23/04/2015 - 15ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Bom dia a todos!
Declaro aberta a 15ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública, nos termos do Requerimento nº 38, de 2015, da CDH, de autoria do Senador Paulo Paim, aprovado em 25/03/2015, para debater sobre a redução da maioridade e imputabilidade penal.
Esta audiência pública será realizada em caráter interativo, com a possibilidade de participação popular. Por isso, as pessoas que tenham interesse em participar com comentários ou perguntas, podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania e também do Alô Senado, através do número 0800612211.
Quero também informar que temos alguns convidados que vão compor a Mesa. Portanto, a primeira Mesa será composta pela ordem de chegada.
Vamos dar início à composição da Mesa desta primeira rodada de debate, convidando o Sr. André Augusto Salvador Bezerra, Presidente da Associação de Juízes para a Democracia (AJD).
Seja bem-vindo! (Palmas.)
Convido a Srª Mariza Monteiro Borges, Presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP). (Palmas.)
Convido a Srª Angélica Moura Goulart, Presidente do Conselho Nacional de Direito da Criança e do Adolescente. (Palmas.)
Convido a Srª Bruna Rigo Leopoldi Ribeiro Nunes, Defensora Pública de São Paulo e Coordenadora Auxiliar do Núcleo Especializado da Infância e Juventude, Representante da Associação Nacional de Defensores Públicos. (Palmas.)
Convido a Srª Esther Luiza de Souza Lemos, Vice-Presidente do Conselho Federal de Serviços Sociais. (Palmas.)
Bem, tendo composta a Mesa, informo que darei 10 minutos para cada expositor. Como o nosso grande objetivo aqui, claro, é de um trabalho explicativo, vamos permitir uma tolerância necessária, mas sem ser abusiva, ressaltando que, um minuto antes do horário limite, a campainha vai alertar o expositor o término do tempo. Então, nesse momento, realmente, o expositor deve disciplinar a conclusão dos trabalhos, já que são muitas as pessoas que vão participar.
Agora, faremos a apresentação de um vídeo. Antes, porém, dessa apresentação, temos aqui o jovem João, da Anistia Internacional, colhendo um abaixo-assinado, para enfrentar a violência, principalmente contra os jovens negros.
Ali está o João. Por favor, João, fique em pé. Então, ele vai colher algumas assinaturas daqueles que quiserem participar. O João está aqui fazendo essa participação.
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Ainda antes de apresentarmos o vídeo, queria dizer que estamos, hoje, presidindo esta honrosa reunião, mas que lamentamos profundamente que o autor do requerimento, Senador Paulo Paim, que é um daqueles camaradas que querem trabalhar de qualquer jeito, não esteja presente, porque, há muitos dias, ele não tem se sentido bem, está enfermo, doente, com problema na coluna, vesícula. Essas coisas que acontecem... Ontem, no plenário, o Senador não se sentiu bem, por isso hoje S. Exª não está aqui.
Senador Paulo Paim, V. Exª, neste momento, deve estar nos assistindo. Portanto, quero lhe dizer que todos estamos torcendo pelo seu pronto restabelecimento. Esta Casa precisa de V. Exª. Esta Comissão tem a sua cara, digamos assim no popular. Então, volte logo! Já estamos com saudade. Queremos V. Exª bem, prestando serviço ao nosso povo!
Também o Senador João Capiberibe, que é o Vice-Presidente desta Comissão, está enfermo - temos que tomar cuidado, ouviu Senador Hélio. Então, Senador Capiberibe, pessoa maravilhosa, simpática, estimamos sua melhora para que também possa retornar à Comissão o mais rápido possível.
Então, antes de começarmos o trabalho propriamente dito, vamos assistir ao vídeo, para ver o que está acontecendo e o que aconteceu...
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Excelência, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador Hélio, por favor.
O SR. HÉLIO JOSÉ (Bloco Maioria/PSD - DF) - Queria cumprimentar todos os presentes.
Senador Telmário Mota, V. Exª está substituindo com bastante brilho o nosso Senador Paulo Paim, mas com certeza todos nós estamos torcendo muito pelo nosso querido Senador Paulo Paim, que está nesta Casa desde a época da Constituinte. Foi Deputado por vários mandatos, agora é Senador pelo segundo mandato. Uma pessoa bastante preocupada, inteirada com a questão dos direitos humanos. Por isso, concordo com V. Exª, Senador Telmário Mota, quando disse que esta Comissão de Direitos Humanos tem a cara do Senador Paulo Paim realmente! Ele está intrinsecamente relacionado com essa discussão. E, com certeza, é uma perda muito grande ele hoje não poder estar aqui para debatermos, mas vamos tentar colaborar naquilo que estiver ao nosso alcance.
