25/05/2015 - 4ª - CPI do Assassinato de Jovens - 2015

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito, criada pelo Requerimento do Senado Federal nº 115/2015, com a finalidade de, no prazo de 180 dias, investigar o assassinato de jovens no Brasil.
Conforme convocação, a presente reunião destina-se à realização de audiência pública interativa com as entidades indicadas no Requerimento nº 2/2015, aprovado por essa Comissão.
Estão presentes as seguintes convidadas: Natália Damázio Pinto Ferreira - advogada e representante da Justiça Global; Raquel Willadino Braga - Diretora do Observatório de Favelas; Samira Bueno Nunes - Diretora Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Peço à Secretaria que, imediatamente, conduza e acomode aqui à mesa as nossas convidadas; são três.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar, com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do portal e-Cidadania, no endereço, www.senado.leg.br/ecidadania e do Alô Senado, através do número 0800612211. Eu pedia até ao pessoal da TV Senado, se pudesse, colocar esse endereço agora aí.
Para organizar nossos trabalhos, informo que, após a exposição dos convidados, a palavra será concedida aos Senadores na ordem de suas inscrições.
Terão preferência para o uso da palavra na seguinte ordem: o Relator e o autor do requerimento, o Presidente, os membros titulares, os suplentes e os não membros.
Nós vamos começar concedendo a palavra à Drª Natália Damázio Pinto Ferreira, pelo prazo de 15 minutos.
Muito obrigado.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Boa noite à Mesa. Boa noite aos Srs. Senadores, aos demais presentes.
Meu nome é Natália Damázio, eu sou advogada da organização não governamental Justiça Global, da área de Violência Institucional e Segurança Pública.
O trabalho da área de Violência Institucional e Segurança Pública é basicamente monitoramento e denúncia de graves violações de direitos humanos, dentre elas, violência policial, violação de direitos humanos dentro do sistema socioeducativo e do sistema penitenciário.
Inicialmente, parece-nos importante sedimentar a centralidade do racismo como um problema fundante do Sistema de Segurança Pública, que hoje tem responsabilidade por um número alto de mortes de jovens no Estado brasileiro.
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Baseada na ideia de controle e belicismo, um dos órgãos principais desse sistema, hoje, é a Polícia Militar.
A Polícia Militar é fundada justamente com vinda da Família Real, com uma função muito específica de repressão aos negros no momento pós-escravidão, e negras, e ela sofre um período de endurecimento e de ampliação do seu militarismo durante a ditadura empresarial civil militar. Nesse sentido, a gente queria apontar o ano de 69 como um ano marcante no que se refere à violência policial, porque é nesse ano que, através de uma portaria, se cria o dispositivo hoje conhecido como auto de resistência. O que acontece no auto de resistência é basicamente a aplicação de uma excludente de licitude no momento processual inadequado, fazendo com que, antes de qualquer tipo de devido processo, seja aplicada a legítima defesa. Uma das características marcantes do auto de resistência é justamente que quem fica em julgamento é a vítima e não o fato, nem se tenta investigar a autoria do homicídio.
Um outro momento muito marcante dentro desse sistema de segurança pública é justamente a década de 90, quando se inicia a política de guerra às drogas. Há, nesse momento, um aumento do militarismo dentro da segurança pública, e ele passa a incidir diretamente nas favelas e periferias.
A guerra às drogas é advinda de uma criminalização de determinadas substâncias, e vem, junto com ela, uma demonização desse espaço de favela, que é feito normalmente por reportagens massivas, tentando colocar a favela como um lugar de perigo. E, então, há essas execuções dentro do espaço de favela sem que isso seja visto pela população como uma grave violação de direitos humanos, apesar de execuções sumárias serem graves violações de direitos humanos.
Uma pesquisa feita há dois anos ou três anos, do pesquisador Michel Misse, aponta justamente que, só no Estado do Rio de Janeiro, 10 mil pessoas foram executadas pelas polícias em favelas e periferias. Esse é um indicativo do porquê hoje a Polícia Militar e a Polícia ... Enfim, a polícia é tida como uma das polícias mais letais do mundo.
A manutenção desse dispositivo, auto de resistência, vem garantido uma violação complexa de direitos humanos, de princípios e normas do Direito Penal e Processual Penal, sem que isso seja visto como violação dessa normativa. Grande parte dos procedimentos investigativos são deixados de lado quando há homicídio por agente de Estado nessas áreas, comunidades e periferias. Ocorre a remoção de cadáveres sem perícia, através da prática do falso socorro, que é o que aconteceu com a Cláudia no Rio de Janeiro; impedimento e ausência de socorro das vítimas; ausência de qualquer diligência investigativa - a investigação muitas vezes é marcada por uma comunicação entre o Ministério Público e Polícia Civil, em que não se faz nenhuma diligência em si, mas fica-se pedindo mais tempo para investigação; ausência de uma perícia na cena do crime; e ausência de uma perícia autônoma independente.
Uma das outras marcas é justamente que o Ministério Público e o Judiciário também têm parcela de culpa dentro desse cenário, porque eles são responsáveis pelos arquivamentos da grande maioria dos casos num período de até dois anos. Do mesmo modo, não existe nenhuma forma de consequência administrativa para os policiais com alto índice de letalidade. A maioria deles, inclusive, recebe promoções dentro da corporação.
Organismos internacionais de direitos humanos reiteradamente condenaram o Estado brasileiro por permanecer utilizando-se do homicídio, e aí apenas de forma exemplificativa. O relator especial para execuções sumárias apontou a grave violação de direitos humanos que o auto de resistência representava em 2006, e novamente em 2009. Recentemente durante uma audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi apontado pelos comissionados e relatores que tal representava não apenas o indicativo de uma transição para o período democrático falha, como também um sintoma de racismo estruturante da sociedade brasileira.
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O Brasil já foi condenado uma vez na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por um caso de auto de resistência, que foi o assassinato do jovem Wallace de Almeida, de 18 anos, no Morro da Babilônia, no ano de 1998. Ele foi executado durante uma operação do Bope, e a família foi impedida de fazer o socorro inclusive. E houve condenação pela Comissão Interamericana, por violação do direito à vida, à integridade pessoal e ao devido processo.
Um outro caso emblemático que, também, hoje, se encontra em trâmite na Comissão Interamericana de Direitos Humanos é o caso do jovem Maicon, que tinha três anos, na Favela de Acari, e que, também, foi enquadrado em resistência seguida de morte.
O que é...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Três anos.
E isso é um sintoma de que o auto de resistência não está sendo usado, dentro dessa grande justificativa que o Poder Público passa, que seria um combate a uma guerra. Na verdade, o auto de resistência vem-se mostrando com o único e exclusivo intuito de legitimar a morte de jovens negros, sem que isso pareça grave ou bárbaro para a sociedade.
Se, em casos pontuais, alguma responsabilização é feita, ou outra versão é exposta a público, que não a dos agentes responsáveis pela execução, ou do Poder Público, é única e exclusivamente graças à luta dos familiares que se organizam e realizam todo o trabalho de investigação e denúncia que deveria estar sendo feito pelos órgãos estatais.
Se existem exemplos de alguma forma de justiça ou reparação garantida aos familiares das vítimas do Estado brasileiro, sem dúvida, isso se dá por resistência desses próprios familiares. E aí, nesse sentido, nós gostaríamos até de fazer uma recomendação para esta Comissão Parlamentar de Inquérito, de que incluísse uma audiência com os movimentos, familiares e vítimas dessa violência institucional - Mães de Maio; Rede Movimentos contra a Violência; Movimento Moleque; Reaja, que nós sabemos que vem na próxima semana; Coletivo Papo Reto; Ocupa Alemão; e esses coletivos que fazem essa luta e que estão experienciando essa violência. Sem a presença dessa voz, é muito difícil que se consiga pensar ou propor políticas públicas adequadas.
A Justiça Global, igualmente, apontou diversas vezes, em seu relatório, a gravidade dessa violação no Estado: em 2008, no Relatório Segurança Tráfico e Milícia, no Rio de Janeiro; no Relatório São Paulo sob Achaque, em 2010, feito conjuntamente com as Mães de Maio; Criminalização da Pobreza no Brasil, de 2009; e Execuções Sumárias no Brasil, entre 1997 e 2003.
Por diversas vezes, nos últimos anos, nós também vimos denunciando para organismos internacionais o que o auto de resistência vem representando.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Natália, só um segundo.
Desculpe. Estão aqui presentes o Senador Humberto Costa e a Senadora Fátima Bezerra. E eu queria dizer aos senhores que, se quiserem, em algum momento, interromper, fazer questionamentos, nós estamos fazendo o trabalho dessa forma aqui, conduzindo dessa forma.
Então, fiquem à vontade aqui.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Em 2012, inclusive, fizemos nova denúncia, dessa vez especificamente sobre as UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, do Rio. A primeira execução sumária marcada é de 2011, na Favela Pavão Pavãozinho, e, desde então, com o nosso monitoramento, temos em torno de 50 pessoas mortas, em situações em que há indícios de execuções sumárias em áreas de Unidades Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro.
Do mesmo modo, as megaoperações policiais se mantêm marcadas pelo alto grau de letalidade. Em 2014, Acari, que também fica no Rio de Janeiro, que é a mesma localidade em que o Maicon, a criança de dois anos foi enquadrada como auto de resistência, contabilizam-se, no período de duas semanas, oito mortes por execução por parte da polícia, a maioria de jovens.
Novamente, na penúltima semana, dois jovens foram mortos em megaoperações na mesma comunidade, inclusive havendo relatos de defensores locais de que teria sido feito pelos agentes de polícia, que os agentes policiais teriam apontado armas para crianças e mulheres que estavam apenas paradas.
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No mesmo sentido, a morte de Patrick, de dez anos, no Complexo do Lins, também com indícios de participação de policiais de UPP; de Eduardo, 11 anos, do Complexo do Alemão, igualmente com indícios de participação da UPP. E, na última semana, a morte de Gilson, de 12 anos, durante uma operação no morro do Dendê. Tudo isso aponta que a escolha do modelo de segurança pública atual, ainda muito marcado pelo racismo institucional e por uma lógica bélica, é também responsável pelo assassinato massivo da juventude negra no País.
O Governo, ao traçar suas políticas públicas sobre a matéria, assim como a própria Comissão Parlamentar de Inquérito, deveria levar em conta a responsabilidade direta do Estado na morte de jovens na escala em que ela atualmente se encontra. Para além de uma leitura do alto índice de letalidade, uma crise de segurança difusa no País, é importante uma análise do papel objetivo do Estado como autor nesse aumento da letalidade.
A experiência referente à portaria do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), de 2012, que institui diversos procedimentos para tentar reduzir a escala dos autos de resistência e todas as violações implicadas nele, vem-se mostrando pouco eficaz, praticamente não eficaz: ela é aplicada em dois Estados e, mesmo assim, não é de fato aplicada. Ela vige em dois Estados hoje, mas não é aplicada na prática. Isso mostra que é necessário um pensamento muito mais profundo quanto às estruturas que compõem a segurança pública do País do que apenas a aprovação de projetos de lei.
Ressaltamos a importância, por exemplo, do PL 4471, que altera grande parte do procedimento hoje com auto de resistência. No entanto, a redução na morte de jovens negros não pode ser concretizada sem que se discuta a importância do fim do racismo estrutural no País, a desmilitarização da polícia, inclusive o fim da PM, que também foi um indicativo da ONU como uma das medidas importantes para transição democrática brasileira. O auto de resistência é justamente um marco que expõe a presença tanto do autoritarismo ainda quanto do racismo.
É somente na morte dos jovens negros das periferias e favelas que o Estado autoriza que a polícia mate e que não haja nenhuma investigação, que o Ministério Público e o Judiciário afastem completamente a análise dos fatos e foquem na culpabilização da vítima de homicídio e que tal nem ao menos seja tratado como grau e violação.
Basicamente, também achamos importante ressaltar que é importante repensar a política de guerra às drogas como ela está sendo levada agora e se pensar em um modelo que seja baseado em direitos humanos e não baseado na belicosidade e na guerra na hora de lidar com a população, que é um modelo...
(Soa a campainha.)
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Pode ficar tranquila. Pode concluir com calma.Isso aqui é automático.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Então, basicamente era isso. É importante tratar desses três temas: racismo estruturante; desmilitarização da polícia e o fim da Polícia Militar; e de um reforço dessas instituições de direitos humanos no País.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado. Agradeço à Drª Natália Damazio Pinto, que falou aqui representando a Justiça Global.
Passo a palavra para Samira Buenos Nunes, que é Diretora Executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Fátima Bezerra.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Bem rapidinho. Enfim, dar o nosso boa-noite e cumprimentar V. Exª e o Senador Humberto. Venho, enfim, saudar o trabalho da CPI pela realização de mais um debate importante, saudando nossas convidadas, Drª Natália, que acabou de falar; Drª Raquel; Drª Samira e o Dr. Francisco, que consta aqui, mas que não sei se irá participar.
Enfim, claro que o debate de hoje, a exemplo do debate de segunda-feira, é muito importante, exatamente para podermos aprofundar cada vez mais o diagnóstico que a CPI fará, de forma atualizada, sobre esse tema que tanto tem revoltado a sociedade brasileira, que é a questão do assassinato de jovens.
Eu queria só perguntar a V. Exª quando será realizada a nossa audiência para a apresentação dos requerimentos.
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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A gente vai fazer uma reunião administrativa na quarta-feira, às 13h. Vamos votar todos os requerimentos. Inclusive, quero já falar para a Drª Natália que a ideia nossa é conversar com essas entidades, com os familiares envolvidos, aqui em Brasília e também nos Estados. Nós vamos viajar o País, vamos organizar audiências públicas. Já há alguns requerimentos para serem votados na próxima quarta-feira.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Perfeito. Inclusive, nós já formulamos o requerimento no que diz respeito a realizar uma audiência pública dessas lá em Natal, Rio Grande do Norte. E, infelizmente, nós vimos aqui na audiência passada, Senador Humberto, o quanto o Nordeste está-se inserindo fortemente nesse quadro, enfim, nessa realidade da questão do assassinato dos jovens; a explosão que está havendo lá no Nordeste. E, em nosso Estado, também não é diferente.
