08/06/2015 - 37ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Eu queria dar meu bom-dia a todos e agradecer a presença das pessoas que estão aqui, nossos convidados. O frei está chegando, o professor também.
Declaro aberta a 37ª Reunião Extraordinária da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiências públicas, nos termos do Requerimento nº 56, de 2015-CDH, de autoria do Senador Paulo Paim, aprovado em 29/04/2015, para debater sobre os impactos das medidas econômicas sobre a população negra.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no link www.senado.leg/br/ecidadania, e do Alô Senado, através do número 0800-612211.
Para começar, vamos chamar os convidados que já estão presentes. O Frei David já está presente. Uma salva de palmas para ele. (Palmas.)
A jornalista Luciana Barreto, que já está na Casa. Uma salva de palmas para a Luciana. (Palmas.)
E uma salva de palmas para vocês, presentes aqui. (Palmas.)
Uma salva de palmas para o Ivair Augusto, da Universidade de Brasília, por favor. (Palmas.)
O Senador Paim pode não estar aqui fisicamente, mas, espiritualmente, ele está presente nesta reunião, porque foi de autoria dele essa solicitação. Ele, por força da sua agenda extremamente corrida, hoje teve que estar em Santa Catarina atendendo uma agenda que já estava pré-marcada e, infelizmente, não pôde estar aqui presente.
Mas o Senador Paim deixou aqui uma mensagem muito bonita, grande, que tem, com certeza, todo o sentimento dele. Eu faço questão, antes de começar o nosso debate aqui, de ler esta mensagem do Senador Paulo Paim. Eu dei uma lida rápida, e tem tudo a ver com ele, com a vida dele, com o sentimento dele:
Srªs e Srs. Senadores, público presente, reunimo-nos em audiência pública nesta Casa, no dia de hoje, com o objetivo de entabular o debate político a respeito dos impactos da medida econômica sobre a população negra.
Alguém poderia indagar o aparente 'redundismo' do debate, uma vez que o impacto de boa parte das medidas econômicas governamentais atinge o conjunto dos cidadãos brasileiros e não apenas um ou outro setor de nossa sociedade. O questionamento procede, porém, cabe a nós relembrar que as tantas vicissitudes experimentadas pelos afro-brasileiros, ao longo dos séculos, ainda deixam marcas evidentes em nossa vida social. Por muito tempo, ainda, fazer coincidir algumas das discussões nacionais mais importantes com os anseios das comunidades afrodescendentes é medida de justiça, ou seja, é do interesse de todos nós brasileiros. E, como bem sabemos, o Brasil passa por um momento que nos inspira cuidados, prudência e autocontenção, para que nossa economia retome, com força redobrada, sua ascensão e melhore patamares de geração de riqueza, de geração de emprego, de dinamismo criativo e vigor produtivo.
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Por isso é que o Governo Federal, na sua totalidade, em simbiose com a vontade da Presidenta Dilma Rousseff, vem trabalhando por justo benefício e bem urdido por contingenciamento razoável e por justiça na distribuição dos ônus pela recuperação da nossa economia. Os ajustes são de fato necessários, decorrentes da elevada responsabilidade inerente ao enorme fardo pessoal e político suportado por todos quantos governam o Brasil. Porém, tais razões serão mais bem recebidas pelo povo se recaírem com proporcionalidade e justiça distributiva entre os ricos e os menos favorecidos.
E, entre os menos favorecidos, encontra-se a comunidade afro-brasileira, a qual temos a honra de integrar neste Senado.
Assim disse o Senador Paim.
Prezados ouvintes, Srs. e Srªs Senadoras, temos muito que caminhar na construção de um Brasil verdadeiramente digno, justo, fraterno, igualitário, generoso e acolhedor por todos os que aqui vivem. A despeito de que precisa ser ainda construído, é nosso papel reconhecer que muito tem sido feito no decorrer dos últimos anos.
Com efeito, reconhece o Instituto de Política Econômica Aplicada que, há pelo menos 20 anos, o Estado brasileiro vem implementando com sabedoria e sentido de dever inúmeras políticas públicas voltadas à diminuição da desigualdade social em todas as esferas do poder. Assim é que o afro-brasileiro tem visto avanços de seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de forma mais acelerada do que o IDH relativo à parcela branca da população.
Há que se reconhecer, todavia, a persistência do que o Ipea denomina verdadeiro abismo racial em nossa sociedade, razão pela qual é necessário aprofundar consistentemente a política de ação afirmativa. Medidas afirmativas já estão presentes na criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em âmbito federal e a entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial em nosso ordenamento jurídico.
Nas universidades brasileiras ou em órgãos públicos mais tradicionais, como o Ministério das Relações Exteriores, atribuímos grande utilidade ao uso inteligente das cotas raciais em que se levam em conta critérios econômicos para que se favoreça quem realmente precisa de proteção legal. Espaços de exercício do poder em geral e também de transmissão e produção do conhecimento legitimam mais o Brasil perante o mundo e perante nós mesmos pela via da garantia de pluralidade étnica e social entre os que ocupam tais espaços, como políticos, servidores públicos, estudantes ou professores.
A lenta assimilação dessa nova consciência já nos oferece melhores resultados. Segundo o Ipea, entre 2002 e 2009, pouco mais de 98 mil jovens afro-brasileiros ingressaram no ensino superior mediante os programas de bônus sobre a nota obtida nos processos seletivos. As estatísticas falam por si sós: em 1992, apenas 1,5% dos jovens negros entre 18 e 24 anos ingressariam na universidade; em 2009, o grupo já representava 8,3%. Já entre os jovens brancos, as matrículas líquidas multiplicaram-se no mesmo período, saltando de 7,2% para 21,3%. A frequência dos jovens negros na universidade, que correspondia a 20,8% da frequência dos brancos no ano de 2002 passou a corresponder a 38% em 2009.
Outro dado relevante diz respeito à evolução mais equitativa dos salários do mercado de trabalho. Constatamos no Brasil uma aproximação maior entre a renda do trabalho auferida por brancos e por negros. Segundo o Ipea, os rendimentos médios da parcela negra da população ao longo dos anos de 1990 equivaliam a 50% dos rendimentos dos brancos, e há cerca de dois anos aumentaram para 57%.
Graças a outras medidas benignas, como a ampliação do Programa Bolsa Família e o incremento do valor do salário mínimo, a renda domiciliar per capita da família negra, em comparação com as famílias brancas, apresenta, a partir de 2001, uma nítida diminuição da disparidade histórica. De fato, ao longo de 1990, os brancos valiam-se de um ingresso de 2,4 vezes superior ao dos negros, diferença que caiu para 2,06 em 2007. O ritmo da queda, se mantido, resultará no atingimento da igualdade entre os grupos apenas em 2029.
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Estimados ouvintes, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, assim diz o Senador Paulo Paim:
Há muito o que mencionar sobre a diferenças inter-raciais no Brasil, o que, decerto, ocorrerá ao longo da presente audiência pública. Cada um de nós irá jogar luzes sobre o aspecto que nos parece importante, digno de menção no processo dialógico da construção do Brasil que sonhamos.
Gostaria, no entanto, de reiterar que tenho razões para manter viva a nossa esperança a partir dos dados estatísticos que nos estimulem em nossa luta comum. Um exemplo é a diminuição da pobreza. Em 1997, 57,7% dos afro-brasileiros e 28,7% dos brancos eram pobres, proporções que caíram para 41,7% de negros e 19,7% de brancos em 2007.
De tudo o que se pode perceber desse lento, porém consistente, processo de redução de desigualdades sociais no Brasil, impõe-se a nós a certeza de que o afro-brasileiro necessita, com toda a certeza, de tratamento especial no tema, por conta do funesto legado que a escravidão odiosa deixou em nossa sociedade.
Cumpre-nos, por último, ressaltar que clivagens raciais importam no momento, porque estamos justamente nos voltando ao combate para a justiça entre seres humanos brasileiros e nessas condições em que todos, a despeito de nossa origem, crença, orientações religiosas, filosófica, nos irmanamos no solo deste País, que nos é comum.
Dia chegará, tenho absoluta convicção, em que as medidas protetivas deixarão de importar tanto quanto agora pelo fortalecimento gradativo e ininterrupto de uma classe média robusta e majoritária que nos irmane em todos os termos de bem-estar econômico e social! Ansiamos pelo raiar desse dia tão esperado em que a sociedade brasileira, pacificada e feliz, possa se orgulhar de todas as suas crianças acolhidas e saudáveis, estudando em boas escolas, e todas as famílias providas com o mínimo de conforto para uma existência sã, digna, realizada e feliz.
Era o que tinha a dizer o Senador Paulo Paim.
Muito obrigado. (Palmas.)
Queria aqui, antes de conceder a primeira palavra, registrar a presença do Senador Hélio José. Uma salva de palmas para ele! (Palmas.)
Ele, inclusive, daqui a pouco vai-me substituir aqui, porque fiquei aqui só interinamente, até ele chegar, para ele tocar os trabalhos. O Senador Hélio José é um Senador brilhante e, assim como eu, entrou agora, não é, Senador Hélio José? E estamos com toda a vontade de trabalhar.
Mas eu queria, antes de passar a palavra, de mencionar que a preocupação do Senador Paulo Paim é pertinente. Por exemplo, agora há uma CPI, e hoje à noite vai ocorrer uma reunião, para apurar a mortalidade da juventude brasileira, e alguns dados estatísticos me chamaram atenção: 56 mil pessoas são mortas violentamente, assassinadas, no Brasil - 56 mil pessoas! Essa é uma guerra silenciosa que está acontecendo, que a gente, às vezes, a olho nu, não percebe, porque não há o barulho das armas, das bombas, mas há o barulho das vidas, maior do que isso, que são cerceadas diariamente.
Então, dessas 56 mil pessoas, 53% são jovens; desses 53%, 77% são negros; e, desses 53%, 93% são do sexo masculino. Ou seja, ainda, os mais humildes e os negros pagam o preço dessa violência que precisa acabar no País. E, hoje, principalmente os homens negros são as maiores vítimas dessa violência tão brutal que ocorre, silenciosamente, à margem até dos nossos olhos, à margem do destaque da própria mídia, que, às vezes, não destaca tanto isso.
E vi hoje até uma reportagem - e vou falar dela em plenário - muito sábia que mostra que o Senado e o Congresso estão muito preocupados com a redução da idade, como se isso fosse reduzir a criminalidade. No entanto, ninguém bate a corrupção. Há Senador envolvido em corrupção indicado para a Comissão de Ética; quer dizer, é uma aberração, isso é um contrassenso! (Palmas.)
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Isso é um contrassenso. É um contrassenso.
Mas como as mulheres têm voz e vez, nós vamos começar com você, Luciana.
A SRª LUCIANA BARRETO - Obrigada. Bom dia a todos.
Eu sabia que esta missão ia caber a mim, já que sou a única mulher da Mesa. Eu logo imaginei.
Pela raridade do fato, pois nunca estive aqui em uma comissão como esta, em uma audiência pública, resolvi escrever algumas palavras. Sempre falo livremente, mas desta vez resolvi escrever algumas palavras.
Eu agradeço muito a oportunidade de estar nesta Casa. Jamais imaginei que estaria aqui um dia, assim como jamais imaginei que me tornaria âncora de um telejornal, como sou hoje. Da mesma forma, na primeira infância, jamais imaginei que concretizaria o sonho de ingressar em uma universidade.
Durante muitos anos eu me perguntei quem teria roubado essa minha imaginação. Hoje, senhores, eu sei que foi o Estado brasileiro que tirou de mim essas possibilidades. Trato aqui possibilidades como os caminhos que oferecemos aos nossos cidadãos.
Recentemente, em relação à crise de imigrantes africanos na Europa, especialistas afirmaram que as dificuldades econômicas do continente europeu minaram os investimentos sociais e o apoio aos países da África. O resultado começou a aparecer, a verdade é esta: milhares de pessoas fugindo da fome na África. Aqui no Brasil há um dito popular para essa decisão da Europa, que é: farinha pouca, meu pirão primeiro.
Nós, crianças nascidas nas décadas de 70 e 80, sabemos bem o que significa isso. Crescemos em meio a uma forte crise econômica. Eu me lembro muito bem da infância sem projetos sociais nas décadas de 80 e 90. As ajudas se resumiam ao combate à fome.
E peço licença agora para usar o meu exemplo pessoal.
Com escolas públicas precárias, meus pais acharam que a solução seria conseguir uma bolsa parcial de estudos em uma escola particular. Ocorre que eles nunca conseguiam pagar a diferença da bolsa parcial, a verdade é essa, e acabávamos ficando de fora no final. Era assim na década de 80. Não sei se vocês se lembram bem, mas na década de 80, se você não conseguia pagar a sua parte, você era humilhado, ficava de fora esperando para entrar na escola porque era um não pagador. Ocorre que nunca conseguíamos pagar essa diferença, assim como não havia dinheiro para o lanche, para os livros e até para o uniforme. Eu sempre herdava uniforme usado do meu irmão, sempre furado, malcheiroso.