Sr. Presidente, desde já informo que vou ouvir duas a três exposições, porque, depois, eu tenho de ir à Comissão de Relações Exteriores. Antes, porém, quero dizer que esse tema que vamos debater é de altíssima relevância. Acho que, aqui, estaremos discutindo o futuro do País. Penso que a questão dos nossos jovens, da criminalidade, é um debate fundamental para as famílias. E eu, como um Senador que defendo a família, tenho a consciência da necessidade deste debate. Então, lamento não poder ficar o tempo todo nesta reunião, porque teremos que sabatinar os embaixadores na Comissão de Relações Exteriores, sendo necessária a minha presença, pois tenho que votar inclusive. Por isso que não vou poder ficar o tempo inteiro aqui, mas vou ouvir o máximo que puder.
Desejo sucesso a todos aqui.
Com certeza todas essas exposições vão colaborar muito para que a gente possa, juntamente com os demais Senadores, formar juízo de valor da necessidade ou não de se mudar algumas questões na legislação com relação à maioridade penal.
Obrigado, Senador Telmário Mota.
Sucesso para nós!
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Obrigado, Senador Hélio.
Vamos, então, assistir ao vídeo.
(Procede-se à exibição de vídeo. )
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Procede-se %1
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Procede-se %1
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Bom, a gente assistiu ao vídeo de votação lá na Câmara, alguns depoimentos coletados pelo repórter, que fez uma peregrinação por algumas entidades desse sistema socioeducativo, enfim, formando algum juízo de valor.
Antes de chamar o nosso primeiro expositor, eu queria lembrar, aqui, que este tema, hoje, toma conta da sociedade brasileira. Se a gente for olhar as pesquisas, veremos que há uma tendência nacional de buscar essa redução da maioridade. Mas por que isso? Na verdade, o Brasil, hoje, vive uma crise política, uma crise moral principalmente, crise política, crise tributária, crise econômica. E o brasileiro tem pressa nas suas atitudes, isso é muito peculiar na formação dos brasileiros, ou seja, ele quer qualquer resultado. Então, aquilo que, aparentemente, ele entende que vai resolver a vida dele, ele abraça aquela causa como se fosse a causa primeira, imaginando o fim sem olhar os meios. Esse realmente é o juízo que ele faz das coisas. E a mídia faz uma projeção muito grande, principalmente esses programas sensacionalistas, policialescos que existem hoje em todo o Brasil, em todo o Estado a gente vê muito isso.
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Então, o que dá audiência é ver um corpo no chão, é ver um jovem sendo apreendido, é mostrar uma algo ruim. Eles não se preocupam em mostrar dados estatísticos, porque isso não dá audiência.
Vejam que programas como o Big Brother dão mais audiência do que um programa educativo, no domingo, por exemplo.
A mídia, ao buscar essa audiência, vai informando uma grande opinião. Porque eu sempre digo que mídia na cabeça das pessoas age como água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. A água fura a memória da pessoa, fura a pedra pela insistência; e a mídia insistentemente tem feito essas colocações.
Vimos aí que muitos Deputados, no vídeo, ao votarem, apresentavam dados que não eram compatíveis com dados estatísticos. Uns falavam em 70%, outro 30%, outro 40%, quer dizer chutavam ai para justificar alguma coisa, quando, na verdade, temos os dados aqui. Vimos, ali, algumas colocações, por exemplo, de um levantamento feito pela Secretária Nacional de Segurança Pública no Ministério da Justiça, em que esses jovens na faixa etária de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% da criminalidade. E se for buscar essa criminalidade na tentativa de homicídio e homicídio, isso cai para 0,5%. Então, é um índice baixíssimo comparado com aquele em que o Parlamentar votou. Eu vi Deputado dizer que estava votando porque o índice era de 79%, mas, na verdade, era 0,5%. Depois vimos, mais adiante, que esse índice ia para 1% no total.
Mas os jovens que são assassinados, que morrem e os que sofrem a violência chegam a mais de 36%. Olhem lá! Quer dizer, o que pratica, lamentavelmente, qualquer delito chega a 0,5%, mas o que é vítima desse delito chega 30%, inclusive a morte, são 36%. Esse lado ninguém mostra, esse lado não é apontado. E a recuperação desse jovem, quando você o coloca em um desses sistemas socioeducativos, a cada quatro jovens um talvez volte, diferentemente do adulto. Com o adulto, o percentual chega a quase 70% do indivíduo que é preso e volta. Ou seja, o sistema carcerário nosso é falido. É uma escola do mal. Eu costumo dizer que é a escola do diabo. Você chega ali com uma irregularidade e sai de lá catedrático, PhD em algumas irregularidades.
Então, temos que ter muito cuidado. Eu tenho aqui outros dados - vejam: eu estou fazendo apenas alguma referência, mas sem nenhuma tendência, estou apenas mostrando dados reais, porque, de repente, vimos dados ali que não são compatíveis com a realidade .
Tenho aqui um livro recentemente publicado que diz que dos 91% da população carcerária, apenas 0,5% é de pouca escolaridade, de pouquíssima escolaridade. Quem tem nível superior, o índice de criminalidade cai para 0,39%, aí o analfabeto, o alfabetizado e o ensino fundamental, 47%. Ou seja, nós vamos trocar cadeia por escola, quando nós deveríamos dar escola.