Então, é só isso, só para me organizar. Então, vai haver uma reunião administrativa, e, em seguida, nós teremos uma audiência exatamente para deliberar, porque nós vamos ter de pensar em calendário, etc.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senadora Fátima, Senador Humberto, na segunda-feira passada, o Prof. Ignacio Cano, da UERJ, do Rio de Janeiro, trouxe aqui dados muito importantes para se entender o que está acontecendo no Brasil. De fato, os números explodiram no Nordeste quando a gente fala de assassinato de jovens, crianças e adolescentes. Os números apresentados aqui sobre assassinatos de crianças e adolescentes são números chocantes, impressionantes, Senador Humberto.
E, como falava o Prof Ignacio Cano, dez anos atrás, essa era uma realidade que estava muito mais localizada nas periferias dos grandes centros urbanos - São Paulo, Rio de Janeiro. Mas o processo dos últimos anos levou muito esse debate para o Nordeste.
Já há requerimentos inclusive da Senadora Fátima Bezerra. Há propostas de audiências públicas em São Luís, Natal, Salvador, Rio de Janeiro e aqui, no Entorno do Distrito Federal, em Luziânia.
A SRª FÁTIMA BEZERRA (Bloco Apoio Governo/PT - RN) - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Quero saudar inclusive a juventude aqui de Luziânia, que está sempre presente nessas audiências públicas.
Concedo a palavra à Drª Samira Bueno Nunes.
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Obrigada, Senador Lindbergh, Senadores, a todas e todos, às colegas aqui.
Meu nome é Samira. Eu sou do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eu só vou fazer uma breve apresentação da instituição, que eu acho que vale reforçar, porque é uma instituição singular.
O Fórum é uma instituição que foi fundada em 2006 e é formada por gestores públicos, pesquisadores e policiais. Ele é dedicado a produzir conhecimento qualificado na área de segurança pública e, mais do que isso, a constituir um canal de diálogo entre segmentos que tradicionalmente não dialogavam na área da segurança. Então, acreditamos que, para mudar essa realidade, para reformar as polícias, que eu acho que é o que todos queremos aqui, precisamos envolver esses atores que estão no dia a dia fazendo o policiamento no Brasil. Então, é uma instituição de fato singular. Não existe nada parecido na América Latina, e temos nos dedicado a produzir principalmente informações sobre segurança pública.
Eu trago aqui alguns dados para nos ajudarem a refletir sobre o assassinato de jovens no Brasil hoje.
Esse primeiro eslaide, na verdade, traz alguns dados do anuário estatístico, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que foi divulgado em novembro do ano passado. A triste conclusão é de que, a cada dez minutos, uma pessoa é assassinada no País; foi assassinada em 2013. Esses são dados da Segurança Pública, os dados produzidos pelas polícias. Foram 53.646 mortes violentas.
Infelizmente, como a gente já sabe, os negros, jovens e homens são, em sua maioria, as vítimas. Negros são 18% mais encarcerados no Brasil e 30% mais vítimas de homicídio.
Eu vou falar um pouco mais sobre esses dados da mortalidade de jovens no Brasil, mas esse primeiro eslaide é para reforçar uma mensagem que é muito importante seja transmitida aqui. Nosso modelo de segurança pública está falido. Ele é extremamente caro e ineficiente. O Brasil cresceu, reduziu desigualdades, distribuiu renda, acabou com a miséria, com o analfabetismo, mas, infelizmente, não somos capazes de garantir a vida para o jovem.
Nós gastamos, em 2013, R$258 bilhões com segurança pública. Qual é o problema dessa conta?
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Sabemos que R$61 bilhões foram políticas de segurança e R$4 bilhões com políticas para o sistema prisional. Os R$192 milhões foram gastos com os efeitos perversos da violência. São os gastos que chamamos de custos sociais da violência: gastos com segurança privada, gastos com sistema de saúde, são as vidas perdidas, são os jovens que deixam de produzir por 30, 40, 60 anos. Então, gastamos três vezes mais com os efeitos perversos da violência do que, de fato, com políticas públicas de segurança, porque temos um sistema, um modelo que simplesmente não funciona.
Então, acho que, para avançarmos, de fato, numa discussão, a premissa é pensar que precisamos reformar essas instituições e precisamos repensar a arquitetura institucional do sistema de segurança pública. Não fizemos isso em 1988. Então, agora, precisamos ter coragem para avançar nessa pauta.
Pode passar.
Esse é o nosso último levantamento sobre vitimização e letalidade policial. Infelizmente, não temos informação do perfil da vítima, mas a conclusão é de que, em cinco anos, entre 2009 e 2013, as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas. Essas são as mortes decorrentes de intervenções policiais, os conhecidos autos de resistência. Isso significa que não se consideram os homicídios praticados por policiais fora de serviço. Isso é o mesmo que as polícias norte-americanas vitimaram em 30 anos, entre 1983 e 2012. Então, ao menos seis pessoas são mortas todos os dias pela ação das polícias no Brasil.
Sabemos que esse dado é subnotificado. Na prática, temos quatro ou cinco Estados que fazem o monitoramento de forma adequada, já há algum tempo, há mais de uma década. Há pressão social, pressão da mídia, e sabemos, de fato, o que acontece, mas, na maior parte dos Estados, isso ainda é muito recente, e o Fórum tem pressionado bastante no sentido de produzir informações mais fidedignas relacionadas à atividade policial.
Eu acho que é importante destacar também os policiais mortos. Entendemos que o padrão de uso da força tem de ser entendido olhando para as mortes decorrentes das intervenções policiais e as mortes de policiais. Foram 490 policiais assassinados só em 2013. Esse é um número absurdo, altíssimo. Acho que só o México é um país que daria para ser comparado se formos pensar também nas mortes de policiais. Na verdade, vivemos uma espiral de violência. Na prática, é isso que acontece. O policial vai à comunidade e mata alguém. Ele vai ser morto ou algum amigo dele vai voltar à comunidade e vai matar mais alguém. Então, é um ciclo de violência que não temos sido capazes de frear.
Pode passar.
Aqui, mais um dado de homicídio. Esse é de 2012. O Brasil concentra 11% dos homicídios do mundo e menos de 3% da população mundial. Então, somos um país extremamente violento.
Pode passar.
Agora, um pouco sobre os dados da vulnerabilidade dos jovens negros. Nós divulgamos, no início deste mês, em parceria com a Secretaria Nacional de Juventude, o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial. Na verdade, esse índice existe desde 2008. Era um indicador sintético para avaliar, a partir de cinco componentes, diversas variáveis, não só relacionadas ao crime violento, mas também à pobreza, ao acesso à escola, ao emprego, à renda.
Olhamos para a vulnerabilidade em determinados territórios e verificamos os fatores que mais impactavam na exposição daquele jovem à violência. Entendendo a violência como um fenômeno multicausal, temos de olhar para ele como um fenômeno mais complexo e que, necessariamente, exige ações não exclusivas de polícia, mas também políticas sociais que cheguem a esses territórios.
Num diálogo com a Secretaria de Juventude, no ano passado, surgiu a ideia de incluirmos o componente da desigualdade racial. Sabemos que os jovens negros são muito mais vitimados que os jovens brancos. Então, como estimamos isso a partir desse indicador?
Então, classificamos as 27 unidades da Federação. Não foi possível fazer o cálculo para os Municípios, porque, com os dados agregados por raça e cor, não era possível fazermos o cálculo, mas trazemos para as 27 unidades da Federação um indicador sintético, que vai olhar para a mortalidade por homicídios, por acidentes de trânsito, frequência à escola e situação de emprego, pobreza e desigualdade. Então, quanto mais próximo de um, no indicador, pior a situação, mais alta a vulnerabilidade do jovem, mais exposto ele está à violência.
Além disso, fizemos o cálculo do risco relativo. O que isso significa?
Quanto mais próximo de 1, melhor o cenário no sentido da desigualdade. Significa que as chances de um jovem negro ou um jovem branco serem vítimas de homicídio são idênticas. Quanto maior que 1, maior a probabilidade de um jovem negro ser vítima.
Pode passar.
O resultado está na última coluna. É o risco relativo.
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Na Paraíba, por exemplo, que é o Estado com o segundo maior indicador de exposição para o jovem à violência, é o maior risco relativo do País. Esse 13,401 significa que o jovem negro lá morre 13 vezes mais que o jovem branco; Pernambuco, na sequência, 11 vezes mais; Alagoas, 8 vezes mais.
E chama a atenção aí também o caso do Distrito Federal, que está lá embaixo. O Distrito Federal, embora esteja classificado dentro de baixa vulnerabilidade - porque, se a gente for considerar a questão da renda, for olhar para os outros indicadores, estaria menos vulnerável para o jovem -, na prática, o jovem negro morre seis vezes mais do que o jovem branco. Então, é uma desigualdade imensa. Acho que isso reforça um quadro de que a violência tem uma vítima preferencial, e essa vítima tem cor e reside em determinados territórios.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Drª Samira, esses números - só volta naquele último ali - de Alagoas, Paraíba e Pernambuco são muito altos.
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - São.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Agora, de que forma a gente pode entender isso?
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Bom, acho que a primeira análise é de que as quatro piores situações de muito alta vulnerabilidade são Estados do Nordeste, que têm apresentado um crescimento expressivo dos indicadores de mortalidade por homicídio na última década, eu diria. Então, temos tido dificuldade em barrar esse processo. Mesmo Pernambuco, que teve êxito com o Pacto pela Vida - entre 2009 e 2013, reduziu homicídios -, na prática, ainda que tenha sido capaz de reduzir homicídios, os jovens negros morrem ainda muito mais.
Então, acho que a grande questão é: a gente não tem sido capaz de implementar políticas que associem as políticas de segurança, stricto sensu, pensando ações de polícia com as políticas sociais. As experiências que têm dado resultado no Brasil são justamente aquelas que têm sido capazes de aliar o trabalho da Polícia associado a políticas sociais, e de um olhar pouco mais amplo para o fenômeno.
Vou citar um exemplo. Eu participei, recentemente, de uma reunião do Estado Presente, que é um programa no Espírito Santo, que é isto: é um programa para que foi criada uma secretaria específica, e não era a Secretaria de Segurança Pública que liderava o programa, que tinha como foco redução de homicídios. E aí era uma reunião em que eles estavam pensando na construção de uma escola em determinado território, e a prefeitura já tinha negociado com a Secretaria de Educação. Então, a Secretaria Estadual ia construir uma escola ali, porque havia não sei quantos meninos em idade escolar que precisavam chegar à escola. A prefeitura tinha resolvido o problema do espaço e também tinha resolvido o problema do ônibus - a Secretaria de Transportes tinha providenciado a linha de ônibus. Então, parecia que estava tudo certo, e ia ser resolvido o problema da escola.
Aí, chegaram para conversar com o pessoal da segurança. O pessoal da segurança simplesmente olhou e falou: "Olha, vocês não podem construir escola aqui, porque os alunos que estão aqui, que vocês querem que cheguem à escola, não podem chegar ali, porque há um problema com duas gangues rivais; se eles atravessarem eles morrem".
Então, são questões muito simples que, quando você coloca os atores para, de fato, conversarem, você direciona e focaliza melhor a ação da política pública. É a grande questão no território.
Assim, crime é um fenômeno necessariamente territorial. Se a gente não olhar para o território e olhar para os atores que ali trabalham, a gente pode ter a melhor das intenções - construir uma escola é superlouvável, é uma ótima prática, é muito importante -, mas é preciso olhar para as especificidades locais. Eu acho que isso é o que ainda falta para a gente. Aí, a ideia da intersetorialidade da política pública. A gente não consegue fazer saúde, educação, assistência social e segurança pública, por exemplo, conversarem numa mesma mesa, na hora de direcionar uma ação, e acho que esse é um dos maiores desafios para o Nordeste hoje, que vive esse crescimento expressivo nos indicadores de criminalidade, principalmente nos homicídios.
Aqui a gente traz as taxas de homicídios de brancos e negros dentro da faixa etária de 12 e 29 anos. Deixei ali em cinza, não sei se vocês vão conseguir olhar, mas as diferenças na taxa... Então, na Paraíba, que eu falava que era o pior cenário, a taxa de mortalidade de jovens brancos é de 8,6, e de jovens negros, 115,4.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Isso por 100 mil habitantes?
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Por 100 mil habitantes, dentro daquela faixa etária e daquela cor.
No Espírito Santo, de que eu citava um exemplo, que hoje tem toda uma ação direcionada para isso, porque é também um dos piores cenários, é 21 a taxa de mortalidade por homicídio de jovens brancos; 126, de jovens negros. Em Alagoas, 19 de jovens brancos; 166, para o grupo de 100 mil jovens negros.
E aí a gente tem o risco relativo e as taxas, também, pela região.
Então, no caso da Região Nordeste, a taxa de mortalidade de jovens brancos é de 17,4; a de jovens negros é 87. É 4,99 vezes superior.
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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O Estado do Maranhão, do Senador Roberto Rocha.
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - No Estado do Maranhão, 17,9 de brancos, e 50,2 de jovens negros.
O único Estado em que a gente não verifica essa tendência é o Paraná. De resto, nas outras 26 unidades da Federação...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Mas a gente já pondera pela população. Então, essa não é a explicação. Na verdade, a gente ainda está em busca da explicação para entender o que acontece no Paraná. O Paraná, há alguns anos, apresenta essa tendência. Mas, na prática, a gente pode dizer que é um fenômeno do Brasil. Então, um jovem negro no Brasil é duas vezes e meia mais vitimado do que um jovem branco por homicídio; ou 145 vezes superior à taxa de homicídio do jovem branco.
Então, são dados alarmantes que nos mobilizam para pensar ações que de fato sejam eficazes. Acho que o que vivemos hoje...
Está acabando o meu tempo?
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Fique tranquila. Pode passar.
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Pode passar.
Aqui, é a taxa de homicídios por raça e cor, por região. Dá pra visualizar melhor as diferenças. São sempre expressivamente maiores entre jovens negros do que entre jovens brancos.
