27/04/2015 - 17ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Declaro aberta a 17ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 49, de 2015, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, de nossa autoria, aprovado no dia 15/04/2015, para debater sobre seguro-defeso do pescador: política pública trabalhista e controle social do meio ambiente (a perda dos direitos dos pescadores com a Medida Provisória nº 665/2014).
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Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania. Podem procurar o e-Cidadania - Audiência Interativa e o Alô Senado, através do número 0800 61 222 11.
Devemos compor duas Mesas, dado o grande número de interessados em participar deste debate. Vamos organizar duas Mesas e procederemos de forma muito ágil, com limite de tempo. Solicito que todos respeitem o limite de tempo para que possamos ouvir todos os convidados.
Vamos iniciar imediatamente, convidando para a Mesa o Sr. Clemeson José Pinheiro da Silva, que é Secretário-Executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura.
Seja bem-vindo, Secretário!
O SR. CLEMESON JOSÉ PINHEIRO DA SILVA - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Convido o Sr. Carlos Alberto Pinto dos Santos, Secretário-Executivo da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais.
Por favor, queira tomar assento aqui conosco.
Convido o Sr. Manuel Bueno dos Santos, Coordenador do Movimento dos Pescadores e Pescadoras. (Pausa.)
Parece que todos estão presentes. Pelo menos foi essa a informação que eu tive.
Convido a Srª Josana Serrão Pinto, Coordenadora da Articulação Nacional das Pescadoras. (Palmas.)
Convido o Sr. Raimundo Marcos Sousa Brandão da Silva, representante do Conselho Pastoral dos Pescadores.
Com isso, compusemos a primeira Mesa, com esses senhores e senhoras convidados, para debater a medida provisória que diz respeito à atividade dos pescadores.
Sejam todas e todos bem-vindos a esta audiência de debate sobre a medida provisória que tem tirado o sono de trabalhadores e de trabalhadoras deste País.
Muitas dúvidas ainda pairam sobre os reais impactos das Medidas Provisórias nºs 664 e 665, apresentadas no fim do ano de 2014, ao apagar das luzes do mandato passado. Hoje, daremos sequência a um debate já iniciado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, reunindo nossos Senadores e autoridades do setor, representantes da classe dos pescadores e familiares dos diretamente atingidos para debater.
Sabemos das inúmeras irregularidades constatadas em alguns Estados brasileiros pela concessão do seguro-defeso. Essa modalidade seguro-desemprego temporário, que colabora para a manutenção do trabalho dos pescadores e das pescadoras do Brasil, representou um enorme avanço.
O Presidente Lula alcançou um dos seus pontos altos ao reconhecer essa categoria tão esquecida. Criou ainda o Ministério da Pesca e Aquicultura, órgão competente para a construção de mais políticas que qualificaram o nosso mercado e deram capacidade de disputa.
Também nessa seara vimos avanços ambientais conquistados graças à pesca reduzida no período de reprodução das espécies em rios e mares de todo o Brasil.
Direitos e avanços garantidos, famílias de brasileiros atendidas e conscientizadas no processo. Apesar disso, as alterações previstas na Medida Provisória nº 665 assustaram milhares de pessoas atendidas pelo benefício. Se é indispensável coibir irregularidades, também é preciso observar os graves riscos que a burocratização excessiva gerada pode causar.
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Acompanhamos as denúncias feitas, como o dado apresentado pelo Ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, nesta Comissão. Segundo o Ministro, cerca de 3 mil pessoas que foram cadastradas para receber o defeso no Maranhão, mas sacavam o benefício no Rio de Janeiro, ou seja, a mais de 2 mil quilômetros de distância.
Relatório do TCU demonstrou também graves irregularidades com pessoas que não se encaixam nas condições de beneficiárias, e recebiam por fraude o seguro. O rombo chegou a R$19 milhões pagos a pessoas que já estariam mortas e a tantas outras que não comprovaram a condição de trabalhadoras da pesca ou que eram inabilitadas.
Em resposta à reportagem do jornal O Globo, o Ministério se posicionou pelo corte das irregularidades e punição aos culpados e demonstrou que o valor não chegava a 0,005% do que representa o valor dos benefícios dos trabalhadores, ou seja, que não representa risco significativo ao programa. É residual.
O fato é que enormes distâncias e a inexperiência com burocracias podem tornar impossível o acesso a certos tipos de documentos por parte de inúmeros pescadores e pescadoras, inviabilizando direitos e potencializando atentados ambientais. Por isso, compreender a realidade de quem é beneficiário é indispensável.
Outra intensa preocupação é a passagem da responsabilidade da concessão do seguro-defeso a órgão do Instituto Nacional de Seguridade Social, o INSS. Além da limitação do número de sedes no País, também se observa a alta demanda para os já atendidos pela Previdência, que pode levar a atrasos sensíveis na concessão de benefícios a quem possa precisar.
Aumentar a fiscalização para conceder benefícios é coerente, mas exigir que os pescadores que recebam tais benefícios sejam unicamente pescadores, quando muitos complementam a renda com diferentes funções, é colocá-los em uma situação de ilegalidade. Isso é inadmissível.
Portanto, estamos hoje aqui para debater quais as alterações necessárias do ponto de vista das classes trabalhadoras para melhorar essa medida. Proporcionar o diálogo dessas classes com o Governo poderia ter evitado tamanhos descompassos e aflição às famílias de brasileiros em todo o Território nacional.
Não podemos aceitar retrocessos em direitos conquistados com muita luta pelos trabalhadores.
Que o Senado possa ser os ouvidos e a voz de nossos trabalhadores e trabalhadoras em mais essa demanda.
Essas são as considerações iniciais da Presidência desta Comissão.
Aproveito a oportunidade para comunicar que o Presidente Paulo Paim esteve hospitalizado, passou por uma cirurgia. S. Exª veio trabalhar na parte da manhã, com esforço enorme, para presidir uma audiência pública desta Comissão. É bem possível que daqui a pouco a gente receba a sua visita de S. Exª, mesmo que em cadeira de rodas, para prestigiar os pescadores que participam deste evento.
De imediato, vamos ouvir o Sr. Raimundo Marcos Sousa Brandão da Silva, representante do Conselho Pastoral dos Pescadores, que terá a palavra por 10 minutos, com prorrogação de mais dois minutos.
Pela primeira vez eu serei rigoroso. Aqui, a gente é sempre muito maleável, mas temos horário para terminar esta audiência pública, e queremos, fazemos questão de ouvir todos os participantes.
Portanto, Sr. Raimundo Marcos com a palavra, por 10 minutos com prorrogação de dois.
Obrigado.
O SR. RAIMUNDO MARCOS SOUSA BRANDÃO DA SILVA - Boa tarde a todos, especialmente aos representantes das comunidades tradicionais pesqueiras de diversas regiões do País aqui presentes, acompanhando e lutando por seus direitos, pelo menos para que não haja perda de direitos que historicamente foram conquistados.
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Inicialmente, é preciso manifestar a posição do Conselho Pastoral dos Pescadores sobre as recentes mudanças legislativas que trazem um forte impacto sobre a vida das comunidades pesqueiras no País.
O Conselho Pastoral dos Pescadores manifesta-se de forma crítica, contrária a essas alterações porque, em grande medida, essas alterações retiram direitos dos trabalhadores que, historicamente, foram conquistados com muita luta, com muita resistência, com muita força. É inadmissível que, de forma tão abrupta, sem nenhum tipo de discussão ou debate com a sociedade, esses direitos sejam suprimidos.
E gostaríamos de pontuar rapidamente alguns elementos que significam perda de direitos a partir dessas recentes mudanças legislativas, principalmente, a partir da Medida Provisória nº 64 e o respectivo decreto que a regulamenta.
Inicialmente, essa medida provisória impõe uma carência de três anos para o acesso ao direito do pescador ao seguro-desemprego, durante o período de defeso. Isso é absurdo por vários motivos.
Primeiro, é uma perda de direito efetiva. Até pouco tempo, esse período era de um ano. Isso já era bastante questionado pelos pescadores que, durante o primeiro ano de atividade, estava impedido de exercer um direito efetivo de ter sua subsistência garantida naquele momento, em que o Estado determina que é proibida a pesca em determinada região.
Ora, se a pesca é proibida em determinada região, como esses trabalhadores e trabalhadoras que sobrevivem da pesca vão sustentar a si e a suas famílias? Então, esse era um questionamento já feito, ao longo dos anos, por esses pescadores. E agora a situação ficou ainda mais grave. Impondo um período de carência de três anos, como esses pescadores e pescadoras vão sustentar suas famílias ao longo desse período extenso em que a pesca é proibida pelo Estado?
Isso trará, caso vigore, duas implicações muito graves. A primeira delas é colocar esses trabalhadores na marginalidade, porque não queiramos acreditar que esses pescadores vão obedecer uma legislação que lhes leve à morte, que lhes leve ao esgotamento das suas condições de vida, que impeça a sua sobrevivência e a sobrevivência de suas famílias.
Então, na medida em que esses pescadores vão exercer atividade de maneira contrária à legislação, esses pescadores estarão colocados na marginalidade. Isso vai trazer uma situação de criminalização e vai trazer uma situação de sofrimento social, que não é admissível, não é razoável. Não é possível aceitar uma mudança feita desse tipo. Notadamente, trata-se de uma alteração irresponsável na legislação, sem nenhum tipo de conhecimento de como funciona a sociedade ou a necessidade dos trabalhadores.
Uma segunda alteração gravíssima é a limitação de cinco parcelas para o acesso ao seguro-desemprego. Ora, se existem pescarias que são declaradas proibidas para o exercício da pesca durante seis meses, como é possível limitar o seguro-desemprego a cinco meses? Significa dizer que, durante um mês, esses trabalhadores vão estar completamente descobertos, desprotegidos de seus direitos.
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Igualmente, isso é uma maneira de empurrar esses trabalhadores para a marginalidade, empurrar esses pescadores para uma situação de criminalização que também não pode ser admissível. Essas mudanças, notadamente essas duas colocadas, implicam alto nível de sofrimento para os trabalhadores, porque, se respeitarem a legislação, vão passar necessidade e não vão poder sustentar suas famílias; implicam situação de marginalidade desses trabalhadores que vão ser obrigados a exercer atividades contrárias à lei.
Uma terceira modificação que nos parece importante destacar é a incompatibilidade entre o seguro-desemprego e o acesso às políticas de renda mínima, aos programas sociais do Governo a que essa população tem direito. Esses programas são frutos de lutas e conquistas dos trabalhadores. Não existe argumento razoável que explique o fato de o pescador receber o seguro-desemprego durante um, dois ou três meses e ele ser alvo da suspensão do acesso a esses programas sociais. Esses programas sociais estão vinculados a um nível mínimo de renda do trabalhador. O acesso ao seguro-desemprego não agrega renda familiar ao trabalhador, pelo contrário. O acesso ao seguro-desemprego apenas compensa o trabalhador de uma renda que ele já tem e que é mínima, uma renda mínima reconhecida pela sociedade.
Então, não existe justificativa para, no momento em que o trabalhador está proibido de exercer atividade e o Estado compensa o trabalhador em relação a essa renda que ele está proibido de captar, também ele seja penalizado com a suspensão desses programas de renda mínima que garantem efetivamente o acesso de seus filhos à escola, que garantem o acesso efetivo às políticas de saúde, às políticas básicas que a Constituição garante ao povo brasileiro e a que efetivamente o povo brasileiro não tem acesso. Essas políticas têm sido uma forma mínima de garantir o acesso a esses direitos constitucionais.
Um quarto elemento nos parece importante destacar, é o repasse do gerenciamento da política do seguro-desemprego para o INSS.
(Soa a campainha.)
O SR. RAIMUNDO MARCOS SOUSA BRANDÃO DA SILVA - O INSS já está saturado com a quantidade de beneficiários que se utilizam aquela estrutura. Repassar repentinamente para o INSS o atendimento a milhares de pescadores sem agregar à instituição condições estruturais e humanas que lhes garantam oferecer um serviço de qualidade é relegar esses trabalhadores a uma situação de sofrimento no acesso ao benefício.
Atualmente, o atendimento está sendo marcado para um período muito longo, e os trabalhadores possivelmente não tenham acesso ao benefício durante o período em que a pesca estiver impedida de ser exercida. Então, o que adianta o pescador, no momento em que estiver proibido de pescar, não ter acesso ao seguro-desemprego - esse seguro só vir posteriormente - e, naquele mês em que ele estiver impedido de pescar, ele não ter como garantir a sua sobrevivência ou estar numa condição de marginalidade, sendo obrigado a exercer a pesca contra a lei?
Outra situação que nos parece muito grave é a imposição do critério de atividade exclusiva e ininterrupta para o acesso ao seguro-desemprego.
A atividade pesqueira tradicional tem peculiaridades. Esses pescadores, ao mesmo tempo, exercem a pequena agricultura familiar ou exercem atividade em artesanato ou, eventualmente, exercem alguma outra atividade muito pontual para poderem sustentar suas famílias.
Então, não é admissível a exigência de exclusividade e de atividade ininterrupta para o acesso ao benefício.
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(Soa a campainha.)
O SR. RAIMUNDO MARCOS SOUSA BRANDÃO DA SILVA - Peço só um segundo, para eu concluir.
E, como último elemento que destacamos na legislação e que nos parece muito grave é o impedimento. Os pescadores que não estão efetivamente engajados na captura do pescado - e, diga-se de passagem, na sua grande maioria, são mulheres; talvez, 50% dos pescadores, das pessoas que exercem a atividade, sejam mulheres -, mas que estão em atividades no entorno da captura, como a limpeza, a descamação, o congelamento, a comercialização, a filetagem, todos esses trabalhadores estarão impedidos, proibidos de terem acesso ao benefício. Isso vai trazer uma situação de caos para as comunidades, uma situação de extremo sofrimento e uma situação de exclusão das mulheres pescadoras. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem! Foi muito boa a apresentação.
A composição da Mesa, só para esclarecer, deu-se em função dos que foram chegando aqui primeiro. O que primeiro chegou aqui foi o Secretário. Depois, foram chegando aqui os demais.
Já está aqui a Subprocuradora-Geral da República, Drª Deborah Duprat, que nos honra com sua presença.
Também estão presentes o Sr. Uelton Fernandes, que é pesquisador de políticas públicas, e o Sr. Valci Santos, que vão compor a segunda Mesa.
Por isso, estou aqui pedindo que vocês exerçam a capacidade de síntese.
Eu queria lhes dizer que essa medida provisória veio em função do ajuste fiscal. Olhem, o ajuste fiscal sempre arrebenta na cabeça dos trabalhadores. Vira e mexe, tem de se ajustar.
Só para entendermos o que é o ajuste fiscal, vamos imaginar uma família que ganha R$1 mil por mês. Aí ela gasta R$1,2 mil no primeiro mês e, como só recebe R$1 mil, fica devendo R$200,00. No segundo mês, gasta de novo R$1,2 mil e já tem R$400,00 de dívida. Quando chegar o quinto mês, ela está devendo R$1 mil, o mesmo que recebe. Aí essa família tem de fazer um ajuste, tem de apertar o cinto. Imagine se esse pai de família resolve apertar o cinto cortando a alimentação da família! Não é por aí, não é? Ele vai procurar economizar em outras despesas, menos na comida.
Esse ajuste do Governo me parece parecido com isso, pois, em vez de cortar em várias áreas que poderiam ser cortadas... Para vocês terem uma ideia, o Governo perde por ano R$100 bilhões em função do contrabando. Era só apertar as fronteiras. Bastava reduzir em 10%, em 15% ou em 20% o contrabando, que recuperaria o dinheiro e não precisaria mexer no direito de ninguém.
Então, há muitas áreas, como a da dívida pública. Por que não dá uma escalonada na dívida pública? Por que não reduz o custeio da máquina? Há várias alternativas. Mas não! Vai garfar exatamente daqueles que não têm saída. Ou seja, vai mexer na comida mesmo da família. Isso é muito injusto.
Dando sequência, vamos ouvir a Srª Josana Serrão Pinto, Coordenadora da Articulação Nacional das Pescadoras, que tem a palavra por dez minutos, com prorrogação de dois minutos.
A SRª JOSANA SERRÃO PINTO - Boa tarde a todos, ao povo que compõe a Mesa, a toda a Plenária e, por que não dizer, aos nossos amigos e irmãos de sangue e de fato, os pescadores e as pescadoras que estão presentes e aqueles que não estão presentes, mas que, de certa forma, estão nos nossos corações e na nossa luta!
Quero dizer que nós estamos passando por um momento de mudança, por um processo de transformação. Mas, para a nossa surpresa, ou, talvez, nem tanto para a nossa surpresa, porque, como trabalhadores, como pescadores e pescadoras artesanais, como povos e comunidades tradicionais, nós já vínhamos sofrendo isto na pele há algum tempo... O que a gente não quer é nos acostumar com a forma de transformação que vem chegando com essas mudanças. Dizem que vai melhorar, mas, na verdade, não tem melhorado. Muito pelo contrário. Essas mudanças vêm trazendo discriminação, preconceito, além do que os que já vivemos. Estamos enfrentando, um dia após o outro, mais dificuldade.
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O Decreto nº 8.425 deixa bem claro que a intenção do Governo, a intenção com essa mudança que está aí parece que é querer nos exterminar de alguma forma, porque tiram o nosso direito e, sem nos perguntar, sem nos consultar nos dão nomes, nomes esse que não queremos usar, não queremos mudar nossa identidade.
Nós, mulheres, pescadoras, estamos sendo uma das vítimas. Deixam bem claro que, em vez de sermos pescadoras artesanais, estamos sendo trabalhadoras de apoio à pesca. Simplesmente colocam no papel e querem que obedeçamos, que aceitemos isso de forma tão injusta! E estamos aqui presentes para dizer que não é isso que nós queremos. A nossa luta é por liberdade. Não é por opressão. É por direito, e não por discriminação. Simplesmente, nós, mulheres, pescadoras, as que trabalham no marisco, aquelas que vivem sujas de lama, só quem sabe o que é um trabalho de pesca, o que é um trabalho de mariscar é quem realmente vive da atividade, é quem depende disso para sobreviver e quem tem isso como cultura. Esse, sim, sabe o trabalho que tem. Mas, simplesmente, não é isso que está colocado para nós. O que colocam para nós é que deixamos de ser pescadoras, deixamos de ser marisqueiras, e daquelas mulheres que ajudam a confeccionar os trabalhos de apetrechos de pesca dos seus esposos simplesmente é retirado o direito ao seguro-desemprego porque não são consideradas pescadoras.