Antes de abrir o debate, eu que quero, aqui, citar o casso de um delinquente, preso lá no meu Estado, de 14 para 15 anos, quando o repórter lhe perguntou: "É a segunda vez que você é pego praticando roubo, assalto e tal. Por que você pratica isso, por que você faz isso?" Ele olhou e disse-lhe: "Você quer saber mesmo o porquê de eu fazer isso?" "Você não tem medo de, em um momento desses, você matar ou então matarem você?" Ele disse: Eu posso até matar, porque eu já morri; quando eu nasci eu não tive casa, eu não tive escola, eu não tive transporte, eu não tive saúde, os detentores do poder roubando, e eu não tive oportunidade de ver; eu já morri. Agora eu estou fazendo isso só para sobreviver, mas as minhas expectativas estão mortas."
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Ou seja, ninguém se coloca no lugar daquele camarada, não é? Então, é importante esse detalhe.
Para concluir, na grande maioria, caso aconteça isso, serão colocados na cadeira, mais uma vez, o filho do pobre, do negro, do índio, aquele que o Estado não deu escola, não deu casa, não deu transporte, não deu, talvez, oportunidade de vida.
Mas, aqui, estamos para formar juízo. Por isso, vamos ouvir pessoas preparadas e que conhecem o tema, pessoas que labutam, como dizem na minha terra, dia a dia com essa situação.
Vamos começar, concedendo a palavra ao André Augusto.
O SR. ANDRÉ AUGUSTO SALVADOR BEZERRA - Bom dia a todos os componentes desta Mesa. Senador Telmário Mota, obrigado pelo convite, aqui estou hoje como representante de uma associação de juízes, numa das Comissões deste Congresso Nacional de tanta história, de tanta história de resistência contra o Estado policial da ditadura. O Congresso Nacional que, décadas depois, testemunhou os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, que culminaram com a nossa Constituição cidadã. E esta Constituição cidadã, gosto muito de lembrar, contém uma verdadeira normatização de um sonho, que é o sonho da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme projetado no seu art. 3º, inciso I, uma pá de cal que se pretendia colocar naquele Estado policial. E, coerentemente com tudo isso, a garantia de que os menores de 18 anos não teriam o mesmo tratamento penal dos maiores de 18 anos, o que não significa que não seriam responsabilizados, até porque o são, a partir dos 12 anos, são responsabilizados de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Basta ver uma reportagem na Folha de S.Paulo de hoje em que a depender do crime, o menor pode passar mais tempo com a sua liberdade privada do que um maior de 18 anos. Portanto, eles são responsabilizados.
Muito bem. E nesta mesma Casa de tanta história, de tanta luta democrática, estou aqui, agora, para discutir um projeto de emenda à Constituição que quer exatamente eliminar esta garantia do tratamento penal ao menor de 18 anos. Um projeto, a meu ver, equivocado, com o devido respeito, e defendo que ele é equivocado por estar assentado em dois fatos que são errados, não são verdadeiros.
Em primeiro lugar, o primeiro fato que eu gostaria de citar é a sua suposta possibilidade jurídica. Desculpe, mas a maioridade penal aos 18 anos é, sim, cláusula pétrea. Ela se insere entre os direitos e garantias fundamentais da Constituição. Ela está no mesmo caminho da sociedade livre e justa e solidária que o legislador Constituinte quis, em 1988, e está no caminho contrário do Estado policial, que era o Estado anterior à nossa Constituição. Eu sei disso, há renomados juristas que defendem que não, não é cláusula pétrea. Muitos até afirmam que cláusula pétrea é a maioridade penal, mas não os 18 anos, fazem essa separação.
Com o devido respeito novamente, acho que se trata de um verdadeiro malabarismo hermenêutico para se tirar o Brasil do caminho da solidariedade. É a mesma coisa de dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana não é cláusula pétrea; cláusula pétrea seria a pessoa humana, digna ou não. É a mesma coisa de dizer que a liberdade de imprensa não é cláusula pétrea; cláusula pétrea é imprensa, livre ou não. Ou é a mesma coisa de dizer que a separação e autonomia dos Poderes da República não é imutável, não é imodificável, o que seria cláusula pétrea é a mera existência de Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, autônomos e independentes ou não. Vejam, portanto, o perigo desse raciocínio, vejam, portanto, senhoras e senhores, o perigo do caminho que poderemos tomar caso esta proposta, este projeto seja aprovado nesta Casa - repito - de tanta história pela democracia.