Mas acho que o nosso desafio primordial, pensando em política de segurança, é garantir uma política que deixe de olhar para o combate à violência do ponto de vista do combate ao criminoso. Temos que pensar em garantir cidadania, em garantir a vida para a população, e não em combater o criminoso. É um pouco o que a Natália falava, que essa lógica bélica de enfrentamento ao crime é muito derivada disso. A grande questão é que eu acho difícil conseguirmos avançar em mudanças se não mexermos na estrutura desse sistema. Então, de fato, precisamos começar a rediscutir a arquitetura institucional que organiza o modelo de segurança pública brasileiro, o modelo de justiça criminal.
Na prática, temos polícias mal pagas na maior parte das vezes. Há pouquíssimos Estados, com algumas exceções, para alguns cargos. Então, são policiais mal treinados, mal pagos, que vitimam muitas pessoas todos os anos, que são mortos aos montes, como não se vê em nenhum outro país, e sem apresentar nenhum tipo de melhora nesse sistema. É algo que não está funcionando.
Temos uma média de 50 mil homicídios por ano há mais de uma década. São estatísticas de guerra. Se não pensarmos em como reestruturar esse modelo e garantir mais eficiência...
As polícias brasileiras resolvem - para usar o jargão comum -, solucionam 8% dos homicídios no Brasil, por ano. Se vocês forem fazer uma conta simples, há uma média de 50 mil a 55 mil homicídios por ano, dos quais 8% são de fato solucionados - e "solucionados" não significa que essa pessoa vai ser presa.
E aí a gente está discutindo encarceramento em massa. Quem está preso? Homicida a gente não está prendendo. Traficante também não. A gente está prendendo, muitas vezes, o usuário. Então, se a gente aumentar a eficiência das nossas polícias, o que a gente faz com o sistema prisional, que já tem um déficit de mais de 200 mil vagas? Na prática, se a gente não repensar a estrutura do modelo, dificilmente a gente vai conseguir, de fato, ações concretas capazes de garantir a vida do jovem brasileiro.
Eu acho que eu encerrei. Você pode passar?
Só mais um eslaide. Esse é interessante. A gente fez uma simulação, imaginando qual seria o cenário da exposição à violência se a gente fosse acabar com a desigualdade racial. Supondo que não exista racismo, que não exista desigualdade racial no componente homicídio, qual seria o cenário? Como ficaria esse indicador?
Pode passar. É difícil de fazer a sua leitura. A diminuição na vulnerabilidade é a última coluna. O caso que mais chama a atenção é o do Distrito Federal, que é de 9,8%. A gente reduziria em quase 10% a exposição do jovem que reside no Distrito Federal à violência se a gente fosse capaz de acabar com a desigualdade racial. Vocês vão ver que em todos os casos a gente diminui a vulnerabilidade. Então, se a gente acabasse com o racismo, em todas as unidades da Federação a gente teria uma redução da exposição à violência, não apenas dos homicídios, porque a gente está considerando várias outras variáveis na exposição à violência, que não apenas o indicador de violência letal.
Então, acho que é mais do que urgente a gente pensar em ações focadas para esse público, para garantir um futuro, de fato, e vida para o jovem brasileiro.
É isso.
Obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Drª Samira.
Quero citar aqui a presença, também, do Senador Roberto Rocha. Eu já tinha falado antes, Senador: se quiser falar em qualquer momento, fazer algum questionamento, está aberto.
Ouço o Senador Humberto Costa, com prazer.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Só para dizer que, tendo em vista o que a gente viu aqui, eu pedi uma audiência, também, lá, em Pernambuco.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Não sabia que era nessa proporção não.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Em Pernambuco, morrem onze vezes mais jovens negros do que jovens brancos.
Eu chamo, agora, Raquel Willadino Braga, Diretora do Observatório das Favelas.
A SRª RAQUEL WILLADINO BRAGA - Boa noite a todas e todos.
É um imenso prazer poder estar aqui hoje. Agradeço muito pelo convite.
Queria dizer que o tema desta CPI é uma das questões centrais para o Observatório de Favelas desde a nossa origem.
Então, é uma oportunidade muito significativa poder estar nesta interlocução.
Eu vou apresentar para vocês algumas informações produzidas na experiência do Programa de Redução da Violência Letal - pode passar -, que é uma iniciativa coordenada pelo Observatório de Favelas e desenvolvida em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos, Unicef e o Laboratório de Análise da Violência da UERJ.
O programa foi estruturado no ano de 2007 com três objetivos centrais: contribuir para sensibilização e mobilização social em torno do tema dos homicídios de adolescentes e jovens; produzir mecanismos de monitoramento dos homicídios que pudessem subsidiar políticas de prevenção à violência; e levantar e difundir metodologias de intervenção com potencial forte para a redução da letalidade.
No campo da articulação política, o nosso principal objetivo era pautar o tema como uma prioridade na Agenda Pública, e, aí, para isso, foi desenvolvida uma série de ações com organizações da sociedade civil, coletivas de jovens e gestores locais das regiões metropolitanas com os mais altos índices de homicídio da juventude negra.
O programa teve uma abrangência de 16 regiões metropolitanas, e atuamos de 2007 até o ano passado em torno dessa pauta. E, também, investimos no desenvolvimento de estratégias de comunicação que pudessem contribuir para a sensibilização e mobilização social em torno do tema.
No campo da produção de indicadores, nós construímos um índice de homicídios na adolescência, que é calculado para todos os Municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes.
O que esse índice expressa? Ele mostra, para cada grupo de mil adolescentes de 12 anos, quantos não vão chegar aos 19, porque vão ser vítimas de um homicídio no decorrer de sua adolescência.
O índice é aplicado para 288 Municípios brasileiros, e a gente agrega uma análise de risco relativo, como essa que a Samira mostrou agora no IVJ, considerando as variáveis de idade, gênero, raça e presença de arma de fogo.
Pode passar.
E, aí, eu trouxe para vocês só algumas informações em termos nacionais que a gente identificou no último estudo que foi realizado, que está articulada à base de dados de 2012 do Datasus. Naquele ano, os homicídios representavam 36% das causas de morte de adolescentes no País, isso considerando só Municípios com mais de 100 mil habitantes.
Se essas condições não forem alteradas, nós podemos estimar que mais de 42 mil adolescentes serão assassinados no Brasil entre 2013 e 2019, e, de novo, essa projeção só se refere a Municípios com mais de 100 mil habitantes. Se a gente ampliasse a população, a estimativa seria ainda maior.
Quanto aos riscos relativos, a gente vê o peso das dimensões de gênero e da questão racial. O risco de um adolescente ser vítima de um homicídio é doze vezes superior para um menino em relação às meninas e quase três vezes mais alto para os negros em relação aos brancos.
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E aqui estamos trabalhando com uma média nacional. Se olharmos as unidades da Federação, chegaremos ao quadro que a Samira acabou de apresentar em alguns Estados. Temos este recorte de três vezes para a adolescência e o temos de uma forma que se vai acirrando na faixa da juventude. E o peso das armas de fogo. O risco de um adolescente ser vítima de um homicídio por arma de fogo é quase cinco vezes superior ao risco de ele ser vítima por outros meios.
Vou mostrar muito rapidamente alguns dados de evolução, porque, na semana passada, o Ignacio, que é nosso parceiro no projeto, esteve aqui fazendo um detalhamento desses dados. O que eu queria destacar é só como não estamos avançando no enfrentamento da letalidade na adolescência. Aqui, apresentamos a evolução de 2005 a 2012, e o que merece mais atenção é que o dado mais recente é o pior dado: de 2011 para 2012, tivemos um aumento de 17%.
Quando olhamos em termos regionais, acabamos de ver o recorte juventude/juventude negra e vemos de novo o acirramento na Região Nordeste, quando estamos olhando especificamente a adolescência. Então, é muito preocupante a evolução no Nordeste.
No último estudo, também identificamos uma piora significativa na Região Centro-Oeste. E o Sudeste apresenta o menor índice. Mesmo assim, as estimativas também são muito altas quando olhamos para o número de mortes esperadas, se as condições não se alterarem.
E aqui temos um panorama por unidades da Federação, dos Estados onde a situação da letalidade na adolescência é mais grave. E se aproxima muito também do que acabamos de ver para a juventude. Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Paraíba são Estados onde a situação de vulnerabilidade dos adolescentes é muito preocupante, em especial quando pensamos nos adolescentes negros.
Agora, trago para vocês o que encontramos em termos de políticas de prevenção à violência. Realizamos, paralelamente à atualização do índice de homicídios, um levantamento de políticas públicas, programas e projetos de prevenção à violência, desenvolvidos em 11 regiões metropolitanas por secretarias estaduais ou municipais. O objetivo era identificar programas que tivessem potencial para enfrentamento da questão dos homicídios na adolescência e na juventude. Nesse percurso, mapeamos 160 programas de prevenção à violência.
Pincei alguns resultados que acho especialmente significativos. O primeiro é a escassez de políticas e programas com foco específico na redução da letalidade. Apesar de termos mais de 56 mil homicídios em 2012 há mais de dez anos - e estamos reproduzindo esse quadro de mais de 50 mil mortos -, ainda não conseguimos ter uma resposta consistente em termos de política preventiva. Percebemos uma sensibilidade forte nas políticas de prevenção tanto para questão etária como para questão territorial. Os programas já estão chegando nos espaços populares e já estão olhando mais diretamente para adolescentes e jovens, mas não estão pensando especificamente em homicídios. Para vocês terem uma ideia do que estou falando, dos 160 programas, só 19 iniciativas tinham redução dos homicídios como objetivo específico.
E isso se agrega à ausência do recorte racial e de gênero nas políticas. E, de novo, encontramos uma contradição entre o perfil das principais vítimas de homicídios no País e a prioridade das políticas públicas. Sabemos há muito tempo - e, por diversos grupos de estudo e de pesquisadores, organizações da sociedade civil, temos reiterado esse diagnóstico - e muito claramente que quem morre no nosso País vítima de homicídio são adolescentes e jovens negros, moradores de favelas e periferias.
E aí vamos olhar para o foco dos programas de prevenção.
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Identifica que, apesar do peso da dimensão de gênero, somente 16% tinham algum critério relacionado a gênero, e somente 8% dos programas tinham algum critério relacionado à questão racial para definição do seu público-alvo.
Então, enquanto a gente tem um quadro de verdadeiro extermínio da juventude negra, que se aprofunda, porque, de 2002 para cá, a gente tem uma situação muito perversa de redução dos homicídios da população branca associada a um aumento contundente dos homicídios da população negra, a gente não consegue enfrentar isso seriamente no campo da política preventiva.
Foi um longo percurso de pesquisa. Como eu disse para vocês, a gente começou a pensar nesse tema em 2007, esse trabalho de levantamento das políticas vai de 2009 a 2012, e a gente encontra uma articulação muito forte das dimensões de gênero, de raça, da questão etária, da dimensão territorial como elementos estruturantes da produção da violência letal no País. E aí cabe destacar o peso do racismo na criminalização da juventude moradora de espaços populares. Em nosso ponto de vista, isso tem impulsionado dinâmicas de hierarquização não só da cidadania, como do próprio valor da vida, que contribui para a naturalização e, em muitos casos, para a legitimação das mortes da juventude negra.
Quero concluir apresentando um conjunto de proposições que consideramos importantes para enfrentar esse quadro. A primeira é a necessidade de ruptura com as representações que têm impulsionado esses processos de fragmentação da cidade, criminalização da juventude e hierarquização do valor da vida.
O segundo ponto central é a ruptura com a lógica da guerra, muito especialmente com essa perspectiva de guerra às drogas. É imprescindível que a gente substitua esse modelo por uma política de segurança pública que tenha a valorização da vida como um princípio fundamental. Para isso, o debate sobre drogas não tem de estar colocado como um debate no campo da segurança pública. A gente precisa olhar a partir da saúde pública e pensar no enfrentamento das drogas a partir da prevenção e de uma perspectiva de redução de danos. Ao mesmo tempo, investir em políticas públicas que deem sustentabilidade para aqueles jovens que estão na rede ilícita, mas desejam construir alguma outra trajetória, porque muitas vezes é colocada a crítica ao adolescente, ao jovem que faz a opção de estar na rede do tráfico, mas, quando ele decide sair, ele não encontra políticas que deem sustentabilidade a esse movimento de saída. E, quando a gente fala do egresso do sistema prisional adulto, a situação é ainda mais grave.
A outra questão é a necessidade de aprofundar estratégias de enfrentamento do controle de armas e munições. A gente vê a radicalidade do peso das armas de fogo na produção de homicídios no País. A gente avançou muito pouco nesse tema. É fundamental que esta Casa contribua para que a gente não tenha retrocesso no que a gente já avançou com o Estatuto do Desarmamento. Há a necessidade de fortalecimento dos mecanismos de controle externo e interno das polícias. Há a imperiosa necessidade do fim dos autos de resistência. Acho que já foi destacado nas duas falas anteriores, e manifestamos aqui também o nosso apoio, reforçando a necessidade da aprovação do PL 4.471, porque o aperfeiçoamento das perícias dos processos de investigação é fundamental para que tenhamos uma melhoria nas taxas de esclarecimento dos homicídios. Há um nível altíssimo de mortes violentas e um índice muito baixo de esclarecimento desses casos.
Aqui, para mim, está uma das questões mais centrais, como proposição. É fundamental que a gente invista num plano nacional e em planos estaduais e municipais que assumam compromissos com metas concretas e específicas de redução de homicídios, com definição de prazos responsáveis pelas ações, metas relacionadas à redução dos homicídios decorrentes de intervenção policial, homicídios com foco na questão da juventude negra e com indicadores que permitam monitoramento e avaliação.
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E, para concluir, falar da importância da participação dos jovens, da participação direta da juventude na formulação de novas estratégias de enfrentamento da violência urbana.
E aí, nesse sentido, a gente reivindica o reconhecimento dos moradores de favelas e periferias, não só como sujeitos de direitos, mas, sobretudo, como atores políticos fundamentais nessa construção. E, aí, em tempos que está colocada aí, a disputa, por exemplo, no debate relacionado à redução da maioridade penal, o Observatório de Favelas afirma a necessidade de a gente romper com qualquer iniciativa que esteja orientada pela lógica repressora e punitiva e deslocar os investimentos para as potencialidades da juventude negra moradora de favela.