Outra coisa que também ainda não conseguimos entender é até aonde isso vai chegar, porque, primeiro, começam tirando nosso pedaço de chão, implantando hidrelétricas, pisciculturas e tudo o mais, tirando o nosso habitat, tirando o nosso pedaço de chão, nossa moradia e, agora, tiram mais um dos nossos alimentos. Simplesmente quando dizem que nós não somos mais pescadoras e que passamos a ser trabalhadoras de apoio à pesca, estão tirando um direito nosso. Isso é algo com o qual não dá para nos conformarmos. Não dá para nos conformarmos com a situação que está aí!
Hoje, pela primeira vez estamos aqui. Mas, em outros Ministérios, em vários Ministérios nós já estivemos. Estamos colocando a nossa indignação diante do Brasil para dizer que pescadores e pescadoras artesanais - podem ter certeza, nossos amigos, nosso irmãos - não estão sozinhos. A nossa luta é em prol do direito. E é para esse direito que queremos que todos vocês que estão aqui presentes olhem com mais carinho e nos ajudem, porque mais do que nunca estamos precisando de ajuda.
É muito triste você olhar para o seu filho, olhar para o seu neto e dizer: "Hoje eu não vou te dar o que você está precisando, porque eu não posso te dar." Isso é demais! Para quem tem, para quem consegue até pagar escola particular para o filho e tudo o mais não sente falta! Um salário mínimo não faz falta, porque ganha quatro, cinco, seis. Mas, para nós, que nem todos os meses chegamos a ganhar um salário mínimo, faz muita falta.
Uma coisa que não dá para passar em branco também é quando dizem que não dá para receber dois benefícios ao mesmo tempo, como o Bolsa Família e o seguro-desemprego. Ora, acho que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não vai aumentar a renda, já que, naquele período de receber o seguro-desemprego, o pescador não vai estar exercendo atividade. Ele vai receber apenas um salário mínimo.
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Então, que aumento de renda houve naquele mês para aquela família se ele está recebendo apenas um salário mínimo e essa Bolsa Família, que é um complemento da renda, está sendo retirada? E se essa família tem quatro, cinco, seis filhos e esses filhos adoecem? Se uma dessas crianças adoece ou os próprios pais, como é que fica? Sem contar que algumas regiões têm o seguro-defeso que só é recepcionado quando já está passando o defeso. Como é que fica essa família nesses quatro ou cinco meses de seguro-desemprego sem receber nada? Vai ser olhada como marginal, como criminosa, como por muitos nós somos olhados? Não é isso que a gente quer.
A gente está aqui para dizer que não é isso que a gente quer. Chega! E que a gente está na luta. A gente não vai ficar calado, de forma alguma. Não é isso que nós queremos, porque nós, como povos de comunidades tradicionais, merecemos respeito. Nós temos direito de ser consultados antes de qualquer decisão que tenha que ser tomada, mas, infelizmente, não é isso que vem acontecendo. Por conta dessa situação nós estamos aqui.
A minha palavra não é a palavra somente da Josana, mas é a palavra de todas as pescadoras e de todas as marisqueiras, daquelas que estão presentes e daquelas que não estão aqui.
A nossa vontade é de vencer e não aceitar tudo o que vem no papel, porque não é isso que a gente quer. Não é porque isso está aqui que a gente vai ficar calado, que a gente vai obedecer não!
Então, a nossa luta é essa, e é por direito e é por dignidade. É isso que a gente quer.
Eu não sei se já deu o meu tempo, mas eu já me sinto contemplada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem!
A execução do seguro-defeso está passando para o INSS. Então seria muito importante uma justificativa sobre as irregularidades cometidas, que correspondem a 0,005%, cinco centésimos do total do seguro pago. Seria importante que vocês nos explicasse como é executado hoje ou como era feito pelo Ministério do Trabalho, e agora como é que fica pelo INSS, para a gente tenha uma ideia, porque o objetivo da audiência pública é informar aos Senadores que a gente pode fazer algumas propostas, inclusive para melhorar a execução do seguro-defeso. O Ministério da Pesca fazia o registro, passava para o Ministério do Trabalho e este, em articulação com a representação dos pescadores, executava. Era mais ou menos isso. Mas explique direitinho, porque talvez a gente possa construir aqui uma proposta para que não vá para o INSS. Se for para o INSS... Já está no INSS, a não ser que a gente não aprove a medida provisória, mas já está valendo. A medida provisória passa a valer na hora em que é editada.
Passamos, então, a palavra ao Sr. Manuel Bueno dos Santos, Coordenador do Movimento dos Pescadores e Pescadoras.
O SR. MANUEL BUENO DOS SANTOS - Boa tarde a todos!
Quero cumprimentar a Mesa na pessoa da nossa companheira Josana. Ao cumprimentar a Josana eu cumprimento todas as mulheres aqui na Plenária.
A gente precisa dizer um pouquinho do porquê de esse movimento haver surgido. Esse movimento surgiu devido ao fato de os pescadores estarem praticamente revoltados por uma única entidade neste País querer representar esses pescadores. Entidade essa que nós nunca nos sentimos representados por ela, nós não nos sentimos representados em momento algum e nós nunca vamos nos sentir. Essa entidade se chama confederação nacional. O presidente dessa entidade não é eleito por nós, pescadores. Ele é eleito pela federação das colônias. A federação é eleita pelas colônias, e nem todas colônias são eleitas por nós pescadores. A maioria dessas colônias passa de pai para filho. O pai foi presidente, hoje o filho é, e, em muitos delas, já estão os netos assumindo.
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Então, nós queremos deixar bem claro aqui nesta Casa que nós não estamos contentes com qualquer que seja a entidade - Ministério da Pesca, Ministério do Trabalho ou Ministério da Previdência Social - que queira dizer que nos representa. Porque nós, pescadores deste País, os que estão aqui e milhares que estão espalhados por aí, estamos nesse movimento nosso porque não nos sentimos contemplados. Então, nós gostaríamos de deixar bem claro, nesta Casa de leis que é o Senado, e gostaríamos de deixar também para o Congresso, que passe isso para esses ministérios, que ainda acham que essa entidade nos representa, porque nunca nos representou e nem nunca vai nos representar. E nós queremos deixar bem claro isso aí, para que todos saibam.
A princípio, eu acho que isso é contra lei. Eu acho que a única profissão que pode ter uma só entidade representando. Quantas centrais sindicais existem aí? Eu, até hoje, não vi nenhuma central se impor e dizer que representa tal categoria. Então, por que nós, pescadores, precisamos ser penalizados? Por que esses ministérios têm que enxergar só essa única entidade para nos representar? A gente deixa esse apelo aqui nesta Casa de lei, para que os Senadores e Deputados vejam isso com mais carinho.
E nós não conseguimos entender por que o Governo, para fazer um ajuste fiscal, como a gente já ouviu aqui, tem que penalizar o menos favorecido, o pescador, uma profissão que já existe até mesmo antes de descobrirem o Brasil? Quando descobriram o Brasil, os índios já estavam aqui e já pescavam para a sua subsistência. E nós sequer éramos reconhecidos. De alguns anos para cá é que nós passamos a ser reconhecidos. Tivemos, com muito sacrifício, alguns direitos. E esses direitos estão sendo violados. Isso a gente não consegue entender. Será que é por que nós somos mais fracos? Será que é por que nós somos minoria? Está enganado quem pensa desse forma. Nós somos muita e muita gente e nós não somos fracos. Na hora em que depender de nós mobilizarmos pessoas, nós temos um poder de mobilização muito grande. E nós precisamos deixar bem claro isso. (Palmas.)
Há uma diferença muito grande entre seguro-defeso e seguro-desemprego. Com relação ao seguro-desemprego, muitas vezes, o trabalhador está lá e força para que empresa o mande embora para receber o seguro-desemprego. O seguro-defeso é implantado pelo Governo para manter o meio ambiente com sustentabilidade. E nós estamos dispostos a acatar isso aí e respeitar muito, porque nós dependemos do meio ambiente para a nossa subsistência. Mas também precisamos ser reconhecidos.
Não podemos ficar seis meses sem pescar e só podermos receber cinco meses de defeso.
Não podemos retroagir. Era um ano para recebermos nosso defeso, e agora são três anos. E as pessoas que não têm os três anos? E outras que tinham um ano de carteira, receberam o defeso e este ano não vão poder receber? E como vão tratar dos filhos deles? Como vão colocar o leite e o pão na mesa para os filhos deles? Então, eu acho que é uma coisa que precisa ser analisada muito bem. Decisões como essa, quando forem tomadas, procurem ir às comunidades e ouvi-las. Não façam leis dentro de escritório, gente! Porque o maior erro que existe é não conhecer a realidade. Olhem o tamanho do nosso País. E aí se sentam num gabinete, fazem uma lei e ela é colocada para milhões de brasileiros poderem acatar.
Eu acho que já passou da hora de nós pararmos com isso. Até onde a gente sabe, nós estamos vivendo num país democrático, e isso aí precisa ser respeitado. E é só isso que a gente vem pedindo.
Quando se fala em seguro-defeso, Bolsa Família, são completamente diferentes. No seguro-defeso, nós paramos de trabalhar para podermos manter o nosso ambiente, conservando aquele espécie com que trabalhamos. O Bolsa Família é para que nós possamos continuar com nossos filhos estudando para ser um homem digno amanhã, o que eu acho que é o que todos nós, brasileiros, queremos para as nossas famílias. E todas as autoridades, todos os Parlamentares querem ver um país melhor. Até para dizer lá fora, nos outros países, que estamos num país que está a caminho do Primeiro Mundo. Então, essa visão é preciso ter, e é isso aí que vimos no dia a dia.
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Nós somos um braço do Governo para este País. Se analisarem direitinho, temos mais de 15 Estados aqui presentes. Isso precisa ser reconhecido, precisa ser valorizado esse trabalho que fazemos nas nossas bases.
Então, isso nós trazemos com muita propriedade, com muito esforço e com muita vontade de fazer com que nós tenhamos um País melhor. Dias melhores virão. Estamos aí para trabalhar com esse intuito. Queremos que os senhores e as senhoras que estão com a caneta na mão valorizem esse trabalho, nos deem força para continuarmos lutando, nos deem esperança, porque chega ao ponto de pensarmos: "Será que vale a pena eu deixar de ir ao mar, vir a Brasília ou a outros Estados, nas minhas comunidades para nos reunirmos e dizer que está acontecendo isso?" Assim vimos fazendo.
Hoje, estamos numa luta tensa para colhermos assinaturas para transformarmos num projeto de lei uma reivindicação popular, que é a garantia do território pesqueiro. Nós queremos simplesmente continuar trabalhando, continuar mantendo uma tradição de nossos avós, que nossos pais fizeram e nós estamos fazendo. Queremos estímulo para continuarmos com nossos filhos. Porque, da forma que está sendo hoje, está nos desestimulando a incentivar nossos filhos a continuarem nessa luta, nesse trabalho da pesca, com essa vontade de estar colocando essa alimentação saudável recomendada pela Medicina na mesa dos nossos brasileiros. Todos nós sabemos que 70% do pescado que há na mesa do brasileiro é da pesca artesanal. Isso eu acho que precisa e deve ser levado em consideração.
Então, a única coisa que nós queremos é continuar trabalhando, que o Governo nos deixe trabalhar, mude um pouco esse modelo de desenvolvimento que está aí, esse modelo de desenvolvimento cruel, muito cruel, que nos tira - nós trabalhadores - dali. Implanta-se uma empresa de petróleo, implanta-se um gasoduto, implanta-se um porto, implanta-se um estaleiro, e aí lançam portarias dizendo que estamos acabando com o peixe, esquecem que as empresas que fazem pesquisa sísmica, através de som, com 100 a 120 tiros por minuto, espantam e matam nossos peixes.
(Soa a campainha.)
O SR. MANUEL BUENO DOS SANTOS - Aí editam uma Portaria, a nº 445, dizendo que estamos acabando com o peixe, proibindo quatrocentas e tantas espécies de peixe. Isso nós gostaríamos de deixar, isso não estava aqui, nós estamos falando da Medida Provisória nº 665, mas não poderia deixar de falar da Portaria nº 445, porque está tirando nosso sono também.
Muito obrigado. (Palmas.)
(Manifestação da galeria.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem! (Palmas.)
Vejam, esta audiência pública está sendo transmitida ao vivo pela internet. Os pescadores, colegas de vocês, onde estiverem, poderão acompanhar, como as federações, as entidades de pesca, enfim. O endereço está disponível no meu perfil no Twitter: @capinosenado e, no Facebook também. O link pode ser alcançado no bit.ly/audienciainterativa. Em qualquer dessas páginas e também, ao vivo, pela TV Senado. É importante que a gente comunique, que saibam que o que vocês estão falando aqui deve estar chegando em várias áreas do Atlântico, na beira de rio. Quem tem antena parabólica acessa TV Senado pelo Brasil afora.
Dando sequência, convido para usar da palavra o Sr. Carlos Alberto Pinto dos Santos, Secretário-Executivo da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais (Confrem).
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O SR. CARLOS ALBERTO PINTO DOS SANTOS - Boa tarde a todos! Boa tarde a todas as companheiras!
Eu gostaria de cumprimentar a Mesa na pessoa da companheira Josana e iniciar a minha fala, dizendo que este momento é de extrema importância e até histórico nesse processo mais recente de remodelação dos marcos legais que definem os direitos dos pescadores e das pescadoras artesanais no Brasil.
Não é de hoje, nos últimos meses e nas últimas semanas, nós, os pescadores, aqui representados pelo MPP, pela Comissão da Marinha, pela Articulação Nacional das Pescadoras, juntamente com o CPP e a ATR, a gente vem fazendo esse debate juntos ao Ministério da Pesca, buscando junto aos órgãos fazer um debate mais democrático, para que considere justamente a dimensão da pesca artesanal no Brasil, na hora de definir esses parâmetros legais.
Entretanto, não podemos deixar de pontuar que, na maioria das vezes, estamos correndo atrás de um processo. Ou seja, somos pegos de surpresa e, como sujeitos de direito, os últimos a saber. Em sendo assim, quando digo que este é um momento histórico também, é porque, pelo menos nesta questão da medida provisória, estamos tendo a oportunidade de discutir, pelo menos antes de ela ser aprovada, apesar de ela já estar valendo e criando muitos problemas nas comunidades tradicionais pesqueiras ao longo de todo o Brasil, seja no litoral, seja na área continental.
Lembro-me que, quando era garoto, nunca entendia, de meu pai e meu avó, quando ia à praia, no final da tarde, esperá-los chegar de jangada do mar, aquele processo, que era ritualístico, em que, toda vez em que eles chegavam do mar, nós, crianças e jovens, íamos à praia para ajudar a carregar o peixe para a terra e botar a jangada pra cima. E a primeira coisa que eles faziam, quando chegavam à comunidade, não era separar o peixe para vender, mas aquele que ia dar aos companheiros.
Isso tudo nós estamos sendo obrigados a mudar, porque o principal instrumento que me reconhece como um sujeito de direito, que tem o direito de pescar, diz que, se eu não comercializar, eu não tenho direito a ele. Estão entendendo? Ignora o conceito de povos de comunidades tradicionais; ignora essa ancestralidade; ignora essa cultura do compartilhar e do repartir, de trocar, de permutar - toma aqui o peixe, e você me dá a farinha. Não é assim nas comunidades?
O pescador artesanal, além de tudo, ele planta, ele colhe, ele beneficia mandioca, a batata e vários tipos de vegetais e ele também cria. É disso que dependemos para sobreviver. E esse modelo que nos estão impondo está fadando-nos à extinção, está direcionando-nos à extinção. A quem interessa o enfraquecimento da pesca artesanal? Será que aos aquicultores, como um companheiro falou de manhã, para ter mão de obra barata? Para nos transformar em empregados? Será que este País não se tornará mais pobre se deixarmos de existir também?
Então, hoje, ao longo do litoral do Brasil, ao longo das áreas pesqueiras, em todo o País, vemos uma angústia muito grande dos pescadores, das comunidades, em que a perda de direitos, a perda de territórios, está fazendo com que o nosso povo fique desesperado, iniciando um processo de reação, em que em uma reunião de colônia de pescadores, em que normalmente iam 200, 300 pescadores, vemos 1.500 pescadores dentro da colônia, mulheres com criança no colo, desesperadas por causa desses últimos procedimentos que estão sendo tomados e estão afetando os nossos direitos.
Trago essa reflexão, além do que os companheiros já falaram a respeito no que concerne ao direito, às violações que a medida provisória traz, mas acho que nós não nos podemos furtar, neste momento, do debate conjunto tanto da medida provisória quanto do decreto que regulamenta a Lei da Pesca, o Decreto nº 8.425. Parece que tudo que termina em cinco agora é ruim para gente: a Lei nº 8.425, as Medidas Provisórias nºs 665 e 445. Daqui a pouco, vai ser o nosso número de azar. Quando houver cinco no final, é melhor ficarmos espertos.
Então, trago isso aqui, porque o Decreto nº 8.425, que regulamenta a Lei da Pesca - permitam-me, embora esta audiência pública seja para debater a medida provisória -, será tão ruim ou pior que a Medida provisória
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Porque ele vai criar um racha nas nossas comunidades, vai criar uma cisão no meio da família, das comunidades tradicionais de pescadores.
A partir de hoje, eu, sendo pescador de camarão na minha comunidade, e a minha esposa, que beneficia o meu camarão para a gente vender, nós teremos regime de economia familiar diferentes. Sendo que antes não, nós éramos o mesmo regime de economia familiar. Mas pela nova proposição que aí está, que transforma em trabalhador de apoio ou em trabalhadora de apoio da pesca artesanal, quem não vai fazer a captura, mas quem está em casa, e que a pesca artesanal, essencialmente, depende disso para existir, da pessoa que faz o manzuá, que conserta rede, que repara embarcação, que nos ajuda a botar a embarcação para baixo e para cima, assim como os companheiros no litoral do Ceará, do Rio Grande do Norte e assim vai, a pesca artesanal não existe sem isso. E nós sempre nos reconhecemos como pescadores, mas agora vai vir alguém para dizer para a gente que nós não somos mais. Vocês estão entendendo? E, pior do que isso, violando direitos nossos. Ou seja, eu não vou ter mais direito a nada.
O debate é extremamente profundo, porque o Brasil é um País que está avançando para ser um País de Primeiro Mundo, mas está jogando no lixo as culturas que construíram esta Nação. E a gente não pode deixar isso acontecer. Somos nós que formamos isso.
