de uma delegacia de polícia.
No ano de 1995, o movimento negro entregou ao então Presidente Fernando Henrique Cardoso o documento "Marcha Zumbi dos Palmares contra o racismo, pela cidadania e pela vida", que afirmava no capítulo referente à violência que, de 1970 a 1992, a Polícia Militar de São Paulo já havia matado quase 8 mil pessoas. Destas, 4.170 eram vítimas identificadas e 51% eram negras. E naquele período, segundo os dados do IBGE, os negros somavam em São Paulo 25% da população. Aquele documento informava ainda que a estratégia de repressão alternava agressões policiais, prisões arbitrárias, tortura, extermínio e que naquela estratégia o principal alvo era o homem negro.
Na área de estudos da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo, uma tese de doutorado, "Racismo e Saúde", também afirmava que os índices estatísticos disponíveis à época sobre mortes violentas revelavam que homens negros tinham mais riscos do que os brancos de morrer por homicídios. A autora da tese, Maria Inês da Silva Barbosa, escreveu: "O perfil de mortalidade do homem negro oferece possibilidades de compreensão das condições da vida da família negra, em sua maioria, pautada pela carência em moradia, instrução, emprego e renda, onde se encontram em maior proporção as chefias de mulheres".
Bom, dez anos depois à Marcha Zumbi dos Palmares de 1995, durante a Marcha Zumbi + 10, participantes fincaram no Congresso Nacional trezentas cruzes pintadas de preto simbolizando a violência e a morte de jovens negros no País. O Geledés, em 2009, elaborou um trabalho em parceria com a Global Rights Partners for Justice, com o título "Violência racial: uma leitura sobre os dados de homicídio no Brasil". Nesse trabalho, o Dr. Rodnei Jericó, que é coordenador do SOS Racismo do Geledés, e Suelaine Carneiro, coordenadora da área de educação, fizeram uma análise de dados de homicídios e utilizaram o relatório "Mortes por armas de fogo no Brasil", realizado em 2005 pela Unesco, com dados do subsistema de informação sobre mortalidade, do Ministério da Saúde, e o período analisado era de 1979 a 2003, além de dados do IBGE de 2007.
No período analisado, em 1979, 2.208 jovens morreram por armas de fogo, o que representava 31,6% do total de vítimas. Mas, em 2003, esses dados passam para 16.345 jovens, 41% do total de vítimas de armas de fogo. E a grande maioria, o maior número dessas vítimas, era de jovens negros. Na conclusão desse trabalho "Violência racial: uma leitura sobre os dados de homicídio no Brasil", informa-se que diferentes fatores interagem na produção da violência letal. Mas é inegável que a cor é a única variável que está presente em todos os campos de análise. O racismo coloca negros no topo do ranking de vítimas de mortes violentas. Os quase 350 anos de escravidão continuam a determinar que negros e negras no Brasil são seres humanos destituídos de direitos e portadores de uma humanidade incompleta, naturalizando a exclusão e a marginalização dessa parcela da população. O racismo estrutura e determina as relações raciais brasileiras e incide nas condições precárias de vida da população negra. Não dá para a gente não associar as condições particulares a que está exposta a população negra no Brasil com o disposto na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948.
R
O seu art 2º define genocídio como sendo qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tal como:
a) assassinato de membros do grupo;
b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial;
d) medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) transferência forçada de menores do grupo para outro grupo.
Os negros são os mais vulneráveis à violência, particularmente a letal. A desvalorização de sua vida é um fato que chegou aos dias atuais como uma consequência direta de uma sociedade que não se livrou dos resquícios de um passado escravocrata, onde os escravagistas podiam dispor do corpo negro, já que a lei civil o identificava como coisa e propriedade.
Infelizmente, a preponderância de negros nas taxas de homicídios e a perda de vida desses jovens em fase criativa, produtiva e reprodutiva, até o momento, não vinha recebendo o devido destaque na discussão sobre a mortalidade da juventude brasileira, essa grande parcela da população que integra grupos que se encontram tradicionalmente sem acesso aos bens e serviços disponíveis.
O problema é que a naturalização de que o negro não seria dotado da mesma humanidade do que um branco implica a absoluta aceitação das conhecidas desigualdades sociais que marcam essa sociedade, sendo que a divulgação de dados sobre essa realidade não são acompanhados de medidas eficazes no combate às desigualdades raciais.
Conforme já dissemos, é o racismo que estrutura e determina as relações sociais no Brasil, fundada num passado de quase 350 anos de escravidão e 127 anos de uma abolição inconclusa.
Bom, tudo isso que eu já falei aqui determina, entre outras coisas, as truculentas abordagens policiais que são justificadas pela Polícia Militar, com o clássico: "Apenas seguimos o procedimento padrão na abordagem de suspeito". A questão é que negros são potencialmente suspeitos na visão racista da PM. Uma invenção jurídica denominada auto de resistência legitima a gritante ilegalidade dos assassinatos dos jovens negros pelos agentes de segurança do Estado.
Falando um pouquinho de São Paulo, o relatório Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial informa que o Estado de São Paulo seria o que se encontra em melhor situação em razão do que eles consideram uma baixa taxa de incidência de mortalidade de jovens negros.
Bem, existem alguns dados aqui do IBCCrim, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que eu não vou repetir porque eu acho que o Ivan já falou sobre isso, que é a questão de que a polícia paulista mata mais do que a polícia americana, só que o detalhe é que a população dos Estados Unidos é muito maior do que a de São Paulo.
Quando a gente olha para os dados disponibilizados pela Ponte - Segurança Pública, Justiça e Direitos Humanos, de janeiro de 2014 até novembro, 816 pessoas foram mortas por policiais militares no Estado de São Paulo.
Bem, eu acho que um dos grandes problemas que nós temos em São Paulo é que a gente não consegue um diálogo com o Governo do Estado, eles não se pronunciam a respeito das nossas intervenções, não se manifestam, e a gente acaba por acreditar que a estratégia é: o que a gente não discute ou o que a gente não põe nome não existe.
R
Eu tenho um vídeo de um grupo de organizações não governamentais em São Paulo que se reuniram para discutir uma rede de proteção para a juventude periférica.
E se você puder passar esse vídeo rapidamente.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
A SRª MARIA SYLVIA APARECIDA DE OLIVEIRA - Estava presente nessa audiência, na zona sul de São Paulo, que é a zona que mais sofre, é a primeira... A primeira, não, a segunda, porque a primeira é zona leste. Estavam presentes nessa audiência pública a Comissão da Verdade da Democracia, Mães de Maio, Comitê Social Civil Juventude e Resistência, o Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o Secretário de Direitos Humanos do Município, Eduardo Suplicy, que se comprometeram a levar essa pauta ao Governo do Estado de São Paulo, que se recusa a conversar praticamente com os movimentos sociais e também trazer essa pauta para o Governo Federal, para tentar minimizar, pelo menos, o índice de mortalidade de jovens negros nas periferias de São Paulo.
Paro por aqui, qualquer questão, a gente...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Debate depois.
A SRª MARIA SYLVIA APARECIDA DE OLIVEIRA - Debate depois. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Com a palavra, Nazaré Costa da Cruz, da Coordenação Nacional de Entidades Negras.
A SRª MARIA DE NAZARÉ COSTA DA CRUZ - Boa noite a todas e todos. Eu gostaria de saudar os meus mais velhos e os meus mais novos, a Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) tem 23 anos de atuação, é uma rede de organizações, várias organizações filiadas em todo o Território Nacional.
Obrigada pelo convite, Senadora, obrigada a todos e todas que estão aqui.
Começo a minha fala dizendo que contrariamos as estatísticas, porque, ao nascer negra neste País, a gente já nasce, praticamente, com uma predestinação. Se for homem, então, tem pouca possibilidade de sobrevivência.
Vou pedir para passar um vídeo porque, depois, no decorrer da minha fala, vou utilizar um pouco os elementos.
Sou do Pará, de uma periferia chamada Terra Firme, que, ano passado, sofreu uma chacina que ganhou repercussão nacional. Então, venho compartilhar um pouco dessa dor que a gente sentiu lá com os outros irmãos das outras regiões também.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
R
A SRª MARIA DE NAZARÉ COSTA DA CRUZ - Esse é um pequeno trecho do documentário que um grupo de jovens do bairro Terra Firme produziu após a chacina de novembro. É um coletivo de jovens comunicadores e, com a ajuda das mídias alternativas, ganhou repercussão nacional. Eles produziram, fala, na verdade, de outras chacinas que ocorreram em Belém, mas eu vou me deter especificamente a essa de novembro. O grupo de chama Tela Firme, vocês podem encontrar no YouTube, "Poderia ter sido Você" é o nome do documentário que o grupo produziu.
O sistema escravocrata no Brasil foi uma grande anomalia, 350 anos de escravidão, praticamente quatro séculos. Vivemos e convivemos com a herança perversa do sistema colonial, onde a população negra, em especial os jovens negros, é cruelmente assassinada ao longo desses anos de "abolição" - entre aspas -, pelas ruas deste País. Sofrem a face mais cruel do racismo. Já nascem predestinados à morte. Sofrem várias violações de seus direitos. É com essa herança do colonialismo que lidamos cotidianamente neste País.
Os companheiros e a companheira que me antecederam mostraram vários dados oficiais do mapa da violência e outras pequisas que alguns institutos vêm fazendo e é um absurdo o número de mortes de jovens negros neste País. Aí, não dá mais para a gente aceitar esse tipo de mortalidade. Não dá para naturalizar essas mortes. Não dá para o Estado brasileiro tratar da vida dessas pessoas dessa forma. Aliás, nem trata da vida dessas pessoas, porque essas pessoas não têm direito à vida. Viola o principal direito do ser humano que é o direito à vida. A nossa juventude negra não tem direito à vida. Não tem direito de escolha.
Quando o documentário diz que poderia ter sido você e diz que esse jovem foi executado com 16, com 20, com 33, com 25 anos, quantos jovens não foram executados?