E, nesse sentido, a gente está falando também de uma mudança que está no campo cultural. A gente precisa disputar as representações e as práticas que estão produzindo as manifestações de intolerância, de preconceito e avançar na construção de novas formas de convivência na cidade que fortaleçam uma cidade de direitos.
É isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Raquel, pela contribuição.
Eu abro aqui para os Senadores. Senador Roberto Rocha.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Senador Lindbergh, Senador Humberto, Srªs Raquel, Natália e Samira, eu quero dar meu boa-noite a todos. E, como disse o Senador Humberto, são realmente dados alarmantes. Por mais que a gente ache que conheça o problema, a gente conhece muito pouco.
Vocês, que são estudiosas no assunto, trazem para nós números que nos motivam a mergulhar muito mais no assunto, no tema. Eu confesso que o tema geral, segurança pública, está na ordem do dia, na cabeça das pessoas do Brasil inteiro, porque, efetivamente, vivemos como se estivéssemos em uma guerra.
E eu trago até aqui, neste momento, uma frustração, Senador Humberto. Quando cheguei aqui no Senado, neste ano, eu verifiquei que nós temos aqui comissões permanentes de todo tipo. Trata de educação, trata de saúde, relações exteriores, etc., etc., etc. Mas não há uma comissão permanente que trate deste tema, segurança pública.
Isso me trouxe, assim, uma perplexidade. Se fosse na Câmara dos Deputados, eu já acharia um erro, mas eu poderia até admitir. Mas, no Senado, que representa os Estados, e, sendo segurança pública de responsabilidade dos Estados, eu acho verdadeiramente um vazio muito grande, inaceitável aqui, no Senado Federal.
Uma autocrítica que nós fazemos, por parte do Senado. Já disse isso ao Presidente Renan, apresentei uma proposta para se criar uma comissão permanente de segurança pública e combate às drogas, porque sabemos que essa epidemia, essa chaga assola o Brasil inteiro e está entrando com muita força nos pequenos Municípios, estes, sim, muito mais desaparelhados ainda para o enfrentamento dessa guerra.
Nós temos aqui a comissão que discute a questão das drogas no que diz respeito ao usuário. Este, sim, é um problema de saúde, mas o problema do traficante é um problema de segurança pública.
Muito bem. A segurança pública efetivamente é, sem dúvida alguma, o problema que temos no Brasil com o maior grau de descuramento. É forçoso reconhecer que, nas últimas décadas, a educação e a saúde evoluíram bastante, apesar do muito que precisa ser feito. E evoluíram por uma razão simples, no nosso olhar. É porque o Brasil chamou os Municípios para participar da execução das políticas públicas de saúde e de educação, municipalizando muitas ações.
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E, claro, quando você fala em uma ação, você tem que falar na dotação. E foram criados os fundos de saúde e educação em todos os Municípios do Brasil. Muito precisa ser feito, claro, mas avançou, avançou. E a segurança pública? O que foi feito nas últimas décadas? Nós estamos assistindo aí a essa guerra, nós estamos assistindo aí ao nosso futuro quase que ser, digamos assim, ameaçado, hipotecado com o assassinato de tantos jovens, porque eles, sim, são o futuro deste País.
E, aí, a gente procura examinar que, na segurança pública, como foi dito aqui pela Drª Samira - eu observei bem - que, quanto mais se aumenta o cerco policial, mais se pressiona o sistema prisional. Isso aconteceu em Recife, Pernambuco, com o Governador Eduardo Campos. Ele fez o Pacto pela Vida, melhorou muito o sistema policial, mas, em Recife - dá testemunho o Senador Humberto, que é pernambucano -, o sistema prisional de Pernambuco, hoje, é um colapso; colapsou, porque não houve uma...
Eu vou dar um número básico para vocês. O Brasil tem uma população carcerária de pouco mais de meio milhão de detentos. Desses, o Maranhão tem 6.200; é quase nada, é a menor taxa de encarceramento do Brasil; São Paulo tem 220 mil; Minas, pouco mais de 60 mil; o Maranhão, 6.200.
Ao mesmo tempo, o Maranhão tem a menor relação polícia/cidadão do Brasil: somos 7 milhões, temos em torno de 7 mil policiais - quase 1 para mil; Brasília tem 1 para 250 aproximadamente - é a melhor relação. No Maranhão, é a pior. Observe bem que o Maranhão tem a pior relação polícia/cidadão do Brasil, com 217 Municípios, e tem 6.200 presos.
Se o Maranhão tivesse um sistema policial muito melhor... Imaginem só a cidade do Rio, capital do Estado do Senador Lindbergh, que tem uma guarda municipal com quase o dobro do efetivo policial militar do Maranhão. Então, se o Maranhão tivesse uma força policial razoável, quantos presos nós não teríamos, se, com 6.200 presos, nós temos hoje a maior sensação de insegurança de todos os tempos? Por quê? Por causa do sistema policial? Não, este sempre foi muito ruim. Por causa do sistema prisional.
Então, não existe segurança sem o adequado sistema prisional. Essa é a nossa compreensão. E pior de tudo - sabe? - e a gente precisa discutir muito, Senador Lindbergh, é que o problema muito ruim tem uma tendência a tornar-se pior. Disse aqui a Raquel que o dado mais alarmante é o mais recente, porque, se o problema é o sistema prisional, problema sério no sistema de segurança, quando você vai fazer um presídio numa cidade, a população se reúne em protesto contra o governo. O povo não quer que se construa penitenciária nos Municípios porque tem a sensação de que vai ser vizinho do bandido.
Ora, alguém já viu um Deputado ou Senador fazer uma emenda para construir um presídio? Entende? O problema é que não está nem na agenda política. Esse é o maior de todos os problemas. E, aí, nós compreendemos que só podemos falar de redução da maioridade penal quando tivermos um local adequado para colocar esse menores, porque só vamos agravar ainda mais o problema. O Brasil nunca enfrentou isso como deve ser enfrentado.
E aqui, nesta CPI, discutimos a questão do assassinato de jovens. Vejam bem: o Brasil não tem que prender mais; o Brasil tem que prender melhor. O Brasil por exemplo, não prende os homicidas - menos de 10%, 6% dos crimes são elucidados. E, aí, quem está preso aí pelo Brasil afora? Então, tem que prender melhor; não é prender mais.
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Aí, nós enfrentamos, Senador Lindbergh, um problema bem objetivo naquilo que diz respeito à municipalização do sistema de segurança. É que a segurança, diferente da educação e da saúde, é executada tanto pelo Executivo quanto pelo Judiciário. A educação e a saúde, só pelo Executivo, e não existe juiz municipal; não existe juiz municipal. Então, temos que, de cara, separar o tamanho dos Municípios. A Constituição atual não faz isso - todos são iguais. Os Municípios só podem fazer guarda municipal e cuidar do patrimônio público; não da integridade física das pessoas.
Então, está aí um problema: as cidades não podem fazer quase nada, quase todos os Estados brasileiros só podem fazer investimento se for com dinheiro de empréstimo, e o dinheiro está concentrado na mão da União, que também, hoje, enfrenta muitas dificuldades.
Creio que temos muito trabalho pela frente nesta Comissão. Cheguei um pouco atrasado porque vim do Maranhão - é muito longe. Vim direto do aeroporto para cá. Mas, em boa hora, o Senado resolveu trazer este debate. Acho que será também interessante, na medida em que a Comissão for aos Estados: vai a Pernambuco, vai ao Rio, vai, naturalmente, à Bahia e vai também a São Luís do Maranhão.
Sr. Presidente, quero dar entrada em um requerimento, exatamente solicitando a presença desta Comissão, em data a ser agendada, numa audiência em São Luís. São Luís era uma cidade muito pacata, mas, nos últimos dez anos, foi, no Brasil, infelizmente, a que mais cresceu no assassinato de jovens, porque era pouquinho - pelo tanto que tem e que cresceu, apareceu maior.
Agora, é óbvio que quanto mais os centros maiores e desenvolvidos - São Paulo, Rio e Minas - aumentam o cerco policial com tecnologia de comunicação, inclusive, aumentando seu efetivo etc., mais essa bandidagem tende a correr para as cidades médias do Nordeste e do Norte, como Recife e São Luís. Entende? E de nada adianta, ou pouco adianta, resolver a questão policial, se a gente não tiver olhos para a questão prisional. E é preciso o Brasil pensar urgentemente no fundo a fundo, para os Estados, na transferência de recursos do sistema prisional. Do contrário, não adianta: a gente vai chover no molhado, enxugar gelo.
Trago, aqui, apenas essa reflexão, nesta minha primeira participação nesta Comissão, cumprimentando vocês três pela bela apresentação. E quero propor, Presidente, que a gente encontre uma forma no Prodasen, aqui, nos meios de comunicação do Senado, para levar este debate para mais adiante. Isso não pode ficar preso apenas entre quatro paredes, apesar de saber que estamos aqui ao vivo na TV Senado. Temos a internet, além da TV, em que a gente pode fazer a nossa espécie de ágora grega, nossa praça virtual, para que as pessoas possam ser instadas a participar a distância deste debate, desta discussão que estamos tendo aqui, agora, porque isso interessa muito às pessoas; interessa muito às pessoas que estão lá fora. Em muito do que se discute aqui, a gente está falando uma língua, e eles estão entendendo outra, dada a complexidade do tema. No entanto, este tema está no dia a dia das pessoas.
Então, deixo aqui esta sugestão, para que a CPI possa, de alguma forma, trazer algum recurso para ampliar, dar mais eco a essas discussões.
Era essa, inicialmente, a minha participação.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Roberto Rocha.
E passo, agora, para o Senador Humberto Costa.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Vou tentar ser breve.
Primeiro, eu queria pedir, se fosse possível, que tivéssemos acesso a essas informações e apresentações que vocês fizeram aqui.
Em segundo lugar - e, aí, dirijo-me mais ao Presidente -, na verdade, faço parte da Comissão como suplente e tenho uma dificuldade, porque a Comissão se reúne às segundas-feiras e, geralmente, é um dia em que, na condição de Líder, tenho de participar de várias reuniões de preparação. Por isso, é a primeira vez que venho.
Essa é a terceira reunião?
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O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - É a quarta, mas, na verdade, é a segunda audiência pública.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Vou tentar vir mais vezes.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - A gente achou, Senador Humberto, que os horários de terça-feira e quarta-feira imprensavam... Esse horário acaba sendo o melhor. Combinamos com o Presidente do Senado, Renan Calheiros, a transmissão sempre pela TV Senado.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Apoio Governo/PT - PE) - Concordo plenamente.
Vou fazer um esforço, porque vejo, acima de tudo, a oportunidade do debate. O que estamos vendo hoje, no Brasil, é uma verdadeira onda conservadora, que constrói certo senso comum, em que se ignoram coisas como essas que estão colocadas. O debate, por exemplo, sobre a maioridade penal, redução ou não da maioridade penal, tinha que estar diretamente articulado com essa discussão. Por aqui, a gente vê que o jovem é absolutamente mais vítima do que, de fato, autor de atos de violência. Talvez 1%, 2% dos crimes sejam relacionados a jovens menores de 18 anos. Agora, a quantidade de vítimas dessa violência é muito grande.
Não sei se vocês se aprofundaram na temática, na justificativa do porquê disso, mas deve haver uma relação muito próxima com a questão da droga, do tráfico de drogas - o que consome, não paga e passa a ser vítima do traficante, guerra de gangues, essa coisa toda. Nós, no Brasil, não conseguimos discutir de maneira séria se o problema da descriminalização, efetivamente, poderia ser uma alternativa para enfrentar essa questão da violência.
Acho muito oportuno, porque creio que este tema, por exemplo, da maioridade penal virá, fatalmente. O Presidente da Câmara, que se tem notabilizado pela agenda obscurantista, certamente, vai tentar aprovar lá. Depois, virá para o Senado. É importante, quando tivermos os debates, fazer esse contraponto, mostrar se a gente está precisando dar cadeia para pessoas jovens ou se a gente, efetivamente, está deixando de dar perspectivas de futuro, esperança, escola, cultura, saúde.
Enfim, era isso o que eu queria colocar.
Fiquei muito impressionado com essa questão do Estado, até por essa razão de que, em Pernambuco, de fato, tivemos uma redução de homicídios. Agora, no ano passado, já houve um recrudescimento. Essa questão da morte de jovens é uma coisa até meio contraditória. Vale a pena conversar um pouco sobre isso lá com o pessoal da área de segurança pública, direitos humanos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Senador Humberto.
Pela internet, chegaram alguns comentários, algumas perguntas também.
Ismael Bernardo da Silva, de Alagoas, diz:"Acredito que a criminalidade pode ser reduzida por meio de investimentos na educação. As mídias populares também podem ser usadas como ferramentas de mudança".
Edemar Soares Antunes, do Rio Grande do Sul, fala: "A justiça e o Governo brasileiro contribuem para a distinção e a criminalização das pessoas de cor negra no País. O problema é cultural".
Maria Camargo pergunta:
Por que o Brasil não tem um programa de tolerância zero contra crimes contra a pessoa? A sociedade esta clamando por punição, e os governantes estão beneficiando assassinos e criminosos. Quando pessoas honestas neste País vão ter mais direitos que bandidos e criminosos?
Eu queria passar primeiro para a Drª Natália Damazio Pinto e queria fazer algumas perguntas também sobre os autos de resistência. Em sua apresentação, os autos de resistência foram abordados. A gente sabe que existe um projeto de lei, de autoria do Deputado Paulo Teixeira, na Câmara dos Deputados, que está enfrentando uma grande resistência para ser votado no plenário, por setores que não querem a votação desses projetos sobre autos de resistência.
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Eu queria saber como está de Estado para Estado, se tem avançado, em alguns Estados, essa discussão.
E eu queria você explorasse muito o tema da guerra às drogas. Eu, cada vez mais, estou convencido de que não dá para discutir a fundo a questão da segurança pública sem entrar nesse debate de guerra às drogas. Acho que essa política tem fracassado no mundo inteiro.