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O segundo equívoco que eu gostaria de salientar, no qual vou me atentar mais um pouco, está na necessidade de o Congresso ouvir um suposto clamor popular, suposto, pela redução da maioridade. Citam-se neste sentido várias pesquisas de opinião pública, que revelariam que grande parte da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal. Chega-se a falar até em índices semelhantes a 87%, algo assim. Olha, não vou negar, seria uma insanidade negar que vivemos numa sociedade violenta, numa sociedade insegura; mas eu acho que essas pesquisas deveriam ser mais realistas, porque as perguntas que normalmente são formuladas o são de forma incompleta. Eu gostaria, eu sugeriria inclusive que a pergunta fosse a seguinte: "Você é a favor da redução da maioridade penal, mesmo sabendo que isso aumentará a violência?" Nesse caso eu tenho certeza que os 80% vão se inverter. Afinal de contas, tenho certeza que a população brasileira não quer encarcerar os seus menores pelo simples prazer de encarcerar. Não quer jogar esses menores nos verdadeiros calabouços medievais, que são as nossas cadeias, pelo simples prazer de punir.
E não tenho a menor dúvida em dizer aos senhores que a redução da maioridade penal aumentará, sim, a violência. Isso é uma conclusão a que se chega até facilmente, pelos índices, pelas estatísticas, aliás algumas delas já adiantadas pelo Senador, como, por exemplo, a estatística divulgada pelo CNJ - Conselho Nacional de Justiça -, no sentido de que o índice de 70% de reincidência, ou seja, 70% das pessoas que passam pelos nossos calabouços medievais voltam para eles.
Vamos também lembrar que o Estado brasileiro prende cada vez mais. Temos hoje a terceira maior população carcerária do mundo. Perdemos apenas dos Estados Unidos e da China. Recentemente ultrapassamos a Rússia. E, nessa tendência, em pouco tempo chegaremos à primeira colocação. E vamos lembrar também: quem é essa massa carcerária? É a população de sempre. Essa massa carcerária tem cor, tem classe social: negros, pobres, moradores de regiões periféricas, destituídas de serviços públicos e privados básicos, pessoas que têm seus direitos, em suma, violados praticamente desde o dia de seu nascimento.
Salta aos olhos, portanto, que o encarceramento não educa, não ressocializa. Pelo contrário: deseduca. Imaginemos então os nossos jovens nesse encarceramento. Agora, quando falo "imaginemos", não estou propondo aqui um exercício de imaginação destituído de base teórica. Não. Vamos imaginar, mas imaginar sim a partir de dados científicos. Embora o tempo não me permita tecer maiores minúcias na explicação, eu cito para as senhoras e os senhores um estudo a que eu tive acesso, levado a efeito no Canadá, pelos pesquisadores da Universidade de Montreal, Uberto Gatti, Richard Tremblay e Frank Vitaro. O título da pesquisa, que se transformou num artigo, já diz muito: Efeito iatrogênico da justiça juvenil. A expressão "iatrogênico" vem de "iatrogenia", ou seja, doença causada pelo tratamento incorreto. Esse artigo foi publicado em agosto de 2009, no Journal of Child Psychology and Psychiatry, um periódico especializado, e os objetivos dos pesquisadores foram verificar se a intervenção dos tribunais sobre adolescentes infratores aumenta ou não o envolvimento desses mesmos jovens na prática de novos crimes como adultos. Os pesquisadores consideraram crianças e adolescentes envolvidos em crimes, considerando ainda variáveis individuais, familiares e sociais. Chegaram, rapidamente, a duas conclusões. Primeira conclusão: jovens mal supervisionados pelos pais e expostos a amigos desviantes provavelmente cometerão mais crimes. Notem: amigos desviantes, como, por exemplo, companheiros de cela nessas masmorras, que é o nosso sistema carcerário. A segunda conclusão, que é uma consequência da primeira, mas a meu ver até mesmo mais impressionante: jovens encarcerados na adolescência, que cometeram crimes, têm a probabilidade dezenas de vezes maior - cerca de 37 vezes, segundo essa pesquisa - de se envolver em detenções quando adultos, do que jovens que também cometeram crimes na adolescência, mas que não foram encarcerados.
Reparem, senhoras e senhores, que esse estudo é do Canadá. Agora vamos colocar a situação aqui no nosso Brasil, no Brasil das crianças que vendem chicletes nos semáforos, que dormem nas ruas, que são inseridas precocemente no mercado de trabalho, em condições análogas à de escravo muitas vezes, jovens, em suma, que têm diante de si a porta para a criminalidade muito mais aberta do que o jovem canadense.
(Soa a campainha.)
O SR. ANDRÉ AUGUSTO SALVADOR BEZERRA - Então continuemos a imaginar com base em dados científicos. Vamos imaginar o que a sociedade brasileira colherá, caso essa redução da maioridade seja aprovada.
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Qual o fruto que ela colherá? Colherá uma sociedade muito mais violenta, dezenas de vezes mais violenta em relação a esse jovem. Essa conclusão impressiona, mas não surpreende, afinal, o jovem é uma pessoa ainda em processo de formação moral, de formação de valores, e esses valores são constituídos pelo ambiente em que esse jovem vive. Ora, quais serão os valores desse jovem quando encarcerado?