R
O que esses jovens poderiam ser? Precisamos fazer essa reflexão. Mas há algo mais profundo ainda, que é a banalização da morte negra. Parece que o Estado brasileiro, a sociedade brasileira, não se comove com a morte dos jovens negros. Há várias pesquisas. O próprio Estado produz pesquisas. As estatísticas estão aí para provar que, desses jovens que são assassinados, 77% são jovens negros, mas não se toma uma medida eficaz com relação a isso. Não dá mais para a gente ficar no campo do debate. Nós não temos condições de esperar. Há quanto tempo a nossa população vem sendo exterminada? O projeto genocida continua, só que dessa vez de uma forma mais efervescente, eu diria, porque cada vez mais cedo esses jovens estão sendo assassinados. Assassinados, não, os jovens negros são executados, porque eles quase nunca são assassinados com um tiro ou dois tiros. Geralmente, com cinco, sete, treze tiros. Isso é execução, isso não é assassinato. O Estado brasileiro precisa se responsabilizar por isso. Não dá mais para oferecer políticas paliativas que não parem a bala. A política precisa parar... Tem que haver um programa que pare a bala. Alguém precisa parar essa matança. Quem é responsável por isso? Essa matança acontece com uma licença, com uma permissão de se matar.
Esses jovens negros são apenas estatística, eles não têm identidade. Eles não têm nome, eles não têm família, eles não têm histórico de vida. Quando a mídia, que também pratica o racismo, fala desses jovens, criminaliza esse próprio jovem pela sua morte. Quase nunca aparece seu nome. É só mais um. Todos os dias, principalmente nas páginas policiais do meu Estado, nos jornais, são quatro ou cinco corpos estirados no chão, e quando se vai olhar, são corpos negros. Esses corpos não têm história. E a dor dessas mães, que enterram diariamente seus filhos?
Então, não dá para generalizar e dizer que toda a juventude brasileira morre. É verdade, a juventude brasileira morre, mas a juventude negra morre mais ainda. Ela está sendo assassinada, ela está sendo impedida de viver. É diferente. Não tem a possibilidade de escolha, não tem a possibilidade de viver. Eu tenho um filho de quatro anos, e eu fico pensando: será que meu filho vai viver aos 16, aos 30? Que tipo de projeto eu posso pensar para ele em uma sociedade racista, em uma sociedade que pratica esse genocídio diariamente? A arma letal é o último suspiro, porque as periferias das cidades são ausentes de políticas públicas, não têm equipamento de cultura e de lazer. Não temos escola de qualidade na periferia. A população negra ainda é, hoje, tratada como cidadãos de segunda categoria.
Vivemos a face perversa da herança do colonialismo, quase quatro séculos de escravidão negra neste País, e este Estado não consegue entender que o racismo é estruturante, que esta sociedade é criada, que o Brasil é criado em um sistema racista. A consequência desse racismo, a consequência nefasta, quem sofre é a população negra, e agora a nossa juventude negra. Agora não, porque não vem de hoje. Agora, as estatísticas estão mostrando, as pequisas chamadas oficiais estão mostrando, mas nós sempre soubemos disso e, como a companheira bem colocou, quando o movimento negro unificado surge, ele surge denunciando isso. Quantas organizações hoje não fazem essa denúncia diariamente?
Eu entendo que esta CPI também é fruto de uma luta do movimento. A gente faz pressão, a gente pauta, mas a gente tem limite. Esta Casa precisa dar uma resposta, o Congresso precisa dar uma resposta, o Governo brasileiro precisa dar uma resposta concreta. Não dá mais para a gente ficar no campo do achismo e ficar acreditando que a gente pode ter um País melhor, matando-se vinte, trinta jovens diariamente. Como é que a gente vai ter? O processo de racialização do País continua. Não deu muito certo no século passado, mas parece que continua. O processo de embranquecimento não funcionou muito, mas agora vai funcionar, porque estão nos eliminando. A ideia é nos tirar do mapa.
R
Nós da Conen entendemos que, para isso, é preciso associar uma série de políticas preventivas, políticas que funcionem, políticas que sejam articuladas nos territórios considerados vulneráveis. Mas não dá para fazer política sem orçamento. Não dá para pensar política pública para população negra, que é mais de 50% da população deste País, sem orçamento. Não dá para pensar política de juventude sem ter orçamento. A única sinalização que nós temos pelo Poder Público de uma política para a juventude é o Juventude Viva, mas é um programa que ainda não consegue parar a bala; é um programa que não tem orçamento próprio. Se não tem orçamento, como é que tem compromisso? Como é que se faz política sem orçamento? Política para negro se faz sem orçamento só se for a política da matança, porque a política da vida não tem como; não tem como impedir que esses jovens sejam assassinados se não houver um programa eficaz que funcione nos territórios vulneráveis, que funcione, de fato, na periferia, na favela. Que esses espaços sejam tratados como espaços que façam parte da cidade; não espaços onde ficam os bolsões de miséria, a falta de saneamento e onde todos os problemas da cidade são colocados. Parece que nós estamos por nossa própria conta. Parece que nós não temos uma representação do Estado. Parece que nós não fazemos parte do Estado brasileiro. O Estado brasileiro é extremamente racializado: há espaços determinados para a população negra e espaços para a população não negra. Nós precisamos acabar com isso. Nós estamos no século XXI. Essa população construiu e continua construindo este País.
Então, que esta CPI possa dar respostas, possa visitar os Estados, possa dialogar com as famílias desses jovens. Porque eles têm famílias. Eles poderiam ter tido a possibilidade de ser o que eles quisessem ser, mas o jovem negro não tem essa possibilidade de escolher seu caminho. Essa escolha é cerceada e, muitas das vezes, com a autorização do Poder Público, porque muitas dessas mortes são feitas em confronto com a polícia. São execuções de policiais que estão a serviço do Estado e que deveriam estar ao nosso serviço, como cidadãos. Mas, como o Estado não nos reconhece como cidadãos, esses policiais também não nos reconhecem como cidadãos, como membros que fazem parte dessa sociedade que também contribui para o pagamento do seu salário.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA DE NAZARÉ COSTA DA CRUZ - Para eles, nós somos um eterno inimigo.
Nesse sentido é que venho falar um pouco. E, aí, eu termino a minha fala dizendo que, em relação a essa chacina que aconteceu, nos dias 4 e 5 de novembro, lá no Pará, em que mais de 16 jovens foram executados, houve um processo de investigação pela Assembleia Legislativa por meio do qual foi produzido um relatório pela CPI, chamada CPI das Milícias, que comprova o envolvimento de policiais que trabalhavam para a milícia nesse processo. E isso é muito grave, porque há uma responsabilidade do Estado.
Então, que esta CPI também possa apurar esses casos nos mais diversos lugares do Brasil, porque, infelizmente, não é um caso isolado do Pará. Isso acontece no Pará; isso acontece em Salvador; isso acontece em São Paulo; acontece em vários Estados da Nação brasileira. Que esta CPI possa dar uma resposta e, principalmente, uma resposta que pare a bala e que pare de matar os jovens negros.
Obrigada. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Muito obrigada também à Maria de Nazaré, representante do Conen.
Eu queria pedir um favor aos dois que estão mais próximos a mim e que falaram primeiro, o Fabiano e o Ivan, que voltassem para a plateia, e nós pudéssemos trazer os dois, porque nos falta microfone. Então, nós precisamos do espaço da mesa. Deixem as duas moças e troquem os dois rapazes.
Enquanto isso, eu vou ler aqui as perguntas ou comentários que chegaram através do portal e-Cidadania.
Anna Flavia Schmitt pergunta: "Por que motivos os assassinatos contra o jovem do interior e das pequenas cidades litorâneas do País quase não são pauta nos debates? Porque nessas localidades não rendem eleitores?".
Olha, Anna Flavia, é claro que não. Nós estamos tendo, aqui, primeiro, as audiências públicas estão sendo feitas com as entidades que, no geral, estão nos apresentando os resultados de pesquisas e muitas delas falam de cidades do interior do País.
R
No entanto, a concentração maior se dá nas grandes cidades, o que é um resultado da incidência da violência. Isso não quer dizer que nas pequenas cidades não ocorra a violência.
Nós estamos, agora, iniciando as visitas aos Estados, como foi lembrado aqui pela Srª Maria de Nazaré. Nós estaremos indo aos Estados, provavelmente a partir da próxima semana, e em cada Estado vamos às cidades definidas ou selecionadas pelos Senadores de cada Estado. Então, haverá oportunidade, sim, para ouvir as cidades do interior, além da possibilidade de contato permanente, através dos diversos canais de comunicação do Senado.
Alan Martins pergunta ao Fabiano Monteiro: "Por favor, você pode comentar a respeito da tríade redução da idade penal, genocídio da população negra, legislação sobre drogas. Como isso pode aumentar ou reduzir a matança de jovens?"
Essa pergunta é especialmente para o Dr. Fabiano.
Finalmente: "O assassinato de jovens negros tem alguma relação com os episódios de excesso e violência policial gerados pelos esteriótipos sociais?" Essa pegunta é de Ezequiel Soares, do Distrito Federal.
Os próximos senhores a se pronunciarem, representantes das entidades, podem inclusive tentar responder a essas perguntas e esses comentários que foram colocados.
Nesta segunda fase, eu queria pedir, portanto, que viessem integrar a Mesa o companheiro Hamilton Borges dos Santos e Átila Roque; e logo depois da palavra dos dois, eu vou abrir para a palavra do Frei David, como se fosse integrante desta Mesa, claro que com a concessão da Senadora Fátima.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Senadora, enquanto os nossos convidados estão tomando assento, eu queria também fazer um comentário. Primeiro, quero parabenizar a Nazaré, o Fabiano, a Sylvia e o Ivan. Ivan é filho de Castilho? Castilho, Senadora, pai de Ivan, vem a ser o nosso Secretário-Executivo que cuida do PNLL, que, aliás, tem muito a ver com o que nós estamos conversando aqui. O que é o PNLL? É o Plano Nacional do Livro e da Leitura, que é, aliás, uma política pública muito saudável e muito importante.
Enfim, queria só parabenizar vocês pelo relato que aqui fizeram com muita propriedade, com muita clareza e com muita contundência, até porque a realidade exatamente expressa isso. E dizer, Nazaré, a você que foi mais enfática ainda, que, no âmbito aqui do Congresso, nós temos um foco e temos o dever e a obrigação de fazer com que o Congresso Nacional possa atuar diretamente, a meu ver, priorizando dois caminhos, duas linhas de ação: primeiro, em parceria com a sociedade - e é para isso também que a CPI quer chamar a atenção - tentar travar a agenda conservadora em curso no Congresso Nacional. Vocês estão acompanhando e sabem muito bem o que está em curso. Isso vai desde questão da redução da idade penal até a flexibilização do Estatuto do Desarmamento. E não tenhamos ilusões. Eu sou daquelas, como a Senadora Lídice, que acham que nós só conseguiremos barrar essas iniciativas se houver muita mobilização de fora para dentro, houver muita pressão, muita mobilização muita participação da sociedade. E vocês, pela legitimidade dos movimentos representam, têm um papel muito importante a cumprir.