Eu queria que analisasse à luz do território, porque eu dou um exemplo concreto, Senador Roberto Rocha, do meu Estado, o Rio de Janeiro. Essa política de guerra às drogas atinge os mais pobres, os moradores de favela, os moradores das comunidades. E não vejo essa política executada da mesma forma em outras áreas do Rio de Janeiro. Eu não vejo em Copacabana, eu não vejo em Ipanema, eu na vejo no Leblon. Há vendas de drogas em Ipanema? Tem, sim, só que a abordagem policial é completamente diferente. Eu não vejo, em Ipanema, a polícia chegando com tropas atirando para tudo que é lado, matando inocentes.
E essa política de guerras... Hoje, sinceramente, quando se fala em extermínio da juventude negra, o que tenho visto é o seguinte: a juventude está morrendo vítima de traficantes, vítima da milícia, vítima da polícia. E é uma contradição. É um sistema em que você coloca como centro da política de segurança a política de guerra às drogas, quando, na minha avaliação, deveria ser a proteção à vida, o controle de armas... Você coloca como centro... Você estrutura todo um sistema em que você gasta bilhões e bilhões, e o resultado disso é que nós temos a polícia que mais mata, mas também a que mais morre, porque os policiais são vitimados também por esse sistema. Nessas incursões, no caso das favelas, morrem traficantes, que são substituídos no outro dia, morrem inocentes e morrem policiais.
Então, aqui é um debate difícil de ser feito, mas que acho que tem que ser feito. E acho que há essa distinção no território. A política de guerras às drogas não é implementada da mesma forma em todos os lugares. Há uma distinção aqui das regiões mais pobres, dos setores mais vulneráveis.
E eu falo, no caso do Rio de Janeiro também, e queria fazer essa pergunta à Drª Natália... Nós temos um instrumento lá, que está funcionando nas áreas das UPPs e em outras áreas, que é o mandado de busca e apreensão coletivo. Isso também, Senador Roberto Rocha, eu não consigo ver... Se fizessem isso para algumas áreas da cidade nesses bairros de que falei... Imagina um mandado de busca e apreensão coletivo em Ipanema ou Copacabana! É algo inconcebível, de retirada de direitos, mas uma parte da sociedade faz como se fosse normal. Então, você vai lá - o Observatório das Favelas tem um trabalho lá na Favela da Maré - com mandado de busca e apreensão coletivo. Esse é o famoso, como tratam as pessoas, pé na porta, com a policia entrando na casa de todo mundo.
Então, eu queria a avaliação também sobre esse instrumento de mandado de busca e apreensão coletivo. Como está isso? Não há contestação na Justiça?
Eu queria também uma avaliação sobre...
Eu sou autor da PEC 51, para a qual se fez um debate com a sociedade. Foi um muito amigo meu, o Prof. Luiz Eduardo Soares, que concebeu essa PEC 51, que fala na desmilitarização da polícia. Há uma incompreensão sobre o tema. Há gente que acha que desmilitarização é polícia fraca, como se não pudesse usar arma. Não é nada disso. A Swat norte-americana é uma polícia civil. É um outro debate sobre o tipo de polícia de que nós precisamos. Um policiamento mais de proximidade, um policiamento mais comunitário. Ao meu ver - eu também queria uma avaliação sobre a questão das UPPs -, aquilo começou de uma forma... A lógica inicial era de outro tipo de policiamento, e houve um processo, a meu ver, de degeneração e degradação. E a velha polícia, acostumada ao confronto da guerra contra o inimigo, está prevalecendo sobre uma polícia que tem que ter outro papel na comunidade, principalmente mudando a forma de se relacionar com a sociedade.
Eu queria que falasse sobre policiamento de proximidade, policiamento comunitário, sobre esse tema da desmilitarização e sobre outro tema que existe, Senador Roberto Rocha, no debate, que a gente colocou na PEC 51. É porque temos um sistema que pouco funciona. V. Exª falou aqui da elucidação de casos de homicídios. Há números aqui... De vez em quando a gente escuta alguém falar em 8%, mas, na verdade, a gente não tem nem 8% de elucidação; são 8% de casos que são examinados, que são investigados. É um índice muito baixo.
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Agora, nós temos aqui uma jabuticaba, algo que só existe no Brasil. Em todo canto do mundo, você tem um ciclo completo. Então, quem está na ponta é que começa o trabalho de investigação. Aqui, não. Só aqui nós temos a Polícia Militar, que tem o trabalho de fazer o policiamento preventivo e ostensivo nas ruas, e temos a Polícia Civil, que investiga. Aquele policial... E a gente sabe que há problemas de convivência entre Polícia Militar e Polícia Civil.
Então, o que o Policial Militar faz na ponta? Ele só pode prender em flagrante. É a única coisa que ele pode fazer. E aí leva para a Polícia Civil começar um processo de investigação.
Então, eu estou convencido de que esse sistema não funciona, e a gente tem que entrar nesse debate. Eu queria saber também, Drª Natália, sua opinião sobre o tema da desmilitarização, sobre a PEC 51...
Eu vou ficar por aqui, porque a gente responde...
Senador Roberto Rocha, se quiser fazer mais uma pergunta a ela, a gente faz os questionamentos...
E, por fim - desculpe-me -, vou colocar outra questão para todos.
É que, na última audiência que tivemos aqui, foi muito comentado que uma das medidas que podem auxiliar no enfrentamento da questão é a realização de um pacto nacional pela redução dos homicídios, com amplo envolvimento da sociedade civil e autoridades dos três Poderes.
Pergunto: como as senhoras veem a possibilidade de uma pactuação como essa ter sucesso?
E, por fim, a questão desses números alarmantes de morte de jovens negros. É claro que existe racismo no País. Mas eu queria que vocês tentassem, até para explicar para as pessoas que estão nos vendo, como se dá isso na prática? A gente sabe que há uma abordagem policial, às vezes, em cima de estereótipos, em cima de alguns jovens, mas o que mais acontece? Como é que a gente pode explicar números tão fortes como esses? Como entender que, no Estado de Pernambuco, morram 11 vezes mais jovens negros do que brancos? Isto, às vezes, no caso de jovens que moram no mesmo território.
Então, eu acho que esse é um tema que a gente tem que explorar muito e tem que conseguir explicar para a sociedade, porque muito se diz, e aqui há um debate que é falso, que não há racismo no Brasil, mas eu acho que é muito importante a gente tentar entender em detalhes essa causa de por que esses jovens negros são os mais atingidos.
Desculpe-me pela quantidade de perguntas, Drª Natália, mas a gente vai fazer assim e vai resolvendo um a um. Ao final, pode fazer as considerações finais também para que, depois, eu passe para a Samira e para a Raquel.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Obrigada pelas perguntas. Eu vou tentar responder todas.
Bom, guerra às drogas, enquanto conceito de segurança pública. Onde ela nasce? Ela nasce nos Estados Unidos. Vem sendo uma aposta de vários Estados, dentro dos Estados Unidos, justamente abandonar a política de guerras às drogas pela falência. Ela não tem como funcionar. Ela implica um superencarceramento que não tem fim, porque é uma política de tolerância zero. Então, é uma política em que o carro chefe de política pública do Estado é o encarceramento e a letalidade. São as duas, que funcionam juntas e funcionam contra um grupo específico, que é o da população negra e pobre.
Os Estados Unidos não têm muita diferença de cenário para a gente. Morrem muito mais negros, acho que 80% dos presos são negros, um índice bem alto de população negra encarcerada.
Então, na verdade, a guerra às drogas - aí, tentando puxar um pouco para o racismo - é um dos dispositivos no qual o racismo institucional se manifesta, porque, de fato, um rapaz branco de zona sul pego com uma quantidade vai entrar como consumo e um rapaz negro de favela é enquadrado em tráfico numa delegacia, automaticamente. Então é uma política de encarceramento de negros jovens.
O Uruguai, por exemplo, que está passando por um processo de legalização e descriminalização do uso e da venda de drogas, chegou a índice zero de homicídio por consequência da questão das drogas.
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Isso é um pouco do que o que a Raquel coloca de passar isso para uma questão de saúde pública. Quando você está lidando com alguém com uma drogadicção, você cuida, você trata.
Por exemplo, foi citada a redução, o auto de resistência, o mandado de busca e apreensão. Tudo isso vem dentro dessa política de tolerância zero, de guerra às drogas, de dispositivos que legitimam o genocídio da população negra de forma geral. E aí, tentando traçar a questão da guerra às drogas um pouco com o que você falou de desmilitarização, porque o militarismo e a belicosidade caminham muito junto com a guerra às drogas, porque é uma proposta, é uma aposta em uma segurança pública de extermínio.
A gente fala do exemplo da UPP. Para a gente, a UPP não é um modelo que poderia dar certo em algum momento, porque ele já é um modelo com base militar. Ele já é um modelo que acredita que você precisa invadir um território e pacificar um território que está, automaticamente, criminalizado antes da entrada desse policial, por conta justamente dessa sensação de medo, de desproteção constante que a ideia de guerra traz.
Sendo feita através da Polícia Militar, ela continua com todos os problemas que a militarização da segurança pública traz, que é um regime de hierarquia, um regime que prevê treinamento tático de guerra, ao invés de um treinamento mais humanizado... Então, ela continua com todas as questões inerentes ao problemas da militarização. E ai você decide colocar isso como uma ocupação permanente de território. Então, automaticamente, você vai entrar em guerra permanente dentro dese território e vai terminar gerando execuções com frequência. Por exemplo, é muito comum relatos de ameaça a moradores, de invasão de domicílio. Então, tudo que você vê em uma megaoperação você transforma em uma permanência dentro daquele território.
Para além disso, as proposta sociais da UPP nunca foram de fato efetivadas. Nunca.
Quanto ao mandado de busca e apreensão coletivo, eu ia até usar um exemplo que era o de Acari, de novo, porque existem relatos de que os policiais têm entrado nas casas das pessoas com chave-mestra durante as operações. E não é isolado, não é um caso isolado, porque grande parte das operações já sai com um mandado de busca e apreensão coletivo, que é o que justifica que se entre na casa de todos os moradores da favela, indistintamente. E isso, mais uma vez, assim como o auto de resistência, é um descumprimento, é a normalização de um descumprimento da normativa penal, que é de busca e apreensão individualizada. Ela tem que ser direcionada para uma tal pessoa porque existem tais indícios. A partir do momento em que você adota, pelo Judiciário, um mandado de busca e apreensão coletivo, você está dizendo, então, que a favela inteira é potencialmente passível de cometer crime. Não, isso é mais uma das graves violações de direitos humanos que estão dentro deste contexto de guerra às drogas, que é a ideia de você ver territórios empobrecidos como território inimigos, não como parte da comunidade. E aí vai um pouco de encontro a um discurso de que seria possível, dentro desse quadro, você alterar o que acontece hoje dentro do sistema carcerário, porque a demanda de punição vai ser infinita.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - O Brasil passou a Rússia agora. É o terceiro maior do mundo em encarceramento.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Segundo o Conselho Nacional de Justiça, caso cumpríssemos todos os mandados de busca e apreensão, sem contar regime domiciliar - eles têm um dado para quem vai cumprir o regime domiciliar e para quem vai cumprir o regime fechado em penitenciária -, a gente chegaria a quase um milhão. E aí a gente chega muito perto do país que é o maior encarcerador do mundo, que é os EUA.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Em 2013, nós estávamos com 574 mil encarcerados.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Em um país com condições que conseguem ser piores do que a condição padrão.
Isso tudo vem muito de uma falta de debate sobre o que é o racismo e como ele se estrutura, porque ele vai se... Hoje, ele se encontra em guerra às drogas, mas já se encontrou em guerra à vadiagem, em uma época anterior se encontrou em guerra à capoeira... Enquanto você não identificar que o problema está em uma estrutura, em uma superestrutura fundante do Estado racista, você não vai conseguir combater todas essas consequências. Elas vão ser combatidas, mas vão ser criadas novas. Porém, não deixa de ser importante mudar uma lógica de segurança pública que está sendo responsável pela execução de um número tão alto de jovens de forma arbitrária com o aval de uma parte conservadora da sociedade, mas também com o aval do Poder Público - de grande parte do Poder Público -, com base na ideia de combate à pobreza.
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Só para fechar, aí a ideia de redução da maioridade. Foi problematizado que, em algum momento, a redução poderia ser pensada. A redução é uma violação de direitos humanos. O período de internação hoje previsto no ECA não é um período de internação aleatório; é metade da adolescência. O Estado possui um especial dever de proteção à adolescência. Quando se fala em redução da maioridade penal, está-se falando que o Estado está escolhendo flexibilizar leis protetivas, quando o ECA, na prática, não é respeitado no Estado. Sem respeito nenhum ao ECA e sem a garantia dos direitos básicos da juventude, já está se pensando numa política de repressão que já vai violar ainda de forma mais grave os direitos humanos, que ele já não garantiu inicialmente. Então, ela é considerada por absolutamente todos os organismos internacionais de direitos humanos e organismos internacionais especiais para crianças e adolescentes como uma grave violação aos direitos humanos e um desrespeito ao direito da criança e do adolescente.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senador Roberto Rocha, a qualquer momento, pode fazer novos questionamentos.
Eu agradeço, Natália. Se quiser falar...
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Só uma última ponderação aqui em relação à PEC 51.
É importante um projeto de desmilitarização, e é importante, para além disso, discutir a desmilitarização dentro dessa lógica de guerra. Por exemplo, no Rio, há o Core, que é da Polícia Civil, mas que tem uma função profundamente militarizada e características profundamente militarizadas. Então, ele é um dispositivo dentro da Polícia Civil que tem um índice de letalidade tão grande quanto o da Polícia Militar. Então, não se altera a lógica. Se não se alterar também, em conjunto, a lógica de guerra às drogas - PEC 51 - e se pensar em mecanismos de legalização de substâncias colocadas como ilícitas, vai se reformar essa lógica, mas vai se manter a mesma lógica em outros órgãos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Entendi.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Acho que agora, sim.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Natália.