O fato é que eu gostaria que o meu exemplo fosse isolado, mas não era. Eu via no meu bairro meus vizinhos tentando sobreviver. Ao mesmo tempo que as imagens da tevê mostravam o Brasil faminto da década de 80. E esse Brasil se parecia comigo e com os meus. Era um Brasil predominantemente de pele escura.
Do outro lado, ainda com a permissão do Estado, nós víamos um Brasil rico. Nossa teledramaturgia ostentava um Brasil caucasiano, com casas enormes e lindos jardins, um café da manhã farto. Nesse Brasil, existiam livros, aliás, muitos livros - aquelas salas ostentavam muitos livros -, havia helicópteros, barcos, muitas viagens.
Quando criança, eu ficava olhando para a tela e tentando me enxergar no meio de tudo isso. Eu buscava a minha pele e a minha imaginação, que havia sido roubada. Mas o que eles me ofereciam, e muito raramente, eram os lugares certos: a cozinha, a limpeza, atividades que eu já via minha avó negra desenvolver. A televisão, com a permissão do Estado, roubava a minha imaginação. Aliás, para onde quer que eu olhasse, esse era o Brasil que aparecia: na tevê, nos livros, nas histórias.
Percebam que, como diz o Prof. Kabengele Munanga: "A memória que me inculcam não é a do meu povo; a história que me ensinam é outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses e francos de cabelos loiros e olhos azuis".
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Eu não tenho dúvidas, senhores e senhoras, de que existia até então um sistema perverso, que resultava na inferiorização, na desumanização do negro. E os resultados nós estamos vendo agora. Diferente do passado, o Brasil da última década avançou para a população mais pobre, principalmente para os negros.
Isso é evidente. Nós conquistamos direitos com políticas sociais; mais crianças deixaram de abandonar a escola; o problema da fome diminuiu, e ninguém precisa mais dividir uniformes, como eu tinha de fazer com o meu irmão. Ninguém precisa mais ter carência de livros, porque os livros não faltam. Muito pelo contrário, luta-se para que tenham mais qualidade. Está aí a Lei nº 10.639.
O que dizer do ingresso de negros nas universidades?
O ensino superior ficou mais colorido. No mercado de trabalho, há o que se fazer. Aliás, há um longo caminho pela frente ainda em todas as áreas, mas o mercado de trabalho, também mais democrático. Se bem que, friso aqui, acho ainda é um problema muito grave o mercado de trabalho, que não avançou como a educação.
Lanço aqui hoje uma preocupação.
Faremos diferente de outros países? Faremos diferente da Europa? Diante de uma retração da economia, novamente os mais pobres serão penalizados? Senhores, será assim "farinha pouca, meu pirão primeiro"?
Eu não poderia deixar de registrar aqui o quanto o assunto é urgente. Junto com outros amigos, eu venho dedicando parte do meu tempo e da minha vida à abordagem da questão racial dentro dos meios de comunicação. Tenho de ressaltar o grande trabalho da TV pública, que vem fazendo um grande trabalho nesse sentido. Eu tenho lá liberdade para trabalhar esse tema. E o fato, posso garantir, é que os meus amigos não encontraram e não encontram a mesma boa vontade em alguns veículos de comunicação.
Nos últimos anos, a EBC vem produzindo ou exibindo conteúdo sempre com a preocupação de mostrar um Brasil mais diverso, mais colorido, um Brasil que respeita a etnia do brasileiro, as etnias. No jornalismo, nós denunciamos, a todo momento, os problemas ligados à questão racial, a casos de racismo, presos por engano, desigualdade no mercado de trabalho e, o mais grave, agora, o assassinato de jovens negros; o racismo institucional, e o que mais houver por aí, pois tem muita coisa.
É evidente que recebemos muito apoio, assim como eu pessoalmente recebo centenas de mensagens, muitas com denúncias de racismo. É a do professor universitário que sempre é obrigado a dizer que ele não é o faxineiro, quase todos os dias; há o aluno que teve de abandonar a sala de aula, abandonou o futuro e abandonou a vida porque não aguentou suportar o racismo; há os universitários que ingressam na universidade também e que não conseguem sobreviver lá, seja pelo racismo, seja pela desigualdade econômica, seja pela dificuldade de se manter na universidade.
E, mesmo com todas essas evidências, é necessário lidar com palavras ingratas nessa luta. Ouvimos quase todo dia: vitimismo, meritocracia, esquecer o passado. Frequentemente, recebo mensagens deste tipo: "Mas isso é vitimismo"; "Nós vivemos num país democrático. É só você conseguir a famosa meritocracia." Ou então: "Vocês precisam esquecer o passado e olhar para frente".
Cabe que o passado está bem presente.
E o que se quer dizer é que existe uma paz artificial entre nós.
Um dia desses, eu li uma frase, que se encaixa bem aqui, que é: "Parem de pedir paz, quando, na verdade, o que querem é pedir silêncio." E a verdade é esta: o que querem da gente é pedir silêncio. (Palmas.)
Eu recebo muitas mensagens hostis. Não é fácil mexer com privilégios neste País, meus senhores e minhas senhoras.
Lembro aqui também uma fala do Luther King: "O opressor nunca liberta voluntariamente o oprimido". Nunca. É preciso trabalhar muito para isso. A liberdade nunca é dada a ninguém. As classes privilegiadas jamais abrem mão do privilégio - jamais - sem que haja luta. E a essa luta existe uma forte resistência.
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Para finalizar, eu gostaria de dizer que, recentemente, eu participei de um projeto chamado DNA África, que realizou o exame de DNA de alguns brasileiros. E não há dúvidas da minha ascendência negra - vocês podem ver - pelo lado paterno; mas qual não foi minha surpresa ao descobrir que eu possuo DNA 100% indígena do lado materno.
Portanto, eu guardo em mim dois corações - desculpem-me a emoção -, de duas etnias que lutam há séculos para sobreviverem à lógica do Brasil opressor.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Com muita satisfação, assumo a presidência destes trabalhos. É muito difícil substituir o Senador Paulo Paim, mas vou fazer o possível para lhe ser fiel.
Pessoal, realmente as discriminações são um absurdo, mas também é absurdo a gente se vitimar. Eu acho que a pessoa tem que andar sempre de cabeça erguida, com tranquilidade, porque todos nós temos possibilidades fisiológicas, condições de vencer. Agora, essas injustiças acontecem mesmo.
E eu queria pedir, Luciana, que, por favor, você se apresentasse.
A SRª LUCIANA BARRETO - Sou Luciana Barreto, âncora do Repórter Brasil, edição da tarde, na TV Brasil, na Empresa Brasil de Comunicação.
E eu também, claro - é bastante importante frisar -, como muitos aqui, venho do projeto Educafro. (Palmas.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM (Fora do microfone.) - Quando foi isso?
A SRª LUCIANA BARRETO - Em 1996, eu entrei na Educafro.
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM (Fora do microfone.) - Eu não tinha nem nascido. (Risos.)
A SRª LUCIANA BARRETO - Mas lá havia alguém muito parecido com o senhor, Frei. (Risos.)
Em 1996, eu entrei na Educafro; em 1997, entrei na PUC do Rio de Janeiro como bolsista 100%, e tenho que agradecer também, é evidente, à Educafro, ao empenho do Frei David, e à PUC do Rio de Janeiro, que nos acolheu sempre, muito antes das cotas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Muito bom.
Eu fiz questão de que a Luciana se apresentasse, para que todos pudessem saber mais da Luciana, que deu esse brilhante depoimento aqui.
Pessoal, eu queria lamentar o seguinte: foram convidados...
Queria primeiro saber se o Antônio Teixeira Lima Júnior, do Ipea, está presente. Há alguém do Ipea presente? (Pausa.)
Não.
Foi convidado o representante do Ipea, técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Disseram que ele vinha, mas até agora não chegou.
Quero lamentar as ausências, todas elas justificadas, por motivos de agenda: do representante do Ministério da Educação, que acho deveria estar aqui; do representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); do representante da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade racial (Seppir), que é a secretaria que existe exatamente para políticas de inclusão; do representante do Ministério da Fazenda.
Essas cinco ausências nós queremos lamentar. Eu acho que deveriam ter vindo, deveriam ter mandado representante, porque aqui nós trabalhamos um questão séria. É o Senado Federal; não é o Senador A ou o Senador B; é a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, e nós precisamos realmente da presença de todos, para podermos dizer ao Brasil os pontos de vista, principalmente dos nossos órgãos públicos.
Então, é lamentável não terem vindo, nem terem mandado representantes.
Eu gostaria de passar a palavra agora ao nosso querido professor da UnB, universidade pela qual me formei em 1982 - a Luciana nem pensava em nascer ainda. (Risos.)
Formei-me em Engenharia Elétrica pela UnB, e tenho muito orgulho de ter pertencido a ela. Ela hoje é dirigida por um reitor que foi da minha turma de Engenharia Elétrica, Ivan Camargo, e é muito importante isso.
Prof. Ivair Augusto Alves dos Santos, da Universidade de Brasília (UnB). Se você quiser se apresentar primeiro, Ivair, antes de começar sua fala...
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O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Bom dia senhoras e senhores. Eu sou professor de Sociologia na Universidade de Brasília. E quero dizer que me sinto muito honrado de poder participar desse debate. Acho que o Frei David teve uma grande ideia ao propor isso ao Senado, para que a gente pudesse discutir isso.
Quero cumprimentar o Senador Hélio José, que está conduzindo os nossos trabalhos. Quero cumprimentar a nossa jornalista, que representa uma coisa concreta do trabalho da Educafro. E gostaria de cumprimentar também o Frei David, que é um companheiro de décadas; a gente se conhece já há algumas décadas, desde a década de 70.
E eu queria chamar atenção dos senhores e das senhoras de que o processo de luta do Movimento Negro se materializou, nos últimos anos, em algumas ações muito pontuais sobre as quais quero discorrer, e quero mostrar para os senhores como isso nos vai afetar diretamente. A primeira coisa para a qual queria chamar atenção é que, infelizmente, a gente não está aqui com a presença de nenhum membro de Governo; praticamente há da sociedade civil e os representantes do Senado, mas é importante registrar que, graças ao empenho e à luta de militantes do Movimento Negro, nas últimas décadas - e digo décadas! -, a gente conseguiu implementar a ideia, o paradigma, dos programas de ações afirmativas.
Então, isso não foi alguma coisa que surgiu a partir de 2001 e tal. Desde os anos 50, já no primeiro congresso do negro, feito, articulado e organizado por um ex-Senador desta Casa, que foi o nosso querido Abdias do Nascimento, já se propunham medidas que pudessem dar certo amparo à população negra. Essas medidas só foram conquistadas a partir do início do século XXI. Então, passamos um século inteiro denunciando que havia racismo no Brasil, e, só no século XXI, conseguimos materializar isso.
E concentramos basicamente medidas de ações afirmativas no campo da educação. Então, basicamente, dissemos para a Nação: "Olha, nós queremos que os nossos jovens estudem nas universidades públicas; queremos que haja uma reserva de vagas para os estudantes poderem participar". E isso foi um processo sofrido e doloroso que foi indo de universidade para universidade.
A universidade com a qual eu trabalho foi a primeira universidade federal a ter um programa de ação afirmativa. Foi a universidade que passou por uma luta dentro do Supremo Tribunal Federal (STF), e ganhamos a causa de ação afirmativa com dez votos a zero; ou seja, é uma comprovação de que, desde o início, tínhamos clareza de que a nossa proposta era constitucional. E a nossa proposta, quando foi submetida à mais alta Corte do Brasil, foi conquistada.
A partir daí, as universidades, lentamente, foram realizando seus programas, até que tivemos a promulgação da lei, e todos os estabelecimentos de escolas públicas em nível federal também tiveram cotas fixadas.
Qual é o problema?
O problema é que, ao longo desses 10, 15 anos de acompanhamento do programa de ações afirmativas, a gente aprendeu uma coisa: nenhum programa de ação afirmativa funciona por si só; é preciso haver o monitoramento e, se você não tem o monitoramento, vai haver falha e vai haver também problemas de desvio, porque as pessoas...
A gente, ingenuamente, achava que pessoas não negras não iriam apresentar-se para o nosso programa. Pelo contrário, a gente tem mostrado que, se você não tem monitoramento das pessoas, elas vão burlar a lei e vão esquecer que isso é para negros. E vão tentar, definitivamente, derrubar as nossas propostas.
Qual é o problema? Vou pegar um exemplo concreto: São Paulo recentemente fez um concurso para procuradores. E vocês sabem que o concurso de procuradores é um dos concursos mais bem valorizados e tal. O que aconteceu? Nada menos de que sete ou oito pessoas que não eram negras tentaram entrar nas vagas de população negra e, se não fosse a vigilância do Movimento Negro, perderíamos essas vagas nesse sentido.