R
Para concluir, a outra contribuição que o Congresso e a CPI têm a dar é no que diz respeito à questão do orçamento. O orçamento é para quê? Para dialogar com as políticas públicas. Vocês aqui chamaram a atenção, por exemplo, para o Plano Juventude Vida, um plano muito bom, bem formulado, um plano que, enfim, dialoga com o drama, com a realidade que é o assassinato dos jovens, mais fortemente, claro, os jovens negros. Mas esse plano precisa de orçamento, precisa de financiamento, assim como as políticas no campo da educação.
Eu gostei do panfleto do Frei David, que diz Pátria Educadora com exclusão? Assim não. (Palmas.)
Claro. Eu sou professora, Frei David, do Rio Grande do Norte, da rede básica. Tenho mais de trinta anos da minha vida dedicados, muito voltados à luta em defesa da educação. Tive o prazer, como Deputada Federal, nos três mandados que exerci, de ter sido uma das idealizadoras da Lei do Piso Salarial. Fui relatora do Fundeb, uma das articuladoras do Plano Nacional de Educação, e hoje estamos, junto com a Senadora Lídice, também atuando no campo das políticas do livro, da leitura. Estamos aqui hoje muito vigilantes exatamente para tirar o PNE do papel. O PNE, a meu ver, é uma aposta muito bonita, do ponto de vista de ampliar o horizonte no que diz respeito à democratização do acesso à educação. Esse PNE também não pode ter cortes, de maneira nenhuma. Por isso que a gente se soma a toda essa mobilização que o Educafro está fazendo, porque a educação é uma política fundamental, ela tem um caráter estruturante muito forte. Todos nós sabemos disso.
A Senadora me pede para...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Eu peço à Senadora que assuma a Presidência rapidamente.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Está certo. Vou para aí agora para passar imediatamente a palavra aos nossos convidados.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Para o Átila, eu já acertei que ele iniciará. Rapidamente, para atender a uma necessidade da Comissão.
A SRª PRESIDENTE (Fátima Bezerra. Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Vou passar a palavra, imediatamente, para Átila Roque, que falará em nome da Anistia Internacional.
O SR. ÁTILA ROQUE - Boa noite, Senadoras e Senadores. Boa noite a todos e a todas.
Antes de mais nada, é uma honra, um prazer, estar aqui hoje podendo trazer a palavra da Anistia Internacional a este debate tão central para a sociedade brasileira e poder fazer isso ao lado das pessoas que falaram antes e das que vão falar depois. A gente sabe o peso e o papel que elas e as organizações que elas representam têm em manter essa agenda na superfície do debate no Brasil. Nesse sentido, eu queria, antes de qualquer coisa, reconhecer e dizer com todas as letras que nós não estaríamos sentados hoje aqui, debatendo este tema, se não fosse a coragem e a luta das organizações do movimento negro, que há mais de trinta anos, há cem anos, falam exatamente sobre este tema. Este tema teria desaparecido da agenda pública brasileira se não fosse a capacidade, a resistência, a luta, dos movimentos negros no Brasil. Eu gosto de falar dos movimentos porque a gente sabe o quanto o nosso mundo é diverso, mas é preciso reconhecer isso.
R
Hoje, nós temos aqui o Conen, a Maria de Nazaré, temos o Geledés e também, junto com o movimento negro, as organizações que trabalham diretamente no território, que trabalham diretamente com os familiares, com aqueles que sofrem mais diretamente a dor desse horror.
Então, a presença do Hamilton aqui, hoje, representando uma organização da Bahia, do movimento Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, é o outro lado dessa moeda que garante que o silêncio não se instale totalmente, porque é disso que se trata esta CPI. É disso que se trata o trabalho que o Senado inaugurou, ao responder de forma tão contundente ao clamor que a sociedade vem colocando há tanto tempo.
Acho que a tarefa e o mérito desta CPI, neste momento histórico em que vivemos no Brasil, que talvez seja o momento em que tenhamos a oportunidade de escolher aonde nós vamos, se queremos cair na direção da civilização ou da barbárie, em que tantas agendas estão sendo colocadas diante de nós com um risco imenso de grandes retrocessos, talvez o mérito mais importante de toda a CPI seja tirar essa agenda da clandestinidade a partir do lugar de representação da sociedade ou de um dos lugares mais importantes de representação da sociedade, que é o Congresso, que é o Senado.
Mais do que isso até, fazer com que a sociedade brasileira olhe nos olhos os seus próprios monstros; confronte sem medo, com o peito aberto, os seus horrores e reconheça a dor solitária, na maior parte das vezes, das mães, dos irmãos, das avós, dos amigos, das amigas, dos filhos, dos netos e dos cunhados dessas pessoas que morrem todos os dias, assassinadas, executadas, como a Nazaré dizia. No Brasil - não vou repetir os números, porque os Senadores têm ouvido isso recorrentemente nas últimas duas audiências, mas contamos também com a presença da audiência pela TV Senado, contamos também com a presença da audiência pela internet -, de acordo com os dados de 2012, foram 56 mil homicídios. Nós somos campeões mundiais de homicídios. Nós reunimos, como foi dito aqui pelo Ivan, junto com a Colômbia e mais dois países, mais de 25% - não me lembro de cabeça os números - dos homicídios do mundo. Só no Brasil, há cerca de 10% do total de homicídios do mundo. Dez por cento do total de homicídios que ocorrem no mundo estão no Brasil. Ou seja, ao contrário da nossa autoimagem, nós somos um país profundamente violento, um país onde a violência e o racismo cumprem um papel muito crucial na estruturação do poder.
Portanto, olhar os homicídios no Brasil e desagregar a sua dinâmica é olhar para o modo como o poder se organiza neste País. E, ao olhar por isso, nós não podemos deixar de dizer que, desses 56 mil homicídios, mais de 50% são de jovens; jovens, como foi dito aqui, entre 15 e 29 anos, para usar os dados do SUS. Desses jovens, que somam cerca de 30 mil pessoas, 77%, quase 80%, são jovens negros. É disso que nós estamos falando. Nós estamos falando de um tema que atinge profundamente a juventude negra neste País, e, se queremos, efetivamente, pensar políticas eficazes de redução de homicídio, nós temos que olhar para onde os homicídios estão impactando de maneira mais brutal há muito tempo.
Só para trazer mais um dado, do qual acho que ninguém ainda falou hoje: a curva de crescimento de homicídio de jovens. Se olharmos os dados dos últimos dez anos, nós vamos verificar que, nessa faixa etária, entre 15 e 29 anos, diminuiu entre os jovens brancos na ordem de 33% ou aproximadamente 32%. O Ivan está me olhando ali, pode ser que seja um pouquinho mais, um pouquinho menos, mas é nessa faixa. Sou péssimo de memória.
R
Se olharmos isso, para jovens brancos nos últimos dez anos, a curva é assim: 33%, mais ou menos, de redução. Para jovens negros na mesma faixa etária, no mesmo período, cresceu 33%. Então, há uma curva que se cruza, ou seja, quem está sustentando, nos últimos dez anos, a taxa de homicídios do Brasil na faixa de 50 mil/ano - em 2012, foram 56 mil; em 2013 e 2014, houve já uma pequena redução, mas já voltou a crescer, estamos no patamar de 50 mil, querendo ir para os 55 mil, 60 mil - é a morte violenta de jovens negros.
É muito importante ter isso em conta, porque isso nos coloca diante de escolhas centrais para o País que estamos construindo, escolhas que têm de ser feitas pela sociedade e pelo Estado. Não é apenas um problema da segurança pública, é um problema do conjunto da sociedade e do Estado brasileiro. Um dos grandes erros que se cometem neste debate é reduzir isso a um debate apenas de segurança pública. É evidente que é um debate de segurança pública também, se pensarmos segurança pública como uma política de garantia de direitos, se pensarmos segurança pública como uma política que garanta a possibilidade de uma vida sem violência para todas as pessoas. Esse é um pouco o debate que precisamos fazer, porque não é a realidade do Brasil.
Se nós olharmos os dados de homicídios de 1980 até 2012, nós vamos constatar um crescimento de 148,5% - 1,2 milhão de pessoas foram assassinadas. Agora, vejam que paradoxo. Esse é o período em que o Brasil fez a sua grande revolução democrática. De 1980 a 2012, esse foi o período de democracia mais longa e mais sustentada na história do Brasil e é justamente o período em que tivemos essa explosão de homicídios, ou seja, claramente, a nossa transição para a democracia deixou de olhar uma dimensão fundamental do modo como o poder se organiza. Por isso, eu comecei a falar na dimensão da violência e na dimensão do racismo. Nós não fomos capazes de trazer para a conversa da sociedade o tema da segurança pública, por exemplo, porque essa é uma área que tem um papel central na manutenção dessa lógica. Nós trouxemos o campo da saúde, o campo da educação, o campo das políticas sociais. Temos muito ainda a caminhar, mas, evidentemente, todo mundo reconhece que avançamos muito, inclusive na agenda da exclusão social, da pobreza, da miséria, da redução da desigualdade até um certo patamar. Porém, não fomos capazes de incorporar a agenda da segurança a esse debate. Continuamos a ter um sistema de segurança que mantém e sustenta o modelo adotado construído e posto em prática, sobretudo, durante o período da ditadura militar ou da ditadura civil militar.
É preciso lembrar que uma das recomendações que saiu do relatório da Comissão Nacional da Verdade toca justamente nesse ponto, relacionando o passado com o presente. Ela pede, na Recomendação nº 20, a desmilitarização e a reforma das polícias militares. Não vamos esquecer, porque essa comissão encerrou seus trabalhos agora, ontem, em dezembro. Todas as recomendações estão esperando desdobramento.
É importante dizer que há uma crise sistêmica da segurança pública no Brasil em todos os níveis. Uma das dimensões dessa crise que atinge de frente a juventude, em particular, a juventude negra, é a lógica da guerra, é a estratégia da guerra, que, no final das contas, acaba fazendo uma escolha sobre um indivíduo que é mais "matável" do que outro.
R
A política da guerra formada pela lógica da guerra às drogas, sobretudo - este é outro tema sobre o qual a gente precisa ter coragem de falar -, tem se prestado hoje, no Brasil, à naturalização das execuções sistemáticas de jovens negros das periferias e das favelas brasileiras e, com eles, de vários jovens não negros. Essa lógica gera um sentimento de exceção, de admissibilidade. É como se a sociedade dissesse: "Que pena!".