Senador Roberto Rocha.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Natália, eu entendi que você se opõe à ideia da diminuição da maioridade. O.k. Nesse sentido, eu queria fazer um comentário, uma consideração e uma pergunta.
Aquela pessoa que cometeu um delito com menos de 18 anos e comete um novo delito depois de 18 anos deveria não ser considerada mais réu primário. Assim, se ele é menor, tem 16 anos, e cometeu um delito, ele não vai responder penalmente; mas, se ele cometer um novo delito quando tiver mais de 18 anos, a ficha dele vai estar lá, e ele não vai responder mais como primário. Isso é possível fazer. Eu sou contra a diminuição da maioridade, mas eu sou a favor disso. Ele não pode, aos 18 anos, entrar na maioridade como se estivesse começando do zero no que diz respeito à vida dele. A vida pregressa dele tem de estar registrada. Se ele cometeu atos lá atrás, ele não tem idade para responder penalmente, mas, a partir dos 18 anos, ele, ao cometer novo delito, deverá ser tratado como um réu não primário.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Com a palavra a Natália.
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A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Primeiro, quero fazer uma ponderação sobre isto. Ele não responde penalmente, mas ele responde. E ele responde dentro de uma instituição que está sendo a cópia piorada do sistema carcerário. Ele vem dentro... Por exemplo, os casos do Rio de Janeiro, um dos espaços que a gente monitora. Morreu um jovem no mês passado, morreu um jovem há dois meses, e esse é o retrato do sistema socioeducativo. Então, existe essa fala de que o jovem passa impune. O jovem não está passando impune, o jovem está passando torturado no sistema socioeducativo.
Então, o Estado fornece, única e exclusivamente, violação de direitos humanos dentro desse sistema socioeducativo, nenhuma proposta de melhora, nenhuma proposta de respeito mínimo à garantia de os adolescentes não viverem em um lixo, como eles vivem no Degase, com lixo ao redor. E, não satisfeitos com isso, a gente vai reduzir mais um direito dele? Ele é parcialmente incapaz perante toda a legislação, mas só na legislação penal a gente vai ampliar a culpabilidade dele, só na repressão.
Então, primeiro a gente se preocupa... Eu acho que o sistema penal não cabe porque a gente está lidando com uma pessoa em formação. O adolescente está em formação. E o dever do Estado é proporcionar meios dignos para propiciar essa formação, e não meios para reduzir a possibilidade de esse garoto ter uma vida marcada pelo trauma dentro do sistema socioeducativo ou com uma redução ou com uma vida penal. Você não pode marcar um jovem o resto da vida por uma conduta que ele cometeu aos 12 anos de idade, que é hoje a idade penal. E...
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Eu estou me referindo àqueles que são considerados lixo. Eu estou me referindo àquele jovem que pratica crime hediondo. Àquele jovem que pega o teu filho, o meu filho, estupra e mata com menos de 18 anos. Este, ao completar 18 anos, eu entendo que ele deveria ser tratado como alguém que não é mais réu primário. É deste tipo de gente que eu estou tratando, Natália.
A SRª NATÁLIA DAMAZIO PINTO FERREIRA - Bom, eu entendo que não é papel da sociedade ou do Estado afastar direitos por conta de seja o que for, não é? Acreditar que uma pessoa descumprir a norma é o.k., mas o Estado ir contra toda a normativa internacional não é o.k... É o.k. Perdão. Então... Vou refrasear porque ficou um pouco confuso. O adolescente descumprir, cometer um ato infracional, é grave o suficiente para o Estado poder afastar a obrigação dele de respeito às normas que protegem esse adolescente. Isso representa você criminalizar o adolescente a ponto de ele entrar na idade adulta já como reincidente por um crime que ele cometeu na idade de formação.
Mas eu acho que é isso, é problematizar que não existe isso de um adolescente demônio, não é? A gente também expõe 90% do País a condições subumanas de sobrevivência, não é? Existe uma socialização violenta de um pedaço da população. E não violenta porque essa população é violenta, mas violenta porque o Poder Público é violento com ela. O Poder Público não garante o mínimo para elas.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Antes de passar para a Samira, eu quero... Ouvi o Senador Rocha dizer sua posição contra a redução da maioridade penal, que é uma posição importante. Eu estou convencido de que o Senado Federal... O Senado sempre foi uma Casa mais conservadora. Por incrível que pareça, a gente montou uma frente progressista aqui. Porque o Senado pode deter um pouco essa ofensiva que vem da Câmara dos Deputados.
Se você analisar os números, Senador Roberto Rocha, você vê o seguinte: homicídios... Porque estão construindo uma coisa no imaginário como se a maior parte das mortes no País, os assassinatos, fossem feitos por menores. Na verdade, o índice diz que menos de 1% dos homicídios no País são cometidos por menores. Menos de 1%! Números oficiais sobre isso. E, sinceramente, nesse sistema prisional que nós temos aí, com 574 mil presos, com condições subumanas, se você coloca mais um ali dentro, que acaba entrando... É a mesma coisa desse... A quantidade de pequenos varejistas de drogas, de jovens de 19 ou 20 anos que estão sendo presos, pessoas que estão ali na ponta, que vão para esse sistema, e, depois, a capacidade de recuperação desse sistema é de quase zero. Muito pelo contrário. É difícil você sair dali sem estar fazendo parte de uma facção. Esse sistema prisional brasileiro é uma vergonha. Eu faço parte da Comissão de Relações Exteriores e a gente vive falando em direitos humanos em países africanos. Eu digo que, tudo bem, a gente tem que condenar, mas que precisamos olhar para a gente também, porque há um atentado a todos os tipos de direitos ali. Essa política de encarcerar mais... Essa juventude já está morrendo e a gente quer colocar mais presos nessas prisões terríveis que não oferecem solução alguma.
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Então, entendemos as modulações, o que seja, mas eu quero já defender essa posição contra a redução da maioridade penal. Contrapor-se a isso, Senador, é muito importante.
Eu queria passar agora, imediatamente, a palavra para a Samira Bueno Nunes. Eu já fiz as perguntas à Natália, mas também queria que V. Sª levasse em conta as mesmas perguntas e queria acrescentar outras, Senador Roberto Rocha, em cima desses dados.
No Brasil, afirmamos que o Brasil tem a polícia que mais mata, mas também a que mais morre. Na 8ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2014, que analisa os dados de 2013, uma constatação sobre vitimização e letalidade policial chama a nossa atenção.
No ano de 2013, 490 policiais foram assassinados. Em cinco anos, de 2009 a 2013, esse número subiu para 1.770. No mesmo período - são dados que a senhora já citou -, os policiais mataram 11.197 pessoas. O mesmo índice de mortes por policiais nos últimos 30 anos nos Estados Unidos.
Mas o que chama a atenção, além desses números impressionantes, é que, dos homicídios cometidos por policiais, 81,8% foram cometidos em serviço. Por outro lado, 75,3% das mortes de policiais ocorrem fora do serviço. O que está acontecendo? Como explicar essa inversão?
Outro dado do Anuário são os custos da violência.
Em 2013, o Brasil gastou R$258 bilhões, sendo R$192 bilhões considerados custos sociais da violência. Pode nos explicar o que são esses custos sociais? As despesas com segurança pública têm aumentado nos últimos anos? Como estão sendo efetuados esses gastos? Que tipo de ajuste é necessário para atingir eficiência no uso desses recursos?
Em 2013, o número de pessoas encarceradas bateu o recorde, atingindo 574 mil presos. Por outro lado, entre 2012 e 2013, o déficit em vagas em presídios atingiu 220 mil vagas faltantes. O que esses números dizem para nós? Como enfrentar o dilema do sistema penitenciário?
Por fim, a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública lança um importante desafio para o conjunto da sociedade brasileira e autoridades: assumir a meta da redução da taxa de homicídios em 65,5% até 2030. Isso significa reduzir, em média, 5,7% ao ano. O desafio traz uma afirmação otimista: se o Brasil optar por investigar a fundo as experiências de redução de homicídios que lograram êxito nos anos 2000 e investir na avaliação e documentação de políticas e programas, as chances de reunir um conjunto de práticas mais eficientes que possam ser rapidamente replicadas são altas. Tal esforço pode ajudar o País não só a cumprir a meta estabelecida, mas a se constituir em exemplo de compromisso com a construção de sociedades mais pacíficas.
Quais são os pilares primordiais para que o Brasil possa assumir esse compromisso? Como esta CPI pode auxiliar nessa investigação?
Antes, eu queria dizer que a Presidente, Senadora Lídice da Mata, pede para agradecer a presença dos convidados e justifica sua ausência em virtude do falecimento de um grande amigo, o Vereador, do Município de Alagoinhas, Antônio Fernando Xavier dos Santos, conhecido como Fernando Aranha, respeitado líder popular no Recôncavo Baiano.
Também quero registrar que, ontem, nós perdemos uma grande figura das causas populares do Rio de Janeiro, o nosso querido Antônio Neiva, que foi enterrado no dia de hoje. Quero fazer também esta homenagem a uma pessoa que lutou, há muito tempo, e foi preso pela ditadura militar e teve sua vida dedicada às causas do povo brasileiro.
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Quero registrar também a presença da assessoria da Ministra Nilma Gomes, da Seppir.
Vou ler, antes de passar para a Samira, outro comentário. De Rafael Rodrigues Bezerra Tavares, do Ceará: "Sinto a falta de um debatedor negro e jovem à mesa, pois, já que a audiência dá ênfase à violência sofrida por jovens negros da periferia, nada melhor que um jovem negro para falar das mazelas que sofre, sem intermédio de estudiosos".
Ele tem toda a razão. Na última audiência, nós tratamos disso. E vamos ter também esse cuidado. Vamos querer muito escutar esses jovens in loco e aqui também. Mas o comentário do Rafael é um comentário muito válido, que tem que ser sempre levado em consideração por esta Mesa.
Com a palavra, Samira Bueno Nunes.
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Obrigada.
Vou começar minha fala refletindo um pouco sobre a questão da redução da maioridade penal e olhando um pouco para o sistema prisional, porque o que me incomoda um pouco nesse debate é que, normalmente, ele é feito com o fígado. A expectativa de muita gente, não só da população, mas de muita gente que tem influência política e tem feito propostas nesse sentido, é sempre pensada na prisão como castigo. Então, por que quase 90% da população quer reduzir a maioridade penal? Porque ela sente que tem que castigar, e a gente perde de vista que o ideal da prisão é ressocializar. E a gente não ressocializa ninguém, nunca ressocializou, nas prisões brasileiras. Então, acho que, antes de a gente pensar na redução da maioridade penal, a gente tinha que pensar em como começar esse processo de ressocialização, de que a gente está muito longe. Na prática, a gente mal controla o sistema prisional. O caso do Maranhão é um exemplo, com a crise no sistema prisional do ano passado, com as decapitações, com o crime organizado tomando conta, e também o caso de São Paulo, com o PCC, que domina 90% das unidades prisionais do Estado. Então, o Estado não tem capacidade hoje de controlar as unidades prisionais. Isso eu acho que é algo que tem que ser considerado no debate. E a gente tem que falar disso de forma mais franca, antes de pensar em reduzir a maioridade penal.
Acho que a Natália expôs bem a situação das unidades de medidas socioeducativas, que, na prática, vivem o mesmo fenômeno: a entrada do crime organizado nessas unidades, e a gente, de forma cada vez mais precoce, recrutando os jovens para o crime, porque, na prática, é isso que está acontecendo. Nesse sentido, acho que uma iniciativa interessante, pensando no desencarceramento, são as audiências de custódia, que têm acontecido acho que, inclusive, no Maranhão, uma das primeiras experiências, em São Paulo e em alguns outros Estados. A Natália deve até saber melhor quais são os Estados que já estão adotando. Mas isso é algo que tem funcionado.
Acho que a gente também não pode perder de vista que, se isso está acontecendo hoje, é porque também a gente delega para a Polícia Militar a definição não só de quem deve viver ou morrer nas periferias, mas de quem deve ser preso, porque a maior parte das prisões são prisões em flagrante. Então, na prática, a gente está delegando todo o sistema para a Polícia Militar. E aí, quando a gente pensa em reformar, pensa em alterar a estrutura do sistema, isso passa por pensar um pouco melhor o que a gente espera da política de segurança pública.
Falando um pouco sobre a desmilitarização e a PEC 51, acho que o debate, de fato, foi muito deturpado e acabou servindo para uma discussão da desmilitarização como uma panaceia contra a violência policial. Acho que a PEC 51 apresentava, de fato, um novo modelo, para a segurança, de como tornar as polícias mais eficientes, mais democráticas, mais alinhadas ao que a gente espera no Estado democrático de direito, e ela foi colocada muito vinculada a uma panaceia contra a violência policial, o que, a meu ver, é um equívoco. Pensar que a gente vai desmilitarizar, vai acabar com a violência policial... A gente está falando de instituições que têm centenas de anos, a gente está falando de culturas organizacionais e práticas que estão institucionalizadas. Então, não é algo que a gente vai transformar do dia para a noite. E a gente tem que começar de algum jeito. Então, o debate sobre a desmilitarização é superimportante, mas passa por compreender o que significa isso.
Não sei se vocês conhecem, mas a gente fez uma pesquisa, no ano passado, com 21 mil policiais do Brasil todo, sobre reforma nas instituições, e um dos eixos era justamente a desmilitarização.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E os resultados foram positivos, não é?
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Foram superpositivos.
E aí, quando a gente fala que a gente quer desmilitarizar, a gente percebe que, se desmilitarizar significar desvincular do Exército, reformar, alterar código disciplinar, alterar estrutura hierárquica, os policiais são a favor.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Concordam.
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A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Sim, 63% deles querem o fim da Justiça Militar, 73% apoiam a desvinculação do Exército - entre os policiais militares, 76%, ainda maior -, 87% acham que precisa haver uma reorientação do trabalho das polícias no Brasil, com foco na proteção de direitos. Então, estamos falando que os próprios operadores querem mudanças. Isso é algo que a gente também tem que olhar com mais carinho. E temos que pensar em como trazer esse público para este debate. Acho que, necessariamente, para mudar, precisamos envolver os policiais. E os policiais reconhecem que o sistema é ineficiente, que o sistema não tem funcionado e que eles também - aí a gente vai para o debate da letalidade da vitimização - produzem muitas mortes e morrem aos montes também. Então, como citei na minha exposição, acho que o único país que se assemelha ao Brasil, olhando a vitimização de um policial, é o México, que vive numa situação praticamente de guerra, literalmente de guerra às drogas e às organizações criminosas.