Parece-me, portanto, razoável pensar aqui, discutir nesta Casa não a redução da maioridade penal, mas vamos discutir como empoderar o adolescente para garantir o nosso futuro, o futuro da nossa sociedade. Isso implica, necessariamente, mudar o foco da discussão. Vamos discutir como efetivar direitos, direitos à saúde, à educação, assistência à família, direitos que esta mesma Casa, este mesmo Parlamento, de tanta história pela democracia, aprovou quando dos trabalhos da Assembleia Constituinte.
Srªs e Srs. Parlamentares, não desistam, por favor, de concretizar o sonho constitucional, de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Não abandonem o sonho materializado no nosso documento constitucional em favor de uma solução cientificamente equivocada e, por que não dizer, desumana.
Era isso o que gostaria de dizer.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos a exposição do Dr. André Augusto Salvador. Olha a coincidência, ele tem como sobrenome a palavra "Salvador", e fez aqui uma boa exposição, no sentido da igualdade, de uma sociedade mais livre mais democrática, uma belíssima exposição. Quero parabenizá-lo.
O SR. ANDRÉ AUGUSTO SALVADOR BEZERRA - Minha mãe agradece, porque o "Salvador" é dela.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Agora, a nossa palestrante será a Drª Mariza Monteiro Borges, Presidente do Conselho Federal de Psicologia, a quem concedo a palavra.
A SRª MARIZA MONTEIRO BORGES - Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer ao Senador Telmário Mota pelo convite que recebemos e pela oportunidade de estar aqui hoje em nome do Conselho Federal de Psicologia, trazendo a posição daquela entidade sobre a redução da maioridade penal. É um desafio muito grande falar depois do André Augusto, mas, como trazemos contribuições diferentes, tentarei colocar o foco nas questões psicológicas e nas contribuições que o saber psicológico pode dar a esta discussão.
Eu tenho uma apresentação.
Trazemos alguns dados relacionados à questão. O que é a PEC, todos já sabem que ela reduz a maioridade. Lembramos a existência do ECA, que trata, e já foi dito aqui hoje, de forma diferenciada os adolescentes autores de atos infracionais. Não podemos afirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente favoreça a impunidade. Pelo contrário. A responsabilização é feita, há medidas inclusive de privação de liberdade. Os adolescentes respondem, sim, pelos seus atos com medidas socioeducativas. Alguns dados numéricos, que já foram também trazidos, com relação ao total de adolescentes com restrição de liberdade no Brasil. Os atos infracionais que atentam contra a vida constituem 11,4% dos incluídos, que são casos de tentativa de homicídio. E o número de adolescentes que têm cumprido as medidas socioeducativas. Então de 25 mil atos infracionais cometidos, só 2% foram de homicídios e 23 mil adolescentes cumprem medidas socioeducativas com privação de liberdade.
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Esses dados mostram claramente que, usando ou se baseando no Estatuto da Criança e do Adolescente, esse Estatuto tem, sim, medidas que são punitivas, mas punitivas no sentido não do mero encarceramento, mas do investimento no jovem e no adolescente para a sua recuperação e à sua reinserção social.
Isso também ficou claro no vídeo que a gente viu antes, com relação às casas de acolhimento lá em São Paulo.
Existem alguns fenômenos sociais que estão claramente enfatizando e majorando o problema, como a espetacularização da violência, a ampliação imensa da judicialização das relações sociais no Brasil em detrimento do controle social, moral e de princípios da sociedade. Estamos trocando a ética pela Justiça, e acho que isso é lamentável para a sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, vemos o fenômeno da patologização e da medicalização do comportamento. Então, drogas e Justiça não solucionam questão de comportamento. Estou falando em drogas, como também incluindo nesse rol as drogas medicamentosas receitadas. São drogas para reduzir o nível de atividade das pessoas para que elas incomodem menos.
O clamor da população pelo aprisionamento, que é o que tem sido dito atualmente como um dos maiores responsáveis pelo investimento desta Casa legislativa em reduzir a maioridade penal como se ela estivesse atendendo ao clamor da população, ao clamor da rua. E eu me pergunto: de que população? De que faixa da população? De que setor da população?
Nós, raramente, vemos manifestações populares muito grandes contra a violência, quando a vítima da violência é um indivíduo comum. Quando não é, aí sim, quando são pessoas que têm oportunidade, que têm futuro autorizado pela própria sociedade, essas sim, essas vítimas causam comoção. As outras vítimas não causam tanta comoção.
Além da discussão das possibilidades e meios de punição, é necessário que a gente averigue os motivos da própria juventude estar elencada como primeira colocada no ranking dos homicídios. Como o Senador Telmário mostrou, a juventude brasileira tem sido mais vítima de homicídio do que autora de homicídio.
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Aí tem um gráfico que mostra a relação entre mortes da população jovem e não jovem. O azul ali é o jovem, 18 a 24 anos e o que nós vemos aí é que estamos exterminando a juventude brasileira. E, muitas vezes exterminando, tendo o Estado como o exterminador.
Então, vamos ver um pouco de nossa contribuição.