Mas o combate ao crime, o combate à droga leva a danos colaterais. Esses danos colaterais atingem não apenas jovens, meninos ou adolescentes que, por uma razão ou outra, encontravam-se em desvio da lei. Mas isso não significa que eles deveriam morrer. Eles se encontravam, sim, muitas vezes, envolvidos em situações de tráfico - é importante que a gente reconheça isso -, mas isso não significa que eles deveriam ser executados. Mas a sociedade autoriza que a Polícia entre e os execute, e, em nome dessa autorização, a Polícia também executa muitos que não têm absolutamente nada a ver com isso, como foi o caso recente no Alemão do menino Eduardo; como caso recente em Belém, que ela acabou de relatar e que foi objeto de uma ação urgente da Anistia, inclusive; como foi o caso de Cabula, que, certamente, o Hamilton relatará com muito mais propriedade e que ocorreu recentemente na Bahia. E há muitos outros casos passados. Agora, está fazendo aniversário de 25 anos da chacina de Acari, em que nove jovens, se não me engano, foram sequestrados e ficaram desaparecidos, e, até hoje, não temos notícia. A luta deles só não desapareceu porque se criou o movimento Mães de Acari, que são guerreiras, a quem devemos muito. Uma delas foi deixada na estrada, também assassinada. Agora, está às vésperas de prescrever o caso da Edméia, uma das mães que foi assassinada ao longo desse processo.
Sei que o tempo é curto e que não nos devemos estender demais, mas eu queria acrescentar outro dado que já foi falado aqui. Tive oportunidade de ler a fala do Prof. Michel Misse na semana passada ou, se não me engano, há duas semanas. Ele levantou com muita clareza o papel que o agente do Estado, as forças de segurança e a Polícia têm nessa tragédia, até porque a ausência de informação sobre as circunstâncias dos homicídios é tão gigante, que, ao olharmos as situações em que temos mais dados de autoria, por exemplo, acabamos muito restritos ao universo das mortes cometidas por agentes de Estado - aí não há dúvida sobre quem matou - ou àqueles casos que são óbvios, como o crime...
(Soa a campainha.)
O SR. ÁTILA ROQUE - ...passional ou a briga entre amigos que todo mundo viu, que todo mundo presenciou. De resto, o que temos no Brasil hoje é uma enorme impunidade em relação a crimes de homicídio.
Agora, no caso específico da Polícia, o que temos diante de nós é a reafirmação dessa lógica da guerra, que resulta no sistemático extermínio da população jovem - é difícil usar outras palavras - ou em práticas sistemáticas de execução de jovens. A Polícia brasileira, como já se falou aqui, num período de cinco anos, matou 11 mil pessoas mais ou menos, o que representa o que todas as polícias americanas mataram em 30 anos. É desta escala que estamos falando: 11 mil pessoas mortas em cinco anos. Esses são os dados conhecidos, esses são os dados que nós acessamos, porque, como já foi dito aqui também, a coleta de dados de homicídios cometidos por agentes do Estado é muito precária no Brasil.
R
Por essas e outras razões que nós escolhemos, na Anistia Internacional, o tema dos homicídios de jovens negros como o principal tema de campanha da Anistia neste momento. É um tema com o qual nós trabalhamos não apenas no Brasil, nós trabalhamos com ele fortemente nos Estados Unidos, trabalhamos com ele com variações de tipo de discriminação também no México, também no Quênia e com outras ênfases, mas também em alguns países da Europa. Agora, é claro que Estados Unidos e México são aqueles que se aproximam muito diretamente da nossa realidade.
Em termos de recomendação a esta CPI, eu acho que precisamos primeiro estar atentos ao contexto que estamos vivendo e ao papel que os Senadores e as Senadoras podem ter neste momento para garantir que não apenas não retrocedamos, mas que sejamos capazes de usar este momento para avançar.
A primeira coisa que temos sugerido como recomendação na nossa campanha, e já foi dito pelo Ivan, é a importância de um plano nacional de redução de homicídios. Nós sabemos que alguma coisa está sendo forjada hoje, grupos têm se reunido, pesquisadores, pessoas que a gente respeita no âmbito do Ministério da Justiça mais uma vez com a tarefa de elaborar esse plano. É preciso que a gente sinalize que esse plano não pode demorar mais, já demorou demais. Estamos falando isso desde o primeiro governo Lula, da elaboração desse plano de redução de homicídios. Achamos que a CPI pode ter papel importante em reforçar essa dimensão.
Uma outra coisa que não está no Senado, está na Câmara, é o Projeto de Lei nº 4.471, que trata dos autos de resistência. O auto de resistência tem sido no Brasil... Auto de resistência é aquela categoria que às vezes tem o nome também de homicídios decorrentes de intervenção policial, onde o homicídio é caracterizado como uma reação legítima, uma morte legítima por conta da defesa da vida do policial ou de outrem. Na prática, tem sido utilizado vastamente como uma maneira de não se investigar, não produzir nenhuma investigação mais profunda sobre mortes cometidas por policiais. Também já foi dito aqui que, de novo, esse é um problema que atravessa as diferentes esferas do sistema de segurança e justiça e a responsabilidade não está apenas com a polícia, está, em grande parte, com o Ministério Público, que também não leva à frente esses casos, e com o Poder Judiciário, que basicamente é uma cadeia de repetição da mesma versão, com algumas exceções. O que nós vemos é que a versão contada pelo PM na delegacia vai sendo reproduzida, aprimorada e repetida até o Tribunal do Júri e acaba sendo um inquérito sobre a vítima, para provar a culpabilidade da vítima e não uma investigação sobre o ato do homicídio. Então, esse projeto para nós é muito importante.
Não vou falar do Estatuto do Desarmamento, sobre o qual já se falou com muita propriedade aqui. Só queria reforçar que nós estamos ainda longe de sermos um país desarmado, com todo sucesso da campanha do desarmamento, que é muito mais do que apenas o recolhimento das armas, ainda temos hoje no Brasil - acho que os dados são do próprio Sou da Paz - cerca de 15,2 milhões de armas em mãos privadas. Apenas 6,8 milhões são registradas, 8,5 são não registradas. Ou seja, o discurso de que está sendo utilizado para revogação do Estatuto de que à sociedade foi imposto desarmamento de cidadãos de bem não é verdade nem do ponto de vista factual, continuamos a ser uma sociedade altamente armada.
E, finalmente, não poderia deixar de tocar aqui num ponto que hoje está avançando a passos céleres, de forma irresponsável, demagógica, criminosa mesmo no Brasil, que é o debate sobre a redução da maioridade penal.
R
Esta CPI precisa se manifestar, se possível, antes do encerramento dos seus trabalhos, contra esse crime contra a nossa infância, contra a nossa juventude, contra os nossos adolescentes, que seria a redução da maioridade penal. (Palmas.)
Se o Brasil der esse passo, nós sinalizaremos para o mundo o total abandono, a total irresponsabilidade nossa em relação aos adolescentes, aos nossos jovens, que são, antes de mais nada, vítimas da violência e não perpetradores da violência.
Nós não podemos responder a um clamor legítimo da sociedade por mais segurança, à dor das famílias que perdem ou que sofrem violência de qualquer tipo - porque nós precisamos reconhecer que essas dores são legítimas, não importa de onde elas venham - não podemos responder com medidas demagógicas, que apenas aumentarão e reforçarão o estigma da criminalização, o estigma do racismo e o estigma da desumanização de uma parcela gigante da nossa juventude, que está hoje desprovida de todos os direitos, de todas as possibilidades de viver uma vida sem violência, criativa, em que as suas escolhas possam ser feitas igual a de todas as pessoas. Então, nós precisamos, definitivamente, barrar isso, que seria, na minha opinião, um enorme retrocesso.
Finalmente, a última coisa: o debate da desmilitarização das polícias precisa ser colocado definitivamente na agenda. Nós sabemos que o Congresso hoje tem, por autoria do Senador Lindbergh, que não está aqui presente, uma PEC tratando deste assunto da reforma das polícias. Isso é um tema absolutamente fundamental que, de novo, transcende a desmilitarização da polícia militar. Ela diz respeito a todo o modelo de segurança que incorporou a ideia da guerra e não a ideia do direito. É guerra de combate ao inimigo interno e não a ideia da promoção e preservação da vida. Esse é um debate absolutamente fundamental!
Obrigado e desculpe-me se me estendi um pouco a mais no tempo. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sem dúvida, dando uma grande contribuição aos nossos debates.
Por fim, passo a palavra ao Hamilton Borges dos Santos.
Você já está bem, Hamilton?
O SR. HAMILTON BORGES DOS SANTOS - Boa noite.
Eu, em nome da campanha Reaja, não vou agradecer a nossa presença às pessoas que estão aqui. Vou agradecer a nossa presença aqui às mães, familiares de pessoas que foram mortas, assassinadas e que fazem parte da nossa organização ali mesmo na Bahia. E também às pessoas encarceradas e os seus familiares, que fazem parte da nossa organização na Bahia.
E eu queria chamar aqui os nomes dos últimos mortos de uma guerra que se pratica contra o povo negro na Bahia: Natanael, Adriano, Kaique, Tiago, Adriano, Rodrigo, Rodrigo, Jefferson, Agenor, Bruno, Alex, Éverson. As mães, as avós, as irmãs desses jovens estão nos assistindo agora. Portanto, o que faço aqui é apenas cumprir uma tarefa dada por um grupo de mães e familiares. E aí estão o Toni, o Sr. Antônio Borges, que já veio aqui a esta Casa. Depois de a gente participar da CPI da Câmara, nós participamos de uma audiência aqui na Comissão de Direitos Humanos, que estava sendo presidida ou que foi solicitada por João Capiberibe. Estava também aqui presente o Senador Paulo Paim, que infelizmente se retirou, até porque ele tem uma história com este tema, mas ele teve que se retirar. Pedimos àquela Comissão naquele momento em que se estava se tratando nacionalmente e internacionalmente do caso do Cabula.
O que existe de importante? Algumas questões são importantes para a gente tratar.
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - É bom lembrar o que é o caso do Cabula.
R
O SR. HAMILTON BORGES DOS SANTOS - Eu vou falar.
A primeira coisa é que parece que as pessoas só se comovem com nossa morte pelo lucro e pelo espetáculo. O caso do Cabula, em que 12 jovens são coletados em suas comunidades e são assassinados, são mortos, são executados por policiais extremamente violentos de uma polícia de operação especial que se chama Rondesp, aquilo se tornou um espetáculo. E parece que, quando acaba o espetáculo, aí as ONGs, os grupos, as pessoas que gostam de tagarelar muito vão procurar outro lugar para chupar o sangue, para pegar a desgraça.