Quando o companheiro aqui traz a questão de que nós produzimos 70% do pescado que vai para a mesa do povo brasileiro. A pessoa que está aqui em Brasília que vai comer uma lagosta, que vai comer um filé de badejo aí no restaurante, eu garanto que ela nem imagina quem foi que pegou aquilo. Talvez deve achar que aquilo foi feito em uma fábrica de manipulação de pescado, transgênicos e assim vai. Mas eu garanto que na hora que ele come um bife de boi, ele sabe logo que veio que veio de uma fazenda, que tem um fazendeiro, que é um grande pecuarista e assim vai. Ou seja, é uma categoria que tem uma importância tão grande para a sociedade e que não é valorizada e nem reconhecida. E a nossa forma de organização sempre foi imposta pelo Estado, desde a época da ditadura, na formação das colônias, onde se permite que a Marinha do Brasil tenha um braço forte dentro das nossas colônias e que tudo que a gente vive hoje é um reflexo disso.
Mas nós estamos aqui para dizer para o Parlamento, e aí Senador João Capiberibe, a gente agradece esse espaço, mas nós gostaríamos que o Senado assumisse isso como responsabilidade do Parlamento, de dizer um "não" a esse processo. Nós reconhecemos o avanço que a gente está tendo nesse novo diálogo com o Ministério da Pesca, mas as gestões anteriores não abriram esse diálogo. E por isso nós estamos aqui para dizer "não".
Hoje, na discussão que nós tivemos na Secretaria-Geral da Presidência da República, fizemos essas mesmas afirmações. Quem emitiu esta medida provisória foi o Poder Executivo. Então, pela lógica, eu não necessitaria nem estar aqui hoje dialogando com o Legislativo, para que essas mudanças fossem feitas, porque nós estamos dizendo que não fomos consultados, como sujeitos de direito do processo. Está entendendo?
Então, tudo isso que a gente traz dessa carga histórica, cultural, ancestral, desse modo de ser, de fazer, de transmitir saberes, ele está ameaçado. Não é uma questão, meramente, burocrática de caça às bruxas de que quem recebe defeso ou não. E é dessa forma que está sendo posto. Vocês precisam entender que o RGP, antes de tudo, antes de mais nada, ele é uma permissão de pesca. Se eu não tenho RGP, eu não tenho direito de pescar, eu não tenho o direito de sustentar a minha família. A medida provisória se conecta com outras ações que estão cerceando nossos direitos...
(Soa a campainha.)
O SR. CARLOS ALBERTO PINTO DOS SANTOS - Então, quando alguém diz pra mim que "a partir de hoje, você vai precisar de três anos de carência para poder ter acesso ao seguro-defeso, alguém está dizendo-me que eu vou me tornar um bandido, porque está me criminalizando". Porque não há pai de família que vai ficar em casa, de braço cruzado, sem receber o seguro-defeso, se seu filho está em casa com fome. Então, vai transformar boa parte dos pescadores em criminosos sim. Isso precisa ser corrigido.
Uma outra coisa importante, o seguro-defeso é uma compensação, é um reconhecimento do Estado pelo serviço que eu presto à Nação brasileira, que eu presto à sociedade; ele não é um benefício. Eu estou prestando um serviço para todos nós, para todos vocês. E o Governo tem que entender isso. E aí tirar os outros benefícios sociais, que são conquistas, desvincular do seguro-defeso também é um equívoco muito grande.
(Soa a campainha.)
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Então, eu gostaria de concluir, reconhecendo que esse espaço é extremamente importante, e que a gente conta com o Parlamento na garantia de que essas mudanças, que vão influenciar negativamente o setor da pesca, elas não sejam implementadas, que não passem, que não sejam aprovadas pelo Congresso, e também refletir que nós vivemos um momento de mudança, de disputa de modelos em que você vê aí, todos os dias na televisão, se questionar, se falar de corrupção, mas não se fala, nem se valoriza o trabalho dessa categoria que aqui está e de diversas outras categorias que existem neste País.
Então, assim como o Governo brasileiro, a sociedade não têm o direito de dissociar uma família de produtores, de trabalhadores da agricultura familiar, porque se entende que o marido que vai plantar, ele é tão pescador, ele é tão agricultor quanto a esposa que fica em casa debulhando o milho, não queiram transformar nossas famílias em mera categoria de trabalhos diferenciada. Eu não tenho, sinceramente, o menor interesse em fazer o debate sobre a questão do superávit primário; eu não tenho o interesse de fazer esse debate aqui.
O que eu quero que vocês reflitam é sobre o patrimônio que é essa categoria para a sociedade brasileira, a contribuição que se dá para a garantia da soberania alimentar deste País e das famílias de pescadores artesanais e o quanto este País será mais pobre, a cada dia que passa, com ações como essas.
Então, nós não estamos aqui para ficar de braços cruzados, nós estamos aqui para dizer que os pescadores, em todos os espaços em nível de Brasil, estão mobilizados. Nós nunca tivemos tantos pescadores participando das reuniões nas organizações como neste momento agora.
Daí a gente espera que o Parlamento possa nos ajudar nisso, assim como a gente espera que o Executivo também acate esse nosso anseio, esse nosso apelo, é que nós não aceitaremos retrocessos nas conquistas históricas que nós tivemos, porque já chega de o pescador ser tratado como penduricalho, como instrumento para votar e eleger Parlamentares, muitas vezes utilizando de forma corrupta o RGP. Mas nós fomos sempre os primeiros a dizer que não aceitamos a corrupção no RGP e somos os maiores interessados na conservação dos estoques dos recursos pesqueiros, porque é o nosso produto, é o nosso maior patrimônio. Agora não aceitamos também autoritarismo e que nos seja imposto uma responsabilidade que não é nossa. O Estado brasileiro precisa assumir uma responsabilidade que é dele.
Todas essas mazelas, todos esses problemas, todos foram fundamentados e foram consolidados a partir de um modelo de desenvolvimento que não valoriza a nossa categoria, que não valorizam os povos das comunidades tradicionais deste País.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Considero que Carlos Alberto tem inteira razão.
Existem exemplos no mundo que mostram que os países que fecharam os olhos diante da destruição dos mananciais, fecharam os olhos e abandonaram as comunidades tradicionais, pagaram preços altíssimos.
O países do norte da África hoje estão infestados de piratas. E quem são os piratas? São ex-pescadores que não tiveram mais como pescar. Esgotaram-se os seus cardumes em função de acordos de pesca celebrados com países da União Europeia, que levaram os seus equipamentos ultramodernos e pescaram à exaustão, exterminando os cardumes, e aí, então, não restou a esses pescadores outra alternativa senão a pirataria.
Infelizmente essa é uma tragédia conhecida. Na medida em que você desrespeita essas comunidades tradicionais, que você interfere negativamente na vida dessas comunidades, você está destruindo a possibilidade de sobrevivência do país. Os pescadores artesanais não só são responsáveis pelos alimentos que chegam à cidade como também pela preservação dos cardumes. Essa que é a grande verdade.
Nós temos hoje aquicultura que ameça os manguezais. Todo mundo sabe disso. E os manguezais reproduzem a vida marinha. Não é só a aquicultura não. A pecuária também, em algumas regiões costeiras, está drenando os manguezais e acabando com essa possibilidade da reprodução da vida marinha.
Para fechar esta Mesa, concedo a palavra ao Sr. Clemeson José Pinheiro da Silva, Secretário-Executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura.
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O SR. CLEMESON JOSÉ PINHEIRO DA SILVA - Boa tarde a todos!
Exmº Sr. Senador João Capiberibe, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Presidente desta audiência; companheiros, como a Josana, o Marcos, o Carlos e o seu Nego, que estava aqui, mas que agora saiu; senhoras e senhores presentes, eu havia preparado uma apresentação com uma explicação sobre o que o Ministério da Pesca vem fazendo em relação ao que foi interposto pela medida provisória, mas eu vou dispensar a apresentação, Senador.
Diante do que foi relatado aqui pelas pessoas que fizeram uso da palavra antes de mim, fica claro que, primeiramente, acredito que esta audiência devia ter uma representação mais ampliada por parte do Governo Federal. Não só o Ministério da Pesca deveria estar aqui presente, mas também outros ministérios que têm tanta responsabilidade quanto nós no processo tanto de fazer valer o que foi estabelecido pela medida provisória como também aqueles que criaram a medida.
Eu acho que, aqui, o Ministério da Pesca tem uma responsabilidade muito grande no processo, mas seria interessante que estivessem o Ministério do Trabalho, o Ministério da Previdência e o ministério da área econômica também, considerando que a medida provisória tem um viés econômico. Então, seria interessante que os representantes dos ministérios da área econômica estivessem aqui presentes, pois o debate seria bem mais aprofundado do que única e exclusivamente com a presença do Ministério da Pesca.
O Ministério da Pesca entende a sua responsabilidade a partir do momento em que o Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) é a porta de entrada do processo. É por meio deste RGP que o pescador se habilita a exercer a atividade e receber os benefícios a que têm direito, a que fazem jus.
Portanto, cabe ao Ministério da Pesca definir medidas que vão estabelecer o real controle de quem acessa esse Registro. Nessas medidas, temos que verificar aqueles que realmente são pescadores e que devem fazer parte do nosso banco de informações, aqueles que devem receber a licença e fazer da atividade pesqueira o seu principal meio de vida, ou exclusivo meio de vida, ou que seja de uma forma subsidiária. De qualquer forma, para fazer uso do recurso pesqueiro eu tenho que ter o Registro Geral de Atividade Pesqueira, como estabelece a lei, porque o recurso pesqueiro é um bem público e para fazer uso dele tem que ter a concessão do Estado. Isso é o que preconiza a nossa Constituição.
Então, é preciso que o Ministério da Pesca tenha essa qualidade, essa capacidade de fazer com que o Registro Geral da Atividade Pesqueira seja executado e muito bem executado. Então, nós temos essa responsabilidade. E a responsabilidade do Ministério da Pesca passa pelo cumprimento do que está definido no escopo legal.
O Ministério da Pesca, quando define as regras para o Registro Geral da Atividade Pesqueira toma como base toda legislação que regula esse acesso, que regula o Registro. O Registro Geral da Atividade Pesqueira existe desde 1938, e vem passando de instituição para instituição. Foi regulamentado pelo Decreto nº 221, da Sudepe, em 1967, e recebeu uma reformulação com a Lei nº 9.959, de 2009. Esta lei - não vou entrar aqui no mérito do direito da tradição, Carlos, só quanto ao aspecto legal -, classifica o profissional de atividade pesqueira em pescador, em aquicultor, em empresário, em armador. Isso tudo recebe uma classificação dentro do Registro Geral da Atividade Pesqueira.
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Eu acredito que o que mais se coloca nesse momento como sendo uma violação ao direito é a falta de reconhecimento das comunidades tradicionais. Há um conjunto de medidas que são contraditórias no processo. E a não observação das leis que garantem os direitos das comunidades tradicionais, dentro do processo de definição dos critérios para o Registro Geral da Atividade Pesqueira, eu acho que é o grande problema que está havendo nesse momento.
Foram colocadas aqui várias questões relativas à Medida Provisória nº 665: carência de três anos, cinco parcelas como pagamento máximo para o seguro-desemprego, o seguro-desemprego x benefícios sociais, o pagamento pelo INSS, que é uma questão, desculpem-me, mas eu não tenho condições de falar a respeito, considerando que eu não sou o INSS e que ele pode muito bem definir qual a sua capacidade, em função da capilaridade que ele tem em termos da infraestrutura de que ele dispõe para atender isso. Eu não teria como falar sobre esse ponto. Foi colocada também a atividade exclusiva e ininterrupta - pescadores que não estão engajados na captura não teriam direito ao seguro-desemprego. Então, são regras que estão aqui definidas como sendo regras de acesso ao seguro-desemprego e não regras de acesso ao RGP.
Por isso é que eu vejo a necessidade de os Ministérios que pagam o seguro-desemprego estarem aqui, Marcos, para termos um debate bem mais aprofundado e ampliado. Nós poderíamos esclarecer melhor algumas dúvidas e alguns reclamos, que eu considero muito justos, e que vocês fazem.
Com relação à questão da manutenção da identidade como comunidade tradicional, eu acredito que nós precisamos na verdade de um aprofundamento na discussão. A partir do Decreto nº 8.425, que criou a categoria de trabalhador de apoio à pesca artesanal, nós precisamos definir como vamos regulamentar isso sem ferir os direitos do trabalhador, sem ferir os direitos do cidadão que vive em comunidades tradicionais. Mas também nós não podemos, no atual momento, no atual escopo legal, deixar de considerar a classificação que está ali posta.
O Ministério da Pesca, como falei, trabalha dentro que estabelece a estrutura legal. O trabalhador de apoio à atividade pesqueira está no decreto como sendo uma das categorias que estão classificadas no Registro Geral da Atividade Pesqueira, que precisa ter um RGP. Mas, como eu falei inicialmente, nós precisamos aprofundar a discussão dentro de um escopo legal mais amplo, não única e exclusivamente dentro do que estabelece a Lei nº 11.959 e o Decreto nº 8.425. Precisamos aprofundar a discussão também em relação ao Decreto nº 6.040 e a outras estruturas legais que existem e que reconhecem as comunidades tradicionais no País.
(Soa a campainha.)
O SR. CLEMESON JOSÉ PINHEIRO DA SILVA - Apresento uma fragilidade no Ministério da Pesca nesse momento, porque essa não é uma discussão que foi internalizada ainda nesse contexto.
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Eu quero dar aqui até o meu testemunho, porque estou nessa atividade há 34 anos e, em nenhum momento, houve um reconhecimento pela pesca artesanal, muito embora a pesca artesanal seja, como foi dito aqui, responsável por quase 70% da nossa produção. Nós temos um milhão de trabalhadores, mas nunca houve uma política voltada para o desenvolvimento e para - vou chamar assim - a proteção de uma categoria tão importante. Há, no entanto, uma intenção e um desejo, uma vontade do atual Ministro de que essa situação mude e de que venha trazer ao pescador artesanal aquilo que lhe é de direto, com a participação em políticas voltadas para esse segmento e o desenvolvimento delas.
A pesca artesanal ultrapassa os limites das reversas extrativistas, das populações tradicionais. Então, a política tem que ser ampla, no sentido de garantir que essa atividade permaneça e continue contribuindo de forma tão efetiva, como vem sustentando, nos últimos anos, a pesca no Brasil. O Ministério da Pesca reconhece isso. Reconhece também, nesse momento, que é preciso que haja uma participação mais efetiva da sociedade no processo de construção dessas políticas, tanto é que o Sr. Nego falou aqui com relação à representatividade.
A representatividade dos pescadores, na atual gestão, não está única e exclusivamente, Sr. Nego, com a CNPA. Está dentro de todas as representações, sejam movimentos, sindicatos, associações, e todos têm sido recebidos de forma muito positiva para que o pescador se sinta, no Ministério da Pesca, como se fosse a sua casa. Queremos que ele venha trabalhar e venha contribuir no processo de desenvolvimento da atividade pesqueira no País, que, e eu concordo com o que todos disseram aqui, é um segmento discriminado, é um segmento que não é reconhecido pela sua importância. Ele não é reconhecido pelo potencial que o País apresenta em termos de capacidade de produção pesqueira. Hoje, se classifica como sendo de pequena importância, de pequena avalia, mas ninguém enxerga o potencial que ele tem, ninguém enxerga os setores em que a pesca nacional pode produzir, inclusive a aquicultura.
Eu acredito que a aquicultura tem uma representação bastante significativa no que vai ser o futuro da produção pesqueira no país. Ela, bem regulamentada respeitando os limites sociais, ambientais que os territórios apresentam, pode ser conduzida e trazer desenvolvimento para o País, como muitos países têm apresentado, mas também há muitos grandes produtores mundiais à custa da degradação ambiental e do sacrifício das sociedades ribeirinhas e das sociedades que vivem nas regiões mais litorâneas dos países. Temos exemplos claros de países asiáticos que transformaram o seu ambiente em verdadeiras favelas, em função do mau uso ou do ordenamento mal feito da aquicultura.
Então, o que nós temos, aqui, neste momento, para colocar aos que estão compondo a Mesa é que o Ministério da Pesca está aberto a discutir. Não vamos, em nenhum momento, considerando que, no decreto, está definido e classificado como trabalhador de apoio à atividade pesqueira, construir nada que venha ferir os direitos ou desconsiderar o que está definido na estrutura legal de reconhecimento dessas comunidades. O Ministério da Pesca coloca-se, nesse momento, no sentido de ampliar e esgotar a discussão para que nós possamos avançar, juntos, no processo.
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O Carlos colocou que o País fica mais pobre sem o pescador artesanal. Com certeza, essa comunidade representa muito em termos de cultura dessa comunidade. Vai se perder muito em termos de produção cultural, produção econômica, participação social, modelo de sociedade. Tudo isso são exemplos que a gente vem acompanhando. Reconhecemos o pescador artesanal como grande produtor de cultura, de modelo de sociedade, de desenvolvimento pessoal, econômico. Acho que existe necessidade de apoio, de participação maior do Governo nesse segmento.
Reconhecemos, e muito, isso e temos certeza de que vamos, ouvindo a sociedade, e todas as suas representações, avançar muito para que a pesca artesanal brasileira chegue ao patamar que ela merece.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado. Obrigado a todos os componentes desta Mesa. Nossos agradecimentos por terem atendido o convite desta Comissão.
Damos por encerrado esta Mesa, para começar uma segunda Mesa, que vou começar a compor imediatamente.
Muito obrigado. (Pausa.)
Convido para compor a Mesa a Srª Deborah Duprat, Subprocuradora-Geral da República, Coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal; o Sr. Uelton Fernandes, pesquisador de políticas públicas; o Sr. Valci Santos, pesquisador da Universidade Federal do Pará; e a Srª Roseli Zerbinato, que é Coordenadora do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura (Conape). (Palmas.)
Vamos começar, então, esta segunda Mesa, ouvindo o pesquisador da Universidade Federal do Pará, Sr. Valci Santos.
O SR. VALCI SANTOS - Boa tarde!
Primeiro, eu queria agradecer o convite da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, para participar desta audiência, que, na verdade, trata de uma questão importante, que é uma categoria que, tal como na Mesa anterior afirmou, na verdade, tem sido muito segregada, ou marginalizada, nas questões das políticas públicas, já que as políticas pesqueiras tradicionalmente são muito mais articuladas com a pesca industrial. A pesca artesanal fica, na verdade, numa situação muito marginal em termos de políticas públicas voltadas ao setor pesqueiro.