O ser humano se desenvolve por meio de correlações entre práticas parentais e manifestações de comportamentos antissociais. O que nós estamos querendo enfatizar aí é que a relação entre aqueles que educam, sejam pais, sejam professores, seja a sociedade em geral e o educando (jovens e crianças), determina o comportamento desse indivíduo e não há quem nasça marcado para matar. Então, essas crianças são fruto de nosso trabalho, são fruto do nosso investimento nelas, e o seu futuro depende disso. Ou vamos continuar investindo na educação, na formação do sujeito ou vamos optar pela exclusão.
(Soa a campainha.)
A SRª MARIZA MONTEIRO BORGES - Vou tentar, nesse minuto final, enfatizar um pouco a diferença entre a eficácia da punição e a eficácia do reforço, falando em punição como a consequência e ação de comportamentos com situações ou estímulos aversivos, e o reforço, o contrário disso.
Os estudos de punição mostram, claramente, que a utilização de estímulos aversivos para o controle comportamental é a fórmula mais frágil e instável de mudança comportamental. Comportamentos estabelecidos por meio da punição só ocorrem se a punição estiver presente. Ela, ao desaparecer, faz com que os comportamentos reassumam sua forma original, sua frequência e sua quantidade, vamos dizer assim, na composição do repertório individual.
Além disso, quando eu falo em estímulos aversivos, falo em modulação de estímulos - não é estar presente ou não estar presente. Modulação, como há a modulação de pena: mais anos, menos anos, penas mais leves, penas mais pesadas. Punição só controla comportamento com força máxima de modulação de estímulo aversivo.
Além disso, as agências controladoras, e falando em agências controladoras, falo de Estado, sociedade, família e de todas nossas instâncias da organização de nossa sociedade que definem o comportamento do outro e tratam de conseguir que os membros daquele grupo social se comportem conforme as regras vigentes e aceitas.
Se esses grupamentos funcionam à base de controle aversivo de comportamento, esse grupo, que é o grupo controlador, adquire também qualidades aversivas. Portanto, não permite que o indivíduo punido se sinta integrado ou parte desse grupo, mas ele se sente em oposição a esse grupo e excluído desse grupo. Se nós queremos inclusão social, nós não devemos trabalhar com punição. E existe ainda a produção com o uso de estimulação aversivo, de punição, dos comportamentos de fuga e esquiva. Isto é, daqueles comportamentos que levam à possibilidade do aparecimento dom comportamento punido na ausência do conhecimento das agências controladoras.
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Para dar um exemplo bem simplista, é aquilo que todos nós fizemos um dia: colocar uma revista em quadrinhos dentro de um livro de História durante uma aula para ler é típico de um comportamento de esquiva. Eu evito que me chamem a atenção, porque não vão descobrir que estou fazendo algo que o professor não aprecia ou não permite dentro da sala de aula. Na capa, está História. Aqui dentro, estou lendo o que quero, que não tem nada a ver. Dei um exemplo bastante simples para mostrar como nós conseguimos, como o homem consegue, através das suas práticas supostamente educativas, gerar exatamente comportamentos que ele não quer que apareça ou que ele quer coibir.
O que devemos ter clareza é que punição não ensina, punição não educa, punição faz aparecer esse comportamento, que, inclusive, não gostaríamos que aparecesse.
Nesse sentido, todas as medidas socioeducativas e todo investimento que puder ser feito no sentido da educação apontarão para a possibilidade de uma sociedade mais justa, harmônica, respeitosa e de direitos para todos nós.
O que o Brasil, neste momento, tem a escolher é entre continuar acreditando que a juventude brasileira é o futuro do Brasil ou culpabilizá-la e exterminá-la pelo aprisionamento, culpando-a pelos erros das gerações passadas.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Nós vimos que as exposições são extremamente técnicas, de conhecimento e acabam se interagindo. Vimos um conhecedor jurídico e, agora, uma com formação na psicologia, mas, realmente, caminha.
Quero registrar aqui a presença de dois Senadores: a Senadora Regina Sousa, do nosso querido Piauí, e também este jovem expoente e político do Brasil, Senador Lindbergh Farias, do Rio de Janeiro.
A nossa próxima palestrante é Angélica Moura Goulart, a quem concedo a palavra.
A SRª ANGÉLICA MOURA GOULART - Bom dia, Senador Telmário Mota. Muito obrigada. Desejo aqui a rápida recuperação do Senador Paim. Agradeço pelo convite e pela oportunidade. Bom dia a todos os companheiros da Mesa. Bom dia aos Senadores e a todos os demais presentes.
Estou representante, neste ato, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que já vem, há algum tempo, tendo essa pauta e essa preocupação do rebaixamento da maioridade penal como uma prioridade.
Neste momento, vou falar um pouco das ações previstas do Conanda no sentido de mobilizar a sociedade para que os 13%, que acho que são aqueles que aparecem no filme ilustrado aqui hoje pela manhã, talvez por alguma representação que esta Mesa signifique, consigam mobilizar os 87% da sociedade que ainda não detêm as informações necessárias para formar juízo em relação à situação do rebaixamento da maioridade penal.