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Agora vamos acompanhar a nossa última grande conquista, que foi a lei que criou a obrigatoriedade de que, nos concursos públicos federais, também haja vagas. Vocês acreditam que, sem monitoramento, nossas vagas serão preenchidas por negros?
De acordo com a nossa experiência, tanto na universidade federal como em vários concursos de que participei, elas não serão preenchidas só por negros. Haverá pessoas que, de alguma forma, vão tentar burlar, vão tentar nos perpassar nesse processo. Vai nos afetar diretamente esse processo.
O que é preciso fazer então?
É preciso que haja monitoramento.
E uma coisa interessante: você não vê nenhum ministério hoje se preparando efetivamente para os concursos em relação à inclusão da população negra. Portanto, vai ficar assim mesmo. Você vai lá, declara, faz a prova e depois vê o resultado? Não. Você tem que acompanhar esse processo. E acompanhar o processo implica o quê? Implica ter recursos. Se você não tem recursos para acompanhar e se você não acompanhar esse processo, nós vamos fracassar. A nossa grande luta, que foi de décadas, para que pudéssemos implementar ações afirmativas, será um grande fracasso. Percebemos que lutamos, lutamos, lutamos e morremos na praia, porque, efetivamente, os negros não conseguiram chegar lá.
Vou citar um exemplo concreto. Desde 2004, 2005 - vejam só -, nós começamos a discutir um programa de ação afirmativa chamado Programa de Ação Afirmativa do Instituto Rio Branco para a carreira diplomática. Esse foi um programa feito a duras penas. Começamos a discuti-lo em Durban e conseguimos realizar. Até o ano passado, era um programa de sucesso. No entanto, todos os anos, os únicos negros que conseguiam chegar à carreira diplomática eram aqueles que tinham o apoio efetivo do programa de apoio, com bolsas para a carreira diplomática.
Neste ano, não há programa. Não há programa. Não há programa e não há manifestação alguma do Ministério das Relações Exteriores em relação a isso. E também não há manifestação alguma de como eles vão implementar os 20% a que nós temos direito, segundo a lei federal. Não há. Não há.
Dessa forma, o primeiro impacto concreto é que, neste ano, depois de dez anos de programa, o Ministério das Relações Exteriores simplesmente não diz nada, absolutamente nada: se vai continuar com o programa ou não. Isso significa que aquela porta que nós havíamos aberto para corrigir a questão fundamental que nós levantamos durante o século XX inteiro, de que não havia diplomatas negros, foi fechada. De novo, nós estamos sendo derrotados.
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - É um retrocesso.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Um retrocesso. Não há, efetivamente, uma manifestação no sentido de manter o programa. Esse era o único programa federal para o qual havia dinheiro para manter a bolsa. Porque, para você se preparar para o curso da carreira de diplomata, é preciso ter muito dinheiro. Você tem que pagar cursinho, comprar livros, etc. É um processo muito custoso.
Então, essa porta foi trancada para nós. Até agora, o Ministério das Relações Exteriores não se manifestou. Eu não vi nenhuma manifestação da Seppir, não vi nenhuma manifestação da Fundação Cultural Palmares, de absolutamente ninguém, em relação ao que vão fazer com o Programa de Ação Afirmativa, que foi conquista nossa durante o século XX.
Vou citar outro exemplo. Nós passamos o século XX inteiro sem ter um diplomata que chegasse a embaixador. Vou repetir: um século inteiro, e não tivemos um diplomata. No início do programa, no primeiro exame, conseguimos colocar uma pessoa na carreira diplomática, graças ao nosso programa. Nós estamos perdendo mais essa chance.
Mas vamos continuar a discutir qual é o impacto em relação a isso. Fica claro o seguinte: nossas conquistas estão na janela; ou seja, se não houver mobilização e se o Governo não fizer a sua obrigação de acompanhar os concursos, nós só alcançaremos a nossa luta por meio de programas de ação afirmativa.
O segundo ponto. Qual é a primeira bandeira hoje que em qualquer lista, qualquer programa, qualquer página na internet, o Movimento Negro apresenta? Qual é? É a luta do combate a quê? Ao genocídio da população negra. Qualquer um apresenta isso.
Vejamos o seguinte: que programa o Governo brasileiro apresentou para combater o genocídio da população negra? Real. É um tal de Juventude Viva. Correto? Um programa com pessoas muito bem intencionadas, mas, pelo nome, você já se pergunta: "Mas por que Juventude Viva e não Juventude Negra?". Houve um debate interno: era Juventude Negra, mas como era uma questão muito afirmativa, escolheram um nome mais tranquilo: Juventude Viva. Tudo bem, vamos continuar com o nome que eles escolheram.
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Qual é o problema? Para nós, é o seguinte. Nesta sala, só há jovens. Digam-me uma ação concreta de combate ao genocídio da população negra pelo Juventude Viva. Um só. É só ver o silêncio da sala. Não tem.
Há vários programas - programa de iluminação, programa cultural -, mas não há um programa que combata... Os dados que são apresentados ano a ano em relação aos homicídios envolvendo a juventude negra são crescentes, não se alteram. Então, como é que se tem um escândalo desses, a população jovem morrendo, aos milhares, todo mundo aqui afirmando isso nos discursos e tal, mas qual é o programa efetivo que faz essa curva mudar?
Não há um programa concreto que vá direto ao problema. Pelo contrário, a única proposta que estão apresentando, e esse programa tem tomado o País, qual é? Diminuir a idade da maioridade penal; ou seja, a resposta para combater o genocídio da população negra é colocar mais jovens mais cedo no sistema penal.
Então, o debate que hoje toma conta da sociedade brasileira é diminuir a idade penal, mas você não vê o mesmo empenho no combate à violência. Aqui, nesta sala - você pode perguntar -, todo mundo tem um parente ou um amigo que morreu em situação trágica.
Num momento de crise como este, de desemprego, o que vai acontecer conosco? Vai aumentar o número de pessoas, porque não há, efetivamente, um programa para valer, para combater isso. Pelo contrário, há um debate para diminuir a idade da maioridade penal. Ao contrário, vamos colocar mais jovens negros dentro do sistema penal e, aliás, com mais tempo, ainda por cima.
Eu já disse a primeira questão: ação afirmativa. A segunda questão, a pauta principal da população negra, que é o combate ao genocídio da população negra, essa esquecem. O programa Juventude Viva, que tem um orçamento reduzido, vai reduzir mais ainda e, pelo contrário, não tem dado conta de responder o que nós queremos com esses dados, que são escandalosos.
Recentemente, a Anistia Internacional até incorporou essa questão nas suas grandes lutas pelo combate à violência, porque é escandaloso. O número de jovens negros que morrem anualmente no Brasil é uma coisa muito violenta e que vai passando. Não há uma resposta da sociedade em relação a isso.
Vamos pegar outro ponto, que é outra pauta da população negra: titulação das terras quilombolas. Esse é outro ponto. E titulação de terras quilombolas não se faz com discurso; é preciso fazer isso com recursos. Agora, a velocidade com que se tem titulado as terras... São 3 mil a 4 mil terras de quilombolas reconhecidas. Se as titulações forem feitas no ritmo dos últimos anos, talvez a gente passe o século XXI inteiro sem conseguir titular as terras todas. Se temos ainda a redução desses valores em relação ao que tem que ser feito para titular as terras quilombolas, a consequência é que vamos passar o século XXI e o século XXII, e as terras quilombolas ainda não serão tituladas.
O que significa não titular a terra quilombola? Significa que o indivíduo vai continuar numa relação de trabalho servil, porque a terra é dele e ele tem de trabalhar para outro, ele vai ter que abandonar a terra. Enfim, a situação dos quilombolas vai piorar; ou seja, já era ruim, e vai piorar em relação a isso.
Por último - quero chamar a atenção para isso -, como eu sempre digo, vou afirmar o seguinte: não pensem que as questões de racismo vão diminuir nos próximos anos graças aos nossos avanços. Pelo contrário, todas as curvas que nós estamos construindo apontam para o fato de que os casos de discriminação racial tendem a crescer. Isso porque, primeiro, cada vez mais há mais jovens, mais gente chegando à classe média e mais gente entrando em espaços que antes não havia. Então, a consequência você vai ter.
E é simples. Vou pegar um exemplo concreto para vocês verem como a coisa é delicada. Toda vez que há jogo de futebol aqui no nosso campo, no Mané Garrincha, sabe o que acontece na delegacia de polícia? Aumenta o número de crimes raciais. Por quê? É evidente. As pessoas vão lá, começam a extravasar e a atacar abertamente a população negra. Conclusão: há sempre uma pessoa que diz: "Não, isso está errado".
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Então, é o seguinte: não se iludam, pois a situação a partir desse reajuste econômico vai só piorar.
Outro exemplo. Quem estava na televisão assistindo ao anúncio do reajuste fiscal lembra-se de uma situação que aconteceu. Um dos jornalistas perguntou ao Ministro do Planejamento: "Escuta, por que não diminuir o número de ministérios, para que a gente ache uma redução de despesas e tal." Qual foi a resposta dele? Foi: "Não, não vai ser necessário, porque efetivamente..."
E aí quais são os ministérios normalmente nominados para serem retirados da Esplanada? A Secretaria da Mulher e a Secretaria de quê? A Secretaria de Igualdade Racial.
Hoje, há uma discussão, aqui no Congresso Nacional, de que é necessário diminuir ministérios. E que ministérios vocês acham que vão sumir se houver uma reforma nesse sentido? "Ah! Vai ser o da população negra e será o da mulher."
Só não há, porque há uma mobilização. E sabe qual é o argumento que o Ministro usou? "Os custos para esses ministérios são muito pequenos."
Então, espera um pouquinho! Se são pequenos, quer dizer que não há dinheiro para fazer política para nós. Se já era pequeno, vai ser menor ainda.
Então, as estimativas dizem que mais de 50% do orçamento da Seppir podem ser reduzidos com o reajuste. Se não temos ainda um grande projeto em que se combata a desigualdade racial e que possa reverter esse quadro... Construímos, a duras penas, um projeto de inclusão que eram ações afirmativas.
Estou mostrando para vocês que esse programa, sem monitoramento, tende a fracassar - é o problema número um -, e quem vai fazer o monitoramento diz, até hoje, que ninguém diz absolutamente nada.
E o segundo ponto: a questão do programa que mais afeta a nossa população, que é o direito à vida, também é um programa que não terá recursos; deverá ter menos recursos. E o terceiro programa, que é o programa de quilombos, evidentemente vai sofrer com o impacto desse reajuste.
Então, quem é que vai sofrer mais com relação a isso?
É a população negra.
E qual é o perigo ainda de, no apagar das luzes, desaparecer a Seppir? A Seppir não está aqui hoje, e era bom estar, porque, se ela não tiver mobilização na população negra, ela vai desaparecer.
Portanto, termino a minha fala, dizendo o seguinte: pela Seppir, pelas nossas lutas por ações afirmativas, pela titulação das terras dos quilombos, pelo direito à vida da população negra, nós temos que, efetivamente, manifestar o nosso descontentamento em relação a essas últimas medidas do reajuste fiscal.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Quero agradecer ao nosso querido Prof. Ivair Augusto Alves dos Santos, da UnB.
Ao mesmo tempo, gostaria de dizer aos nossos telespectadores da TV Senado que eles têm liberdade para fazer pergunta pela e-Cidadania, na página do Senado Federal. Até vocês mesmos podem mandar perguntas e comentários pelo e-Cidadania, porque, regimentalmente, não poderei abrir a palavra aqui.
Vai concluir o Frei, e vou passar a palavra para fazer as conclusões finais. Está certo?
Todo mundo pode, regimentalmente, fazer perguntas pelo e-Cidadania. O.k.? E colocar as suas opiniões também.
Gostaria de dizer que, daqui a pouquinho, vai haver uma audiência pública. Já está até ocorrendo desde as 10h, em homenagem ao Epitácio Pessoa, que foi um Presidente brasileiro negro. E vai haver essa homenagem, na Câmara Federal, e todos - quem puder comparecer - estão convidados.
Epitácio foi Presidente do Brasil de 1919 a 1922, natural de Umbuzeiro.
Vamos passar a palavra ao nosso querido Frei David Santos OFM, Diretor Executivo de Educação para Afrodescendentes e Carentes da Educafro, que tem a missão de promover a inclusão da população negra, em especial, e pobre em geral nas universidades públicas e particulares, com bolsas de estudos, através do serviço de seus voluntários e voluntárias nos núcleos de pré-vestibular comunitários e setores de sua sede nacional em forma de mutirão.
Muito bom isso!
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No conjunto de suas atividades, a Educafro luta para que o Estado cumpra as suas obrigações através de políticas públicas e ações afirmativas: educação voltada para negros e pobres, promoção da diversidade étnica no mercado de trabalho, defesa dos direitos humanos, combate ao racismo e a todas as formas de discriminação.
Eu estou chegando de Cuba. Estava em Cuba agora, voltei ontem à noite. Participei de um congresso de saúde em Cuba, que começou essa semana, na quarta-feira, e terminou no sábado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Estive na Elam (Escola Latino-americana de Medicina), estive em Porto de Mariel, estive em vários lugares. E nós estávamos nesse congresso que foi realizado no Hotel Nacional lá.