Primeiramente, eu gostaria de me apresentar. Sou professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará. Na verdade, estou sendo convidado para participar desta audiência pública, em função mais do tema da minha tese de doutorado, que defendi recentemente, que é sobre acordos de pescas praticados por comunidades ribeirinhas da Amazônia. Fiz essa defesa de tese, em março, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os acordos de pesca, falando para pescadores artesanais, acredito que não sejam novidade, mas os acordos de pesca, por exemplo, na Amazônia, existem, praticamente, desde a década de 70, e surgiram em função dos conflitos para o acesso aos recursos pesqueiros. Houve vários conflitos sociais envolvendo o acesso aos recursos pesqueiros na Amazônia, sobretudo, por exemplo, perto de Manaus, na região do baixo e do médio Amazonas.
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A região na qual pesquiso os acordos de pesca é a região do baixo Tocantins, que é uma região tradicional do Estado do Pará, uma das regiões de ocupação mais antigas da Amazônia, mas que foi muito afetada pela construção da barragem de Tucuruí, porque o barramento do Rio Tocantins, na verdade, atingiu muito essa região que fica a jusante da usina hidrelétrica de Tucuruí. Essa região sofreu bastante na sua economia ribeirinha, na sua economia de várzea, sobretudo na pesca artesanal. Os dados da própria Eletronorte indicam que o pescado comercializado nessa região sofreu um decréscimo de 85%, em função da barragem de Tucuruí. Claro que há outros motivos também que atingem a pesca artesanal nessa e em outras regiões. A sobrepesca, por exemplo, certamente está associada a isso.
Os acordos de pesca, na verdade, foram muito motivados por problemas de sobrepesca. A partir da década de 60, várias inovações no setor pesqueiro, como a introdução do barco a motor, de fio de náilon nas redes, das geleiras, etc., fizeram, na verdade, com que o conflito para o acesso aos recursos pesqueiros atingisse níveis cada vez mais alarmantes, inclusive causando até mortes. Os primeiros acordos de pesca de que se tem notícia foram praticados na região do baixo Amazonas, sobretudo na região próxima de Santarém, no início da década de 70, em 1972 e 1973. No caso do baixo Tocantins, que é a região que pesquiso, iniciaram-se logo após a construção da barragem de Tucuruí, por volta de meados da década de 80.
Os acordos de pesca, na verdade, não têm uma associação direta com o seguro-defeso, mas têm uma associação direta com política ambiental, principalmente com políticas de participação social. Uma coisa que realmente me chamou a atenção, porque não sou especialista em pesca artesanal, quando fui pesquisar as questões relativas a problemas sociais e movimentos sociais da região do baixo Tocantins, foi justamente o fato de essas iniciativas serem de comunidades ribeirinhas, famílias ribeirinhas, sem apoio do Poder Público. Na verdade, nessa região, o apoio que existe nos acordos de pesca é muito em função de apoio por parte da colônia de pescadores, no caso as colônias de Z-16, a colônia do Município de Cametá, da Igreja Católica e de outras igrejas que participam desse processo de organização de movimentos sociais nessas regiões.
Na verdade, os acordos são uma forma muito avançada de gestão de recursos naturais, gestão feita pelas comunidades ribeirinhas e pelas comunidades pesqueiras, e, por isso, essa gestão de recursos naturais é considerada a mais eficiente, é a gestão em que a comunidade, a sociedade civil gere os próprios recursos. A economista norte-americana Elinor Ostrom, que ganhou um Prêmio Nobel de Economia, em 2009 - na verdade, foi a única mulher que até hoje recebeu o Prêmio Nobel de Economia -, notabilizou-se exatamente pela tese de que a gestão de recursos naturais, ou gestão de recursos comuns, como ela coloca, alcança eficiência quando a participação da sociedade se faz presente na gestão direta desses recursos. Ela vai contra uma afirmativa, naquela época, uma ortodoxia que dizia que a gestão de recursos comuns era baseada na tragédia dos comuns, porque, na verdade, quando a sociedade ou a população local gere recursos, leva ao esgotamento. Ela provou justamente o contrário. Os acordos de pesca são a prova disso. Os acordos são arranjos institucionais contra a pesca predatória, praticada por comunidades ribeirinhas, comunidades pesqueiras.
Pesquiso isso muito na Amazônia, mas acredito que, em outras regiões brasileiras, também exista um acordo de pesca, só que, na Amazônia, isso tem uma importância muito grande, sobretudo nas águas interiores da Amazônia, ao longo da calha do Amazonas, nos seus afluentes principais, como é o caso do Tocantins. Essa gestão de recursos pesqueiros se tornou muito eficiente, mas, na verdade, existem vários problemas.
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O grande problema dos acordos de pesca é que, por serem uma iniciativa da sociedade local, dos pescadores, das comunidades ribeirinhas, não têm o apoio direto do Estado. Não existe uma política pública que dê amparo.
A partir de 1997, o Ibama tentou inserir os acordos de pesca dentro das políticas participativas de gestão de recursos naturais. A partir daí, alguns acordos, sobretudo na região do baixo Amazonas, começaram a ser regulamentadas através de portarias do Ibama. No entanto, vários outros acordos estão fora, ainda, dessa regulamentação. Os próprios acordos, por exemplo, da região do baixo Tocantins, que são dezenas de acordos, não tiveram essa regulamentação, não obstante você ter acordos desde meados da década de 80. Então, na verdade, a contribuição que os acordos de pesca podem trazer a esta discussão...
A fala anterior, do Cláudio, que estava representando a Associação de Representantes das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, quer dizer, do Carlos, desculpe-me, trouxe questões muito relevantes, assim como os demais componentes. Mas, a questão cultural, por exemplo, das tradições culturais ancestrais está muito presente, inclusive, nesses acordos, porque esses acordos são a base de uma relação de confiança, são relações de reciprocidade, que justamente ocorrem entre pessoas que têm confiança e se conhecem entre si. Nas políticas, por exemplo, de proteção ambiental, nas políticas que, na verdade, trabalham com a questão da preservação ambiental, é necessário você introduzir a sociedade e as populações locais, as comunidades pesqueiras, dentro da gestão para que ela se torne, na verdade, eficiente. A articulação, por exemplo, dos acordos de pesca com políticas de proteção ambiental e também com o seguro-defeso vai certamente tornar muito mais eficiente a própria gestão do seguro-defeso. Na verdade, o objetivo do seguro-defeso é a proteção das espécies pesqueiras no seu período de reprodução, em áreas de reprodução. É justamente aí, por exemplo, que os acordos de pesca costumam atacar, nessa questão da eficiência da gestão, justamente nas áreas de preservação de recursos pesqueiros.
(Soa a campainha.)
O SR. VALCI SANTOS - Outra coisa em que os acordos de pesca também se notabilizam é a dimensão cultural, o que realmente me chamou muito a atenção.
Quando comecei a pesquisar, sobretudo em algumas regiões, como, por exemplo, Jaracuera Grande, uma localidade ribeirinha de Cametá, eu percebi que era uma comunidade sem nenhuma tradição organizativa, não havia nem centro comunitário, associação comunitária. No entanto, hoje, é uma das localidades que tem mais sucesso na gestão dos acordos de pesca. Por quê? Primeiro, porque existem poços de reprodução de uma espécie de peixe muito apreciada na região, o Mapará.
(Soa a campainha.)
O SR. VALCI SANTOS - As famílias ribeirinhas se organizam, no acordo de pesca, muitas vezes, para conseguir pescar esse peixe que faz parte da sua tradição culinária, de uma cultura culinária. Na verdade, eles pescam esses peixes não para vender, com o intuito comercial, e, sim, para satisfação familiar, para a preservação de uma cultura culinária.
Então, acho que essa questão precisa ser transversalizada nas políticas ambiental e no seguro-defeso também. Não é, na verdade, retroagir nessa política, mas avançá-la, na verdade. Eu acho que a discussão que está sendo colocada é mais neste sentido: você não pode retroagir direitos, sobretudo na política ambiental e nessa questão de manter pelo menos uma possibilidade de renda para famílias de pescadores que não podem pescar no período do defeso, de reposição de espécimes. Acho que articular com políticas de gestão de recursos a partir da própria...
(Interrupção do som.)
O SR. VALCI SANTOS - Alô? (Pausa.)
Eu acho que seria, na verdade, uma das formulações de sucesso para que o seguro-defeso se torne mais eficiente ainda. Essa é a minha contribuição.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Duas pessoas ventilaram os danos provocados pelas barragens em relação à pesca. O mais estranho é que, num país com a dimensão do Brasil, com uma costa atlântica de mais de 7 mil quilômetros, com uma luminosidade única, um país tropical, com uma incidência de luz solar fantástica, não conseguimos mudar a matriz energética. O que leva o Brasil a optar pela matriz hídrica? Não tem outra explicação, os barrageiros. Mesmo eles presos, continuam tendo uma influência enorme. Talvez se prenderem o resto, a gente consiga mudar isso não é?
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Porque não é possível! A possibilidade que nós temos, que outros países vêm mostrando, com impactos ambientais reduzidos, para atender a necessidade, incluindo as comunidades isoladas que hoje não recebem energia elétrica, é enorme, mas o Brasil insiste numa política voltada para poucos, para atender aos barrageiros, à indústria da construção civil. É algo que, mesmo diante dessa crise que nós estamos vivendo, nós não conseguimos colocar na agenda de discussão. Falo da necessidade de mudança da matriz energética. Aliás, o que está na agenda é uma enorme cortina de fumaça. O que está na agenda? A redução de direito dos trabalhadores, o projeto de lei aprovado na Câmara que terceiriza as atividades meio, as atividades fins, que terceiriza tudo, a redução da maioridade penal, o código da família, que estabelece regras de um país de cem anos atrás, enfim, uma agenda terrível, uma agenda conservadora, uma agenda que não tem interesse nenhum. Em que vai reduzir a violência a redução da maioridade penal? Se alguém me provar que vai reduzir um crime a menos, eu poderia até apoiá-la, mas não tem nenhum significado, apenas, em uma situação de crise geral, se emocionaliza o debate e se mobiliza em torno disso. Enfim, infelizmente esta é a realidade que nós estamos vivendo, mas nós temos preocupações concretas: energia, economia que encolhe, os empregos que desaparecem, como é que nós vamos... Essa é que é a agenda sobre a que nós deveríamos estar debruçados e debatendo.
Dando sequência, eu gostaria de convidar o Sr. Uelton Fernandes, que é pesquisador de políticas públicas.
O SR. UELTON FERNANDES - Boa tarde, Senador Capiberibe, colegas aqui da Mesa, companheiros e companheiras pescadores e pescadoras que estão aqui presentes e representante do Ministério da Pesca.
Eu queria abordar o tema, mas minha atividade é mais na área legislativa, de formulação e de assessoria parlamentar. Então, a minha preocupação maior é acompanhar, dentro do Legislativo, os processos, os procedimentos e ajudar os companheiros a refletir e a elaborar um pouco melhor as redações da legislação brasileira. Minha atividade, nesses últimos doze anos, tem sido nessa área de assessoria parlamentar. Já tive oportunidade de fazer reuniões com os companheiros do movimento, refletindo sobre a proposta do projeto de lei, sobre os territórios pesqueiros, porque eu acho que é uma iniciativa extremamente importante. Espero que a gente consiga, um dia, aprovar esse projeto de lei aqui na Casa, no Congresso.
No que diz respeito à Medida Provisória, eu começaria dizendo que, do meu ponto de vista, esta Medida Provisória, aliás, a dupla 664 e 665, foi um grande equívoco do Governo, no final do ano passado, porque mexe com temas que dizem respeito justamente às populações mais pobres e que envolvem, deveriam envolver um debate muito grande, antes de se fazer qualquer medida açodada, como foi feito no rompante do final de 2014, sob a justificativa de que, se não fizessem no final de 2014, não poderia ser feito em 2015, em função da legislação de responsabilidade fiscal e legislação tributária, uma vez que mexia também neste campo. Essa, pelo menos, foi a justificativa apresentada para ter editado desta forma as duas medidas provisórias.
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Então, eu acho assim, foi um grande equívoco, deveria ter havido um procedimento de debate. Isso que está acontecendo de forma açodada e aperreada, como dizia o outro, agora no Congresso Nacional, deveria ter sido feito antes de editar tais medidas.
O segundo aspecto é que, no caso específico dos pescadores, nós entramos nessa medida provisória, digamos assim, como gaiatos na história. Por que eu digo que é gaiato? Porque o grande objetivo era fazer o ajuste econômico, então em função do seguro-desemprego, em função da conjuntura econômica, dos gastos, que tinham se elevado, do déficit, que já aparecia no FAT, segundo a justificativa dos últimos balanços do Governo.
Então, esse era o grande centro. Os pescadores, se vocês olharem a justificativa que encaminhou a medida provisória para a Presidenta assinar, assinada pelos Ministérios, são quatro linhas dizendo assim: "aproveitamos aqui e incluímos também os pescadores". É isso que está lá, quatro linhas. Então, aproveitamos aqui o embalo e incluímos os pescadores.
E eles incluíram com uma visão, e eu acho que é aí que nós precisaríamos aprofundar o debate, equivocada do que é o seguro-defeso. Se vocês olharem lá a justificativa, eles não falam de seguro-defeso, eles falam de seguro-desemprego do pescador.
Então, a medida provisória trata o seguro-defeso como um seguro-desemprego do pescador e, aí, tenta fazer uma série de ajustes, nos mesmos moldes do outro seguro-desemprego, que é o tradicional para o assalariado. Então, esse é o primeiro grande equívoco, para mim, que esta ali contido.
E isso me traz um debate, que é o seguinte: qual é a natureza do seguro-defeso? É isso que nós precisamos resolver. Sem resolver isso, a gente não resolve. Então, se você vai pesquisar e olhar, você vai ver que ele é tratado pelo Governo, passa a ser tratado como um seguro-desemprego, que não é. Porque não é essa a natureza dele, você recebe não porque perdeu o emprego ou porque você foi demitido, enfim.
Ele também... Alguns, aqui na Mesa foram usados esses termos como uma indenização. Ele tem um certo aspecto de caráter indenizatório, compensatório, porque você perde uma renda, então você compensa, naquele período, aquela renda que o pescador perdeu.
Mas ele também, para mim, não é a essência do seguro defeso. Para mim, o seguro defeso... Aliás, e um outro equívoco que está sendo cometido na medida provisória, e aí por isso o debate em torno do INSS, é que a medida provisória caminha para transformá-lo em um benefício previdenciário. O que é mais grave ainda porque, aí, só vai ter acesso quem pagar a previdência. Olha, essa é uma regra de benefício previdenciário, então, independente de você estar recebendo ou não, ele perde até inclusive o caráter indenizatório dele.
Esse é o problema. Não é só levar para o INSS. Está se levando para o INSS porque ele está tomando um caráter de benefício previdenciário que ele não é, ele não tem essa natureza. Do meu ponto de vista, a natureza do seguro defeso é uma compensação, é um pagamento que a sociedade deve fazer ao pescador pela preservação ambiental naquele período. Porque quem decreta e quem proíbe é o Estado, em nome da sociedade, dizendo: "olha, você não pode pescar tal peixe ou tal crustáceo". Em função de quê? "Porque, neste período, nós precisamos preservar essa riqueza, que interessa a toda a sociedade".
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Ora, na medida em que eu estou proibindo alguém de exercer uma atividade legítima, protegida pelo art. 5º da Constituição, que garante a todos o exercício de uma atividade profissional e econômica, a liberdade para exercer isso, a sociedade tem que compensar ou tem que resguardar aqueles que estão sendo prejudicados por essa proibição. É um custo que deve ser imputado a toda a sociedade. Não é um custo que tem ser imputado ao pescador, porque ele não é um benefício previdenciário, nem deve ser imputado a uma parcela da sociedade, porque não tem caráter meramente indenizatório.
Então, se nós não corrigirmos essa rota em relação à natureza do que é o seguro-defeso, nós podemos até remendar aqui e acolá, mas não vamos encontrar solução para o que ele deve ser, nem para qual deve ser a fonte de financiamento dele, que eu acho que não tem o ser o FAT, mas outro fundo, e tem que ser um fundo, tem que haver participação de outras fontes, como o Fundo do Meio Ambiente, principalmente, que deveria estar custeando esse defeso.
(Soa a campainha.)
O SR. UELTON FERNANDES - Então, essa, para mim, é a questão essencial que a gente precisaria corrigir.
O Relator - se me permite, como eu acompanho - já divulgou um relatório, o primeiro a que tive acesso. Ele avança em algumas questões, mas nessa, essencialmente, não mexe e não avança. Então, não consegue corrigir, por exemplo, a questão do INSS, e, me permitam, esse não é só um problema operativo do Estado, e isso também é um problema, porque o INSS não tem ponta, não tem fiscalização e não tem capacitação para operar a fiscalização desse seguro-desemprego. Isso aqui vai ser uma burocratização e um jeito de barrar o pagamento.
Outros aspectos importantes em que já se conseguiu um certo avanço nas conversações com o Relator, pelo que vi do último relatório divulgado oficialmente na Comissão, que foram tocados aqui na Mesa e que precisaríamos aprofundar, são os aspectos de quem pode acessar. Aqui, entra um problema conjugado com o problema da fiscalização.
O mais correto, do meu ponto de vista, era ter concedido uma moratória aqui nessa situação, no sentido de nós termos um recadastramento geral. Desculpem-me, mas o RGP é mais furado do que peneira. Não tem jeito, é mais furado... Tem motorista de ônibus com RGP no bolso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. UELTON FERNANDES - Pode ter.
Então, do ponto de vista da caracterização para acesso ao benefício, o RGP é mais furado do que uma peneira. Não estou dizendo que ele é errado, mas que é furado. Ele não pode ser o principal.
Aí, nós temos que rever algumas coisas na legislação. Por exemplo, nós temos a Lei Geral da Pesca, que traz uma séria categorização, e a 11.326, que traz outra série de categorização também do pescador artesanal, dentro da economia familiar, e que é a Lei que aborda isso. Esses aspectos estão todos desconsiderados, principalmente os da 11.326, na Medida Provisória, o que precisaria, de certa forma, ser resgatado como um critério. Além disso, estabelecer um prazo antes de simplesmente dizer "só três anos para ter acesso" ou "só um ano para ter acesso". Teriam que estabelecer um prazo de recadastramento desse benefício, uma espécie de moratória para ajustarmos as posições. Não dá para estabelecer da forma como está sendo estabelecido.