Esta é uma constatação de um grupo muito grande no Estado brasileiro, no Brasil hoje; de que nós precisamos ocupar esses espaços para falar por nós mesmos - essa é a primeira questão -, para tratar das coisas que são extremamente duras e pesadas para esse Estado.
No começo aqui deste debate - foi muito bom que isso fosse depois tratado devidamente -, parecia que nós não estávamos aqui em uma CPI que trata da morte de jovens negros. A gente estava falando, de forma geral, como se costuma praticar no Brasil, das mortes gerais, como se não houvesse diferença nessas mortes. Existe um histórico neste País de racismo que estrutura o próprio Estado brasileiro. E o histórico que nos trouxe aqui como mercadoria vai se reatualizando a cada momento. Nós estamos, ao fim e ao cabo, tratando do racismo que estrutura o Estado brasileiro. E o racismo não é uma coisa sem cheiro, sem cor, como esses conceitos que foram fundados na academia e que ganharam os governos, sobretudo o Governo Federal e os governos estaduais, de promoção da igualdade etc etc, que tiram o peso fundamental do racismo no Estado brasileiro, que nos coloca em uma situação de sub-humanidade, que nos coloca em uma situação em que nós estamos em uma Casa, por exemplo, em que nós não somos maioria, ainda que nós construamos todas as riquezas deste País.
Uma intelectual do Rio de Janeiro, Vânia Santana, que diz o seguinte: "Neste País, se tirarem os negros, não sobra nada; só no sopro". Porque os brancos têm se beneficiado da nossa desgraça desde o primeiro momento em que pisamos aqui. Nós fomos vendidos, em 1400 e pouco, pelo Rei de Portugal; 12 pessoas negras foram vendidas para as pessoas que detinham os direitos de terra deste País, das Companhias Hereditárias, que continuam ocupando os espaços de poder deste País.
A nossa fala aqui é uma fala de ruptura, é uma fala de postura. Nós não podemos chegar aqui, num lugar deste, e fazer de conta que nós somos biscoito de chocolate com recheio de coco. Nós não temos alma branca. Nós não podemos vir aqui, neste espaço, que é um espaço que para nós da campanha Reaja é fundamental, porque é o único espaço que nós temos hoje para mandar o recado para o Governador do Estado da Bahia. Nós estamos aqui fundamentalmente para isto, para dizer ao Governador o que queremos dizer, já que o Governador se trancou no seu castelo, no Palácio de Ondina, com um seleto grupo de pessoas, inclusive negras, que está blindando o Governador para as atrocidades que estão sendo cometidas na Bahia na sua gestão, mas que é uma gestão de continuidade.
Quando a minha irmã do Geledés fala da dificuldade de ser ouvida pelo Governador de São Paulo, fica parecendo que ser ouvida pelo Governador de São Paulo tem algum debate ideológico, porque ali é uma direita empedernida, porque ali é uma direita que isso, que aquilo. O nosso Governo é um governo democrático popular, no Estado da Bahia. E um governo democrático popular, no Estado da Bahia, que cria dispositivos de segurança.
R
Porque, ao fim e ao cabo, nós estamos tratando aqui é de sistema de justiça. Nós precisamos aprofundar esse espaço, e, obviamente, não temos tempo para aprofundá-lo em 15 minutos. Mas a CPI vai ter que ter essa capacidade de aprofundar debates políticos, inclusive chamando as pessoas que vivem, que lutam e que construíram caminhos de sobrevivência e de combate e que não estão mergulhadas nem intencionadas em mais um edital.
Esse negócio do lucro também tem uma característica: você tem a morte física, a morte praticada pelo policial, que, invariavelmente, é um homem negro destituído da sua humanidade, assim como existem intelectuais negros que são destituídos de sua humanidade, que perdem sua dignidade e que tagarelam e falam como se houvesse um branco atrás dele, como se houvesse algo o manipulando, porque ele não fala de si, ele não se reconhece, ele perde a sua humanidade.
Nós temos pelo menos 300 anos neste País garantindo a construção da nossa humanidade. E é o que foi dito aqui. As mulheres negras criaram instituições políticas para garantir o nosso autorrespeito, primeiro, para que nós falemos por nós mesmos e, segundo, para que não façamos como um líder histórico do povo negro, Henrique Dias, da época em que Zumbi estava criando Palmares, lutando por Palmares. Henrique Dias era o Presidente dos negros do Brasil. Mas ele foi criado por um grupo de colonialistas, de brancos racistas que nos escravizaram, e foi colocado como uma peça fundamental.
Fica parecendo que este discurso, que esta fala é uma fala desprovida do sentido do que nós estamos colocando aqui, mas nós queremos recolocar o debate. Nós achamos fundamental que as pessoas, que as organizações negras venham tratar desses assuntos. Nós achamos fundamental que os brancos, quando ocupem esses espaços, digam como se sentem nessa situação de morte de pessoas negras, porque esse não é um problema nosso, mas um problema do País. Os brancos precisam dizer como se sentem. Os brancos precisam dizer como se sentem sendo brancos num país que mata negros, que são a maioria, como baratas.
Os negros estão se organizando em suas comunidades. E eles não estão se organizando baseados numa ideia de criar um CNPJ. Eles não estão se organizando na ideia de ensinar o opressor como ele deve nos tratar.
Existe um processo opressivo da polícia brasileira. A polícia, em qualquer lugar do mundo, está qualificada para usar a força física autorizada. A polícia usa a força física. Esta é uma verdade. O que nós precisamos debater é se nós temos possibilidade de criar no Brasil uma polícia responsiva, baseada nos direitos humanos e que não seja racista. (Palmas.)
Mas, obviamente, nós não vamos criar isso tendo, no Estado brasileiro, uma polícia militar que é a maior excrescência de uma possibilidade... A democracia nunca vai se concretizar neste País porque nós temos elementos, dentro deste País, que são elementos que são para além da ditadura militar. Está inscrito na própria formação do País que é um país colonial.
A Polícia Militar do Estado brasileiro nasceu na Bahia em 1825 para debelar um quilombo, acabar com um quilombo que ficava ali perto daquela região do Cabula. Mas ela continua tendo o mesmo modus operandi de olhar uma pessoa negra, independentemente do seu curriculozinho, que você apresenta de forma pomposa, com suas palavras difíceis. Se você for preto, você carrega uma marca, e a polícia, numa quebrada, vai-lhe catar. É desse jeito.
Então, você tem que fazer uma escolha. E a escolha política que nós já fazemos, há pelo menos 30 anos, é de dizer que nós não precisamos de uma polícia militar, que é resquício da ditadura, que foi criada no colonialismo. Mas essa polícia continua. Não é de se desmilitarizar a Polícia Militar que nós estamos tratando aqui; nós estamos tratando aqui de acabar com a Polícia Militar.
R
A Polícia Militar, entre outras coisas, carrega a nódoa de que são pretos matando pretos, porque os oficiais brancos se beneficiam com a existência dessa polícia que tem um tipo de hierarquia que pode dar um tapa na cara de um soldado, e nada acontecer. Nós estamos falando disso.
Agora, esta Casa precisa discutir profundamente o fato de que esse debate que foi trazido pelas esquerdas do Brasil não vinga porque, no interior dos próprios partidos - e às vezes as pessoas escondem -, existem coligações de policiais, organizações de policiais, conglomerados de policiais, associações de policiais que fazem pressão para que esse negócio não vingue.
Nós tivemos o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança), que é aquele negócio depois do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), que não passou de um data show. Era um negócio para não dar em nada e não deu em nada.
Depois, faz-se uma conferência, trazendo um monte de gente para Brasília. E é caro estar em Brasília: são caros os coquetéis; é cara a hospedagem. As pessoas vêm para Brasília de dois em dois anos, fazem conferência para não dar em nada, mas aquele Conseg foi pior: ele nem debateu. Grupos, inclusive, que historicamente tinham um discurso favorável ao fim da Polícia Militar, ficaram totalmente submetidos àquela pressão que vinha do Palácio da Presidência e também do Ministério da Justiça. Essa é uma coisa.
Então,...
(Soa a campainha.)
O SR. HAMILTON BORGES DOS SANTOS - Eu queria que se desse a mesma...
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não tenha dúvida. É porque isso aqui é automático. (Risos.)
Não sou eu que estou falando não. Deu o tempo, automaticamente...
E, claro, como sempre, darei ao senhor um tempo também de tolerância, como demos aos outros.
O SR. HAMILTON BORGES DOS SANTOS - Pois bem, é fundamental que esta CPI discuta a responsabilidade do Governo Federal.
Hoje, eu estava ouvindo o programa aqui mesmo no Senado. David e Ivair Augusto estavam à mesa discutindo a questão da educação e falavam algo fundamental: "Precisamos discutir o Orçamento." E eu quero discutir o Orçamento agora. E dizia-se o seguinte:
Esse negócio de Juventude Viva também virou uma bolsa de emprego para alguns meninos inteligentes, meninos dentro do partido, dos partidos, que ficam se engalfinhando para ficar viajando daqui e dali, conversando com os prefeitos e depois tomando gole.
Por quê? Não podemos pensar que um programa possa sair da condição de programa e, depois, partir para a condição de uma coisa que nem conseguimos conceber.
O Governo Federal disse que é prioridade a vida dos negros. No programa Juventude Negra, houve o processo de contingenciamento: cortou na carne da Seppir. Como a Seppir vai sobreviver com esse orçamento? É para fazer um coquetel? É para chamar alguns militantes emplumados para fazer reunião com a Ministra? Ou é para efetivamente criar as condições para que se pare essa matança?
Nós temos sugestões para que se pare a matança. O Governo Federal não pode brincar conosco e achar que somos semoventes, que não pensamos!
Ainda que alguns grupos cheguem a esses espaços porque têm suas - não sei...
Mas é fundamental que se discuta esse o Plano Juventude Viva. E todas as vezes em que estivemos aqui, que provocamos a Seppir... Mas precisamos provocar a Seppir? É fácil. Pegar uma mulher preta de dentro de uma presidência e bater nessa mulher preta...
Não! Nós queremos saber da Secretaria-Geral da Presidência - essa Secretaria-Geral da Presidência que tem, ali, ainda, uma Secretaria da Juventude, cujo homem que está à frente é negro e está nos representando em todos os lugares do País - como um país de maioria negra, com jovens inteligentíssimos, permite que a maioria dos negros morra.