Em Cuba, um país onde metade da população é negra e metade são loiros de olhos verdes, que são os descendentes de espanhóis, eu não vejo, não consigo perceber essa discriminação, essas questões assim tão fortes. Eles convivem muito bem uns com os outros. É a mistura mesmo. É um povo muito parecido com o nosso povo brasileiro, até pela miscigenação.
Foi um passeio maravilhoso. Quem quiser ir a Cuba pode ir, além de um congresso excelente, porque Cuba tem a melhor experiência na questão de saúde. O combate que eles fizeram ao ebola, que vocês sabem que é um vírus muito duro, muito pesado, na África, na Nigéria, em Guiné e em Serra Leoa, foi fundamental para se conter essa epidemia de ebola.
Então, Cuba sempre está na frente na questão da saúde, da educação e da segurança, que são três itens fundamentais para todas as pessoas. Lá em Havana, eu não vi assalto, não vi gente fazendo afronta às pessoas na rua. Aqui no Brasil, a gente sai inteiro, e não sabe se volta inteiro para casa. A questão da segurança é fundamental.
A questão da educação. Conversei com alunos nossos, que estão cursando a Elam, como disse o Frei. Há uma satisfação global. São alunos pobres, a maioria, carentes de várias faixas do Brasil. O Porto de Mariel tem intensa movimentação. Foi um porto financiado pelo Governo brasileiro via BNDES. Pudemos testemunhar isso.
Em Cuba, há um movimento pró-abertura lento e gradual. E é importante que seja lento e gradual mesmo, para não deixar que os capitalistas tomem conta de tudo.
Então, o processo em Cuba está bastante razoável.
Com esse depoimento, eu quero passar a palavra ao nosso querido Frei David, para que ele faça o seu pronunciamento.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Saúdo a todos saudando o Senador Hélio e o seu compromisso com um Brasil melhor, com justiça social e com a responsabilidade com os mais quebrados, que é o povo negro.
Aqui, os que me antecederam deixaram evidenciada a preocupação pela ausência total dos quatro ministérios que comporiam esta Mesa. Quatro ministérios do Governo Federal comporiam esta Mesa, e todos os quatro não vieram. Por que não vieram?
Eu acho que todo mundo do Brasil que tem o mínimo de consciência política e econômica sabe que a grande vítima do aperto econômico que Dilma está implantando, a grande vítima somos nós, povo negro.
Por outro lado, é bom também salientar para todos que nós, negros, somos o primeiro grupo organizado da sociedade brasileira a botar o dedo na ferida, discutindo os impactos da crise econômica sobre a população brasileira. Somos o primeiro grupo que trabalha especificamente em cima da crise econômica e do seu impacto sobre a população.
Ora, nós temos consciência de que este segundo Governo Dilma está devendo muito ao povo negro. Dilma tem consciência disso. E eu espero que todo o poder que circula Dilma a liberte, porque a Dilma, na conversa que teve conosco, deixou bem evidenciado: "Quero, sim, empoderar o povo negro, quero, sim, trabalhar em prol do povo negro". No entanto, nós sabemos que há um núcleo duro ali, no Palácio do Planalto, e que os interesses outros falam mais alto do que a questão da inclusão. A Dilma se comprometeu a fazer um trabalho sério pelo povo negro no final do primeiro mandato dela. Ao assumir o segundo mandato, Dilma parece que foi totalmente bloqueada nessa proposta.
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Por exemplo: não admito, como militante do Movimento Negro, que a Presidenta Dilma tenha terminado de compor seu ministério sem colocar um negro sequer no ministério. Isso foi um tapa em nossa cara, como população negra organizada. Não admito, não aceito isso, não concordo com isso e vou protestar sempre contra o fato de que Dilma compôs seu segundo escalão e não botou um negro sequer! Não concordo com o fato de que a Dilma compôs seu terceiro escalão, e há só alguns negros perdidos.
Isso mostra o quanto há um descompasso entre um Governo que assina a Lei 12.990/2014, que é a lei que determina a cota para negros no serviço público, mas, dentro de casa, não está fazendo o dever de casa.
Ora, nós sabemos que mais de 40% dos cargos... Nós sabemos que mais de 40% dos cargos, aqui na Esplanada dos Ministérios e no Governo Federal, são cargos ditos de confiança; ou seja, as autoridades trazem quem eles querem.
E nós dissemos: "Dilma, queremos também coerência à sua política de assinar a lei aprovada pelo Senado e também pela Câmara - portanto, não é lei de seu Governo, mas é uma lei de Estado, que determina 20% de negros em todo concurso público; queremos sua coerência, Presidenta Dilma: nos cargos de confiança, os chamados DAS, queremos também 20% de negros na ocupação desses cargos".
E, até hoje, Dilma não nos respondeu nada, e já foram ocupados os cargos DAS.
O Vice-Presidente Temer acabou de receber de Dilma a missão de distribuir esses cargos. Nós mandamos uma carta registrada para Temer, mandamos carta registrada para todos os presidentes de todos os partidos políticos, porque foi uma negociata entre todos os partidos políticos e o Vice-Presidente Temer, para ocupar os cargos de segundo escalão. Nessa carta, cobramos deles seriedade, ética em respeito à diversidade étnica. Infelizmente, todos os partidos políticos e mais o Vice-Presidente da República Temer deram as costas e não levaram isso a sério.
Então, quando nós, negros, radicalizamos, fazemos a ocupação e nos acorrentamos, acham que nós estamos errados. Errados estão eles, que não dão atenção a nossas reivindicações e só dão atenção quando nós radicalizamos. Ou seja, o Governo quer que voltemos a radicalizar? Estamos dialogando.
A audiência pública de hoje, volto a dizer, a audiência pública de hoje é uma sinalização ao Governo Federal para acordar e reconhecer que a grande vítima da crise econômica, a grande vítima é o povo negro. Se o Governo Federal não levar a sério a denúncia que agora estamos fazendo ao vivo, em cadeia nacional, para todo o Brasil, nós, negros, seremos obrigados a radicalizar brevemente.
Bem, também tivemos uma reunião pessoal - mais de 20 lideranças da comunidade negra, dentro do gabinete da Presidenta Dilma. Entregamos a ela mais de 15 nomes - na hora, 9 nomes; depois, foram vários outros nomes -, um total de 15 nomes de negros e negras, com alto saber jurídico, para serem escolhidos para compor o STF na vaga de Joaquim Barbosa. Estranhamente, o núcleo duro do Governo Federal preferiu manter um STF sueco.
Ora, nós não estamos na Suécia! Estamos no Brasil! Não aceitamos um STF sueco, composto só por brancos. Isso é crime, isso é um tapa na cara que o Governo Federal está dando em nossa população negra! Uma grande população marginalizada, excluída de todos os cargos de decisão deste País.
E a pergunta é esta: por que o Governo insiste em nos excluir? Por que o Governo Federal insiste em nos excluir?
Podiam vocês dizer: "Ô, Frei, o senhor está pegando pesado! O Governo Federal criou cota para negro!"
Mentira! Quem criou cota para negros foi a luta do povo negro aqui na Câmara e aqui no Senado. (Palmas.)
Com certeza, o Partido da Presidenta Dilma e toda a Base aliada ajudaram, e muito, nesse processo. Ajudaram, e muito, nesse processo. Mas, se não fosse a pressão, as várias delegações que trouxemos para cá para pressionar, com certeza, esse projeto estaria até hoje engavetado.
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Mas a cota, por mais que seja um projeto fantástico e eficiente para nós, negros, a cota é uma política pública de gasto zero. Por quê? Porque ela tira a vaga de Medicina, por exemplo, das universidades federais, dos ricos e concede aos pobres. O dinheiro é o mesmo, não gastou nada. Então, é uma política de gasto zero.
"Ah, Frei, o senhor está sendo injusto. Olha o Prouni aí, Frei. O Prouni é uma política que colocou e está colocando muito negro na universidade."
Mais uma vez, o Prouni é um programa fantástico, é o maior programa de bolsa de estudo do mundo, mas, mais uma vez, falo: o Prouni é um programa, é uma política pública de gasto zero, porque, mais uma vez, o Governo pegou os impostos que antes eram dados como filantropia para as universidades e os transformou em bolsa. Então, não houve gasto financeiro novo, ou seja, foram apenas jogadas bem inteligentes - e aplaudo por isso -, mas volto a dizer: é um programa de gasto zero.
O Dr. Ivair deixou bem evidenciado, aqui, que o programa do Itamaraty de bolsa de estudo para formar embaixadores negros e embaixadoras negras está ameaçado. Há mais de um ano, o Itamaraty está em silêncio e não responde.
Nós, Educafro, estivemos por duas vezes, com uma grande delegação, lá no Itamaraty, no Instituto Rio Branco, exigindo do Embaixador Mello Mourão que ele solte o edital definindo bolsas para jovens negros. Ele, com muita diplomacia, mostra, diz, fala:"Eu espero o Governo liberar o dinheiro, espero o Governo liberar o dinheiro." Ou seja, está na cara que nós fomos cortados. Era a única política pública em que o Governo investia dinheiro verdadeiro, dinheiro limpo. Foi o único programa público que investia dinheiro limpo, voltado para a questão do negro de maneira específica, e esse programa está ameaçado.
Nós vamos estar aqui em Brasília, mais uma vez, para fazer uma pressão ao Itamaraty. Exigimos do Itamaraty um posicionamento sério e verdadeiro.
Ora, se Dilma cortou o dinheiro de todos os Ministérios, que é o que está sendo dito e é o que está sendo apresentado, por que cada Ministério vai cortar justamente no lado mais fraco? Cortassem nas mordomias, mas não no lado mais fraco.
Então, vão lá no negro e passam a tesoura, e arrancam o negro do processo de empoderamento.
Bem, colocando isso daí, portanto, a gente vai, então, adiante, apresentando esse eslaide que elaboramos.
População negra no Brasil: nós somos 53,7% do total, segundo a última PNAD - IBGE.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Exatamente, exatamente. Então, na prática, é bem maior esse número. Esses são aqueles que se declaram negros.
Segundo, o nosso acordo com o IBGE, negros são a soma do preto e do pardo. A soma do preto e do pardo é negro.
Quem é mais afetado pela crise econômica? O negro ou o branco?
Então, essa pergunta precisa ser colocada com firmeza pela sociedade brasileira e todos os dados devem ser apresentados.
Estranhamos a ausência do Ipea, que nós tínhamos certeza de que estaria aqui, à mesa, para dar esses dados para nós. Ele não está. O Ipea não veio. O Ipea garantiu a vinda e não apareceu. Por quê? Porque o Ipea não quer mostrar essa verdade.
Quem é a vítima da exclusão com esse corte, com essa crise econômica? É a população negra e nós queremos que o Brasil inteiro entenda e queremos conclamar os Senadores éticos, Senadores irmãos de garra, para denunciar isso no plenário do Senado e da Câmara.
Queremos rever essa posição e queremos solução para o problema.
Corte de verba nas universidades públicas provoca uma grande evasão de universitários negros.
O que está fazendo o Governo Federal? Nós, com certa tristeza, estamos acompanhando com muita dor o grande número de jovens negros que entraram pelas cotas nas universidades públicas, confiando na vaga, no Bolsa Moradia e no Bolsa Alimentação.
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Recentemente recebi um e-mail de um irmão nosso negro da periferia de São Paulo que entrou para fazer engenharia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Ficou um ano sem Bolsa Moradia, sem Bolsa Alimentação. Seu pai e sua mãe venderam fogão, venderam a geladeira, venderam o porquinho para poder manter o jovem lá, e não havia mais o que vender. Chorando, mandaram o jovem voltar da faculdade.
Uma Nação que faz um absurdo desse é uma Nação criminosa. É o futuro da Nação. Quem vai ganhar não somos nós negros, é todo o Brasil que ganha quando temos mais um engenheiro negro formado, mas a Nação prefere expulsar esse negro da universidade a completar com uma "verbazinha" boba, que é o dinheiro para moradia, dinheiro para alimentação.
Então, eu peço ao nosso Senador, querido irmão Hélio, que nos ajude, denunciando isso da tribuna do Senado, porque nós não queremos que se permita ao Governo cortar a verba de moradia e alimentação dos jovens pobres. É grande o número de pobres negros e brancos que estão abandonando as faculdades públicas por falta de sustentabilidade em seus espaços públicos.