Outro aspecto importante que as companheiras levantaram aqui na Mesa é a caracterização entre o tempo de duração do benefício e o período em que se deve observar o defeso. Esse descasamento está presente na Medida Provisória. Na primeira versão, tinha sido parcialmente consertado, mas não estava totalmente resolvido no relatório.
Por fim, eu penso que nós deveríamos verificar a parte dos critérios de credenciamento, e tem um que me preocupa sobremaneira, que é a exigência da pessoalidade para requerer o benefício. Isso significa que o pescador, em alguns lugares, vai ter que viajar 400 quilômetros de barco para, pessoalmente, entregar um punhado de papel ao INSS, que vai avaliar burocraticamente aqueles papéis, não vai ter noção...
(Soa a campainha.)
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O SR. UELTON FERNANDES - ...e dali a seis meses não recebeu e nem vai receber o seguro-desemprego.
Então, seriam alguns aspectos importantes que eu considero relevantes para se fazer o debate. Teriam outros aqui, mas o tempo urge. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Já que o Sr. Uelton Fernandes levantou a questão do INSS, em função das dificuldades e da falta de capilaridade, eu recebi, aqui, um e-mail do Presidente do Sindipesca de Manaus, Pedro Hamilton Prado Brasil, dando informações da situação.
Se o pescador artesanal for habilitado pelo INSS, no Amazonas, será um caos. As agências ficam a dezenas de quilômetros [eu diria centenas de quilômetros, ele está economizando aqui] das bases municipais. Poucas são as agências no Amazonas, além de a internet não funcionar para o agendamento de eletrônicos. Nas questões das notas das vendas do pescado, os pescadores não terão condição de obtê-las. Não tem quase nenhuma empresa para que possamos obter as notas. Se deixarmos de pagar o INSS uma vez por ano, para pagar mensalmente, será quase impossível pagar. Além das dificuldades encontradas, as lotéricas são raras nos Municípios.
No mais, quero, novamente, agradecer.
Pedro, pescador Presidente do Sindicato de Pescadores de Manaus.
Então, é evidente que quem vive nas regiões isoladas do País, que não têm acesso por internet, não têm agência do INSS, vai ficar, imediatamente, já está, fora, está completamente fora do alcance do pagamento.
Por isso, eu acho que talvez fosse o caso de nós formarmos aqui uma comissão para que pudéssemos fazer uma proposta de execução do seguro-defeso, mesmo que seja pelo Ministério da Pesca, inclusive. Se nós tornarmos a execução dessa atividade transparente, com a participação das comunidades locais, o que é possível hoje, teremos uma solução ágil, eficiente e livre, completamente livre de... Completamente eu não diria, pois o ser humano sempre dá um jeito de... Mas as irregularidades se reduziriam muitíssimo.
Eu acho que tem, sim, a possibilidade de construirmos uma política de execução transparente do pagamento do seguro-defeso, com participação das comunidades locais.
Dando sequência, eu gostaria de passar a palavra para a Srª Roseli Zerbinato, que é Coordenadora do Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura.
A SRª ROSELI ZERBINATO - Boa tarde, Senador. Boa tarde, todos os presentes na Mesa e, principalmente, pescadoras e pescadores presentes, no auditório, que vieram ouvir mais sobre uma lei, uma medida provisória que tem um impacto direto na vida de vocês.
Eu sou do Ministério da Pesca. Sou Secretária-Executiva do Conselho Nacional da Pesca. Na primeira Mesa, foi o Clemeson, que é o Secretário de Monitoramento e Controle. Também a Secretária-Executiva estava aqui representando o Ministério e falou várias questões.
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A parte mais legal, o aspecto mais legal, organizativo, tanto da lei quanto do RGP, eu não vou abordar, mas o que eu quero colocar é a questão da participação social nesse processo, porque, quando o Governo pensa numa determinada lei, tem que pensar, também, como que isso afeta a vida das pessoas. Então, o ideal é que essa lei, antes de ser publicada, seja conversada o máximo possível, seja muito bem conversada, esmiuçada. Só que não ocorreu isso com essa medida provisória. Não ocorreu. Foi no final do ano. Então, agora, nós estamos reunidos para tentar minimizar os impactos negativos que ela pode causar na vida de todos vocês. Eu acho muito importante que a Comissão de Direitos Humanos aqui do Senado esteja fazendo esta audiência pública. Eu acho que também os outros órgãos do Governo tinham que estar aqui. Parece que estão fazendo audiências separadas, não sei. Mas é importante, porque não fomos nós, do Ministério da Pesca, sozinhos. Na verdade, há um conjunto de Ministérios envolvidos.
O que nós estamos conversando ultimamente é sobre o novo decreto do RGP. Esse novo decreto do RGP tem várias categorias colocadas: pescador profissional artesanal, pescador profissional industrial, pescador amador. Eu acredito que houve um avanço, que foi a questão do decreto ter a linguagem inclusiva de gênero - usou "pescador" e "pescadora". Porém, em conversas com o movimento, nós vimos que essa nova categoria de trabalhador e trabalhadora de apoio à pesca artesanal... Na verdade, vocês estão nos dizendo que isso está ferindo e violando os direitos dos povos e comunidades tradicionais. Isso, para a gente, foi uma coisa muito forte, muito forte. Nós conseguimos conversar com o Ministro Helder Barbalho, e ele entendeu. Nós conseguimos externalizar todas as conversas que nós estamos tendo com os movimentos, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, a Articulação Nacional das Pescadoras, a Confrem, a Secretaria das Mulheres da Confrem, a ATR, a Comissão de Pastoral dos Pescadores. Nós estamos conversando bastante. O Ministro ficou muito sensibilizado e pediu que nós discutíssemos até esgotar todas as possibilidades. O que significa essa nova categoria à luz desse olhar de povos e comunidades tradicionais? O que significa ser de comunidades tradicionais? Muitas vezes, um técnico fica no gabinete. Vocês falam muito isso, e acaba sendo uma verdade. Nós precisamos conhecer a realidade. Nós precisamos estar nos locais onde vocês moram, conversar, vivenciar, antes de fazer uma lei. Isso é o ideal, mas infelizmente não é isso que acontece sempre. Agora, o Ministro Helder Barbalho pediu para que a gente discutisse isso e tentasse encontrar uma solução.
Semana passada, nós conversamos primeiro lá dentro do Ministério. Lá dentro há muitas pessoas que trabalham com a pesca por muitos anos. Mas nós temos que ter esse olhar. O que são povos e comunidades tradicionais? Acho que é uma questão até de humildade colocar isso aqui na mesa: nós, do Ministério da Pesca, não temos uma política exclusiva, uma política voltada especificamente para povos e comunidades tradicionais, não é, Clemeson? Nós detectamos isso. Mas nunca é tarde e, com essas reflexões que vocês nos trouxeram, nós queremos, sim, ter condições de elaborar políticas públicas voltadas para esse segmento. Esse segmento de povos e comunidades tradicionais da pesca representa quantos pescadores e pescadoras? Nós acreditamos que seja em torno de 200 mil pescadores e pescadoras. O fato é que vocês batem à nossa porta, à porta do Ministério da Pesca. Vocês não vão à Previdência, ao MMA. Vocês vão à nossa porta, e temos que ter políticas públicas voltadas para vocês.
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Então, nós estamos conversando, já fizemos uma primeira conversa sexta-feira, envolvendo alguns órgãos do Governo, alguns ministérios, que já têm uma discussão acumulada sobre isso, que foi o MDA. Eles fizeram, inclusive, a Lei da Agricultura Familiar, com esse olhar voltado para comunidades e povos tradicionais, que acho que eles reconheceram, em algum ato normativo. Fizemos, então, com o MDA; com o Ministério do Desenvolvimento Social; com a Secretaria-Geral da Presidência, inclusive a Magda, que está aqui no plenário, estava lá ajudando nessa conversa; com o Instituto Chico Mendes, que tem uma Coordenação de Povos e Comunidades Tradicionais; e nós, do Ministério. Essa primeira conversa foi muito boa, porque abriu alguns aspectos que temos que trabalhar mais. Infelizmente, a Administração Pública não é rápida como nós gostaríamos, mas temos que ter a capacidade de caminhar paralelamente à burocracia. O processo tem que caminhar paralelo, temos que fazer as conversas e temos que, na prática, implementar políticas públicas que mudem a vida de vocês para melhor. Então, temos uma agenda de discussão. Nesta quinta-feira, dia 30, vamos discutir com dez representantes do movimento e o Governo sobre essa categoria específica, trabalhadores e trabalhadoras da pesca artesanal, porque há um prazo para esse decreto ser regulamentado.
Quero dizer que o Estado tem que garantir os direitos das pessoas, tem que garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais, de vocês. Nós estamos à disposição. Esse diálogo, o Carlinhos e alguns comentaram que nós estamos com o diálogo aberto. Nós queremos cada vez mais aprofundar esse diálogo, mas, para esse diálogo ser efetivo, tem que realmente produzir resultados, se não só vai ficar no discurso, sem produzir resultados. Então, estamos com as portas abertas. Vocês podem bater lá. Estamos à disposição.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado. Temos a última intervenção nesta audiência pública, em que se discute a medida provisória que tenta reduzir direitos dos trabalhadores, não só da pesca, mas também de forma mais ampla. É evidente que nada justifica que se tirem daqueles que mais necessitam na hora da dificuldade: o Governo vem e garfa daqueles que não poderia fazê-lo.
Convido para usar da palavra a Subprocuradora Deborah Duprat.
A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Boa tarde a todas e todos.
Senador João Capiberibe, minhas homenagens por esse espaço da Comissão de Direitos Humanos do Senado, também extensivas ao Senador Paim, e a minha homenagem especial ao Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, que toda vez me encanta, pela capacidade de articulação, pela capacidade de acionar espaços públicos, de trazer para os espaços públicos os mais diferentes atores, com as mais diferentes percepções do problema. Isso é louvável, são poucos os movimentos que têm essa organização. É um movimento, de fato, de natureza nacional. Como o senhor viu, acabou de chegar uma correspondência do Amazonas. Eles estão espalhados pelos mais diversos Estados. Há um vídeo belíssimo sobre essa atividade que desenvolvem.
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É uma vitória a ser celebrada que, aparentemente, pescadoras e pescadores artesanais conquistaram corações e mentes do Ministério da Pesca, o que parecia muito pouco provável até um curtíssimo espaço de tempo atrás. De qualquer maneira, já começo fazendo uma observação à fala da Rosely, porque acho que o Ministério da Pesca não tem que se preocupar só com políticas públicas voltadas a esse segmento. O que é importante considerar em relação a povos e comunidades tradicionais é que as políticas universais os levem também em consideração. E esse é o problema com o qual nos defrontamos agora, diante desse decreto e dessa medida provisória.
Mas antes eu gostaria de começar relembrando a Convenção nº 169, que foi ratificada pelo Brasil em 2004. Isso talvez explique alguns erros do passado que são reproduzidos agora tanto na medida provisória quanto no decreto. A Convenção nº 169 determina exatamente que antes de qualquer medida legislativa ou administrativa os povos e as comunidades afetados sejam ouvidos.
Por que a Convenção nº 169 fez isso? Ela reconheceu que havia uma passagem no mundo, especialmente no mundo ocidental, de sociedades de recorte hegemônico para sociedades plurais. Era preciso dar voz àqueles segmentos que nunca foram ouvidos e fazer leis entendendo essas pessoas, compreendendo o modo de vida deles.
Recentemente, na Colômbia, houve a declaração de inconstitucionalidade de uma lei que entregou bosques para a exploração econômica. E esses bosques eram o lugar de moradia de populações indígenas e tradicionais. Como eles não foram ouvidos, a Suprema Corte da Colômbia, declarou essa lei inconstitucional.
Acho que a nossa chance no nosso Supremo Tribunal Federal é um pouco mais remota, mas um dia, talvez, chegaremos lá.
Não sou eu quem estou dizendo que pescadores e pescadoras artesanais estão incluídos na categoria povos e comunidades tradicionais. Há um decreto do Presidente Lula, o 6.040, que expressamente inclui na Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais pescadoras e pescadores artesanais.
Por outro lado, o Governo, acionado pela OIT, criou um grupo interministerial de trabalho para regulamentar a Convenção nº 169 da OIT. E coloca ali a Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.
Então, não sou eu quem estou dizendo, o próprio Governo que, reiteradamente, reconhece que esse segmento faz parte da Convenção nº 169, é público da Convenção nº 169. No entanto, mais uma vez, não os ouviu.
O Ministério da Pesca também compõe esse GTI. Então, de longa data também entende que esse grupo envolve povos e comunidades tradicionais.
É incompreensível que, passado tanto tempo, esse segmento continue sem ser ouvido previamente à medida provisória e ao decreto. E é por isso que surge esse monstro, digamos assim, difícil de entender, difícil de explicar, porque, primeiro, ela peca, como disse o Elton, achei a análise excelente, ela peca na sua própria ideologia, considerando que uma medida de natureza indenizatória ou compensatória, pouco importa, seja vista como benefício, e mais ainda, previdenciário. Ora, o que pescadores e pescadoras fazem é uma atividade lícita, que é inclusive autorizada pelo próprio Estado, ela depende de uma autorização do Estado. E aí o Estado chega e diz assim: olhe, em determinado período, vocês não poderão realizar uma atividade lícita, legítima e por mim autorizada. Então, o que o Estado diz: eu vou pagar, vou indenizar vocês por esse período. Dessa forma, começa-se esse monstro de dizer que aquilo que é indenização, que está pagando por impedir uma atividade legítima, é um benefício. Até o nome, benefício, é equivocado! Benefício previdenciário, mais ainda! Seguro desemprego, mais ainda! Porque não se trata de trabalho, não se trata de emprego, não tem ninguém desempregado. Então, é um amontoado de equívocos. Aí considera benefício previdenciário, coloca isso no INSS, enfim, cria uma disfuncionalidade na própria administração pública. Está falando que uma coisa é quando não é, dando para um órgão aquilo que ele não tem condições de fazer, criando para os pescadores e pescadoras requisitos que não fazem nenhum sentido de ele contribuir para a Previdência quando ele tem que receber uma indenização. Então, é essa disfuncionalidade.
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A outra coisa é que, ouvindo o Ministério da Pesca, eu também reconheço que, como os recursos públicos são escassos, eles precisam ter uma racionalidade. É possível estabelecer alguns requisitos para definir quem é que vai receber ou não essa indenização, de alguma maneira. Ainda que a gente não entre no plano da identidade, dizer quem é pescador e pescadora.
Agora, o que a medida provisória faz e o que o decreto faz é confundir identidade e atividade. Porque uma coisa que ele não pode fazer é dizer que não é aquilo que é. Por exemplo, a mulher pescadora foi reconhecida, por uma ação do Ministério Público Federal, como beneficiária do Seguro Defeso, porque ela entra na economia do pescado. Isso foi a realidade empírica que revelou. A situação da mulher pescadora, se for analisada, e a Antropologia nos revelou isso, ela entra sempre, de alguma maneira, nessa economia. Então, excluir a mulher que trabalha, que, enfim, entra nessa cadeia produtiva, é você negar a identidade, não é nem a atividade. Então, nós entramos na disputa agora, aqui, da identidade.
Há outras coisas perversas na medida provisória e no decreto, a começar naquele art. 1º. Isso foi falado muito, eu acho - espere aí, eu me perco aqui -, pelo Carlos Alberto, da Confrem. Na redação originária da Lei... Esperem aí, só me deem um segundo, não me interrompam, não toquem aquela campainha, porque eu morro de medo dela!
(Soa a campainha.)
A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Ah! Não, não é possível! (Risos.)
Aquela Lei nº 10.779 falava assim: "(...) ainda que com o auxílio eventual de parceiros." O que o Carlos Alberto falou é que essa parceria decorria daquela relação de compadrio. Ela tinha esse caráter ritualístico. Então, a pretexto de regular uma atividade, nós acabamos interferindo no modo de ser da coletividade. E aí estamos contra a Convenção nº 169, estamos contra o decreto do Presidente Lula, não é?
Outra coisa que acho perversa é que o Seguro Defeso vem com uma perspectiva ambiental, de proteção dos recursos pesqueiros. E ela acaba condenando, a medida provisória e o decreto,...
(Soa a campainha.)
A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - ... Até antes dela, as comunidades a uma lógica de mercado, em que as transações têm que ser comprovadas por meio de documentos determinados. Então, ela é uma medida que, além de todas essas disfuncionalidades, acaba matando o instrumento que ela criou para (Falha na gravação.)
Então, eu só quero, por fim, lembrar que a única coisa que eu acho que ela fez bem foi acabar com a figura da colônia de pescadores no sentido da associação obrigatória do pescador, porque feria um princípio constitucional da liberdade de associação. (Palmas.)
Se acaba com a colônia, nada pode substituir colônia, nem federação, nem confederação. Liberdade sindical sempre, para todos e todas.
Obrigada. (Palmas.)
(Manifestação da plateia.)
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O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem. Eu vou me arriscar, Procuradora, a dar uma explicação. Há horas em que a gente não consegue entender determinadas medidas do Estado brasileiro, como é que ele se comporta com um distanciamento gigantesco. Não é do conjunto da sociedade, porque ele é muito próximo das elites, mas ele dá uma condução distante do povo, das populações que não têm essa grande representação no Parlamento, que não são representadas de fato.
Veja, o Brasil - esse é o meu ponto de vista, pode ser que não seja compartilhado por tantos - é uma sociedade elitista, preconceituosa, que construiu o seu desenvolvimento fundamentado na degradação ambiental. E isso vem de lá do Brasil Colônia. Explorou-se o pau-brasil até as últimas consequências, depois as minas das Gerais, depois a expansão da cana, depois o café. E nós dependíamos sempre de um único produto de exportação. Então, nós temos a degradação ambiental com o fundamento do desenvolvimento até hoje. Para se ter uma ideia, 20% da Floresta Amazônica foi destruída e, em uma parte dela, não se produz nada. Ou seja, o modelo continua.
Da exclusão social, o Brasil fundamentou o seu desenvolvimento no escravismo. Foram trazidos da África 1,7 milhão de escravos. Foi o último país a libertar os seus escravos. A dependência externa nossa é tão grande que hoje nós temos, praticamente, o mesmo comportamento do Brasil Colônia. Nós continuamos produzindo e vendendo natureza - soja, carne bovina, frango, enfim. Esse é o tripé do desenvolvimento brasileiro.