Precisamos debater essa discussão de representação, porque, se querem colocar sistema de quotas, ações afirmativas no serviço público, deve-se começar colocando ações afirmativas nas escolhas dos ministérios. Nós não estamos nos oferecendo para nada; nós estamos nos oferecendo para continuar fazendo pressão, para falar o que muita gente acha que não se pode mais falar, porque, no ano que vem, tem compromissos eleitorais; nós estamos aqui para falar da barbárie que foi a morte das pessoas em uma rebelião em um presídio de Feira de Santana.
R
Olha, Pedrinhas foi uma coisa amargurada. Chorei por Pedrinhas. Não sou do Maranhão, mas vi muitas condolências saindo da Bahia, inclusive de políticos, inclusive visitas a Pedrinhas para tratar da questão de Pedrinhas. E nenhuma palavra sobre o que aconteceu em Feira de Santana, uma rebelião em que, primeiro, os caras estão com arma letal. E essa arma letal entrou por onde? No machismo, no patriarcado, que diz que toda droga, que toda arma do sistema prisional entra pela vagina da mulher? Ou pela corrupção policial, pela corrupção dos agentes? (Palmas.)
Agora, esta CPI está tratando da morte de jovens negros e deve criar alguma medida, não sei se uma CPI conjunta ou uma CPI unificada, mas juntar. Inclusive temos dados, e todos os dados que temos apresentamos à CPI da Câmara. Como existem dados aí, e eu não vou trazer dados para aqui, gente, espera aí! Vamos deixar a CPI trabalhar também. Peça ao Ipea. A gente traz dado aqui e acaba o debate! (Palmas.)
Mata o debate! Peça ao Ipea, que ele dá. Há um monte de dados. Isto aqui é o Senado, que tem poder de polícia. Este Senado deve chamar o Secretário da Administração Penitenciária para falar sobre aqueles jovens negros que morreram. (Palmas.)
O Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia é simpático, é bonito, mas é racista. É um Secretário de Segurança Pública que colocou a Operação Quilombo, que deu continuidade à Operação Saneamento I, Saneamento II. Isso é lombrosiano. Os intelectuais das ONGs podem me dizer se não é lombrosiano. Isso é Lombrosiano, mas parece que não toca ninguém, parece que não comove ninguém. Nos comove. Quem tem a dor é quem geme! Quem tem a dor é quem geme! Uma pessoa preta, neste País, que chegar para falar desse assunto, que disser uma piada, que ficar muito tranquila e que não se exaltar, essa pessoa perdeu a capacidade de indignação, perdendo, assim, a dignidade humana! Porque isto também é fruto do racismo: é esvaziar as pessoas; tirar a capacidade de se indignar com a morte do seu próprio irmão. E são mortes aos borbotões!
Estamos morrendo de qualquer jeito, mas também estamos nos organizando. Por quê? No debate, por exemplo, do desarmamento, é preciso colocar alguns dados. Vamos pensar assim: o mapa da violência, que é mais um instrumento para se ganhar dinheiro... A carne preta gera lucro, gera lucro no sistema prisional. Por isso, esse debate da redução da maioridade penal não é um debate moral, é um debate para encarcerar, para criar mais cadeias, mais uniformes, mais comida, mais algema. O debate é esse! Não é um debate moral, religioso! Esses hipócritas, aí, esses hipócritas falam em Jesus sem ao menos acreditar no Jesus deles!
Estão querendo dizer que é um debate moral, mas é um debate que vai gerar lucro, assim como geram lucro também os institutos de pesquisa, porque estávamos falando a mesma coisa há 30 anos. Era só nos chamar em uma reunião que diríamos.
O debate sobre o desarmamento, segundo o próprio Ministério da Saúde, setor de vigilância, naquela época, logo quando foi estatuído, dizia que diminuíram as ocorrências com armas de fogo, projétil de arma de fogo (PAF), mas entre os brancos. De que tipo de debate sobre desarmamento estamos falando? Estamos ainda acreditando nesse debate rasteiro em se comparar, para debater as drogas, o usuário e o traficante, como se o usuário fosse o bem que devesse ser protegido, acolhido, e o traficante, morto. Precisamos qualificar o debate sobre a guerra às drogas. Precisamos qualificar esse debate. Precisamos dizer que a guerra às drogas é um aquecimento fundamental para a indústria das armas, que a guerra às drogas estabelece o discurso do medo e da diferenciação, porque agora tudo é traficante.
R
Quando os malês foram às ruas, tudo eram os malês, tudo eram os africanos! E, ao fim e ao cabo, quando se fala em traficante, estão falando de uma pessoa preta, com sandália havaiana, segurando um fuzil que custa o dobro da casa da mãe dele e que vai morrer como indigente! Porque os parentes vão chamar os vizinhos para pagar o funeral.
Então, nós precisamos debater quem é o traficante. Precisamos debater, fazer esses debates. Esta CPI precisa fazer esses debates fundamentais. E esta CPI precisa cobrar! A gente já falou aqui no Senado sobre o caso do Cabula. O Governador do Estado da Bahia, depois dos resultados do MP - que é o dono da ação, é a última palavra na ação -, com o seu Secretário de Segurança Pública, cuja demissão nós pedimos - e pedimos que esta CPI convoque, com o seu poder de polícia, esse senhor para vir falar aqui por que mata pretos na Bahia -, três meses depois, foi o tempo que eles ficaram esperando para fazer a investigação da Polícia Civil. Eles ficaram apenas um mês, com prorrogação para dois dias, é suficiente, e o Ministério Público fez. O Governador, quando mataram os meninos do Cabula, no dia 06 de fevereiro, acordou e foi para uma plateia, mais ou menos igual a essa, mais do que essa, com oficiais da polícia, e disse que o que aconteceu ali foi como se fosse "um artilheiro na frente de um gol".
A nossa vida tem esse peso para o Estado da Bahia. Deveria envergonhar qualquer pessoa que tem o mínimo de decência, mas não envergonha, porque as pessoas continuam vivendo as suas vidas como elas estão lá. Mas essa lógica de comparar a nossa vida a um jogo esta escrita também no baralho do crime, que é um baralho, um jogo de paciência, inspirado nos ases do mal do George Bush, na guerra ao terror de George Bush, que eles colocam lá e que, por mais que a gente fale, eles não tiram.
Eles fizeram uma reconstituição do crime e estão dizendo que não houve confronto, quando todas as evidências, de cinco, pelo menos, cinco promotores do Ministério Público que analisaram tudo, apontam que foi execução, enquanto eles estão dizendo que foi confronto. Todo mundo se calou, sobretudo as pessoas que têm relações com os partidos, os partidos do Governo e da Base aliada. Algumas pessoas, inclusive, se dignaram a entrar no Plano Juventude Viva e ir para o lugar em que mais se mata, que é uma base comunitária, que é um nome pomposo para UPP, tirar foto atrás de uma orquestra sinfônica, como se o nosso problema fosse cultura. Se o problema da violência é cultura, injeta dinheiro, bota dinheiro para a Secretaria de Cultura. Coloca os grupos culturais para se fortalecerem. Mas eles não botam dinheiro lá, mas mandam projetinhos de um menino tocando um tambor, de um menino tocando violino e, aí, tiram fotos felizes naquela situação.
O recado que a Reaja transmite aqui é de que nós precisamos nos indignar. Nós precisamos falar por nós mesmos. Porque há um problema também: por mais que estejamos na ponta, por mais que estejamos sangrando, nós queremos que a CPI convoque aqui os programas de proteção, porque nós da Campanha Reaja já pedimos pelo menos quatro vezes para ser protegidos, e nunca fomos protegidos. Nós somos ameaçados. Entregamos isso já lá, e é só convocar. Há aqui ameaças da Rondesp, dizendo claramente que vão nos matar. E nós não somos incluídos em programas de proteção. E nós não temos o direito nem à memória, porque, invariavelmente, querem falar por nós, querem dizer por nós, porque a nossa fala é uma fala incômoda. Nós estamos como os africanos no período colonial: negociando com faca na mão. Por enquanto é faca!
Obrigado. (Palmas.)
R
(Manifestação da plateia.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Vamos abrir agora os trabalhos para um tempo de debates.
Eu queria passar logo a palavra ao Frei David, que representa todos vocês que aqui estão.
O SR. FREI DAVID - Obrigado, Senadora.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Não é o costume. Porém, como tivemos a necessidade da saída da Senadora, o senhor está falando no lugar dela.
O SR. FREI DAVID - Obrigado.
Vamos direto, então, ao roteiro que elaboramos, para ser bem rápido.
Matança de jovens negros.
Em 2012, 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Mais de 30 mil eram jovens entre 15 a 29 anos, o que já falamos várias vezes. Setenta e sete por cento dos assassinados eram negros. Menos de 8% dos casos foram apurados. O que fizeram os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para punir os culpados?
Como exemplo do cenário da matança de jovens negros no Brasil, nós nos lembramos dos crimes de maio de 2006, em São Paulo. Quase 500 vítimas. Novamente, o que o Estado de São Paulo e a Nação brasileira fizeram para punir os culpados? A polícia extorque quem? O PCC e familiares. Portanto, os crimes de maio têm este pano de fundo: a polícia roubando dinheiro do PCC e dos seus familiares.
O PCC revida: 59 policiais foram mortos. O PCC revida, defendendo-se e defendendo seus filhos, suas mães, seus parentes. O Estado contra-ataca: 493 civis são mortos, executados sumariamente. Dos mortos, mais de 400 eram negros. Nem 6% dos mortos tinham ao menos uma passagem pela polícia. Senadora, nem 6%, Senadora, tinha ao menos uma passagem pela polícia! Detalhe: 124 registrados falsamente como auto de resistência, encobrindo o extermínio. Abaixo aos autos de resistência!
Hoje, mais de 90% dos inquéritos não prosperaram. Ministério Público, cadê você? Ministério Público de São Paulo, cadê você? Das quase 500 mortes que não eram de policiais, quantas foram investigadas? Ministério Público, cadê você mais uma vez? Dessas quase 500 mortes, das que chegaram aos tribunais do Estado, quantas foram julgadas? Tribunal de Justiça, cadê você?
Como sabemos, nem mesmo na ditadura militar matou-se tanta gente. Barbárie sem punição do Estado. Ministério Público, governador, PGR, República do Brasil, o que fizeram ou irão fazer?
Queremos mais decisões, como a do julgamento do PM André Pereira da Silva, que foi condenado pelo assassinato de três jovens naquele período. Por que não foram todos os assassinos levados a julgamento nos crimes de maio?