O que nós temos, hoje - o Senador bem exemplificou -, são especialistas que trabalham com o tema, ou pesquisam sobre o tema, ou lidam com o tema no seu cotidiano. E esses precisam dialogar com o maior número de pessoas possível para que a gente consiga trazer luz para esse debate.
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Agora, nós entendemos que esse momento é um momento de oportunidade, um momento em que toda a sociedade está mobilizada com essa discussão. É um momento, talvez, de a gente aproveitar essa oportunidade e ampliar, em cada um dos locais, em cada um dos territórios em que nós estivermos.
Então, assim, dentre os companheiros que estão aqui, na Mesa, a Drª Mariza, pelo Conselho Federal de Psicologia, sabe que nós estamos mobilizando os psicólogos, mobilizando - a Esther sabe - os assistentes sociais, os movimentos sociais, para que possam empreender essa discussão e conquistar um pouco mais aqueles que formaram a sua opinião ou expressam a sua opinião a partir de dados que, hoje, nós vimos no vídeo apresentado aqui, no início, são dados que não têm nenhum fundamento, ou seja, de que 70% dos crimes cometidos no Estado brasileiro são cometidos por adolescentes. É um equívoco! É um equívoco dizer isso!
Então, nós gostaríamos de dizer que, nesse momento, nós estamos abertos e aceitando qualquer proposta, qualquer contato de mobilização para que se produzam momentos como esse, para que a gente possa aprofundar o debate, aprofundar o entendimento sobre essa causa.
As nossas posições são fundamentadas em compromissos com os marcos legais, ou nacionais ou internacionais. Então, nós não estamos aqui manifestando posições simpáticas a uma determinada causa que não tenha um fundamento assegurado em lei e de uma lei, quando a gente fala da nossa Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente, de um grande momento vivido por este País de construção democrática, em que asseguraram direitos que, hoje, estão sendo colocados em questão, e a gente precisa se mobilizar para que não haja retrocesso nessas conquistas históricas que foram adquiridas nos últimos 25 anos nesse País, especialmente no olhar para a criança e para o adolescente.
Nós entendemos, Senador, eu acho que o senhor iniciou muito bem essa fala, que há uma preocupação legítima da sociedade com duas questões, aí, que se cruzam: com a questão da impunidade, e nós temos feito um amplo debate interno em relação a isso, e com a questão da violência, da banalização da violência.
Mas nós entendemos, também, que, infelizmente, estão apresentando essa fatura para os nossos filhos menores de idade, para os nossos meninos e meninas brasileiras, para que eles respondam por essa situação que, hoje, o Brasil tem que resolver, sim, e para a qual tem que apresentar alternativas, sim, mas, talvez, não seja justo e não seja ético que a gente apresente essa conta para os nossos adolescentes e para as nossas adolescentes.
Então, nós queremos trazer a essa discussão a questão dos mitos. Eu vou evitar um pouco, pelas abordagens que já foram feitas, os números e, depois, a gente chega a eles no final.
Então, quais são os dois mitos? O mito primeiro é o da impunidade, de que os meninos, os adolescentes brasileiros não são responsabilizados pelos atos que cometem. O que é uma ficção, não existe isso. Os meninos são responsabilizados e, muitas vezes, são mais responsabilizados do que os adultos, em relação ao Código Penal.
Então, eu trouxe o exemplo de uma ocorrência de roubo qualificado, que está no art. 157 do Código Penal, cometido por duas ou mais pessoas, o adulto tem uma pena base de 5 anos e 4 meses e tem um regime de execução dessa pena semiaberto, somente dorme no estabelecimento prisional e pode receber a progressão desse regime, um sexto dessa pena, ou seja, 10 meses e 20 dias, sem computar a remissão relacionada às situações de trabalho, e um adolescente cumpre, imediatamente, uma medida de internação, exatamente por 3 anos.
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Então, é um mito achar que, mudando e rebaixando a maioridade penal, a responsabilização do jovem vai ser maior. Ela já é muito grande, e ela é maior ainda se a gente olhar na perspectiva de que são pessoas em peculiar momento de desenvolvimento. Então, esse é um dado que a gente precisa observar. Não há impunidade e a sanção já é uma sanção correspondente não só ao ato praticado, como também à característica daquela faixa etária pela possibilidade de cumprir aquela que talvez seja a pior coisa na vida de um ser humano, que é a restrição da sua liberdade. Então, nós precisamos desmistificar essa questão da impunidade, ampliar essa discussão, nos debruçar sobre dados, sobre os estudos comparativos, e ampliar esse debate, para chegar à conclusão de que não há impunidade em relação aos atos infracionais cometidos pelos adolescentes.