Para completar, nós tivemos o período do Império, que vai da vinda da família real ao Brasil até 1889, com a Proclamação da República. Dois anos depois, nós tivemos a promulgação da primeira Constituição republicana, que excluiu os analfabetos do direito ao voto. Agora, vejam só porque essa sociedade é tão preconceituosa e tão elitista que tem dificuldade de entender a democracia: em 1891, 95% dos brasileiros eram analfabetos. Então, restaram 5%. Esses 5% foram os que organizaram a República. Eles atravessaram o século XX com uma hegemonia total sobre a sociedade brasileira. E, em alguns momentos em que a sociedade tentou modificar isso, foi esmagada pela armas, pelos golpes de Estado, pela repressão violenta. Os analfabetos passaram a votar em 1985, quase um século depois. Não eram cidadãos de direito porque não tinham direitos políticos. Então, essa é a sociedade que nós construímos.
A última ditadura durou 21 anos. Ela terminou sendo superada, mas as práticas da tortura, do desaparecimento de pessoas continuam aí, continuam fazendo parte do cotidiano da sociedade brasileira. Então, é essa sociedade que nós construímos e é por isso que estamos com uma pauta dessas, cortina de fumaça: redução de maioridade penal, cura gay, terceirização generalizada na sociedade, redução de direitos dos trabalhadores, enfim. Então, realmente precisamos de uma ampla mobilização para nos contrapor a isso.
Evidentemente, o Senado não vai compactuar com alma. Nós já sentimos que esta Legislatura que está aí, do ponto de vista do entendimento da sociedade brasileira, parece-me bem melhor do que a outra no Senado.
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Nós conseguimos aprovar, aqui, a Lei de Acesso à Biodiversidade e o código de patrimônio genético associado, com melhoria significativa daquilo que veio da Câmara. Hoje, a Câmara está voltando a pautar a lei de acesso lá, e sabe Deus o que vai acontecer, o que mostra que há uma diferença entre Senado e Câmara.
Há uma mobilização de um grupo de Senadores, com reuniões pautadas já para amanhã, para discutir e debater uma outra agenda de discussão para o País. Enfim, há a participação ativa da sociedade, que participa dos debates aqui dentro, das audiências públicas, pressiona. A política não pode deixar de estar submetida à pressão social, à pressão popular, porque, se foi a elite, esses 5%, que organizou o País no último século, eles organizaram para eles, tanto que eu vi, agora, esta semana, o Presidente da Fiesp, Paulo Skaf, no horário nobre de televisão, fazendo campanha das maravilhas da terceirização generalizada. Ou seja, as elites têm todo o direito de expor suas ideias, mas os trabalhadores não. É algo extremamente desigual. Como se pode ganhar deles? Não pode; não se ganha. Eles têm todos os meios pra sufocar qualquer embate minimamente igual.
Portanto, eu queria agradecer a todos. Nós temos ainda meia hora, e eu queria abrir para cinco questionamentos que venham aí da plateia. (Pausa.)
Olha: um, dois, três, lá atrás, quatro e cinco. Fechado.
Então, vamos começar por aqui.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Por favor, no microfone, porque nós precisamos registrar tudo.
O SR. FRANCISCO EMÍLIO - Meu nome é Francisco Emílio. Eu trabalho no gabinete do Senador João Capiberibe. O meu questionamento é por que incluíram o seguro-defeso nessa MP? O que que o seguro-defeso representa tanto para um ajuste fiscal? Eu não consigo entender essa questão da inclusão do seguro-defeso numa MP do ajuste fiscal. Se é para falar em ajuste fiscal, vamos taxar as grandes fortunas; há outros meios muito mais eficazes do que atingir os pescadores, e eu não falo nem em pescadores artesanais.
Eu nasci no Rio de Janeiro e me lembro, na Praça XV, dos pescadores. O governo, naquela época, construiu um entreposto de pesca, uma coisa gigantesca na Praça XV, e ali o pescado chegava e era distribuído. No Posto 6, em Copacabana - estou querendo, também, trazer a coisa para o lado urbano -, compra-se o peixe ali rapidinho. Em Mucuripe, no Ceará, a mesma coisa, assim como compra-se o peixe fresco em Rondonópolis, pescado nas margens do Rio Vermelho.
Então, o que eu me pergunto, toda hora, é isso: por que incluir o seguro-defeso, se o seguro-defeso não vai representar solução para o ajuste fiscal? Só isso.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vamos tratar de responder aqui na Mesa. Vamos colher todos os questionamentos e depois tentamos..., mas há perguntas até difíceis de responder. Essa eu acho que é uma pergunta...,mas, enfim, vamos tentar.
Eu quero que as pessoas usem o microfone, digam o nome alto e bom som, para que possamos registrar.
A SRª ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA - Meu nome é Rosimeire. Eu sou do Estado da Bahia, do Quilombo Rio dos Macacos. Eu sou pescadora, trabalhadora rural e quilombola, e sou uma das pessoas que é analfabeta. O senhor falou sobre analfabeto, e, então, tocou em questão da minha comunidade e outras que estão aqui. Muitas comunidades nem sabem o que é o seguro-defeso.
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Através do movimento pescador que a gente veio a saber, e aí faz esse trabalho de base, e muitas comunidades não têm a carteirinha da pesca. A gente está lutando para ter a nossa, porque a gente tem um rio, e esse rio foi cortado, e fizeram uma barragem; destruíram a metade das nossas vidas. E, quando a gente vai pescar nesse rio, a gente é espancado, e, na maioria das vezes, é tomada a nossa pesca. A gente vai para o mar; vai chegar um momento em que a gente não vai poder pescar no mar, por causa da carteira. E, se a gente tentar ir, a gente vai preso. Eu estou, enfim...
A nossa comunidade se reuniu e escreveu uma carta com a ajuda de amigos, e a gente tem essa carta para entregar ao senhor. E, nessa carta, está dizendo que a gente precisa de duas estradas dentro do nosso território. Por quê? Porque a Marinha de Guerra do Brasil, os militares colocaram a nossa comunidade como uma senzala. Então, assim, existe o tronco, a corrente, e os escravos, e a senzala, que somos nós, dentro do nosso território.
A gente é reconhecido pela Fundação Cultural Palmares, a gente tem um relatório do Incra, e esse relatório indica que a gente tinha mais de 900 hectares, e reduziu para 301. Desses 301 hectares, foram 104 no Diário Oficial. O Governo, em si, se reuniu e decidiu pela comunidade. Eles não respeitaram a Convenção nº 169, não consultaram a comunidade. Isso foi falado aqui, neste momento. A gente não teve consulta, e, assim, a gente não quer também que retirem esses 104 do Diário Oficial; a gente quer que coloquem o restante, porque a gente perdeu muito, a gente perdeu mais de 500 hectares. E, em volta do nosso território, exitem mais de 23 fábricas, destruindo o meio ambiente, e uma das nascentes foi destruída.
Então, assim: política pública, dentro do nosso território, não tem nenhuma. E já existiram várias mortes dentro do território por falta de socorro.
Aí eu tenho uma pergunta para fazer ao senhor também: existe uma lei - a Marinha de Guerra do Brasil está nisso representando o Governo Federal - que proíbe médico e educação dentro de território quilombola? Só pode ter médico e educação se tiver a titulação do território? Até agora, eu peço a um advogado ou outro, pessoa amiga do movimento, e nenhum me mostrou essa lei, porque não existe; não existe essa lei.
Então, teve idoso que já morreu lá dentro por causa da violência dos militares da Marinha. Eu fui espancada no dia 6 de janeiro de 2014. A gente ia para a nossa casa, na presença da minha...
O SR. FRANCISCO EMÍLIO - Logo depois de a Presidente Dilma ter passado um feriadão lá.
A SRª ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA - Isso. E aí... (Palmas.)
A Presidenta Dilma Rousseff, no momento em que ela vai para a base naval, é um momento em que a nossa comunidade é mais espancada. E aí a Presidenta Dilma sabe sobre as violências, o chefe de gabinete do Ministro da Defesa já esteve lá dentro do território, vários assessores da Dilma, diversas vezes, já estiveram lá, e aí viram toda a questão das violências. Em uma das violências, ele estava lá dentro, olhando, a questão da estrada, prometendo à comunidade que ia fazer a estrada, as duas estradas, e até hoje não saiu.
Eu fui espancada diante da comunidade inteira, só porque eu ia para a minha casa. Eu saí do território para matricular a minha filha. Foi na presença das minhas duas filhas: eu e meu irmão fomos espancados, amarrados com fio, jogados em cima da caminhonete, e levados para a base naval. Nisso, eles me humilharam. E isso a gente tem como provar em função de uma gravação deles mesmos.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vocês registraram queixa?
A SRª ROSEMEIRE DOS SANTOS SILVA - Com muita luta.
Eles botaram a minha cabeça entre a perna deles, e a outra sentou na minha parte, homem em cima de mim, e o outro, a minha cabeça entre as partes dele.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eram militares da Marinha?
A SRª ROSEMEIRE DOS SANTOS SILVA - Militares da Marinha.
Saiu em uma folha de jornal à tarde que membro da comunidade do Quilombo Rio do Macaco tentou tomar arma de militar. Em nenhum momento a gente tentou tomar arma de militar - em nenhum momento. A gente tentou ir para a nossa casa.
Isso não é a primeira violência. Houve várias violências contra a mulher, violências muito graves, estupros contra a mulher, e não só contra a mulher, mas até os homens. Um, eles botam um a usar o outro só porque estava na beirada do rio pescando.
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E, aí, a gente está pedindo ajuda ao senhor e a todos os Senadores da Casa, que a gente precisa da nossa estrada, a gente precisa da nossa libertação e de todas as políticas públicas. O que tem de pessoas na comunidade que nunca viram um vaso sanitário! A minha avó morreu com 113 anos e nunca viu um vaso sanitário! Um senhor morreu dentro da comunidade porque a esposa de um militar falou que iam derrubar a casa dele; aí, ele teve um AVC e morreu no hospital. Perdi dois irmãos por falta de socorro, porque os militares não deixaram o carro entrar para pegá-los lá dentro.
Então, é uma situação muito delicada!
Tem a fala da Presidenta Dilma Rousseff e tem a fala do chefe de gabinete do Ministro da Defesa, prometendo que vai fazer a estrada, mas até hoje não fizeram essa estrada. As casas, a qualquer momento, vão cair e vão matar as pessoas lá dentro.
A gente está pedindo também a titulação do nosso território de 301 hectares. Nesses 104 hectares, tiraram toda a área coletiva da comunidade e toda a área de pesca da comunidade dentro do território. Não existe área coletiva nesses 104 hectares. A gente também não quer que retirem do Diário Oficial - deixem lá -, mas existe política pública que pode trabalhar dentro desses 104.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Trouxe isso tudo escrito?
A SRª ROSEMEIRE DOS SANTOS SILVA - Sim.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Então, vocês nos entreguem a carta, que vou pedir à minha assessoria para preparar um requerimento de audiência pública. Vamos convidar o Comandante da Marinha, representantes da comunidade, o Ministério Público Federal e outras pessoas para trazer para cá, para a Comissão de Direitos Humanos, porque é aqui o lugar dessa discussão. Fiquem certos disso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Vocês chegaram ao lugar certo. Pelo menos, vamos dar visibilidade ao seu caso e tomar todas as providências possíveis para buscar uma solução. Tenho convicção de que o Comando da Marinha vai sentar e vamos poder estabelecer uma negociação favorável à comunidade, pelo sofrimento todo que vocês já passaram.
A SRª ROSEMEIRE DOS SANTOS SILVA - E a gente está ameaçado de morte.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Pois, então, daqui para frente, acho muito difícil acontecer qualquer coisa com vocês, porque, se acontecer, a gente já sabe de onde partiu. Você está sendo transmitida ao vivo pela TV Senado, pela Rádio Senado. Então, sua voz não está mais sufocada dentro da sua comunidade; está para o Brasil todo ouvir. (Palmas.)
Vamos ouvir o próximo. Seu nome.
O SR. ROBSON MARQUES - Boa tarde. Meu nome é Robson Marques. Sou da comunidade remanescente quilombola e de pescadores de Graciosa. Muito agradecido a Deus por este momento de estarmos aqui expressando a verdade que vem acontecendo nas nossas comunidades.
Aproveitando o ensejo, comunico a vocês que a nossa comunidade, há muitos anos, vem sofrendo, nessa área da pesca, por causa de empresários que vêm colocando cultivos de tilápia, ostras. Hoje, temos um local chamado Praia do Amor, que é da nossa comunidade, onde foram construídas poitas de mais de 1.750kg, impossibilitando que nossos filhos e os moradores tomem um banho que seja. É a nossa única área de lazer. A gente vem sofrendo com os empresários loteando áreas dentro da marinha e da área quilombola.
No dia 8 de abril, tomamos a decisão de entrar nessa área, impossibilitando que eles vendam mais um lote que seja. Até a passagem da gente para o mangue, até a passagem da gente para essa praia foi fechada por eles. A comunidade está sofrendo muitas ameaças contra os nossos filhos. Estou aqui botando a cara a tapa, mas com medo e receio de sermos mortos até por esses empresários.
Essas áreas em que entramos têm cinco galpões, que foram construídos, pelas nossas pesquisas, com dinheiro público, juntamente com a Bahia Pesca, que teve as construções dessas coisas lá, por um senhor de nome Alberto, cujo sobrenome não sabemos.
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E vimos sofrendo esse tempo todo. E estamos aqui para pedir socorro a vocês.
Também temos a comunidade de Batateiras, que está sofrendo muito. Eu acho que vocês já ouviram - tiveram audiência pública - que deram tiros em pessoas, agrediram mulheres, o pessoal do antigo Prefeito de Cairu, na Bahia.
Hoje, estão construindo oito tanques para criatório de peixes e camarões. Com ordem quem? Ministério da Pesca? Foi o Ministério da Pesca que abriu essa exceção para eles construírem isso? Tratores, tudo, eles estão aqui... Nós estamos com algumas fotos, algumas coisas para entregar a quem quer que seja.
Nós estamos aqui pedindo socorro, gente, não só no sentido da gente que está sofrendo essas ameças, mas o povo da Bahia, do Brasil, está sofrendo, mas sofrendo muito em ver, muitas vezes, o Planalto, o povo que a gente colocou aqui, os Deputados, os Senadores, os nossos Presidentes para trazer uma melhora ao nosso povo... E é vergonhoso. Eu quero que outros me desculpem, mas é vergonhoso votarmos em vocês, e vocês fazerem isso com a gente, matando nossos filhos, tirando o direito nosso de ir e vir.
Eu só peço uma coisa a vocês: esqueçam, ajam com o coração, para amar realmente o povo brasileiro, pois nós estamos sofrendo por decisões precipitadas que vocês vêm tomando.
Eu estava conversando hoje. Se vocês forem analisar, em cada projeto que vocês assinam, tem uma pequena falha no meio. E sabem para que serve essa pequena falha que muitos de vocês deixam? Para, com um ano, com dois anos, com dez anos, poderem mudar essa situação. Só que o povo brasileiro está acordando. Pelo amor de Deus, deem uma oportunidade ao povo brasileiro de ser brasileiro. Pelo amor de Deus, eu estou implorando a vocês: olhem para a gente com um pouquinho mais de dignidade. Nós somos seres humanos.
Quem de vocês, quando era pequeno, que o papai de vocês ou o avô não chamou para ir pescar? E agora eu digo: não somente nós que somos pescadores, não; todos nós, brasileiros, Senadores, ricos, pobres. Vamos reconhecer o direito, esquecer esse negócio de classe. Nós somos simplesmente brasileiros, homens e mulheres lutadores.
Vamos dizer "não" à corrupção, vamos dizer "não" às coisas ilícitas e vamos dizer "sim" à Nação brasileira.
Era isso que eu tinha para dizer a vocês. E me desculpem as lágrimas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Vamos agora... É uma mulher e um homem.
A SRª MARTILENE RODRIGUES - Boa tarde a todas e a todos.
Meu nome é Martilene. Sou militante do movimento dos pescadores. Sou lá do Ceará.
Eu só queria, assim, explanar um pouco sobre o porquê - a gente sempre vem debatendo isto, a Roseli até falou e falou, porque a gente vem debatendo mesmo - de as leis serem feitas entre quatro paredes, sem consultar, sem conhecer a nossa realidade. A realidade do pescador é totalmente diferente das leis que são impostas para nós.
Uma coisa que a gente tem muito, assim... O trabalho das mulheres é invisível. A gente queria até que o Governo fizesse uma estatística, com o levantamento da produção dessas mulheres, pois isso é invisível. A nossa própria produção, a produção daquele pescado que não é exportado é invisível. Nós temos exemplos. Somos nós que garantimos a seguridade alimentar das nossas comunidades com essa produção, que é invisível. Eu sempre venho trazendo esse exemplo.
Na minha comunidade, por exemplo, em 2004, quando a pesca da lagosta estava mais ou menos boa, mais ou menos 90 embarcações à vela produziram 15,5 t de lagosta, e essas 15,5 t de lagosta ficaram invisíveis, porque, para o Governo, quem produziu foi a empresa, porque foi a empresa que comprou do pescador e exportou.
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Então, o Governo vem dizendo que nós não produzimos e que a tábua de salvação é a aquicultura. A defesa é a aquicultura. Eles vêm pondo a aquicultura nos nossos territórios, dizendo que lá não é ocupado. Eles a estão colocando injustamente onde estão os pescadores.
Nós temos a eólica nas nossas comunidades, tomando nossos territórios, tomando nossas dunas. A gente está perdendo nossos caminhos de ir e vir para a nossa pesca, porque a eólica chega e se diz dona. Chegam os donos. Nossos avós e bisavós são centenários naquela comunidade, mas chega uma pessoa dizendo que é a dona e impõe ali a eólica, a carcinicultura.
A carcinicultura é uma atividade da aquicultura que vem devastando nossos mangues, que vem deixando as mulheres sem seus trabalhos, que vem acabando com nosso meio ambiente, com nossa preservação, com nossos mariscos, com nossos caranguejos. É uma atividade que, quando é despescada, a água envenenada vai para os nossos rios, atinge nosso lençol freático. Há uma prova lá. Podem ir lá ao Cumbe, em Aracati. A água era potável, a que abastecia a cidade de Aracati. Hoje, é tratada. Você toma um copo de água hoje e vê que é puro cloro, porque é tratada, por causa dessa atividade de carcinicultura.