O que é importante a gente destacar nesses dados? Setenta e cinco porcento dos policias morrem fora de serviço. Dos 490 policiais assassinados em 2013, a maior parte deles morreu fora de serviço. Por que fora de serviço? Porque, de algum modo, a corporação ainda preserva a vida daquele policial, porque ele tem apoio, ele tem rádio, ele tem equipe. Por que o policial, em geral, morre fora de serviço? Aí temos dois fenômenos.
Um é o "bico". Os policiais brasileiros são muito mal pagos e, então, necessariamente, precisam de uma remuneração extra. O "bico" é prática de todas as polícias no Brasil. As escalas são montadas justamente para permitir o "bico". Existe uma preocupação dos comandos em relação a isso, porque, senão, você não segura aquele policial na corporação, porque ele precisa complementar a renda. Então, uma parte expressiva de policiais morre no "bico". E ali é um momento em que ele não tem o apoio.
Reação a assaltos. O policial não aceita ser roubado, não aceita ser vítima de um crime. Então, ele vai reagir. Até porque, muitas vezes, se o criminoso descobrir que ele é um policial, vai matá-lo de qualquer jeito. Então, ele já é uma vítima em potencial. Ele, muitas vezes, reage antes mesmo de correr o risco de que descubram que ele é um policial. E, claro que - é um percentual menor, mas é um percentual - há policiais que estão envolvidos com o crime e que, por causa disso, acabam sendo vitimados também por algum tipo de vingança.
Em relação às mortes decorrentes de intervenções policiais, a maior parte delas acontece em serviço, mas, na prática, esses dados são muito ruins. Tendo a acreditar que a maior parte das mortes de fato acontece com policiais em serviço, mas os Estados que informam os dados de mortes decorrentes de intervenções fora de serviço têm apresentado um aumento expressivo. É o caso de São Paulo, por exemplo.
Em 2013, a Secretaria de Segurança de São Paulo adotou duas práticas muito interessantes. Uma foi a recomendação de acabar com nomenclatura "resistência seguida de morte". Então, lá não se chama mais resistência, mas de morte decorrente de intervenção policial. E a outra foi a regulamentação do socorro às vítimas de armas de fogo. Existiam várias denúncias relacionadas ao fato de que os policiais socorriam para destruir a cena do crime e ficavam rodando com o corpo na viatura, muitas vezes já morto, até chegar ao hospital. Isso ensejou, então, uma ação da Secretaria de Segurança regulamentando. Então, só o Samu pode fazer o socorro a uma vítima de arma de fogo.
Em 2013, houve uma redução expressiva dos números de letalidade policial em serviço em São Paulo. Mas, quando se olha a curva fora de serviço, vê-se que ela duplicou. Na prática, o policial... O policial que é matador, o policial que está ali para resolver isso e entende o homicídio como uma forma de resolução do crime, continuou matando do mesmo jeito. Aí, a gente olha um pouco para o limite da política pública, para como você administra isso. Ele não mata mais de farda, mas ele vai matar fora de serviço, e, muitas vezes, isso é classificado como homicídio fora de serviço com excludente de ilicitude. São as diversas categorias utilizadas para classificar, na verdade, o mesmo fenômeno.
Na prática, a gente não tem nem clareza do que a gente quer medir. Quando a gente olha as estatísticas ou quando a gente faz a coleta... A gente iniciou em janeiro uma que vai divulgar em novembro. São dez meses em contato com os Estados tentando descobrir o que eles entendem como uma morte decorrente de uma ação policial, o que é um confronto, o que é um homicídio. Hoje, a gente tem entre oito e dez categorias diferentes para falar sobre isso.
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A gente está fazendo uma pesquisa hoje para a Secretaria de Assuntos Legislativos e para o Ipea na Bahia, no Sergipe e no Distrito Federal sobre violência policial. E, para nossa surpresa, com a discussão do PL do Paulo Teixeira quanto a se acabar com o auto de resistência, nós descobrimos que há lugar em que não se registra. Então, quer se mudar a nomenclatura, mas há lugar em que, se isso não vira nem BO, o que se dirá inquérito!E aí a gente vai falar da responsabilidade do Ministério Público em relação a isso: simplesmente, é absolutamente omisso.
Então, para a gente mudar esse quadro, a gente tem de pensar no processamento da ocorrência. Acho que esse é o primeiro ponto. Tem de haver uma regulamentação em relação ao processamento da ocorrência. Se morreu, tem de haver um BO de homicídio decorrente de intervenção policial. Isso tem de ser regra para todos os Estados. Não é. Não sendo, isso não entra em lugar nenhum. Se o Ministério Público não faz o acompanhamento dos inquéritos, na prática, você nunca vai ficar sabendo.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Este questionamento do papel do Ministério Público tem surgido em todas as Mesas. Esta Comissão vai, inclusive, tentar marcar uma reunião com membros do Conselho Nacional do Ministério Público para tratar desse tema.
Todas as intervenções falam dessa questão, Senador Roberto Rocha.
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - O Ministério Público tem sido absolutamente omisso em relação ao controle externo da atividade policial, que é uma prerrogativa do Ministério Público, as ouvidorias de Polícia não existem em todos os Estados, e, quando existem, em geral, são estruturas muito fracas, que não têm capacidade de investigação, que não têm capacidade de cobrança, e as corregedorias das Polícias, que, como ainda acredito, seriam um dos mecanismos mais eficientes - o controle interno tende a ser mais eficiente pela quantidade de informação que tem e pela capacidade de divulgar aquilo -, na prática, também não se traduzem em instâncias, de fato, de correição ou, de fato, preocupadas com o controle da violência policial. A gente também não pode ignorar que, nas corregedorias, em geral, os policiais que ali trabalham não têm nenhuma estabilidade. Então, você hoje trabalha na corregedoria e está investigando alguém, mas amanhã você poderá ser subordinada a essa pessoa que você investigou. Então, como é que você garante, por mais empenhado que seja aquele profissional, que ele vai produzir algo eficiente de fato se você não dá os mínimos instrumentos para ele fazê-lo?
Então, a gente está falando que o controle interno é pífio, que o controle externo é quase inexistente e que, na prática, a gente delega à Polícia Militar a decisão de quem morre e de quem vive nas cidades. Na prática, o que acontece é que quem morre, em geral, é jovem, é negro.
A gente também não pode esquecer que isso passa por um amplo apoio da população, porque bandido bom é bandido morto. E aí você não pergunta quem é bandido. Este é o esteriótipo do bandido, muitas vezes: basta ser jovem, estar com boné, usar determinada roupa ou determinada marca... Então, a grande questão é: como é que a gente qualifica este debate e, ao mesmo tempo, não se rende aos apelos punitivistas e absolutamente absurdos da população? Em geral, é isso que ela espera. Vários programas, na televisão, o tempo, estão incentivando a ideia de que bandido bom é bandido morto.
Então, realmente tendo a acreditar que o policial, quando aperta o gatilho, não o aperta sozinho. Há todo um sistema que o está apoiando para que ele faça aquilo. A gente tende a olhar apenas para a ação da Polícia Militar, mas a gente ignora que o Ministério Público não vai oferecer denúncia, a gente ignora que o Tribunal do Júri muitas vezes absolve casos absurdos de execução. A gente não está olhando para uma série de instituições do Executivo, do Judiciário e do Legislativo que têm de se posicionar em relação ao tema e que, muitas vezes, acabam não se manifestando, porque é mais simples.
Então, quando a gente olha para esse fenômeno da letalidade policial, necessariamente, a gente precisa olhar para um sistema que, de algum modo, está incentivando também a que essas mortes continuem a acontecer.
Sobre o custo da violência, esse é um estudo que a gente fez em parceria com o Ipea. Na verdade, é um estudo do Daniel Cerqueira, do Ipea, que foi atualizado para o Anuário do ano passado. A gente monitora anualmente os gastos com segurança pública, que têm crescido expressivamente na última década. Chama a atenção o aumento dos gastos dos Municípios, que foi de 130% em dez anos. Embora os Municípios não tenham, necessariamente, nenhuma ação constitucional na área da segurança pública, eles têm gastado muito mais. E não, necessariamente, são os Municípios onde há guarda municipal. Então, há muitos Municípios que trabalham auxiliando as polícias com gastos com delegacia, batalhão, combustível, já há muitos Municípios com programas de prevenção à violência. Então, os gastos dos Municípios têm crescido expressivamente, não obstante o fato de eles terem problemas enormes de geração de receita para isso.
Isso foi muito incentivado também - há de se destacar - pelo Pronasci, um programa de segurança pública do Ministério da Justiça que previa repasses de recursos para Municípios. Foi um programa que teve algo como R$6 bilhões em quatro anos, muito recurso, e tinha como foco a violência contra os jovens. Então, foi um período em que muitos Municípios estruturaram conselhos, observatórios de segurança, e passaram a investir.
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Na prática, o que acontece hoje, tanto com os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública quanto com os recursos geridos pela Senasp? Bom, os recursos geridos pela Senasp têm um potencial imenso de indução. Acho que são 22 unidades da Federação que dependem exclusivamente de repasses do Governo Federal para qualquer investimento. Isso significa que todo recurso que eles têm para segurança pública é, basicamente, para pagamento de folha. Então, qualquer tipo de investimento, necessariamente, depende do Ministério da Justiça, depende da Senasp, mais especificamente. Há aí um enorme potencial de indução.
Ao mesmo tempo, o que nós observamos nos últimos quatro anos é que a Senasp deixou de transferir recursos, porque os Municípios têm uma capacidade imensa de gastar o dinheiro, de gerir o recurso. Aí é basicamente um problema de gestão. As prefeituras têm problemas de gestão. Ter a implementação do Siconv, por exemplo, é um grande pesadelo, porque a prefeitura, no interior do Tocantins, não consegue gastar o dinheiro no Siconv. Aí ela acaba devolvendo o dinheiro. Qual foi o contorno realizado? "Fazemos gastos direto!" Mas, com gasto direto, você perde um potencial enorme de programas de prevenção na ponta, que poderiam ser realizados pelas secretarias, porque você acaba, muitas vezes, fazendo gastos um pouco mais simples. Você compra colete para todo mundo e distribui, porque é o gasto direto.
Também discutir segurança pública passa por pensar capacidades institucionais e capacidades de gestão desses entes. Se vamos discutir municipalização da segurança pública, por exemplo, esse é um debate necessário.
Gastamos algo em torno de R$65 bilhões com segurança pública e prisão. Isso dá um 1,5%, 1,6% do PIB. É o mesmo que países como Alemanha, França e Inglaterra gastam com segurança. O Brasil tem um patamar de gastos na área similar ao de países desenvolvidos. Qual é o problema? Primeiro, temos problemas imensamente maiores do que esses países, em termos de gestão. A quantidade de pessoas encarceradas, a quantidade de crimes é muito maior. Então, o dinheiro aqui não se traduz em resultados, necessariamente. Portanto, gastamos muito e gastamos mal. Na prática, é um pouco o que o Senador falava da jabuticaba brasileira, que só nós temos duas polícias que repartem o trabalho: a Polícia Militar, com o policiamento ostensivo, e a Polícia Civil, com a polícia judiciária, a investigação. E elas não compartilham informações e, na prática, não geram resultados, de fato, visíveis ou que sejam capazes de garantir a segurança da população.
Outro fato que a PEC nº 51 incluía era o ciclo completo, que acho que já passou da hora. Quando nós falamos em reformar as instituições, é um pouco pensar isso. Nós temos que ter instituições de ciclo completo, polícias que comecem o trabalho e que terminem o trabalho. Se elas vão ser municipais, estaduais, por distrito, por tipo de crime, acho que é uma outra discussão que nós precisamos fazer. Mas que elas precisam, necessariamente, ser de ciclo completo, elas precisam.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Samira.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Senador Roberto Rocha.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Desses números que você apresentou, o que você tem em relação a investimento, sobre a execução orçamentária, por exemplo, do ano anterior, na área de segurança pública?
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - O dado da execução orçamentária dos Estados, na verdade, não separa entre o que é investimento e o que é custeio. Olhando diretamente para os balanços, nós conseguimos ter, mais ou menos, uma noção. É algo em torno de mais de 90% para custeio. Quase nada de investimento.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Não tem nada para investimento!
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Não tem quase nada de investimento.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Então, não se pode comparar com outros países, com Alemanha...
A SRª SAMIRA BUENO NUNES - Exatamente. Nós gastamos muito, mas está muito longe de ser o suficiente. E, na prática, dos R$258 bilhões, R$65 bilhões são políticas públicas, e a diferença, os outros R$198 bilhões, são os custos sociais da violência. Então, esses são os gastos no sistema de saúde, com vítimas de arma de fogo, com vítima de facada, com tempo de internação, gastos no custo da segurança privada, que cresce a cada ano no Brasil, e as vidas perdidas, o quanto aquela pessoa vítima de homicídio deixou de produzir. Nós gastamos três vezes mais com os efeitos perversos da violência do que, de fato, com políticas públicas de enfrentamento ao crime.
Em relação ao sistema prisional. De fato, temos um recorde. Nós vamos bater esse recorde no próximo levantamento. Já posso antecipar que o dado cresceu, como tem crescido desde a década de 90, o déficit também cresceu - a gente tem algo em torno de 220 mil vagas faltando hoje - e, na prática, 40% de presos em situação provisória. São aqueles que não foram julgados e que, muitas vezes, ficam lá muito tempo, muito além do que deveriam, considerando sua situação.
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Então, na prática, a gente tem errado em todos os momentos. A gente errou com a Polícia Militar, a gente errou com a Polícia Civil, com o sistema prisional, com a Justiça... Então, a dificuldade é para ajustar o sistema como um todo.