Pátria educadora ou pátria deseducadora? Além dos cortes, enganação? Em um dia, o Governo propôs o saudoso projeto Pátria Educadora, que nós elogiamos e aplaudimos; no outro dia, o Governo cortou R$70 bilhões do orçamento da educação. Conversando com a reitora de uma universidade federal, falei: "Reitora, por que a senhora está cortando justamente... Concordando com o Governo Federal ter cortado dinheiro da senhora, da sua universidade federal, mas por que a senhora cortou justamente o dinheiro que vai para moradia e alimentação?" E ela falou: "Frei, o que você prefere? Que eu deixe o ar condicionado quebrado, estragando todo o produto químico? Então, Frei, eu tenho que ter uma opção. O problema não está em mim. Eu estou com uma verba curta, cada vez menor. Eu vou pegar esse dinheiro e vou investir onde eu entendo que dá menos prejuízo. Eu sei que vocês negros são as primeiras vítimas, mas vocês devem bater na porta certa, que é no Ministério do Planejamento, que é na Casa Civil, que é no Ministério da Fazenda. Batam lá, porque é lá que estão cortando nossas verbas".
Então, nós entendemos que o Governo Federal precisa parar de brincar com o pobre. Nós exigimos, cobramos do Governo Federal que ele tire o dinheiro para moradia e alimentação de cada faculdade pública, que esse dinheiro fique centrado no MEC e que saia direto do cofre do MEC para um cartão de crédito de cada aluno, para não permitir que os reitores, diante do desespero - justo -, diante da crise que eles atravessam, não vitimizem a ponta da pirâmide, que somos nós, negros.
Então, eu volto a dizer: conclamo o Ministro Janine, que mostra ser um homem sério e comprometido com o povo pobre, o povo negro, a tirar da mão dos reitores todas as verbas das faculdades públicas voltadas para moradia e alimentação. Não é que eles estejam administrando mal essa verba. Eles estão desesperados. Estão desviando essa verba para outras necessidades fundamentais da universidade. Mas para nós, negros, o fundamental é garantir a continuidade e o direito do nosso povo estar na faculdade para criar e ajudar a criar, amanhã, um Brasil mais firme e com mais pessoas capacitadas.
O grande corte das verbas no Fies. Quem são as principais vítimas? Grande parte dos jovens negros não conseguiu renovar e nem aderir ao Fies - jovens que entraram agora na universidade. Quem vai se responsabilizar por esse estrago no sonho da população negra? Só em uma universidade com que a Educafro tem parceria, mais de 200 jovens negros foram jogados para fora da universidade - só em uma universidade -, porque eles entraram pelo Fies. Entraram com bolsa de 60% Educafro e 40% do Fies. Com o corte do Fies, com o não complemento do dinheiro do Fies, a faculdade exigiu que eles pagassem em dinheiro vivo, mas todos eles ganham salário mínimo ou estão desempregados e, consequentemente, foram expulsos da faculdade. A faculdade fez uma falsa pré-matrícula. Descobrimos que o MEC não aceita pré-matrícula. Quando o aluno entra na faculdade, ele tem até o dia x para a faculdade registrar a matrícula do aluno, e as faculdades inventaram uma pré-matrícula, que, na verdade, não é nada. Deu o prazo para a faculdade enviar o nome dos alunos oficiais para o MEC, mas o nome desse aluno não foi, e ele, então, está como semestre perdido.
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O Governo fez um grande mal aos pobres. "Ah, Frei David, o senhor está sendo injusto, porque o Governo tinha que melhorar o Fies porque tinha muito de desvio.". Ora, se tinha muito desvio, a culpa estava no próprio Governo que não gerou um corpo de fiscais com capacidade e com seriedade de trabalho. Realmente, às políticas públicas brasileiras falta fiscalização rígida e bem elaborada, bem como rever a Lei do Fies.
Por exemplo, absurdamente, a Lei do Fies fala o seguinte, atenção: "Qualquer pessoa que ganhe até 20 salários mínimos por mês pode obter 50% de bolsa do Fies." Isso é um absurdo, gente. Isso é um absurdo. Com 20 salários, é rico. Por que o Governo vai financiar faculdade para rico? Tem que mudar a Lei do Fies, sim! Até peço ao meu irmão, Senador Hélio, que faça uma lei complementar para mudar a Lei do Fies, permitindo que apenas tenha acesso à bolsa 100% do Fies, seguindo a norma do Prouni, quem ganha até um salário mínimo e meio. No Prouni, quem ganha até três salários mínimos, tem direito a acesso à bolsa de 100% do Prouni. Então, que se transfira para o Fies a norma do Prouni e não se faça essa baixaria, permitindo que quem ganha 20 salários mínimos tenha acesso à bolsa do Fies. Tem que mudar essa lei. Nesse ponto é que está o furo; nesse ponto é que houve o rombo do Fies, e a vítima, infelizmente, não são os riquinhos, porque eles têm como pagar sua faculdade. As vítimas somos nós, negros, mais uma vez.
Quais as consequências de negros sem um curso superior e desempregados? Isso impacta fortemente a economia da população negra e de toda a população. Os cortes na educação irão gerar mais exclusão do povo negro e, consequentemente, atrasar o Brasil. A ONU exigiu do Brasil que, até 2020, se eu não me engano, tenha 30% de brasileiros matriculados nas universidades. Estamos em 2015 e não chegamos a 13%. Portanto, o negro estar na faculdade é uma maneira de o Brasil atingir as metas da ONU e não passar vergonha no mundo, mesmo assim o Governo está cometendo esse erro de manter a exclusão do negro no Fies.
Quem será o mais afetado na fila do desemprego? Serão os negros de baixa renda e sem diploma. Em todos os lugares do mundo está provado: onde há desemprego e a população é mista, a primeira vítima é sempre o negro. Sabemos que 53,7% da população é composta por negros; desses, a imensa maioria é de baixa renda, e, consequentemente, serão e estão sendo as grandes vítimas da crise econômica brasileira.
Por tudo isso, eu conclamo a Presidente Dilma para ser séria conosco. A Presidente Dilma nos prometeu uma reunião no começo de março, da comunidade negra com ela, mas, até agora, a reunião não saiu. Aproveito agora ao vivo na televisão e peço: se tiver alguém do Palácio do Planalto sintonizado na TV Senado, lembre à Presidente Dilma que estamos esperando e cobrando audiência da comunidade negra com a Sua Excelência para cobrar essas questões. (Palmas.)
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Quem pode contribuir mais com a economia? Quem pode fazer o Brasil alavancar? Negros, pois podemos ser 53,7% da população negra sem dinheiro e sem consumo ou 53,7% da população negra com renda, podendo consumir bens e serviços.
O mundo capitalista, o que o alimenta é o consumo. Quando o Governo descapitaliza o povo negro, está também atirando no capitalismo. Olhando o lado do capitalismo, são vítimas, também, neste ponto, e é um equívoco muito grande punir o povo negro com essa crise econômica. A ascensão econômica do povo negro é a solução para o crescimento econômico. Não há outro caminho. Sem investir no negro, o Brasil cai no buraco. É impossível o Brasil sair do buraco dessa crise se não investir no povo negro. O nosso empoderamento é necessariamente o empoderamento do Brasil. A distribuição de renda e o aquecimento do consumo, a partir do negro, é o caminho. Não tem outro jeito. Qualquer economista, minimamente sério e capaz, entende que somente com o aquecimento da vida econômica do povo negro é que vai tirar o Brasil do buraco.
Terceirização. Quem perde com esta questão? A precarização do trabalho afetará em maior medida as populações negras, que já sofrem com a má qualidade dos serviços públicos. Nós não aceitaremos este retrocesso. Desta vez, nós, negros e negras, iremos nos organizar mais, denunciar mais e correr atrás dos nossos direitos. Não queremos pagar o preço desta crise. Conclamamos os Senadores desta Casa, conscientes e solidários ao povo negro, a votarem contra a terceirização e peço ao meu irmão Hélio que nos ajude fortemente neste absurdo.
Terceirização e escravidão não têm diferença! Terceirização e escravidão não têm diferença! Todo brasileiro consciente é contra a terceirização.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - O programa Ciência Sem Fronteiras não tem nem 5% de negros e negras. É uma violência negar este investimento à população negra. Temos direitos de ter acesso ao desenvolvimento tecnológico e científico. Queremos produzir.
Talvez este seja outro grande erro do Brasil. O Brasil empurra o meu povo negro para fazer pedagogia, fazer letras, mas o Brasil não empurra, não incentiva o nosso povo negro a entrar no mundo tecnológico e científico. Queremos mudança de postura. E eu conclamo os negros e as negras que estão nos ouvindo ao vivo, em todo o Brasil, que repensem e façam a orientação vocacional, abracem a sua vocação. Se você tem vocação para ser engenheiro, abrace e lute. Se você tem vocação para medicina, abrace e lute. Não aceite entrar nos programas gratuitos de pedagogia, porque, na pedagogia, quem entra não precisa pagar depois de formado, o que é uma maneira de o Governo atrair, a nós pobres, para uma situação que não é... Com certeza, vários irmãos e irmãs têm vocação para pedagogia, mas muitos irmãos têm vocação para engenharia, e nós o queremos no lugar certo. (Palmas.)
O povo negro precisa de políticas públicas direcionadas e não universalistas. Cortar as verbas da inclusão não é a solução! Cortar as verbas da inclusão não é a solução! Como falou o Dr. Evair, foi cortada a verba do programa Quilombola, foi cortada a verba do programa para formar embaixadores, foi cortada a verba para reconhecer as terras dos Quilombolas. E, agora, mais uma notícia muito triste: o Ministério da Seppir teve 58% do seu orçamento cortado. O Ministério da Seppir era o menor orçamento de todos os Ministérios do Governo Dilma. O Ministério da Seppir tem o menor orçamento de todos os Ministérios do Governo Dilma! Mesmo assim, Dilma e Levy, Ministro da Fazenda, tiveram a ousadia de abusar de nós, negros, de nos humilhar, cortando 58% da verba da Seppir.
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Esse é o cenário da renda no Brasil. Vocês estão vendo que 84% da renda brasileira está na mão dos brancos; 2% nas mãos dos orientais; e apenas 14% na mão dos negros. Apenas 14% na mão dos negros. Nós, negros que somos... Somos quantos do Brasil?
(Manifestação da plateia.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Eu não ouvi. Somos quantos?
(Manifestação da plateia.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Pois é: 53,7%. E aí está aí esse absurdo. Aqui está o queijo do crime. Aqui está o queijo do crime. Aí é que mostra o grande que o Brasil faz a nós negros. Aí está a prova do crime. Os impostos no Brasil oneram mais os negros e pobres do que os ricos. E aí vocês estão vendo o desenho, o rico barrigudão, de tanto se refestelar; e o pobre, com um saco nas costas, da pobreza.
O Brasil não avança com negro pobre e branco rico. O branco está cada vez mais rico, e o pobre cada vez mais pobre, apesar de todas as políticas públicas, Bolsa Família, bolsa isso, bolsa aquilo. Apesar disso, no Brasil, o branco está cada vez mais rico. E o negro, cada vez mais pobre. Imaginem vocês se não houvesse Bolsa Família e os demais programas e transmissão de renda. Imaginem qual seria o absurdo da situação do povo negro. Com todos esses programas de transmissão de renda, ainda o branco está cada vez mais rico, e o negro, cada vez mais pobre.
Juventude negra viva. Nossos jovens negros estão morrendo todos os dias debaixo dos olhos do Estado, com total omissão. Como o Governo Federal tem a coragem de cortar mais de 30% das verbas do programa destinado ao combate à matança de jovens negros? O Governo Federal cortou mais de 30% das verbas. E agora vocês estão entendendo por que o Ministério da Fazenda não veio para a audiência, porque a Seppir não veio para a audiência.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - O Ministério do Orçamento, Casa Civil. Ou seja, todos os representantes do Governo fugiram das audiências porque eles não têm respostas para as nossas verdades, para as nossas dores. E nós queremos mudança. E o Senado, que é a Casa do povo, tenho certeza de que os Senadores que estão agora nos seus gabinetes, vendo esta audiência, vão nos ajudar a empreender uma luta em prol do povo negro. A educação, a Educafro não aceita que as respostas à crise econômica brasileira sejam lançadas novamente nas costas, que a responsabilidade seja lançada nas costas da população negra. Temos que reagir. Faremos protestos criativos e com alta carga de denúncia. Então, daqui para frente, se o Governo Federal não criar planos voltados para o povo negro, vamos ter que gerar protestos e mais protestos criativos e impactantes, cirurgicamente pensados.
O Governo sabe muito bem que nós da Educafro já entramos no Palácio do Planalto e ficamos lá acorrentados durante 24 horas. Foi o único movimento social do Brasil em toda história do Brasil que fez isso, essa ousadia. Portanto, a gente não vai aceitar que o Governo Federal humilhe o povo negro. Vamos radicalizar.
Portanto, concluo mostrando a fonte dos dados. Caso alguém queira ter contato com a nossa entidade, aí estão os contatos da entidade. E, com certeza, temos expectativa de que o Senado, que é a Casa do povo, de que todos os Senadores que estão várias audiências neste momento ao longo do Brasil e nesta Casa verão esta audiência e vão nos ajudar a acordar o Governo Federal para que não faça o mal que está fazendo ao povo negro.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Agradecemos ao Frei Davi. Comunicamos que realmente é verdade. Os Senadores estão, como a gente estava, eu e mais quatro Senadores, no Parlatino, que se reuniu lá em Havana. Eram vários países latino-americanos para discutir exatamente a questão da saúde. Há outros Senadores que estão na Rússia discutindo a questão econômica. Lá está tendo reunião dos BRICS. E os outros estão realmente nos seus gabinetes cuidando de algumas outras causas.