Então, para fazer isso, tem de se ver a realidade. Só para vocês verem, nossas pequenas embarcações vão para o mar e trazem aquele pescado, que não é vendido para fora, não é exportado, não, como o Governo quer. O olho do Governo só é voltado para a economia, para a exportação. E a gente não tem retorno, como uma saúde de qualidade. A gente não tem esse retorno e deveria ter. Precisamos de educação de qualidade, mas não temos esse retorno. E ainda querem tirar o pouco que nós temos, a nossa dignidade, o nosso trabalho, a nossa identidade.
Nós não admitimos que o Governo imponha a nossa identidade. Só quem pôde nos identificar foram nossos pais quando nós nascemos, porque nós éramos bebês e não tínhamos como decidir qual seria nosso nome. Só eles! Agora, não! Se eu sou pescadora, se exerço alguma função na pesca, eu quero ser pescadora; não quero ser trabalhadora de apoio à pesca, porque vivo daquilo. Então, eu não admito... Nós mulheres, nós, pescadores e pescadoras artesanais, não admitimos que o Governo queira dar uma identidade para nós, porque nós já a temos. Nós não admitimos isso. Nós não estamos aqui pedindo que se refaça isso, não. A gente está pedindo que retirem isso, porque nossa identidade é de pescador e de pescadora artesanal. Então, é isso.
É preciso conhecer a realidade, para poder fazer essas leis que estão aí. Quem fez essa lei não conhece a realidade do pescador. Se vocês forem ao Rio Grande do Norte, vocês vão ver a produção, as embarcações das mulheres com toneladas de marisco, quando elas chegam. Disso ninguém sabe! Se vocês forem às nossas praias do Ceará, da Bahia, seja onde for, vocês vão ver as embarcações, todo dia, chegando com peixe, e aquele peixe é vendido na comunidade, é distribuído. A gente faz escambo, a gente faz trocas, a gente dá para um vizinho que não foi para o mar, a gente dá para um vizinho que está doente. Então, com tudo isso, a gente garante a seguridade alimentar e garante o programa Fome Zero, do Governo, que há muito tempo foi feito. A gente garante isso.
Mas isso não é visto pelo Governo. O que é visto pelo Governo só é o econômico. O Governo passa como um rolo compressor em cima de nós, acabando com nossa cultura e com nossa identidade, acabando com tudo que ainda nos resta e destruindo nosso meio ambiente. E o futuro disso tudo vai ser muito dinheiro no bolso, sem ter o que beber. Não haverá água para beber nem comida para comprar; só dinheiro no bolso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Concedo a palavra ao cidadão de chapéu.
O SR. EDSON DA CONCEIÇÃO FALCÃO - Boa tarde, companheiros e companheiras!
Meu nome é Edson da Conceição Falcão. Sou de Santiago do Iguape, distrito de Cachoeira, no Recôncavo Baiano.
Companheiras e companheiros, a gente vê que, no nosso Recôncavo, a cada dia que passa, a miséria ronda mais. Companheiros, não sei o que leva esses políticos do nosso País a fazerem de tudo, a cada dia que passa, para diminuir e machucar os pescadores, as pescadoras e os quilombolas.
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Companheiros, essa tal de Votorantim, que apareceu, é a maior inimiga do pescador do Recôncavo Baiano. Há uma tal de Mastrotto, que é outra miséria que apareceu. Há uma fábrica de papel que é outra miséria também. E o pior: de uma hora para outra, os Srs. Deputados e Senadores aprovaram uma peste de um estaleiro naval contra o qual nós, pescadores e pescadoras, tanto lutamos. Mas foi implantado lá, da noite para o dia, companheiros. Tiveram de fazer até uma poligonal, que é uma coisa tão difícil. Mudaram de um lado para o outro.
Desgraçaram com a vida dos companheiros de São Francisco, com a vida do pessoal de São Roque do Paraguaçu, de Enseadas, de Santiago do Iguape, de Maragogipe, de Anagé, de Coqueiro, do Recôncavo Baiano todo.
Agora, para desgraçar mais ainda, uma plantação de eucaliptos. O companheiro aqui é de um lugar chamado Guaí. Em São Roque, lá pra cima, eles plantam e jogam um pacotinho deste tamanho, um veneno, e aquele veneno escorre para a água.
Ainda há a pedreiras, para desgraçar mais ainda! Racham a casa. Não se pode denunciar, porque é ameaça de morte. Está aqui uma companheira. Tivemos de nos unir, companheiros e companheiras do Recôncavo, para dar apoio a ela, porque ela estava ameaçada de morte.
Vocês já pensaram como a gente sofre? Tudo que é miséria só acontece em cima dos pescadores, companheiros! Analisem, vamos olhar por aqui. Se esta aqui fosse uma reunião para empresários para implantar a história de tilápias, de peixes, como não estaria isso aqui, para apoiar os empresários? Mas somos nós, pescadores. Vejam como é que está: alguns, bem poucos.
Agora, vocês devem saber de uma coisa: estamos organizados. De cada comunidade, há um representante aqui. Todos estão lá. Quando chegarmos, vamos nos reunir para passar tudo o que aconteceu aqui.
Não é possível! Dois meses que vamos receber de defeso, e essa polêmica toda, meu Deus! A gente, que mora em Santiago do Iguape, vai ter que dar entrada lá em Cachoeira e pagar R$15,00 só do transporte. Vai para Santo Antônio de Jesus. Paga R$15,00 só de transporte. Acorda às 5h da manhã para ir para lá dar entrada.
Pelo amor de Deus! Que mal nós, pescadores, fizemos a esta Nação? Será que nós não podemos viver bem? Porque vamos buscar nosso pescado, nossa vida no mar, no supermercado de Deus, nós vivemos bem. Nós queremos viver bem. Pelo amor de Deus, nos deixem viver! Nós, pescadores e pescadoras, pedimos: nos deixem viver!
O pessoal da Estaleiro Naval, principalmente, chega às comunidades e pega alguns líderes que não têm juízo, que não têm cabeça. Eles sacam, ficham, dando um salário, um salário e pouco.
Aquele companheiro ali, quando a gente se reúne, é a maior polêmica, porque a gente é contra o Estaleiro. É evidente!
O que vimos de milhões e milhões de mangues desaparecerem! Não sei quantos milhões de pés de piaçava desaparecerem! Não sei quantos milhões e milhões de pés de cajá desaparecerem!
A gente vai ficar satisfeito? A gente tem de ser reunir para ser contra, porque aquilo é a nossa sobrevivência.
Agora mesmo, há uma coceira lá que dura seis anos, companheiros! Vocês aqui já ouviram falar de uma coceira que apareceu lá? De seis a nove anos. Já houve denúncias e denúncias e denúncias. Ninguém chega lá para fazer uma reunião com os pescadores do Recôncavo - não só em Santiago do Iguape - para nos passar de onde vem, o que causa essa coceira.
Gravem bem: há a dona Votorantim, a dona Estaleiro Naval, a dona Mastrotto, que é uma fábrica de beneficiamento de couro, e há uma fábrica de papel, no Tororó, em Cachoeira. Em Santo Amaro também, em Acupe. Todo o Recôncavo está sofrendo. Será que vai precisar a gente se unir e, de martelo e marreta, quebrar e derrubar uma fábrica daquela, companheiro? (Palmas.)
É isso que estão querendo? Se é isso que estão querendo, vamos nos organizar e vamos fazer.
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Vamos para cima, porque, do jeito que está, já não estamos aguentando.
Agora, querer tirar as pescadoras de receber essa.... Quando eu saio de madrugada para pescar, a minha mulher já fez café, já está a minha roupa lá para eu vestir, já está o cofo para eu levar... Quando chego da pescaria, eu deixo lá o cofo. Ela vai beneficiar o marisco, vai ferventar, vai secar. Eu vou sair. Enquanto o rango está no fogo, eu saio para tomar uma cachacinha, porque ninguém é de ferro. E aí, quando chego, ela bota a minha comida, eu como, mas está lá ela secando o camarão, tratando o peixe, catando o siri.
Então, meu Deus, será que o mesmo direito que eu tenho ela não tem? Eu acho que ela tem até mais direito do que eu. (Palmas.)
Então, pelo amor de Deus! Deixe nossa criatura, deixe nossas mulheres viverem em paz.
O senhor falou da escravidão, que a escravidão acabou. Eu ainda me considero um escravo, porque não posso viver como tenho vontade, como eu quero. Então ,eu me considero ainda, companheiros e companheiras, um escravo.
É lamentável. Eu queria, quem sabe um dia, dizer assim: "Não, graças a Deus, hoje eu sou um homem independente". Mas não. Quem sabe um dia? Eu estou com 61 anos. Vou fazer para o mês. Estou vendo a hora de não ter essa liberdade. Se é na roça, a gente vai para a roça, ameaças. Se a gente vai pescar, ameaças. Não sei, meu Jesus Cristo! Não sei como é que a gente vive! É lamentável.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Vou já lhe passar a palavra.
No final, vou contar-lhes uma história para fechar esta audiência pública daqui a pouco.
Com a palavra.
O SR. JOSÉ ROSALVO DE SOUZA - Boa noite a todos e a todas.
Eu sou José Rosalvo de Souza. Também sou da comunidade Quilombo Rio dos Macacos, Simões Filho, Bahia.
Senador, é o seguinte: conforme o documento que Rosimeire falou para o senhor que tinha para entregar, e o senhor falou que ia chamar o comandante da Marinha e a comunidade, que esta Casa está de portas abertas para conversar dessas coisas aqui, eu lhe agradeço pela oportunidade também, por ter aberto essas portas, para que todos nós estejamos aqui agora, falando das nossas temáticas e das nossas comunidades.
Mas quero dizer ao senhor e a todos que estão aqui que, na minha forma de pensar e de entender, a maior comandante da Marinha do Brasil é a Presidenta Dilma e o Sr. Ministro Jaques Wagner. Por que eu digo isso? A Marinha tem vários comandantes, mas a comandante maior da Marinha é ela e, segundo, o Ministro da Defesa, que hoje é o Sr. Jaques Wagner.
Eu quero dizer o quê?
Quando o senhor chamar realmente o comandante da Marinha, obviamente quem eu considero como a maior comandante, que é a Presidente, não vai vir. Mas que o senhor chamasse o Sr. Ministro Jaques Wagner, porque, quando estava acontecendo - e ainda podem acontecer mais coisas dentro da comunidade Quilombo Rio dos Macacos -, mas pelo menos quando Rosimeire sofreu violência com o irmão dela, lá na portaria geral da Vila Naval, que é supostamente dentro da própria comunidade, o Sr. Jaques Wagner ainda era Governador da Bahia. Não é coisa de hoje. É coisa de muitos anos que vem acontecendo, principalmente no governo dele.
Já tivemos reuniões com ele, ainda como Governador lá na Bahia, através da Sepromi, Sepir, Fundação Cultural Palmares...
Está aí a Drª Deborah Duprat, que fez visitas dentro da comunidade, para ver a total realidade, como a comunidade vive. Reuniões com a Drª Deborah Duprat duas vezes no Ministério Público da Bahia, fora as outras vezes no próprio Ministério Público Federal.
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Isso não permite a gente falar algo aqui que não seja verdade. Então, ele, como Ministro hoje, que foi governador, que venha a esta Mesa ter esta conversa com a gente.
É isso que eu queria falar e agradeço a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Obrigado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Mas tem que se sentar e usar o microfone, porque...
Eu queria pedir à Rosimeire, logo depois que ela falar, que nos entregasse o documento.
A SRª JOSELITA GONÇALVES DOS SANTOS - Meu nome é Joselita. Sou de São Francisco do Conde, Bahia.
A Prefeita Rilza, a negra - vocês a conheceram -, faleceu, e hoje o Prefeito é o Dr. Evandro Almeida. E, desde 2009, estamos sendo perseguidos nessa comunidade. É um braço de mar onde vivemos da pesca. Vinte e duas famílias foram retiradas da nossa comunidade, dentro de uma fazenda do Falcão.
E quero dizer hoje ao senhor que estamos assim, perto de perder, sair da comunidade, porque já tivemos cinco derrubadas de casas. Agora, existe uma construção do Governo do Estado junto com o prefeito da comunidade - fazendeiros de São Francisco do Conde. Estão tirando a gente dessa comunidade e fazendo uma pista de automobilismo, onde nós tiramos o nosso sustento.
A última coisa que tiraram foi nossa luz. Tiraram nossa água; estamos de gato. Tiraram a assistência da agente de saúde. Nesta semana, ela veio com a desculpa que estava de férias, mas já há bastante tempo que não vai à comunidade. Acho que é de ouvir o comentário da gente. Nossas casas são de sopapo e estão caindo. Eu estou construindo uma de bloco, na ousadia mesmo, e não sei o que vai acontecer com a gente.
Nesta semana, pegaram um carro da Marinha - temos a placa dele, gravamos tudo - para dizer que a gente não podia construir casa nesse lugar. É uma tira, é uma tira, não é nem uma coisa larga. Nós não temos nem 500m de... Então, estamos sendo assim perseguidos.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª JOSELITA GONÇALVES DOS SANTOS - É Quilombo D. João.
Recebemos nossa certidão quilombola, eles entraram na Justiça. Estou pedindo a vocês também, pedindo ao juiz que fez a audiência do Rio dos Macacos. Fizeram isso com o Rio dos Macacos, e é o mesmo juiz da gente. Esse Reimão está acabando com a nossa vida. Temos audiência... Ele quer dizer que eu não sou quilombola. Sou, sim, porque minha mãe morreu com 90 anos. Eu tenho uma tia com 97 anos dentro de São Francisco do Conde. Meu tio foi funcionário de dentro da comunidade, funcionário de dentro da prefeitura, e eles estão dizendo que a gente não é de lá.
Então, quero dizer a vocês que, pelo amor de Deus, vão com urgência fazer uma visita lá. A Drª Deborah esteve lá visitando a gente dentro da comunidade. Ela viu nossa luta. Na comunidade onde a gente mora, as casas estão caindo. Eu não sei, nesse inverno, onde eu vou ficar. Eu vou ficar debaixo da lona, mas da comunidade eu não saio.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Mas é reconhecida como comunidade quilombola?
A SRª JOSELITA GONÇALVES DOS SANTOS - É reconhecida como comunidade quilombola. E estão querendo agora tirar nossa certidão quilombola. O Juiz Reimão tirar... Suspenderam nossa coisa com o Incra.
Estou nervosa um pouquinho, doutor.
Eu quero ver se o senhor manda chamar esse povo para resolver. Na comunidade, não temos assim... Cada vez que chega Dia das Mães, Dia dos Pais, Natal, eles vão lá e derrubam nossas casas.
Eles deram uma casa muito distante para os pescadores. Uns estão lá indo pescar. A gente guarda as canoas deles.
Então, eu peço que vocês deem um empurrãozinho para ver como resolvem a nossa vida. Ele quer dizer que eu sou invasora. Eu não sou invasora. Dentro da cidade, existe tanto invasor, esses negros que estão vindo de outro país lá para dentro, e ele quer dizer que nós... Meu pai, minha mãe, nascida e criada lá.
Sabe o que aconteceu, há mais ou menos dois anos, com o meu marido? Do fazendeiro de onde ele trabalhava, nascido e criado dentro da fazenda Engenho D'Água, que é uma das maiores fazendas dentro de São Francisco do Conde, meu marido tomou dois tiros. Pelo menos, ele fez um drible lá e conseguiu se livrar desse tiro. Estava na Justiça, e nós nunca tivemos uma audiência. E essas coisas ficam impunes.
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Hoje, estou aqui porque estou chateada com uma coisa dessas. Não achamos uma Justiça que cuide da gente. Voto em Deputado, Vereador... Dos Vereadores de São Francisco do Conde, nenhum chega na comunidade da gente para saber; nenhum chega para saber nada da gente. Tiraram tudo da gente, tiraram a assistência médica, tiraram tudo. Dentro da comunidade havia assistência médica, o posto médico que vinha. Tiraram tudo os fazendeiros.
Agora, pedimos para ligar uma água, umas coisas para o pessoal, eles disseram que quem mandava em São Francisco do Conde era o fazendeiro, que tinha de dar autorização para ligar a água.
E a pista do autódromo está lá - vai ser inaugurada agora, dia 2, ou dia 3, ou dia 4.
Quero pedir ao senhor... Não estou pedindo pela nossa moradia. Quero o nosso território para a gente pescar. Sobrevivo ali da pesca, do guaiamum, do caranguejo, do sururu, da ostra; de tudo, a gente tem um pouco lá dentro, pegamos fruta no mato. Não vou sair daquela comunidade, pode ter certeza. Vocês vão saber que Joselita e o marido dela, Zé do Guaiamum, vão morrer ali, lutando ali dentro.
Muito obrigada, doutor. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
(Manifestação da plateia.)
A SRª ROSEMEIRE DOS SANTOS SILVA (Fora do microfone.) - Meu nome é Rosemeire. Estou aqui com uma carta das crianças e adolescentes...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Esquecemos o microfone, mas ela está me entregando. Eu queria que você repetisse para poder gravar.
A SRª ROSEMEIRE DOS SANTOS SILVA - As crianças e adolescentes do Quilombo Rio dos Macacos escreveram uma carta falando sobre algumas violências dentro e fora do território. Estou passando para o senhor.
Trago a carta de que eu falei, com algumas violências que houve dentro do território e estão acontecendo até hoje. A gente se reuniu: coordenador da associação, fiscal e membro também da comunidade. Aí, pedimos ajuda e escreveram esta carta, porque somos analfabetos - não sabemos ler e não sabemos escrever. Não tenho vergonha de dizer. Quem tem que ter vergonha é o Governo do Estado e o Governo Federal.
Há uma nota também do Ministro da Defesa. Logo depois que eu fui agredida, no dia 6 de janeiro, ele soltou uma nota falando que ia fazer a estrada, sem a deferência da Marinha - a Marinha não ia estar no meio. Até hoje, não saiu essa estrada. O Silas, que é o assessor da Presidente Dilma, garantiu dentro da comunidade que ela falou que era para fazer a estrada; botaram o Exército na frente para fazer estrada, mas até hoje não saiu estrada nenhuma, e o nosso povo está lá sofrendo. Não é só o Quilombo Rio dos Macacos, como o Alto do Tororó também. Retiraram a área coletiva da comunidade, e só há as casas.