Em relação à meta de redução dos homicídios, esse estudo... A gente tem participado muito dos fóruns internacionais por causa das discussões relacionadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Não sei se todos sabem, mas o Brasil encerrou agora um ciclo de 15 anos com os Objetivos do Milênio, cujas metas estavam mais vinculadas às áreas de educação e de saúde, e a renovação dos Objetivos do Milênio são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - devem fechar a lista de objetivos agora em setembro deste ano -, e o Brasil vai ter metas para várias áreas das políticas públicas serem cumpridas até 2030.
Nós conseguimos, a muito custo, incluir uma meta de redução da violência letal no eixo dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o Objetivo 16. O Itamaraty era contra. O Ministério da Justiça era a favor, mas o Itamaraty era contra a inclusão, mas o Estado brasileiro conseguiu. Ganhamos com isso, e agora a gente vai ter que começar a discutir... Seremos cobrados internacionalmente por essas metas. E agora a discussão é: bom, se teremos uma meta de redução da violência letal, qual é essa meta? E a gente fez um estudo com base em experiências que o Brasil já tem. A gente não precisa inventar a roda. A gente tem muita coisa que funciona acontecendo. É importante destacar isto.
Então, se a gente olhar para as práticas que funcionam que reduziram os homicídios nas últimas duas décadas, o que elas têm em comum? Elas, basicamente, têm em comum investimento em inteligência e informação. É fundamental, para a gente pensar política de segurança, sistemas de informação robustos, um grande investimento em inteligência e integração das polícias, participação popular... As ações que mais têm dado certo são aquelas em que a população se envolve, em que a comunidade ajuda no direcionamento das ações policiais e cria laços com as polícias. E, por fim, um policiamento comunitário, que é você garantir que haja uma aproximação entre a polícia e a sociedade. É assim que a polícia desvenda um crime, por exemplo. Ela precisa de informação, ela precisa da comunidade. É assim que ela ganha confiança, que ela ganha legitimidade. Muito do que a Polícia Militar enfrenta hoje é uma crise de legitimidade de sua ação.
Então, olhando para essas experiências, a gente concluiu que seria possível o Estado brasileiro reduzir 5% dos homicídios ao ano se todos os Estados adotassem essas práticas. Isso também foi muito discutido com o Ministério da Justiça. Hoje, está sendo discutido um Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Até deixo o convite.
No dia 31 de julho, no Rio de Janeiro, nós vamos fazer uma plenária, num evento que a gente organiza, sobre o Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. A gente ainda vai convidar esta Casa. A gente deve direcionar o convite nos próximos dias, mas eu queria deixar o convite para todos aqui. Será uma discussão da população, dos movimentos sociais e das associações de polícia com o Executivo, o Judiciário e o Legislativo sobre um pacto nacional pela redução de homicídios, que é urgente.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Samira.
A gente está agora com uma tarefa difícil, porque a gente quer... Sempre foi nosso compromisso, inclusive com a TV Senado, encerrar, rigorosamente, às 10h.
Desculpe-me, Raquel, mas antes de passar para você, quero só ler, rapidamente, algumas perguntas, porque a gente quer que esse debate aqui seja interativo. Sei que vai ser impossível responder todas, mas quero pelo menos ler.
Wandeir Severo: "O Estado brasileiro não cumpre o que prevê o ECA. Logo, o Estado está em conflito com a lei. Quem pode fazer o Estado cumprir medidas correcionais ou educativas de forma que os direitos humanos sejam respeitados?"
Patrick Silva, do Rio de Janeiro: "Observo que estamos defendendo os negros, mas não há oportunidades iguais. Verifico que há poucos negros em cargos importantes, e isso deixa clara a falta de igualdade social. O negro é marginalizado por falta de oportunidades."
Lenir Gomes da Silva, do Maranhão: "Por que os direitos humanos abordam somente a questão do assassinato de jovens e se esquecem dos idosos e das pessoas que, em muitas situações, são assassinadas por menores?
"Discutir a diminuição da maioridade penal sem ter discutido a desmilitarização das polícias não é o mesmo que começar a construir a casa pelo telhado?" Essa pergunta é do Wandeir Severo também.
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César Farias, de São Paulo: "É necessário um fundo de apoio ao jovem que demonstrar desinteresse escolar, pois esse jovem poderá trazer problemas futuros para a sociedade onde vive. O Governo pode investir em aulas de música, teatro, esportes, pois não existe mediação sem amparo social."
Josimar da Costa, de Goiás: "Acredito que deva haver redução da maioridade penal, pois, nas cidades do interior, os jovens estão cada vez mais violentos. A criminalidade entre jovens se relaciona também com a sua condição financeira; quanto mais pobres, mais próximos da violência."
Eu vou pedir desculpa, pelo tempo, ao Vagner Augusto Nascimento, ao Leandro Cunha, ao Teobaldo Nascimento Santana, à Maria de Fátima Anselmo e à Joslane Domingues, porque eu não vou conseguir ler todos esses questionamentos, mas nós vamos guardá-los para a próxima audiência pública.
E, antes de passar para a Raquel Willadino, eu queria passar aqui, para uma rápida intervenção, ao Wesley, que está representando a União da Juventude de Luziânia. Eles estão sempre presentes aqui. É por isso que eu faço...
Ao Wesley ou ao Gabriel?
O SR. WESLEY COSTA - Eu queria agradecer a oportunidade, mas queria contemplar o meu amigo Gabriel, negro, morador de periferia, jovem, que está tendo a oportunidade de estar aqui hoje, diferentemente de muitos.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu agradeço. A gente responde dessa forma inclusive ao apelo do Rafael Rodrigues, que tinha questionado aqui a ausência de um representante da juventude negra neste debate.
O SR. GABRIEL EDUARDO - A minha pergunta é mais direcionada à Raquel.
Todas as cidades do entorno de Brasília estão em todos os índices, no Mapa da Violência, no IVJ e no Mapa da Violência: Mortes Matadas por Armas de Fogo, como uma das cidades mais violentas do Brasil para os jovens. Todas as do Estado de Goiás estão no Entorno. Então, eu gostaria de saber se há algum fator determinante para que exatamente essas cidades do entorno de Brasília sejam as mais violentas do Estado e estejam na lista das mais violentas do Brasil. Da forma como o Senador falou, como resolver esse problema se a gente também tem uma jabuticaba regional? Porque, para resolver esse problema, nós temos todo aquele impasse, que são dois Estados diferentes, Goiás e Distrito Federal, e fica aquele jogo de empurra?
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado.
Raquel, está com a palavra.
Eu queria que você considerasse todas as questões que levantamos, a política de guerra às drogas, a desmilitarização...
A SRª RAQUEL WILLADINO BRAGA - Vou tentar ser breve.
Eu acho que a gente levantou questões superimportantes hoje neste debate. Agradeço muito a possibilidade de dialogar com o pessoal de Luziânia. Conheço um pouco da dinâmica de violência aqui da região do DF e do Entorno e, de fato, acho que, como a gente tem os 50 mil homicídios por ano se reiterando, a gente também tem uma realidade muito crítica afetando a juventude moradora desses territórios, com pouquíssimos avanços. Há muitos anos que a gente vem constatando e reiterando Luziânia, Valparaíso, essa região do DF e do Entorno com muita preocupação.
Uma das contribuições - só para compartilhar com vocês - que a gente tentou fazer no processo do Programa de Redução da Violência Letal foi justamente formular uma proposta de metodologia para elaboração de diagnósticos locais que possam subsidiar políticas preventivas, porque a gente identifica, através do Índice de Homicídios na Adolescência do IVJ, onde os adolescentes e os jovens estão morrendo, mas esse indicador não dá conta de responder sobre as causas e as dinâmicas mais específicas. Para isso, é fundamental que sejam aprofundados os diagnósticos locais.
E, aí, eu queria falar, dialogando um pouco com a intervenção do Senador, da importância de a gente potencializar também o papel dos Municípios nesse processo da pactuação nacional. De 2003 para cá, a gente teve a possibilidade de identificar o investimento progressivo em programas de prevenção à violência. O problema é que são programas que estão olhando muito mais para a dimensão do acesso a direitos, numa perspectiva muito genérica. Então, eles trabalham com a chave da vulnerabilidade social e trazem iniciativas que acho que fortalecem acesso a direitos que são fundamentais, mas pensam pouco especificamente estratégias para a redução da letalidade. Por isso, a gente tem insistido tanto nessa questão das metas. É fundamental que se tenha metas concretas no nível municipal, estadual e federal. Isso tem que ser uma pactuação que envolva as três esferas de governo e que envolva uma mobilização forte da sociedade civil, porque, se não for responsabilidade de todos nós, a gente não vai conseguir fazer uma diferença significativa nesse processo.
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E aí tem uma dimensão que eu queria trazer, dialogando com o tema da guerra às drogas e da desmilitarização, que eu acho que é a necessidade de a gente fazer uma disputa de representações e de como avançar para trabalhar mudanças que estão no plano cultural. Quando a gente fala do quanto o racismo está impregnado como elemento estruturante na produção da avaliação letal, a gente está falando disso também, porque a gente tem aí um processo muito forte de naturalização e de legitimação dessas mortes. E aí tem um peso muito forte a questão racial e tem um peso muito forte a distinção territorial de direitos, porque essa lógica da guerra do confronto, o olhar para o morador daquele território como potencialmente criminoso ou inimigo não está colocado para toda a cidade; está colocado para localidades específicas. Não é qualquer jovem que, por ser jovem, é percebido como potencialmente criminoso.
Então, é fundamental que a gente faça a disputa - isto orienta muito o trabalho do Observatório de Favelas - no campo das representações. Como a gente transforma esse imaginário que está aí reforçando a questão da redução da maioridade penal quando, na realidade, os adolescentes são muito menos agentes da violência, como a gente viu aqui, e são, na realidade, as principais vítimas dos homicídios no País? Pensando numa comparação entre a questão prisional e do socioeducativo, o nível de reincidência é muito menor quando a gente olha para o socioeducativo, mas isso não se trabalha, porque o que é trabalhado o tempo todo é uma narrativa que reforça o lugar do adolescente como agente da violência letal e a criminalização dos jovens moradores de territórios populares.
Então, é imprescindível que, para além da elaboração de políticas públicas mais focalizadas e dessas metas, que têm que estar em todos os níveis de governo, a gente consiga... Eu acho que a sociedade civil tem um potencial imenso, pelas mídias populares, como algum dos interlocutores colocou, para fazer essa disputa no campo das representações. Como a gente trabalha reforçando o que tem de potencialidade nesses territórios? Os espaços populares não são lugares de ausência, não são lugares de violência. A gente tem dinâmicas de violência, sim, que nos atravessam, mas a gente tem muito mais que isso. E aí é fundamental esse deslocamento do que é a lógica punitiva e repressora, porque tem uma demanda social muito forte nessa direção de que a gente mata muito e encarcera muito no País, e, no entanto, boa parte da sociedade continua pedindo mais encarceramento. A gente precisa disputar com muita força esse imaginário.
E aí, quando a gente trabalha a questão da desmilitarização, por exemplo, eu acho que uma proposta como a PEC 51 é fundamental, porque ela traz caminhos objetivos para a gente construir uma reforma estrutural do sistema de justiça e segurança pública - e aí está a questão da desmilitarização como um elemento, está a questão do ciclo completo, a questão da carreira única, enfim... A gente conseguiria fazer avanços muito importantes, mas a gente também precisa lembrar, como uma das colegas disse aqui, que a militarização vai além da Polícia Militar. A gente tem uma sociedade com uma mentalidade muito militarizada. E aí essa lógica da guerra está impregnada no Legislativo, no Judiciário, no Ministério Público, na prática de muitos atores que reforçam, a partir dessa perspectiva de que estamos em guerra, essa visão de que, em última instância, precisamos investir num Estado penal, na Polícia e no encarceramento.
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No entanto, como vimos aqui hoje, o investimento nessa perspectiva não se tem revertido num aumento da sensação de segurança das pessoas. Muito pelo contrário.
Então, como é que a gente trabalha? E é preciso trabalhar não a partir da lógica da denúncia; é preciso trabalhar-se sobretudo num movimento propositivo, construindo alternativas para que a gente consiga direcionar essa energia para a formulação de políticas públicas que possam não só garantir o direito à vida, mas ampliar os direitos à construção de novos direitos dos moradores dos espaços populares e do conjunto da cidade.
Então, isto é um pouco do que eu queria compartilhar aqui com vocês a partir das provocações feitas.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Muito obrigado, Raquel.
A gente conseguiu acabar no horário estipulado.
Quero agradecer muito a esta Mesa feminina, pois todas trouxeram importantes contribuições. E a gente vai querer ficar em contato com as entidades, porque a gente quer muito que esta CPI avance e que seja possível trazer resultados concretos na hora de apresentar o nosso relatório, na hora de apresentar, para o Poder Legislativo, algumas recomendações legislativas, mas fazendo um trabalho junto ao Governo Federal, aos governos estaduais.
Estamos apenas no começo deste trabalho.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Eu vou passar em seguida para o Senador Roberto Rocha.
Já anuncio que vamos estar em contato, porque essa contribuição das senhoras vai ser fundamental para o nosso trabalho.
Senador Roberto Rocha.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - Era só para sugerir que, mesmo à distância, se possível, vocês participem das próximas audiências...
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Claro.
O SR. ROBERTO ROCHA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - MA) - ..., para poder fazer contraditório, propor. Enfim, acho importante não esgotar aqui, que a inteligência que vocês acumularam seja colocada a serviço da Comissão, mesmo à distância, em outras audiências.
O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E deixando claro que vamos fazer audiências públicas, pois queremos conversar com as pessoas que estão vivenciando esse debate nas suas regiões na prática. Então, esta Comissão Parlamentar de Inquérito vai rodar também este País.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e os convido para a próxima reunião da Comissão, a realizar-se na quarta-feira, às 13h, para deliberação de requerimentos de informação e de audiências públicas a se realizarem em São Luís, Natal, Salvador, Rio de Janeiro e Luziânia.
Muito obrigado a todos.
Declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 19 horas e 41 minutos, a reunião é encerrada às 22 horas e 01 minuto.)