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O Fies já foi motivo aqui de umas cinco ou seis audiências públicas e vai continuar na pauta de discussão, porque é inadmissível mudar no meio do caminho o programa, que foi iniciado, e prejudicar quem já está sendo beneficiado. Se houvesse outra regra para quem entrasse agora, tudo bem, sem problema nenhum. Porém, não é possível para mudar a regra para quem já está no jogo, porque já se investiu uma grande quantia de dinheiro nessa pessoa. De repente, isso vai prejudicar um monte de pessoas inocentes que não têm nada a ver com o desequilíbrio, com a falta de fiscalização, ou seja, é uma coisa errada. Nós estamos batalhando muito para mudar essa questão e vamos mudar!
Antes de passar a palavra para que todos possam fazer as suas considerações, vamos às perguntas que chegaram aqui para nós no e-cidadania.
Para mim, chegou a seguinte pergunta do Allan Martins: "Prezado Senador Hélio, sabemos que é parceiro da causa da população negra. Qual será o empenho do senhor para evitar que a população negra permaneça a ser tratada de maneira vergonhosa? O senhor poderia pressionar para a criação de um mecanismo para evitar fraudes na lei das cotas?"
Vou agorinha responder.
Para o Frei David: "Sou estudante de relações internacionais..."
Desculpem-me. Quem fez a pergunta para mim foi o Allan Martins. Deixe-me ver de que Estado ele é... Não tem o Estado aqui.
Quem está perguntando para o Frei David é Alabê Nunjara, do Rio de Janeiro: "Sou estudante de relações internacionais na UFRJ, não cotista e beneficiado por programa de assistência estudantil de permanência. O senhor não acha que os programas de cotas têm que ser obrigatoriamente conectados à assistência estudantil de moradia e permanência?" Essa pergunta é para o Frei David - vou deixar para ele.
Para o Prof. Ivair: "Prezado Sr. Ivair, como podemos criar mecanismos para evitar fraudes nos concursos?"
E para mim: "Senador Hélio, como o Senado pode ajudar?" Essa pergunta também foi do Allan Martins, que não falou de onde é.
Para o Prof. Ivair, também de Alabê Nunjara, do Rio de Janeiro: "Caro Prof. Ivair Augusto, diante das gritantes estatísticas de matança generalizada de jovens (53%), sendo que, dentre eles, 77% são negros, será que não pode ser caracterizado um caso de perseguição e ataque a um determinado grupo étnico e assim caracterizar como genocídio?"
De Alabê Nunjara, novamente, do Rio de Janeiro, também para o Prof. Ivair: "Dos cerca de mil diplomatas, temos cerca de 17 negros. Você acredita que o Governo não tem prioridade em mudar as esferas de poder diplomático quanto à sua diversidade étnica? Quais fontes garantem que se encerraram as bolsas prêmios para afrodescendentes?" Essa pergunta é para o Prof. Ivair.
Para a Luciana, também de Alabê Nunjara: "Emocionante o discurso da Luciana. Em nenhum momento pareceu vitimismo. Foi um discurso tocante para quem tem a pele preta e se sente indignado ao ser enganado pelas políticas públicas que traçam aos negros um destino de fracasso. O mérito dos negros é fugir dessas estatísticas!"
Pessoal, pelo Regimento, agora eu passarei a palavra aos três palestrantes para responderem às perguntas e fazerem suas considerações finais.
O tempo é de cinco minutos, mas não tem problema ultrapassar, porque, além de sermos tolerantes, não vieram os demais.
Vamos passar a palavra para a Luciana, em ordem contrária.
Por favor, Luciana.
A SRª LUCIANA BARRETO - Bom, primeiro eu queria dizer que Frei David e Ivair fizeram já um raio X completo da situação atual e levantaram todos os problemas que deveriam ser abordados, mas eu queria revelar aqui a importância, hoje, do comunicador nisso tudo, em todo esse processo, porque é a gente que está ali, no dia a dia, tentando denunciar tudo o que o Frei David falou, tudo o que o Ivair coloca.
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Muitas vezes, a gente está, no âmbito da universidade, no âmbito da pesquisa acadêmica, com dezenas de produções que poderiam chegar à sociedade para contribuir para esse debate. Mas há recusa, e eu posso dizer "recusa", porque os problemas do povo negro neste País não têm importância para a grande mídia, a verdade é essa. Então, podemos dizer que há uma recusa de tratar dos problemas do povo negro neste País.
Então, hoje, como comunicadora, posso dizer que é um trabalho, às vezes, muito doloroso, porque você tem que carregar, forçar uma notícia, forçar - acho que a palavra é mesmo essa - a divulgação de trabalhos, a divulgação de situações hoje que são muito importantes para o brasileiro.
Por exemplo, hoje, estou sempre trabalhando na questão do extermínio do jovem negro. O extermínio da juventude negra, inclusive, é uma questão de extrema importância; é algo que não dá mais para aguardar. E hoje, por incrível que pareça, com todos os números que a gente tem, com todos os números que são divulgados, não conseguimos fazer um debate sincero sobre esse tema, que é a questão racial. Esse é o debate sincero.
Então, hoje a TV pública tem uma preocupação muito grande com isso e eu consigo esse espaço lá para trabalhar esse tema, mas a verdade é que as TVs e todos os meios de comunicação, a mídia, ela não trabalha o tema como deveria ser trabalhado, não só o extermínio da juventude negra, como os presos por engano neste País, que são centenas! O mapa da população carcerária, divulgado recentemente, na semana passada, mostra que a maior parte dos presos é de jovens negros envolvidos com tráfico de drogas. Não são crimes de assassinato, são crimes de tráfico de drogas. E me chamou a atenção uma pesquisadora que, divulgando esse mapa, dizia: "É importante frisar que não são crimes de assassinato, são crimes de tráfico de drogas. Estamos encarcerando uma juventude e perdendo talentos".
O Frei David disse algo importante quando falou que é a família negra que vai contribuir para que não tenhamos um retrocesso na economia deste País. E isso é uma grande verdade. Teríamos de denunciar e estar trabalhando com isso. Mas não conseguimos trabalhar isso, porque não conseguimos espaço na mídia para isso. Peço, então, ajuda para formar uma rede de solidariedade aos poucos comunicadores deste País que tentam furar esse bloqueio de trabalhar o tema racial neste País.
São poucos, não se enganem, recebemos dezenas, centenas de mensagens contrárias. Como eu disse, mexer com o privilégio neste País é muito difícil, é muito difícil mesmo. Então, recebemos diariamente dezenas de mensagens contrárias. Muitas vezes, alguns vídeos meus... Eu evito ver vídeos porque, algumas vezes, encontro suásticas neles, por exemplo.
Então, estamos falando de problemas muito graves, muito sérios, porque estamos mostrando a cara e temos dificuldades para fazer esse trabalho; precisamos desta rede de solidariedade e somos nós que denunciamos os problemas raciais neste Brasil. Somos nós quem denuncia todos os problemas neste País, e essa denúncia não é bem-vinda. Como eu disse, eles pedem paz quando na verdade querem dizer "silêncio". Então, o que querem de nós é o silêncio, não se enganem.
Eu peço, porque acho que hoje efetivamente precisamos de representatividade; precisamos de investimento nos meios de comunicação, para que haja representatividade nesses meios.
(Soa a campainha.)
A SRª LUCIANA BARRETO - E precisamos de programas, de produção de programas que mostrem o que é o Brasil. Precisamos ver o Brasil na tela, precisamos de programas que mostrem essa diversidade. Recentemente, a TV Brasil, que tem um trabalho com isso, exibiu uma novela angolana, a Windeck, que foi extremamente bem recebida pelo público. Ou seja, o público quer se ver na tela, e nós precisamos dessa rede de solidariedade, precisamos desse apoio para que, realmente, consigamos mostrar o Brasil na tela do Brasil.
É isso, gente.
Obrigada. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Luciana, havia também aqui uma pergunta, mas acho que você já a respondeu. "Prezada Luciana Barreto, apesar dos avanços mencionados pela senhora e, sobretudo, sobre a Lei nº 10.639, de 2003, lei que até hoje não é aplicada na maioria das escolas públicas e particulares, lhe pergunto: o que fazer para avançarmos na prática?" Diego Barbosa, estudante. São Paulo.
Acho que, de uma forma ou de outra, você respondeu. Você quer complementar?
A SRª LUCIANA BARRETO - Só sobre a Lei nº 10.639. Como comunicadora, estou sempre trabalhando e passeando sobre todos os temas. Então, percebo que, dentro das universidades, nas quais tenho muito contato - o Prof. Ivair pode falar muito melhor inclusive -, há muitos núcleos de pesquisadores tentando e produzindo material, que não chega até ao público por tudo o que já falei, pela questão do bloqueio. Existe um grupo de pesquisadores trabalhando - da Lei nº 10.639 -, por exemplo, na Universidade Rural do Rio de Janeiro. Recentemente, estive com uma professora que chefiou um núcleo de formadores, de professores com a questão racial. Então, nós estamos avançando, mas esse avanço ainda é lento desde o momento em que não nos organizamos. Acho que essa organização, que é o que está acontecendo aqui hoje, esse debate público, essa cobrança em conjunto, que vai fazer com que consigamos avançar em todos os setores.
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Obrigado, Luciana.
Eu queria dizer ao Frei David e ao Ivair que, de fato, a terceirização é a precarização do serviço. É inadmissível o projeto como veio da Câmara para cá. Ficamos muito satisfeitos quando ouvimos do Presidente do Senado, Renan Calheiros, a quem terei orgulho de levar o Frei David na sua próxima vinda a Brasília... Ele me pediu para ir com ele até ao Renan, mas, lamentavelmente, o nosso Senador está na reunião dos BRICS e só volta na quarta-feira à noite. Numa próxima oportunidade, com certeza, Frei, iremos conversar. Nosso Presidente Renan deixou claro que vai discutir isso com toda calma, com toda preocupação que essa lei exige. Ela passou 12 anos na Câmara Federal e não vai ser agora, no afogadilho, que o Senado vai aprovar isso. (Palmas.)
Nós já fizemos duas audiências públicas sobre o tema. E vejo que grande parte dos nossos Senadores não concorda, sob hipótese nenhuma, com a terceirização, principalmente nas atividades-fim, como está previsto na lei.
Com relação ao Fies, é aquilo que já falei. Já estamos debatendo e vamos ver alguma alternativa que não penalize tanto as pessoas. Gostaria de conversar mais sobre essa propositura das normas do Prouni. De repente, eu até apresento projeto de lei nesse sentido, sem nenhum problema, Frei.
Com relação à pergunta que fora a mim dirigida, o que eu poderei fazer aqui para ajudar é exatamente estar vigilante, trabalhando no sentido de evitar discriminação, de evitar vitimização de alguém e de defender os direitos do povo brasileiro, que é pagador de impostos.
Quando o Frei deu a estatística, mostrou que quem, de fato, paga imposto neste País é o assalariado. Como a maioria dos negros e afrodescendentes é assalariada, tem contracheque, eles pagam imposto. Agora, muitos que não têm contracheque não pagam impostos, sonegam impostos. Então, devemos ter esse direito de acesso a todas as questões. Então, essa Lei das Cotas só veio fazer justiça a uma situação que hoje ainda é de discriminação, que não dá tanta oportunidade de acesso às universidades, às boas escolas, coisa e tal. Por isso, essa Lei de Cotas, que esperamos superá-la logo, logo. Talvez não se vá precisar mais dela na hora em que as coisas avançarem. Então, houve o momento em que ela foi necessária, e o Congresso votou essa lei.
Eu queria passar para o Prof. Ivair Augusto para responder suas perguntas e fazer suas considerações finais.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Sr. Senador, quero repetir que me sinto muito privilegiado e honrado de participar desta reunião histórica, em que estamos questionando, discutindo, pela primeira vez, talvez, num seminário, o Orçamento. Até agora, sempre fazemos seminário para denunciar o racismo e tal. Nós queremos, agora, dialogar com o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento. Então, por isso só, este momento já é histórico.
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Agora, eu queria pedir, Senador, uma vez que não pudemos contar com os membros do Governo nesta reunião, que o senhor pudesse repetir esta audiência pública com a presença dos representantes de Governo. A gente quer dialogar com eles, principalmente com o Ministério da Fazenda e com o Ministério do Planejamento.
Então, eu faço uma proposta aqui no sentido do seguinte: que se repita esta audiência, porque vocês concordam comigo que nós estamos fazendo o nosso diálogo - eu converso com o Frei Davi toda hora, eu converso toda hora -, mas conversar com o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento, não é a qualquer hora que podemos fazer isso. (Palmas.)