E o problema continua. O índice de assassinatos cometidos pelo Estado de São Paulo continua alarmante, apesar de o Estado parecer estar na ponta dos que menos matam. Como exemplo, podemos citar o assassinato do jovem Caíque. Ele cometeu erros, mas não tão graves como os que roubaram a Petrobras, metrôs, CPTM etc.
Por que os ricos, que cometem erros maiores, têm outro tratamento, mesmo sendo seus roubos mais danosos à sociedade?
A polícia, após matá-lo, posta no WhatsApp uma foto do Caíque morto.
R
Aí vocês estão vendo a foto do Caíque morto - aí estão vendo a foto. E um dos policiais comenta para o assassino policial: "Olha, você não preparou o ambiente." Senadora, olha só: comentam no WhatsApp entre os policiais. Isso chegou às minhas mãos por um policial do bem, que é cristão, que está se sentindo totalmente mal como policial, que quer dar baixa da polícia e que nos passou essas informações. Portanto, um outro policial do mal alerta a um policial do mal que ele não preparou o ambiente.
Olha só, Senadora, o que acontece. No WhatsApp, um dos policiais alerta o autor do crime que ele não havia preparado a cena. Minutos depois, o policial assassino posta a nova foto com a cena montada. O braço do Caíque estava esticado e, agora, está para trás; e o revólver com a numeração raspada aparece magicamente.
A sociedade civil aplaude os bons policiais. No entanto, a sociedade civil quer, Senadora, pedir a V. Exª que convoque, nesta Comissão, a PGE de São Paulo. Por que a PGE não levou a sério a averiguação, uma vez que é o senhor do processo? Por que não levou a sério? Com medo de quem? Nós Educafro, na semana da matança de maio, entramos no Ministério Público com uma representação, e, até hoje, não nos responderam nada sobre a matança. Que esta CPI convoque o Governador do Estado. É inaceitável que o Governador não responda por esses crimes.
Volto a falar: a sociedade civil aplaude os policiais bons, mas quer e espera que esta CPI, esta audiência pública gere mais forças para que os bons policiais façam como fez o Sargento Marcos Akira, que, em janeiro de 2015, agora, recentemente, denunciou os 17 policiais assassinos da Zona Leste de São Paulo.
Então, parabéns. Eu peço para o policial Marcos Akira uma salva de palmas. (Palmas.)
E, nessa linha, Senadora, nós tivemos hoje reunião na Procuradoria-Geral da República. A entidade Educafro, com um grupo de juristas, descobriu que a nossa querida e cidadã Constituição não recepcionou os autos de resistência. Então, o auto de resistência é uma lei que não pode estar sendo usada pelas polícias. Portanto, entramos na PGR pedindo um posicionamento para poder derrubar isso aí. E, conversando com o Procurador da República Wellington Cabral Saraiva, ele não sabia desta CPI de hoje. Comunicamos, avisamos e propus a ele se aceitaria ser convidado por V. Exª para vir fazer um depoimento. Ele aceitou falar um pouco sobre o porquê de ele estar convicto de que a nossa Constituição não recepcionou o auto de resistência e de, portanto, todas as matanças colocando auto de resistência ferem frontalmente a Nação brasileira, não só a nós negros.
Também, Senadora, solicitamos a V. Exª que convoque o Governador do Espírito Santo. Em 2010, a Educafro abriu um processo contra o Governador do Espírito Santo, porque é um Estado pequeníssimo, mas, em 2010, dos dez Municípios que mais matam no Brasil, quatro estavam no Espírito Santo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FREI DAVID - É.
Aí, Senadora, o Governador daquele período enrolou muito. Agora, com o novo Governador que assumiu, nós voltamos a pressionar o Tribunal de Justiça, que teve a coragem de aceitar nossa proposta e convocou o Governador para uma audiência para um TAC (Termo de Ajuste de Conduta). O Governador, ousadamente, manda o Procurador-Geral do Estado enviar uma carta para o Tribunal, comunicando ao Tribunal que não vai comparecer à audiência de conciliação, porque a verba para combater a matança de jovens negros é muito alta, e ele não tem dinheiro para isso. Ele não tem dinheiro para isso! Fala documental, que está nos autos do processo do atual Governador do Espírito Santo.
Então, nós pedimos a esta CPI que convoque o Governador para dizer por que ele fez isso. Ele falou taxativamente: "Não vou investir para combater matança de jovens negros."
R
Também pedimos à CPI que convoque a pessoa responsável pelo Juventude Viva. Já por oito vezes estivemos em reunião com o Juventude Viva e pedimos ao Juventude Viva que nos apresentasse dois dados pequenos. Este é o primeiro dado: quantos assassinos o Juventude Viva conseguiu mandar prender depois de seu trabalho passeando por todos os Estados do Brasil? Até hoje, não me apresentaram um único assassino que tenha sido preso por causa do trabalho do Juventude Viva. Fiz a segunda pergunta e disse: "Juventude Viva, equipe, olhe aí, a ditadura matou, e o Governo brasileiro guardou uma grande verba para indenizar todos os parentes das vítimas da ditadura. O Estado é que matou." E perguntei: "Juventude Viva, qual é a verba existente para indenizar as mães e os parentes dos jovens assassinados pelo Estado brasileiro agora, na democracia?". E, até hoje, o Juventude Viva não nos respondeu. Então, solicito que convoque aqui o responsável máximo pelo Juventude Viva para responder essas duas questões somente.
Continuando, por favor.
Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as cinco forças precisam rever suas práticas. O Brasil precisa respeitar o povo negro. Como parte da sociedade civil, queremos ver indenizados todos os familiares das vítimas dos crimes de maio com o mesmo empenho com que foram indenizadas as vítimas e os parentes da ditadura militar.
Como apontou a Relatora da CPI da Violência contra a Juventude Negra, Rosangela Gomes, a Comissão já possui dados que indicam uma matança, um extermínio. Por que o Governo tem medo da palavra "extermínio"? Temos consciência plena de que é extermínio, e o Brasil precisa responder nos tribunais internacionais por esse extermínio. O que falta para os culpados serem punidos e para medidas serem tomadas para que essas atrocidades não mais ocorram?
Queremos contar com a força viva desta CPI e de todos aqueles que compõem o Estado brasileiro.
A Educafro é a favor da desmilitarização da Polícia. A militarização das polícias é um fenômeno mundial, diz o pesquisador; no entanto, é possível combater.
Nossas mais profundas condolências aos parentes, aos pais das vítimas dos terríveis crimes de maio e das vítimas da matança dos jovens negros em todo o Brasil.
Trouxe aqui as fontes, para quem quiser depois consultar, e nossos contatos.
Obrigado.
Desculpem-me se me alonguei. (Palmas.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Companheiros, agora, estou tentando ver como conduzir os trabalhos.
Quero antes, porém, comunicar que recebemos hoje um e-mail dos jornalistas Adriano Maneo e Thiago Amâncio com um link para um excelente trabalho jornalístico preparado por essa dupla de repórteres participantes do 59º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha de S.Paulo. O trabalho jornalístico multimídia trata justamente da sub-representação dos negros. Peço que seja registrado o link para divulgação junto aos membros da CPI, na expectativa de que contribua para subsidiar nossos trabalhos. A reportagem multimídia faz parte de um especial sobre desigualdade no Brasil e pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico: http/temas.folha.uol.com.br/desigualadenobrasil. Esse é um registro para ficar na Secretaria da Mesa.
Estamos com uma dificuldade que quero compartilhar com vocês. Temos um prazo de realização da CPI, que é de duas horas, de 19h30 a 21h30. Já são 22h, e, provavelmente, não teremos muito como estender o processo de debate previsto para esta CPI.
Acabei de chegar de uma viagem. Vim de fora do País diretamente para aqui. Eu estava numa reunião do EuroLat (Parlamento Euro-Latino-Americano). E, como vocês veem, estou desfalcada.
R
Esta é uma semana... A semana passada foi já desfalcada, muitas reuniões fora, e também um feriado no meio.
Então, nós, com poucos Senadores, não temos a nossa... Nosso planejamento é de quatro pessoas à Mesa; hoje tivemos seis, o que estendeu, portanto, o tempo que nós tínhamos. Estou preocupada com que tenhamos apenas o debate entre nós mesmos.
Quanto às reivindicações que foram feitas aqui para convocação de pessoas, nós só podemos fazê-las em uma audiência administrativa, com quórum qualificado para sua aprovação. Claro que está tudo anotado aqui para que possamos viabilizar. Vamos tratar na Comissão, quando se tratar de autoridades da Bahia, quando se tratar de autoridades de São Paulo, para já termos aprovadas na Comissão audiências públicas nesses Estados, que podem ter o caráter de oitiva das vítimas, e trazermos as autoridades para cá, ou fazemos as duas coisas lá.
Então, para isso, nós temos que analisar no interior da Comissão e com a aprovação, com quórum para decisão administrativa. Eu queria que vocês me permitissem levar essas decisões para a reunião administrativa que teremos oportunamente, provavelmente no meio da semana, como sempre acontece. Aí, faremos o contato para viabilizar tanto as audiências locais, em que vamos ouvir também vocês na conformação dessas audiências, em cada Estado, quanto as datas a serem remarcadas etc. Porque hoje nós não teríamos como fazer, como tomar essas decisões porque não temos quórum para isso. Embora tenhamos um quórum grande com todos vocês, não temos um quórum de deliberação. Isso não quer dizer que não vamos tomar essas decisões; pelo contrário, devemos tomá-las, mas durante o meio da semana, quando a CPI se reúne para as decisões político-administrativas, que são as decisões que encaminhamos.
Agora, acho que, claro, é indispensável que possamos convocar essas autoridades aqui destacadas por vocês para que possamos dar encaminhamento e aprofundamento às denúncias aqui feitas.
O SR. HAMILTON BORGES DOS SANTOS (Fora do microfone.) - Pela ordem.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Claro, Hamilton.
O SR. HAMILTON BORGES DOS SANTOS - Queria sugerir a V. Exª uma nova convocação desta reunião. Considero que esta reunião foi produtiva, porque tratamos de elementos importantes, mas existe um prejuízo do qual V. Exª mesma falou: a ausência do quórum. Sugiro que façamos uma nova reunião, uma nova audiência pública e que se incluíssem nessa audiência os grupos de familiares. Existem as Mães de Maio, em São Paulo; a Rede de Combate à Violência, no Rio de Janeiro; as Mães de Acari; existem vários grupos. Em Salvador, há a Associação de Familiares e Amigos de Vítimas do Estado Racista Brasileiro. Eu gostaria de fazer essa sugestão de se fazer uma reunião, inclusive no horário em que possamos debater mais, porque existe até o prejuízo do debate. Essa sugestão que eu gostaria de fazer. E que nessa reunião, reapresentássemos, sem prejuízo da reunião que vai ser feita, mas que reapresentássemos as solicitações de convocação.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Certo! Deixe-me só explicar, Hamilton.