Como a colega falou ali sobre o juiz, o juiz não ouviu a comunidade, o Sr. Evandro Reimão dos Reis. Eu tive oportunidade de conversar com ele, que disse: "Ó, Rosemeire, aí nessa cadeira em que você está sentada morreu um senhor de idade, e não foi por isso que eu não derrubei a casa dele". Então, é esse o juiz que a gente tem no Estado da Bahia. Ele não escutou, em nenhum momento, durante a audiência, a comunidade. Mas a Marinha, o comandante da Base Naval, pode despachar diretamente para ele sem advogado. Não é?
A SRª MARIA JOSÉ HONORATO PACHECO - Senador, só um minuto. A gente queria também entregar para o senhor um vídeo que um pouco retrata a situação de violência, de violação que as comunidades vivem no Brasil.
A gente queria aproveitar para dizer para o senhor, porque o caso do Rio dos Macacos tem de ser específico, que nossa proposta é de que se faça uma audiência pública específica;, que se chame o Ministério do Planejamento, do Meio Ambiente, da Pesca, de Direitos Humanos, para que se pense um pouco sobre o que esse modelo que se tem feito com as comunidades. Eu sugiro ao senhor que a gente organize essa audiência pública.
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(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem.
Eu vou franquear a palavra aos componentes da Mesa.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Pois não.
O SR. CARLOS DE ASSIS - Boa tarde a todos e a todas. Meu nome é Carlos de Assis. Sou lá de Acupe, de Santo Amaro da Purificação. Lá em Santo Amaro, também, há muitos problemas. Nós temos a fábrica de papel que anda acabando com tudo lá.
Temos, também, plantações de eucalipto, lá em São Braz, que, também está lá arrasando com a comunidade. Inclusive, a comunidade não tem nem condições, porque é uma área pesqueira, praticamente, de fazer uma casa. Que além dos bambus, os eucaliptos agora estão acabando com toda aquela área.
Lá, em Acupe, também, um empresário que é da Argentina, chegou lá, cercou uma área de pesca nossa, de onde a gente tira o nosso sustento. Aos domingos, o pessoal ia para lá para o seu lazer, com sua família. Cercaram lá três ilhotas, entendeu?
O primeiro ilhote é o Ilhote do Nordeste; o segundo, o Ilhote do Coqueiro e, em terceiro, a Coroa Branca. Não sei se os Srs.Deputados que estão aqui ouviram falar do que está acontecendo lá em Acupe, que cercou a Coroa Branca, uma área onde a gente pesca.
Cercaram, muraram e agora eles estão cavando a Coroa e enchendo, para poder construir não sei o que em cima. Então, é uma área que está prejudicando, justamente, toda a comunidade. E, cada vez mais, está piorando a nossa situação.
E é preciso que tomem uma providência, porque já foi denunciado ao Ministério Público, e não sei o que aconteceu, mas não teve força para intervir. Eles voltaram, de novo, e estão acabando com tudo. E quando a gente vai para pescar, eles, praticamente, dizem que aquilo ali é deles.
Como é que pode, uma área que é quilombola - a gente tem a certidão quilombola -, uma área de pesca, a gente pesca em toda a área ali, o pessoal tira os seus mariscos, e eles chegam e fazem uma cavação dessa? Precisa ser tomada uma providência, porque eles estão passando por cima da lei. Que Brasil é esse em que a gente vive, que o pessoal vem do estrangeiro, passa por cima das leis e acaba com tudo nosso?
Será que no nosso Brasil não existe lei para proibir isso? Eu acho que tem que ter mais força, rigor para poder acabar com esses caras que vêm de lá para cá para destruir as áreas pesqueiras e quilombolas.
Muito obrigado a vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem.
Eu acho que são tantos os conflitos e os problemas, que nós vamos ter que estudar como nós vamos desdobrar isso em audiências públicas.
Eu vou abrir...
O SR. FRANCISCO EMÍLIO - Eu vou sugerir o seguinte, como se pode ver aqui, esse problema quilombola, infelizmente, está localizado na Bahia. A maioria.
Ali é Bahia.
Bahia.
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Bahia.
Mas está no Brasil todo, na verdade.
Eu vou franquear a palavra... vou começar aqui pela Roseli.
Vamos lá, Roseli.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Claro.
Quase que você passa batendo pandeiro, aí.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Não, não. Tem que gravar.
O SR. DEMERVALDO DOS SANTOS - É que eu quero dizer a todos vocês, das mesas que estão aí, fazer o favor de quando eu comparecer aqui, com esse pandeiro, eu não ser barrado nessa portaria.
(Manifestação da plateia.)
O SR. DEMERVALDO DOS SANTOS - Isso aqui se chama: nossa cultura. Eles não conhecem o que é isso; quem conhece somos nós. Dar uma lição de moral a eles e dizer que quando chegar aqui, com essa pandeiro com essa sacola: "Não mexa com ele, porque isso é da nossa cultura." (Palmas.)
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(Manifestação da plateia.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Agora é um pandeiro, que é um instrumento popular. Criar dificuldade para deixar alguém entrar com um pandeiro no Senado! Vocês não têm ideia do que aconteceu na semana passada. Não têm a menor ideia do que aconteceu na semana passada! Na semana passada, nós fizemos aqui uma... É aquilo que eu falei para vocês, ou seja, esta é uma Casa preconceituosa, a Casa das elites políticas. Eu vou falar outra coisa para vocês: os Senadores que estão aqui, os Deputados que estão lá no Parlamento não foram eleitos pelos marcianos, não. Foram eleitos pelos brasileiros, não é? Eu acho que isso é uma coisa que não dá para eu deixar de falar para vocês.
Os indígenas, na semana passada, para entrarem aqui - eles trouxeram os maracás - foi uma luta com a Polícia do Senado. Mas eles diziam o seguinte: "No maracá, eles colocam punhal". Imaginem! Eu disse:"Olha, vocês querem saber de uma coisa? Os povos indígenas são civilizadíssimos. Eles nunca chegaram aqui com uma borduna para bater em ninguém. Eles nunca chegaram aqui com arco e flecha ´para flechar ninguém, muito menos para jogar spray de pimenta no olho de ninguém". Eles, sim, levam levam o spray de pimenta quando vêm para suas manifestações. Então, é um povo civilizado, um povo educado, um povo com cultura. A mesma coisa é o povo quilombola. Manifestação cultural é do que mais a gente precisa aqui dentro do Senado.
Muito bem, eu abro a palavra, e começo com a Roseli Zerbinato, que representa o Conape.
A SRª ROSELI ZERBINATO - Só quero agradecer a oportunidade de ter feito parte desta Mesa. Nós, do Ministério da Pesca, estivemos presentes também por intermédio de outras pessoas também. Nosso consultor jurídico está aqui; a chefe de gabinete do Ministro também esteve. Nós, com certeza, voltamos lá para o Ministério com uma reflexão mais aprofundada e mais embasados para conseguirmos fazer essa discussão interna no Ministério e no Governo, para que realmente nós consigamos avançar.
Então, estamos aí à disposição. Quando quiserem, apareçam lá.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem!
Concedo a palavra ao Sr. Valci Santos.
O SR. VALCI SANTOS - Bom, eu gostaria de agradecer também o convite para participar desta audiência pública tanto ao Senador João Capiberibe, como aos componentes da Mesa e aos movimentos de pescadores e pescadoras.
Eu torço para que esse movimento alcance os seus objetivos, não só no sentido de tentar defender o que já existe do seguro-defeso, mas que, na verdade, ele seja uma política que consiga avançar. Nos debates que ocorreram e que estão ocorrendo aqui, na verdade, vocês relataram também todos os conflitos existentes. Eu acho que aqui, nesta reunião, foram impressionantes esses depoimentos envolvendo, sobretudo, os conflitos com as comunidades quilombolas. A gente sabe que esses conflitos existem dentro das comunidades pesqueiras de maneira geral, nas comunidades ribeirinhas lá da Amazônia, nas comunidades de pescadores na costa do Ceará, do Nordeste. Eu acho que no Rio Grande do Sul e no Sul talvez haja outros tipos de conflitos. Mas, enfim, essa gestão de recursos pesqueiros envolve uma série de enlaces, de conflitos dentro da própria pesca e dentro de outros agentes, como foi colocado aqui, com industriais e com fazendeiros, por exemplo.
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Então, eu acho que a regulação de recursos pesqueiros está na ordem de recursos naturais, de maneira geral; está na ordem do dia.
(Soa a campainha.)
O SR. VALCI SANTOS - Acho que o nosso grande desafio é fazer com que, na verdade, por exemplo, as comunidades que vivem da pesca e que não vivem só da pesca, porque acho que pesca artesanal, na verdade, faz parte de uma condição também de sobrevivência... Por exemplo, na Amazônia, é claro que não existe só o pescador artesanal, não é? O produtor ribeirinho exerce outras atividades de criação, extrativista, agroextrativista...
Enfim, mas eu espero que, na verdade, a política ambiental e a política de gestão de recursos naturais avancem no sentido de que aqueles que produzem e que dependem desses recursos sejam também gestores ou façam parte da gestão desses recursos também.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Concedo a palavra ao Sr. Uelton Fernandes.
O SR. UELTON FERNANDES - Inicialmente, eu gostaria de agradecer o convite à Comissão, ao Senador Capiberibe, ao Senador Paim, que é o Presidente, para, mais uma vez aqui, oportunamente, eu poder conversar com os companheiros sobre temas que nos são muito caros.
É importante que a gente saia daqui com o seguinte: o jogo está sendo jogado. Então, há uma reunião marcada para esta semana, na Comissão Especial, para votar o relatório da PEC nº 615. Então, se os companheiros não se mantiverem mobilizados e acharem que o tema se esgota aqui nesta audiência, a gente pode sofrer derrotas que nos vão dar muita dor de cabeça para reverter.
Então, a pressão sobre os Parlamentares, a minha sugestão - se usar a palavra correta -é de que é necessário pressionar os Parlamentares para que retrocedam em relação...; que modifiquem essa medida provisória, minimamente, para garantir aquilo que os companheiros levantaram aqui.
Vamos acabar com esta história de transformar seguro-defeso em um benefício previdenciário - isso para mim é uma questão de honra. Se não mudar isso, nós vamos ter problemas graves, não é? E a questão que as companheiras levantaram aqui, que permanecia no texto do Relator ainda a não extensão para as atividades, digamos assim, das mulheres.
Não sei se ele modificou ou não essa posição, mas estou salientando isso aqui, porque apareceu muito forte com a presença dos companheiros, no texto que estava divulgado oficialmente no relatório: as mulheres ficariam de fora do seguro-defeso; continuariam de fora, porque se mantinha esse aspecto da medida provisória.
Então, no mais é isso, companheiros. Eu acho que, como vocês estão aqui, têm de ficar atentos. Se estiverem aqui durante a semana, têm de manter a marcação cerrada. O jogo está indo para os seus minutos finais de votação na Comissão Especial e, depois disso, é plenário da Câmara.
Então, digamos assim, não é nem um convite, não é nem um aviso; é quase um apelo para os companheiros, porque a única força que pode, realmente, modificar a conjuntura da medida provisória, do texto que está aí, são os próprios companheiros que estão aí neste plenário. Não é ninguém que está aqui nesta Mesa não.
E, no mais, boa sorte! Estamos juntos na luta aí para o que der e vier. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito bem.
Passo a palavra à Srª Deborah Duprat.
A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Bom, eu vou me comprometer com vocês. em nome da 6ª Câmara, a encaminhar para a próxima Comissão... A próxima comissão a apreciar a MP?
O SR. PRESIDENTE (Uelton Fernandes) - A MP vai ser apreciada pela Comissão Especial.
A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Pela Comissão Especial. Vou encaminhar uma nota técnica sobre a necessidade de observância da consulta prevista na Convenção nº 169.
Quero dizer a vocês que a gente já fez isso em relação à PEC nº 215 e em relação ao PL de Acesso a Recursos e Conhecimentos Tradicionais. Nunca deu certo, tá? Mas eu acho que nós temos que, enfim, continuar insistindo, porque esta Casa tem de promover audiências específicas previstas na Convenção nº 169.
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A segunda coisa é a respeito da provocação do Francisco. O seguro-defeso foi igualado ao seguro-desemprego na Lei nº 10.779, de 2003, sem chegar aos requintes de crueldade a que chega agora a MP. O importante aqui é que, além de desconstruirmos essa ideia, porque ela é falsa - e o legislador não pode falsificar a realidade, não pode falsificar a natureza das coisas -, temos de acabar também com a impressão de que ele é um benefício. E, como ele não é benefício e, sim, uma indenização, não prejudica qualquer programa de geração de renda mínima. Sendo uma indenização, ele não pode tornar a situação do beneficiário pior do que era antes. Isso é uma questão de honra.
Quero também ressaltar as falas de várias pessoas sobre pescador, quilombola, pescadora, trabalhadora rural, coletadora. Enfim, a Convenção nº 169 é um documento mais descolonizador que existe. Por isso, permitiu aos grupos o processo da autoatribuição. Por quê? As identidades são múltiplas, e, na sociedade hegemônica, apenas um grupo tem o poder das designações - diz quem os outros são. Por isso, esse juiz ainda acha que está no mundo em que ele tem o poder de dizer quem os outros são. Alguém tem de dizer para ele que não é assim.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRª DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA - Estamos falando para todo mundo acho que o tempo todo.
Por fim, para terminar, há muita coisa; são tantas as questões.
Com relação à mulher, acho que há um outro argumento, que é a proibição de retrocesso social. A questão da mulher pescadora foi reconhecida pela Justiça, o seguro-defeso foi pago à mulher por sua condição de ser mulher de pescador - ela é mulher de pescador, está inseria em uma sociedade patriarcal que lhe reservou o papel de não tomar a cachacinha.
Então, isso tudo foi reconhecido. Isso não pode ser ignorado agora, sob pena de infringirmos um princípio fundamental em matéria de direitos humanos. Acho que temos campo para tentar, neste espaço que é estratégico, fundamental, do Legislativo, reverter essa situação.
Muito obrigada e, mais uma vez, parabéns a vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Muito obrigado.
Agradeço enormemente a todos os convidados que atenderam ao nosso convite e agradeço às lideranças dos pescadores e a todos.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Infelizmente, fizemos todas as concessões possíveis. Agora, caminhamos para encerrar a audiência pública e vamos retomar lá na frente com as audiências públicas que vamos fazer em relação a todas as denúncias que preciso encaminhar.
As denúncias foram feitas aqui, e serão encaminhadas as notas taquigráficas ao Ministério Público Federal. Na semana que vem, deveremos aprovar o requerimento de audiência pública para que possamos sentar aqui à Mesa representantes da Marinha, representantes talvez até do Ministério da Defesa. Vou ler a resposta do Ministro às questões levantadas pela Rosemeire. Vamos estudar todas essas possibilidades, para ver como poderemos interagir e nos contrapor a essa escalada de redução de direitos.
Na verdade, nós trabalhamos aqui com os segmentos não representados da sociedade. Não me consta que os quilombolas tenham representantes no Senado ou na Câmara, muito menos os indígenas. Os indígenas, graças a Roraima, hoje temos um Senador que se afirma como indígena, que afirma a identidade indígena; isso é uma coisa extraordinária para um Senado elitista como é o nosso.
Enfim, temos de ver como var dar condução, porque são tantas as denúncias e não são só da Bahia essas denúncias. Isso é um retrocesso, uma tentativa de reduzir direitos que atingem os quilombolas, atingem os povos indígenas com a PEC nº 215, que realmente, se aprovada, paralisaria completamente...
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Haveria um retrocesso inclusive nos processos demarcatórios já homologados das terras indígenas. Faz anos que não se homologa uma terra quilombola. Não sei quantos anos. No caso de vocês, deve fazer muito tempo que não se homologa.
E, depois, a identificação, demarcação de terra quilombola talvez seja tão lenta quanto a dos indígenas.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - É mais, não é?
Então, nós estamos diante de um quadro de retrocesso. Aqui no Senado, esses segmentos, têm um grupo de Senadores que os apoiam. Não são tantos, mas é um grupo consistente, que pode certamente, com uma boa estratégia, paralisar essa onda desenfreada conservadora que vem da Câmara.
Confesso a vocês que tenho enorme identidade com vocês, porque eu represento aqui quilombolas, represento os indígenas, represento as parteiras tradicionais, eu represento os pescadores, os ribeirinhos, os castanheiros, aqueles que não têm voz. Nós corremos risco tanto quanto vocês. Exatamente. Eu e a minha companheira, Deputada Janete Capiberibe, perdemos o mandato em 2013 acusados de termos comprado dois votos, pagos à prestação. Essa acusação nos tirou os dois mandatos.
Então, quem defende esses segmentos não representados corre enorme risco. E nós corremos permanentemente os riscos. Repito a vocês que esta é uma sociedade elitista, uma sociedade em que o juiz da Bahia não entende a pluralidade da sociedade brasileira. Ele não consegue meter isso na cabeça. Ele vem de um estrato social determinante - a vontade dele, a vontade daqueles que ele representa debaixo da toga.
Então, infelizmente nós temos de lutar muito para construir uma sociedade democrática. A democracia, em princípio, estabelece uma convivência com as diferenças, uma convivência pacífica, harmoniosa. E é isso que nós temos que lograr. Essa conquista democrática de reconhecimento de todos aqueles que habitam este enorme País é fundamental.
Portanto, fico muito satisfeito. Acho que foi riquíssimo nosso debate. Foi importantíssimo. Trouxe elementos que nos vão ajudar a continuar, porque isso aqui é só o começo. Nós queremos que vocês conquistem o direito de viver em paz nas comunidades quilombolas, nas comunidades indígenas, nas comunidades ribeirinhas, enfim. E temos que paralisar essa onda de retirar direitos daqueles mais carentes, mais desassistidos, com pouca representação política.
Agora, mais uma vez, repito, essa questão da representação popular da Câmara, do Senado, tem que ser debatida, porque ainda uma parcela importante da sociedade brasileira vota sem medir a importância do eleito, a importância do Parlamentar eleito. Então, para isso, é preciso um debate político permanente. A democracia se constrói, e a política é para isso: é um instrumento de transformação e de mudança. Pode ser para pior, que nós estamos vendo que está havendo um retrocesso, porque a representação política está impondo esse retrocesso, mas pode ser para melhor. Nós podemos operar transformações para melhor.
Portanto, eu queria encerrar, agradecendo mais uma vez a todos que participaram desta audiência pública.
Não havendo mais nada a tratar, dou por encerrada esta audiência pública.
Muito obrigado.
(Iniciada às 15 horas e 04 minutos , a reunião é encerrada às 18 horas e 28 minutos.)
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(Em execução.)