Houve uma reunião especial. Sei que vieram, em ônibus, de São Paulo dezenas de jovens para participar desse evento, mas quem devia estar na festa, quem devia estar na cerimônia não está presente. Então, eu solicito, em meu nome pessoal e em nome de todo mundo que está aqui presente, que possam reproduzir esta audiência pública com a presença dos membros de Governo, para podermos dialogar com eles. Quando se fala de combater a desigualdade racial, nós não temos com quem conversar. Cadê o BNDES, cadê o Ministério da Fazenda, cadê o Ministério do Planejamento para dizer isso?
Nós estamos batalhando para que haja um Fundo Nacional de Combate ao Racismo, porque, efetivamente, quando se fala em recursos, quando chega à população negra, não há essa discussão. A discussão sobre a questão financeira, orçamentária não entra no nosso debate. Então, hoje, nós estamos inaugurando um debate neste sentido: queremos conversar com o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda, para dizer o seguinte: qual é a proposta que o Governo tem para combater o racismo e a desigualdade racial? Queremos saber isto: qual é a proposta? Quanto há de recursos para poder fazer isso? Vou dar um exemplo concreto para vocês pensarem comigo: qual é, quanto foi gasto no Juventude Viva para combater a violência contra os jovens e a população negra? Como isso impactou ou não impactou a redução ou o aumento de número de jovens mortos? Temos que discutir isso. Se está tendo dinheiro para o Juventude Viva para combater a violência contra os jovens, eu quero saber o seguinte: quanto diminuiu em termos de mortalidade da juventude negra? É simples: gastamos tanto e quanto nós temos de resultado em relação a isso. Então, eu peço, mais uma vez, Senador, que haja um esclarecimento no seguinte: qual é o impacto do Juventude Viva efetivamente na nossa questão do genocídio da população negra? Quero saber exatamente isto: onde isso está impactando ou não está impactando? Essa é uma questão.
A outra questão para que eu queria chamar a atenção é que falta mais um ator nesta nossa conversa. A gente fala do Governo, fala da sociedade civil, mas cadê os empresários, cadê o setor financeiro, o setor industrial? Como é que é isso? (Palmas.)
Parece que eles não têm nenhum compromisso em relação a isso? Quantos negros participam efetivamente de conselhos de administração de empresas? Vocês conhecem algum negro, conhecem um só negro que faça parte dos conselhos de administração das grandes empresas brasileiras? Não há. A gente acha isto normal: você não ter negros dentro dos conselhos de administração das empresas. E elas também: a Confederação Nacional da Indústria, a Confederação Nacional da Agricultura, essas grandes confederações não vêm dizer o porquê, por que elas existem. Elas têm ou não têm um compromisso com a sociedade brasileira? Ou tem só com parte da sociedade brasileira, porque nos exclui? O Governo, bem ou mal, tem um programa de ação afirmativa, e as empresas têm algum programa de ação afirmativa que nos inclua? Sinceramente, vocês já pensaram que nós discutimos entre nós, nós e o Governo, e as empresas não participam, não têm um gesto, nem vontade, nem provocativo com relação a isso.
E uma outra questão, para vocês perceberem o quanto é grave este momento. Quando o Frei Davi mencionou que poderia haver vagas nos cargos de confiança, eu simplesmente fiz uma pesquisa. Entrem no celular de vocês, no computador de vocês e vejam o seguinte: há um decreto presidencial de 13 de maio de 2002, Decreto nº 4.228 - vou repetir, 4.228, de 13 de maio de 2002 -, que cria um programa e a obrigatoriedade de haver 20% de reserva de vagas para negros, mulheres e portadores de deficiência em cargos de DAS. Então, aquilo que o Frei Davi estava propondo já existe desde 2002. Qual é o problema? Fazer cumprir. Qual é a proposta? Vai haver algum gasto isso? Não. É fazer cumprir um decreto de doze anos.
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Então, você está me dizendo que o Governo Federal está omisso? É isso?
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O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - É omisso.
O Decreto nº 4.228, do dia 13 de maio de 2002, norteia que os cargos de DAS tenham que ter, no mínimo, 20% para negros, mulheres e portadores de deficiência. Efetivamente, não há ninguém fiscalizando, ninguém discutindo, ninguém cobrando esse Decreto.
Quero mais uma vez, Sr. Senador, pedir um esclarecimento: por que o Decreto nº 4.228, do dia 13 de maio de 2002, não é implementado? Por que ele é ignorado? Porque não é questão de recurso. É uma medida política garantir que efetivamente haja o cumprimento do Decreto e que haja das vagas do DAS um percentual para negros, mulheres e portadores de deficiência, que é o Decreto nº 4.228, Decreto esse que não foi revogado. É mais um pedido ao Senador de um esclarecimento em relação a isso.
Agora, vamos a uma das questões.
A primeira pergunta - que quero agradecer -, do Alabê Nunjara, fala da questão que mais nos dói hoje: a mortalidade da juventude negra. Todos nós aqui temos alguém, conhecido ou parente... Tivemos o episódio, agora, em Salvador, em que morreram 12 jovens negros de maneira violenta. Esse é um assunto que deveria ser uma convocação: "Meu Deus, está morrendo muita gente!" Mas não morreu apenas nesse ano. Foi nesse ano, no ano passado, no ano retrasado. E qual é a resposta efetiva do Governo brasileiro em relação a esse genocídio da população negra? Qual é a resposta disso? Tem que haver alguma resposta que possa impactar esses indicadores. Se o Juventude Viva não é suficiente para isso, tem que haver outra medida. Tem que convocar a sociedade brasileira para dizer: "Olha, da mesma forma que há um debate hoje, por que não se discute a questão do jovem, da morte da juventude negra; por que não se discute isso?"
Tenho uma séria crítica contundente em relação ao Juventude Viva. Primeiro, já pelo nome. O fato de terem cedido - porque era Juventude Negra - para Juventude Viva quer dizer muita coisa. E a outra questão é o fato de não ter orçamento claro em relação a isso. Se não há orçamento claro de quanto vai se gastar para combater isso, fica claro também que você não vai ter o resultado para poder medir efetivamente isso.
Peço que haja o esclarecimento por parte das autoridades do Ministério da Justiça em relação ao que é que se está fazendo sobre a morte dos nossos jovens, o que está sendo feito com relação a isso? Ou isso não é uma questão importante, não é uma questão de Estado?
Esse é meu lamento, Alabê Nunjara, porque percebo, ao longo dos anos, que os números vão se repetindo e não há uma ação efetiva para poder combater isso.
Outra questão que me chega aqui, Alabê, é com relação ao número diminuto de diplomatas. Isso não ocorre só com os diplomatas. Se formos ver os cargos de confiança hoje que não respeitam o Decreto nº 4.228, é a mesma coisa. Como disse o Frei Davi, estamos zerados. Em muitos Ministérios, nem se pensa nessa possibilidade.
E a outra questão é a seguinte: se há um programa que, mais ou menos, deu certo, por que não aumentar, ou seja, intensificar? Não, pelo contrário, apaga-se o programa, mas o programa era o único que efetivamente tinha recurso para poder avançar. Qual é a reação? Está frustrando? Está. Então, se retira o dinheiro.
É o seguinte: por que o Ministério das Relações Exteriores, até agora, não se manifestou publicamente por essa conquista da população negra, que é um programa que nós conquistamos, participamos diretamente na pressão para poder se criar desde 2001?
Outra questão é o seguinte: nós, no início da ação afirmativa, e ficamos tão felizes quando começamos a implementá-la, achávamos que não existiria ninguém capaz de tentar burlar as nossas ações. Achávamos que, efetivamente, bastaria uma autodeclaração: as pessoas iriam, prontamente, apresentariam e tal. Foi uma grande decepção! As pessoas fazem qualquer coisa para poder obter alguma vantagem, e, muitas vezes, elas acham que... Vejam só, somos tão modestos que ninguém pediu 50%, pedimos 20%; mas, nesses 20%, é que as pessoas estão de olho e vão lá para poder tirar as nossas vagas e tal. Vagas de quem? Dos nossos jovens.
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O que mais dói é saber que grande parte das pessoas que estão tentando burlar estão tentando tirar das pessoas mais pobres, das mais carentes. Eles não estão preocupados com isso. Eles querem, efetivamente, que aquilo não se cumpra. Então, é um boicote explícito.
Agora, o boicote maior é de quem sabe disso e não faz nada, ou seja, não há nenhum programa de monitoramento do Governo Federal para acompanhar isso. Eu digo "um programa", não estou dizendo "meio". Não há nenhum programa de acompanhamento e monitoramento disso.
Alan, quando você me pergunta o que fazer com as fraudes, se você não tiver acompanhamento, se não tiver monitoramento, se na comissão de concursos não houver esse olhar em relação a isso, não tenha dúvida de que vai haver fraude. E lembro o seguinte: aqueles que dizem que acompanhamento é uma questão inconstitucional, eu peço para ler o voto do Ministro Lewandowski, que, quando votou pelo Programa de Ação Afirmativa na UnB, aprovou que era preciso ter acompanhamento e que, se não tivesse acompanhamento, poderia haver a fraude.
Não vamos esperar só a boa vontade das pessoas. É preciso vigilância. Se não houver vigilância da sociedade civil, se não houver um programa de acompanhamento dessas programações afirmativas, vai acontecer o mesmo que aconteceu com o Decreto nº 4.228, de 2002, ou seja, as pessoas foram esquecendo, esquecendo a tal ponto que hoje ninguém lembra mais que existe um decreto que não foi revogado e que exige que haja um percentual mínimo de negros e mulheres nos cargos de confiança. Esse é o resultado. Se nós não tivermos uma posição de vigilância, não cobrarmos que o Governo faça o seu dever de casa e monitore esses programas de ação afirmativa, vai acontecer o que aconteceu com o Decreto nº 4.228, de 13 de maio de 2002, que eu peço que vocês leiam para ver que aquilo que o Frei David pedia já existe em decreto, efetivamente, não respeitado pelo Governo Federal.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Eu queria só saber a primeira pergunta que você fez. O impacto é sobre o quê?
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - A primeira pergunta é qual o impacto, efetivamente, do Juventude Viva, na questão da mortalidade da juventude negra no Brasil. O programa foi feito para poder combater a violência contra a população negra. Quero saber qual o impacto disso porque os indicadores não se alteram. Então, é preciso fazer alguma coisa.
A segunda coisa é que essa reunião singela, em que só há a sociedade civil e o Senado, inaugura um novo debate. Não estamos só denunciando. Queremos discutir a questão do orçamento. Queremos conversar com o Ministério da Fazenda e com o do Planejamento. Nós queremos conversar. Ninguém está fazendo uma proposta. Quero saber qual é a proposta que vocês têm para combater a desigualdade e o racismo no Brasil. É uma resposta singela. Se o racismo é uma questão que todos nós vivemos na pele, qual é o programa que vocês conhecem que combate o racismo? Não estou falando de programa para apoiar a cultura, mas de combate ao racismo. Qual é o programa que nós temos, efetivamente, que combate as desigualdades raciais?
Nós, sociedade brasileira, construímos o Programa de Ações Afirmativas. Agora, perguntem ao Governo Federal, para esses dois Ministérios, que são os definidores da política efetivamente, o Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento. É curioso, gente, porque, quando foi anunciado o reajuste fiscal, o Ministro do Planejamento não falou o nome correto do Ministério. Ele falou Secretaria da Integração. Não é Secretaria da Integração. É Secretaria da Integração de Política da Promoção da Igualdade Racial, mas ele chama de Integração. Está bem. Então, qual é a proposta que ele tem para combater as desigualdades raciais no Brasil? Se não há uma proposta, por que não construir em conjunto com a sociedade brasileira?
O que nós estamos fazendo hoje, Senador, e é a grande novidade, é que não estamos aqui discutindo só a questão da educação. Queremos discutir a questão de orçamento. Como é isso? Como estamos nesse processo? Nos programas que existem, qual a sua eficiência em relação a nossa população? Porque estão falando da nossa vida. Se não houver um programa que impacte a nossa vida, que é o Programa Juventude Viva, para que ele existe, então? Se nós continuamos morrendo todos os dias, mais do que em uma guerra civil, por que a gente não discute isso? O que está faltando para poder a Nação acordar para o fato de que os nossos jovens negros estão morrendo? Não é mais um apelo, é um apelo de vida.
Agora, quem define isso? O Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda. Queremos discutir com eles. Queremos conversar. Queremos subir o patamar da conversa e queremos contar efetivamente com a presença da Fundação Cultural Palmares e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, para podermos dialogar aqui.
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O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - O.k. Professor Ivair. Não tenho dúvida: vou subscrever novamente uma convocatória, uma nova audiência pública aos órgãos públicos e aprovaremos aqui na nossa Comissão, porque é importante este debate. Reconvocaremos os nossos representantes do Governo Federal. Faremos um apelo especial para que eles venham responder essas perguntas importantes e relevantes que V. Sª ponderou.
Eu queria sugerir também uma audiência pública na Comissão Mista de Orçamento.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Ótimo!