Audiência pública é isto que nós realizamos aqui. Ela tem um debate entre as partes dentro da audiência. O que ela não tem é a possibilidade de decidir, porque ela é uma audiência pública com convidados.
R
Os Senadores participam, debatem, mas nós não deliberamos, porque as deliberações ocorrem em reuniões que são convocadas para isso. Por isso, as nossas reuniões, o nosso funcionamento da CPI se dá com duas reuniões por semana, praticamente: uma para audiência pública, que fazemos às segundas a partir de 19h30; e a outra, que é a reunião de trabalho, digamos assim, que se realiza durante a semana.
Por que na segunda-feira nesse horário? Porque, no dia a dia, o funcionamento do Senado, da Casa Legislativa no geral, é atropelado com muitas comissões ao mesmo tempo, e nós gostaríamos de poder ter uma participação, mesmo nas audiências públicas, uma provocação para que houvesse uma interatividade, que hoje foi menor, mas que há sempre em todas as audiências públicas - eu li algumas delas aqui, nós tivemos mais cinco ou seis enquanto estávamos debatendo -, e também de poder contar com a TV Senado transmitindo ao vivo a nossa CPI. Porque isso também serve como denúncia, como divulgação da existência deste trabalho. Isso só pode ser feito quando ela não se conflita, primeiro, com o Plenário, que tem a prioridade, e, segundo, com outra comissão permanente da Casa. Por isso, nós cavamos este espaço de segunda feira neste horário. A partir de 14h, há sessão de debate, e, enquanto houver sessão de debate do Plenário, nós não passamos na televisão ao vivo. Então, nós buscamos casar essas coisas.
Eu concordo com a sua sugestão, mas eu quero dizer que ela já está tranquilamente assegurada pelo trabalho que nós vamos realizar.
Nós já aprovamos, pelo menos, se não me engano, sete visitas a Estados. Posso estar enganada no número, mas já está assegurada a visita à Bahia, a São Paulo, capital, ao Maranhão, ao Rio Grande do Norte, a Roraima, a Pernambuco, ao Rio de Janeiro, à cidade de Luziânia, aqui no entorno de Brasília, onde há um grupo de jovens que tem sempre participado de nossas audiências. E, nas reuniões dessas cidades, como falei, nós vamos buscar as sugestões de vocês, essas entidades que você propôs. Por exemplo, para a audiência da Bahia, nós vamos incorporar essas entidades. Nas de São Paulo, nós vamos incorporar aquelas entidades sugeridas por vocês, e vamos tomar uma decisão se vamos, na oportunidade - isso vai depender da agenda da Comissão -, fazer aqui a oitiva das autoridades ou se faremos lá. É mais ou menos assim que funciona.
Quando nós fizemos a CPI do Tráfico de Pessoas, por exemplo, na Bahia, nós ouvimos em um horário as autoridades, e no outro horário, ouvimos as vítimas.
Às vezes, na situação de vítima, nós fizemos reuniões secretas. Em São Paulo, por exemplo, a nossa reunião foi secreta. Nós ouvimos moças que foram traficadas e tinham, portanto, dificuldade de participar de uma audiência aberta, de público, e assim por diante. Então, nós temos que estudar cada situação.
E também em relação a essa situação de que você fala, da proteção, nós podemos como CPI solicitar proteção dessas pessoas. Então, precisamos que você nos encaminhe isso protocoladamente, ou seja, num ofício, para que possamos solicitar, através dos programas de proteção estadual e federal, que isso aconteça. E acompanhar como CPI.
O que queria apenas, lamentavelmente, comunicar e partilhar com vocês é que nós estamos impedidos de continuar hoje.
R
Creio que, como o Hamilton ressaltou, houve uma função que a reunião de hoje desempenhou certamente, que foi a da denúncia, a da referência para todos nós, a do conhecimento dos dados. Se não me engano, algum de vocês, dos que participaram na mesa, deve ter sido entrevistado pela TV Senado antes, para fazer a abertura; eles fazem a chamada - acho que foi o Hamilton. Então, tudo isso compõe a nossa CPI, mas compõe principalmente o espaço de denúncia dessa situação.
A CPI tem a intenção de que não fiquemos apenas na denúncia dos discursos que estão sendo feitos no plenário da Casa, mas que nós possamos ter ações concretas, como esta ação aqui de hoje, não apenas desdobrada nos Estados. Podemos fazer, por exemplo, ficou em mim essa ideia para discutir com o Presidente da Casa, uma sessão temática sobre assassinato de jovens negros. Nós temos aqui as chamadas sessões temáticas. Nós fazemos o quê? Uma sessão geral do Senado, que é uma espécie de sessão especial sobre um tema. E nós poderíamos, por exemplo, também fazer uma sessão temática sobre assassinato de jovens negros. Mas, para isso,... (Palmas.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - ... no entanto, eu preciso convencer o Presidente. Eu quero, tenho disposição e acho que ele abrirá esse espaço, mas ele está fora do País, na reunião dos BRICS, e eu não posso dar a resposta agora.
Na reunião desta semana, nós vamos pegar toda essa pauta que foi produzida aqui e na reunião passada, vamos digeri-la, transformá-la em uma propostazinha e, depois de aprovada, enviar para vocês. Porque vou precisar do voto dos Senadores para poder aprovar a proposta. Então, temos que fazer a proposta, trabalhar o voto antes da reunião e, depois, trabalhar o quórum para poder viabilizar.
Quero agradecer a presença de todos vocês; do Educafro, que nos trouxe essa mobilização muito positiva para o nosso trabalho. Isso também nos anima. Vocês sabem que essa batalha que nós estamos travando é uma batalha ideológica difícil, porque ela enfrenta realmente a questão do racismo no Brasil. Ela é uma questão incômoda, digamos assim, não apenas para as elites, para a sociedade brasileira, que tem dificuldade no seu enfrentamento. E essas dificuldades se refletem em tudo; refletem-se, inclusive, na sustentação desta CPI. Ela precisa se sustentar com fatos; com a abertura, por exemplo, da televisão, que foi uma coisa negociada com o Presidente da Casa; ela precisa se sustentar em ações. Por isso que eu pensei...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sim. Ele está me lembrando de que a Rádio Senado também, e não apenas a TV, os meios de comunicação da Casa, que dão suporte a este trabalho nosso, e a repercussão, a volta desse trabalho todo, que é feita através dos portais, através dessa interação, das entidades que falam conosco. É muito importante que sensibilizemos as entidades e que essa mobilização possa ser sentida pelo Senado.
Por isso, eu gostei da minha própria ideia, confesso, de realizarmos essa sessão especial. (Palmas.)
Vamos ver se dá certo e se conseguimos. Acho que, se conseguirmos, vai ser uma coisa muito importante. Porque a CPI tem uma função. É claro que aqui podemos usar da autoridade do Senado, pressionar os Estados, essa coisa toda. Mas uma sessão de todo o Senado tem uma transmissão ao vivo o tempo inteiro; ela, obrigatoriamente, terá a participação do Presidente da Casa, de outros Senadores, das Lideranças.
Acho que podemos marcar um ponto importante na luta contra o racismo e na luta contra as mortes dos jovens, buscando ampliar os nossos aliados, porque cada passo que damos tem que ter o passo da denúncia, o passo da punição, mas também o passo da ampliação do espaço da sensibilização da sociedade para os fatos que nós estamos denunciando. Porque, afinal de contas, nós não queremos denunciar apenas para nós.
R
Para que essas coisas alcancem o poder da punição, é preciso que as nossas reivindicações contaminem a sociedade brasileira.
Que a indignação que Hamilton tanto cobrou seja uma indignação de toda a sociedade, para que consigamos efetivamente mobilizar o País, que está tão imobilizado com tantas ameaças. Porque o que nós estamos vivendo, Hamilton - digo Hamilton e todos vocês, Frei David também -, é o inverso: nós estamos sendo ameaçados neste momento por uma pauta extremamente conservadora, que sai da Câmara com a força de 513 Deputados, de maiorias que são formadas.
O Presidente da Câmara dos Deputados, antes de viajar para a Rússia, para a reunião dos BRICS, anunciou que colocará na pauta a redução da maioridade penal. Isso é uma coisa gravíssima, é uma coisa gravíssima que tem toda a relação com tudo isso que nós estamos discutindo aqui.
Então, nós vamos ter que fazer CPI, mas, ao mesmo tempo, vamos ter que nos movimentar, nos mobilizar para tentar reverter essa pauta da Câmara, tentar fazer com que essa coisa não consiga passar na Câmara, não venha nem para o Senado, e buscar alianças.
Eu estava fora, mas se não me engano, li uma notícia de que Alckmin deu uma declaração de que está disposto a fazer uma composição para impedir a votação da redução da maioridade. Que bom! Porque nós precisamos agora construir realmente alianças para impedir que esse negócio passe, porque será muito ruim, mas muito ruim mesmo, que essa história passe e que sejamos massacrados por uma pauta profundamente conservadora, demagógica, como aqui foi ressaltado, que dá a sensação ao cidadão de que ele está resolvendo a violência.
O Átila falou aqui da inocuidade dessa ação. Eu diria que, além de inócua, ela pode ser pior: ela pode aumentar a violência; ela pode levar ao crescimento da violência. Então, a pauta da segurança realmente tem que se colocar; ela está extremamente ligada à questão racial no Brasil, como historicamente sempre esteve, e, por isso, talvez ela seja tão pouco tratada. Então, é a nossa obrigação colocá-la na prioridade da agenda.
Eu peço a vocês desculpas por não podermos prosseguir no debate, como gostaríamos, até mais. E vamos organizar tudo isso que vocês nos deram de informação aqui hoje para que, na próxima reunião, possamos deliberar e convidar vocês de novo num novo modelo de debate. Está bom?
Muito obrigada a todos. (Palmas.)
(Manifestação da plateia.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Um momentinho, um momentinho que eu preciso de uma decisão formal.
Não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada esta reunião.
Obrigada. (Palmas.)
(Iniciada às 19 horas e 34 minutos, a reunião é encerrada às 22 horas e 26 minutos.)