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Eu, como membro titular da CMO e como Sub-Relator do Capítulo Indústria, Comércio e Pequena e Microempresa, que é um capítulo importante da CMO - Comissão Mista de Orçamento, não tenho dúvida de que seria muito relevante discutir este assunto naquela Comissão, porque, assim, poder-se-ia trazer Governo, as partes civis envolvidas, as associações e debater isto no momento.
Prometo a vocês que conversarei inclusive com a Senadora Rose de Freitas, pelo Espírito Santo, Presidente da CMO, sobre a possibilidade de realizarmos este evento.
Vamos passar agora para o nosso querido Frei para responder suas perguntas, fazer suas considerações finais.
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Senador Hélio, é com muita honra que a gente faz a mensagem final, destacando alguns pontos: 1) na fala do Ivair, ele destacou uma questão fortemente de...
Para nossa vergonha, como brasileiros, o Brasil da democracia matou mais - muito mais - do que toda a ditadura militar. O Brasil da democracia matou mais jovens negros do que a ditadura militar matou todos os cidadãos juntos. Somando todas as mortes da ditadura, o índice foi menor do que a morte da democracia só em cima de jovens negros. A coisa é gravíssima!
Dilma, por favor, a senhora é a Presidenta. Meu povo está morrendo. Não são seus filhos, não são seus primos. Por favor, Dilma, aja! Seja Presidenta de todo o mundo e não só de alguns!
Nós queremos responder aos ouvintes que estão assistindo à TV Senado.
Viviane, de Minas Gerais, mandou por telefone um comunicado. Ela está assistindo à TV Senado e está preocupada com o seguinte: ela, pela Lei nº 12.990, Lei das Cotas dos Concursos Públicos Federais, foi aprovada, assumiu o cargo, largando o outro emprego, largando tudo e assumindo o novo cargo a partir da Lei de Cotas para Negros, mas, três meses depois, foi tirada do cargo na marra, com um mandado de juiz. Motivo: um branco entrou na justiça exigindo uma nova interpretação da lei e o juiz aceitou. Ou seja, o Governo Federal errou violentamente quando fez a Lei nº 12.990, de 2014, sem regulamentação. Então, cada órgão público interpreta a lei como quer.
Senadores, está a maior zorra no Brasil inteiro. Há esse caso de juiz que tira um negro que já tomou posse, que largou seu emprego anterior e que, agora, está desempregado, mas há o caso contrário: um juiz, no Acre, intimou o órgão público organizador do concurso a cancelar o concurso, porque, de maneira canalha - desculpe a palavra pesada -, o funcionário público responsável fatiou as vagas de dois em dois no concurso para não haver cota. A Lei diz que a cota existe quando há três ou mais vagas, e, canalhamente, o administrador público pegou as vagas do concurso público e fatiou em duas, duas, duas, duas. Com isso, não houve cota para negro. A comunidade negra denunciou isso, no Acre, e o juiz, que era honesto, graças a Deus, cancelou o concurso e obrigou a se refazer o concurso tendo cota com seriedade.
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Então, Governo Federal, não seja irresponsável conosco, com o nosso povo negro! Soltar a lei sem regulamentar é maldade do Governo. Cada órgão público está lançando essa lei de cotas do seu jeito. Existem absurdos incríveis. No Rio de janeiro, por exemplo, nós temos mais de 800 pessoas negras que foram aprovadas no concurso, assumiram, e foram demitidas em seguida, porque houve mandado de segurança de brancos que, achando-se injustiçados, derrubaram o concurso.
A situação está grave. Nós, negros, estamos apanhando muito no Brasil democrático. O Brasil de Dilma não é o Brasil do Lula. Nós percebemos que Lula era muito mais sensível ao clamor do povo negro. Não sei se é o núcleo duro da Dilma que está prejudicando, mas nós achamos que Dilma tem de rever a sua postura.
(Soa a campainha.)
O SR. FREI DAVID SANTOS OFM - Também veio aqui outro ouvinte nos lembrando a aposentadoria e a questão do negro. A violência na mudança da lei da aposentadoria está sendo uma nova lei do sexagenário, porque o negro velho e idoso, após trabalhar e dar a vida pelo Brasil, está humilhado com uma aposentadoria indigna, que dá mal e mal para comprar remédio.
Outro ouvinte da TV Senado, aluno de Relações Internacionais, da UFRJ, nos falou de maneira muito sábia e inteligente: "Frei, por que as cotas não estão conectadas automaticamente com o Bolsa Moradia e o Bolsa Permanência?" É o apelo que fizemos já quatro vezes aos quatro últimos Ministros da Educação, no Brasil. Pedimos a eles o seguinte: "Ministro, se você tem pouco dinheiro, que, pelo menos, a todo jovem pobre que entra pelas cotas e cuja renda per capita seja de 1,5 salário mínimo por pessoa, apenas a este, que passou no vestibular com essa renda baixa, se garanta, de maneira incontestável, que ele tenha automaticamente direito ao Bolsa Moradia e ao Bolsa Alimentação."
Mas as universidades, de maneira maldosa, para deixar o aluno culpado, exigem desse aluno pobre um caminhão de documentos, muitos documentos impossíveis de serem obtidos. E a faculdade fala: "Você não conseguiu a bolsa, porque você não trouxe a documentação." Então, culpa o pobre, coitado, por não ter conseguido o Bolsa Moradia e o Bolsa Permanência. É uma atitude injusta e desonesta dos reitores das universidades federais, que têm de mudar essa atitude e garantir, automaticamente, para os nossos jovens pobres que ganham até 1,5 salário mínimo o direito ao Bolsa Moradia e Bolsa Alimentação. Isso é o mínimo.
De repente, até podia ser uma emenda de um projeto do nosso irmão Hélio para o Governo Federal andar na linha em prol do povo negro.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - É com muita alegria que dirigi essa audiência pública, de altíssima relevância e qualidade.
O meu gabinete tem como defesa no Senado quatro eixos, começando por duas definições:
- a questão da família: sem família, ninguém vai a lugar nenhum. Então, aqui, eu defendo a família em todas as circunstâncias, porque ela é fundamental.
- a questão da energia: sou um engenheiro eletricista formado, com concurso público, concursado do MPOG, trabalho no Ministério de Minas e Energia. Sem a energia, seja a energia vital, seja a energia elétrica, sem essas energias todas, não vamos a lugar nenhum. Então, energia é fundamental. E aqui estou debatendo muito a questão das energias renováveis, especialmente a energia solar, via captação fotovoltaica, energia eólica, energia da biomassa, que pode colocar o Brasil na âncora da questão.
Além disso, o meu mandato tem como primeiro quadrante, entre os quatro quadrantes de defesa, como falei, os menos favorecidos. E por defender os menos favorecidos, defendo políticas públicas justas de educação, de saúde, de segurança e de transporte para todas essas pessoas, os menos favorecidos. Acho que cheguei aqui para defender os menos favorecidos. Então, me coloco, Frei, à disposição para debatermos alguns assuntos dessas propostas de emenda, sem problema nenhum. Meu gabinete está à disposição, é o gabinete nº 22, da Teotônio Vilela, no Senado Federal. Sou Senador por Brasília, Distrito Federal.
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O segundo quadrante é defender a moradia. A moradia é o básico. É necessário que todo mundo possa ter seu pedacinho de chão, sua casa, aquele recinto inviolável, onde a pessoa só pode entrar ou em flagrante delito ou com ordem judicial para poder ter a tranquilidade de refletir e ter uma vida melhor. Por isso, a moradia, para mim, é basilar também no meu mandato.
Outro ponto que defendo é o setor produtivo. Sem o setor produtivo para gerar emprego, gerar oportunidade, não vamos para frente. Então, a micro e pequena empresa, que é o maior empregador deste País, precisa ser incentivada, precisa ter oportunidade. As pessoas não querem esmola, querem oportunidade, e, para terem oportunidade, o setor produtivo, seja ele empresarial, industrial ou da micro e pequena empresa, precisa de apoio. Então, defendo isso.
Fechando o meu quadrante, defendo a questão do servidor público. Sem o servidor público devidamente reconhecido, devidamente remunerado, para fazer a interface entre o Estado e o público privado, as pessoas não conseguirão ter acesso a seus direitos de forma adequada. Para isso ocorrer, é necessário termos um funcionalismo público devidamente valorado, seja ele municipal, seja ele estadual, seja ele federal, seja do Legislativo, seja do Judiciário. O servidor público precisa ter seu devido reconhecimento.
Como servidor público concursado - falo novamente, sempre trabalhei concursado -, fui servidor da Eletronorte por 3,5anos e da CEB (Companhia Energética de Brasília) por 26 anos. Sou atualmente servidor do MPOG por 8,5 anos, concursado.
Então, acho que temos que defender oportunidades igualitárias. Acho muito justo que essa lei das cotas seja muito fiscalizada e tenha condição de ter validade nos concursos, porque o concurso é oportunidade de acesso e não pode ser fraudado por uma coisa tão vergonhosa como esse fatiamento que o Frei acabou de nos dizer. Isso é um absurdo!
Para fechar, quero falar sobre as perguntas do Prof. Ivair: "qual o impacto do Juventude Viva no índice de mortalidade da juventude negra?" e "por que não há programas de monitoramento dos programas de ações afirmativas?"
Vamos incluir Isso na próxima audiência pública. Vamos chamar os órgãos públicos a participarem. Eu me comprometo que apresentarei, aqui, na Comissão de Direitos Humanos, de que sou titular, essa propositura. Espero, e vou até acertar com o Senador Paim, fazer um apelo mais forte aos órgãos públicos para que eles não deixem de vir.
Quero agradecer a todos os que se deslocaram de São Paulo e da Bahia para cá. Acho que foi um sacrifício, mas vale a pena, para demonstrar que o nosso povo está mobilizado.
Então, o nosso agradecimento a todos que estão aqui no plenário e, até como um ente público, nossas escusas por essa falta de consideração de não se ter mandado um representante de cada órgão convidado. Vamos, com certeza, cobrar esse representante na próxima audiência pública que nós faremos.
Vou conversar com a Senadora Rose de Freitas, Presidente da Comissão Mista de Orçamento. Se acertamos a audiência pública na Comissão de Orçamento, voltamos a entrar em contato.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Sr. Senador, eu também queria sugerir para incluir também os responsáveis pela titulação de terras de quilombos. Nós queremos saber efetivamente como está e quanto de recurso vai ser destinado para efetivamente ocorrer a titulação. Se for no ritmo como tem ocorrido, vai passar o século XXI inteiro e não vamos conseguir titular as terras de quilombos - aquelas que já são reconhecidas. Então, queremos pedir que os responsáveis pelo programa quilombola venham dizer quanto de dinheiro e qual é a programação efetiva para titulação dos próximos anos. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Ok. Será devidamente convidado.
Eu queria agradecer a Luciana pela nossa brilhante exposição, ouviu Luciana? Parabéns a você.
A SRª LUCIANA BARRETO - Obrigada. Obrigada a todos. Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Obrigado, Luciana.
Eu queria agradecer ao Prof. Ivair. Cada vez mais me orgulha ter sido um aluno da UnB, formado pela UnB, e ter um professor da qualidade e com a tranquilidade do Prof. Ivair.
Parabéns ao senhor.
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Eu quero dizer que o senhor está fazendo parte, hoje, de um novo debate, que é discutir orçamento. O senhor está participando da história do movimento negro num outro patamar.
Então, eu me honro, também, de fazer parte desta mesa.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Muito obrigado, professor. (Palmas.)
Como católico que sou, participo de alguns movimentos católicos. Respeito todos os cultos, todas as religiões, mas sou católico. Participo do Encontro de Casais com Cristo, participo do Ágape - Amor Incondicional e participo, também, do Encontro Matrimonial Mundial, que faz o debate, a conversa entre os casais e procura fazer o relacionamento cada vez melhor entre as pessoas, marido e mulher, e foi com muita honra que recebi, aqui, o Frei David.
Quero dizer que estamos aí para ajudar naquilo que for necessário para essa causa importante, Frei.
Eu acho que a luta que a CPT, que o CEBs, que o Cimi fazem por justiça social, que a CNNB, não pode ser em vão.
Eu acho que esse trabalho que o senhor faz na Educafro é muito importante e tem que ser bem e melhor reconhecido por todos os entes governamentais.
Muito obrigado. (Palmas.)
(Manifestação da plateia.)
O SR. IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS - Obrigado.
Antônio Conselheiro, na luta por justiça, somos todos companheiros.
Che, Zumbi, Antônio Conselheiro, na luta por justiça somos todos companheiros.
Che, Zumbi, Antônio Conselheiro, na luta por justiça somos todos companheiros.
Che, Zumbi, Antônio Conselheiro, na luta por justiça somos todos companheiros. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Hélio José. Bloco Maioria/PSD - DF) - Obrigado, pessoal.
Dou por encerrada esta audiência pública, agradecendo a todos os presentes.
Muito obrigado.
(Iniciada às 9 horas e 6 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 18 minutos.)