A outra coisa é o entendimento de que o agravamento da pena, o agravamento da sanção, vai afetar e alterar os índices de violência. Nós não temos dados relacionados a isso. Absolutamente. Por exemplo, se a gente pegar o exemplo do Estado da Geórgia, nos Estados Unidos, que adotou a prisão perpétua para adolescentes que cometessem crimes - vamos entender aqui, de acordo com a nossa lei - similares aos nossos crimes hediondos. Então, em 1996, eles adotaram a prisão perpétua, e tinham, naquele momento, 400 adolescentes nessa situação. Passado esse tempo todo, hoje eles têm 2.500 adolescentes na situação de prisão perpétua, significando que não reduz a violência.
Outro exemplo é voltar para dentro de casa e olhar para quantas alterações nós tivemos de endurecimento de pena no nosso Código Penal. Não foram poucas. Foram mais de 200 nos últimos anos. E o que a gente tem? A gente tem resultado? A gente tem uma diminuição? O Ministério da Justiça está aí com os dados do sistema prisional, dizendo que não temos uma diminuição em relação a esses crimes.
(Soa a campainha.)
A SRª ANGÉLICA MOURA GOULART - Outra situação é que este momento precisa ser um momento, realmente, de mobilização social, de responsabilização. Nós acreditamos nesta Casa. Nós acreditamos na responsabilidade e no compromisso desta Casa, deste Congresso, em relação a esses filhos do Brasil, que são os filhos mais vulneráveis. Eles precisam de atenção, eles precisam de cuidado, eles precisam de políticas. Só assim a gente vai resolver o problema da situação que hoje está nos reunindo aqui.
Então, nós temos algumas propostas que talvez possam ser incorporadas pelos nossos legisladores. Vamos, sim, olhar para a situação da impunidade, vamos olhar para a situação da violência, e vamos ter propostas de enfrentamento ao tráfico de drogas, que é o maior responsável por este momento que a gente está vivendo aqui. Esse é o desafio que a sociedade brasileira, que o Estado brasileiro tem que enfrentar. Temos que ter coragem para enfrentar isso. Esse é o desafio que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente apresenta para esta Casa, porque a maioria dos adolescentes que estão hoje no sistema socioeducativo estão lá em decorrência da sua relação com o tráfico. Há uma inversão absurda nessa situação, porque se nós observamos a Convenção nº 182, da OIT, que considera o trabalho no tráfico como a pior forma de trabalho infantil, nós teríamos que inverter a situação. Nós teríamos que estar protegendo ainda mais esse adolescente dessa pior forma de trabalho infantil, colocando-o como vítima dessa situação, e não como autor de violações de direitos humanos. Então nós temos, neste momento, que ter responsabilidade no nosso olhar por esse tema.
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E a gente conclama o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Eu me sinto muito à vontade, porque é um parceiro, ao falar do Conselho da Juventude e do Conselho de Relações Inter-raciais. Quero conclamar todos nós, porque nós estamos juntos nesta discussão, a nos responsabilizarmos por esses filhos do Brasil, adolescentes e jovens que estão sendo colocados em uma situação de criminalização para colocá-los em uma situação em que devem receber, de acordo com a nossa legislação, a melhor das nossas políticas, com prioridade absoluta, considerando seu estado de desenvolvimento.
Então, a nossa postura hoje, de responsabilidade e de ética, é cuidar dos nossos jovens e impedir, Senador, sim, o que o senhor disse, que 36% da causa de morte na adolescência neste País seja por homicídio. Na população em geral, esse índice é de 5,1%. Isso demonstra que estamos vivendo uma situação de extermínio dos nossos meninos e meninas. E esse deveria ser o foco e a nossa responsabilidade aqui, não culpabilizá-los e criminalizá-los ainda mais.
Espero que possamos continuar este debate e voltar aqui para celebrar que estamos redirecionando o nosso foco para aquilo que realmente importa e é de responsabilidade da sociedade e do Estado brasileiro em relação aos seus adolescentes e jovens.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Para concluir esta primeira rodada, ouvimos agora a fala da Drª Bruna. Queria destacar aos ouvintes, aos telespectadores que, nesta primeira rodada, foram cinco oradores. O primeiro foi o Dr. André, que é presidente da Associação de Juízes para a Democracia; a Mariza, a presidente do Conselho Federal de Psicologia; a Angélica, presidente do Conselho Nacional de Direitos da Criança e Adolescente; a Bruna, defensora pública de São Paulo e coordenadora auxiliar do Núcleo Especializado da Infância e Juventude, representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos do Brasil.
Agora, Esther.
Pulei?
A SRª BRUNA RIGO LEOPOLDI RIBEIRO NUNES - Pulou.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Bruna, por que coloquei aqui agora? Eu estava louco para que você falasse. Por isso, ela ficou tensa, todo mundo tenso.
Com a palavra, a Bruna.
A SRª BRUNA RIGO LEOPOLDI RIBEIRO NUNES - Bom dia a todos e a todas aqui presentes, à Mesa, ao Senador, a quem cumprimento em nome do restante da Mesa, a quem nos assiste na data de hoje.
Antes de iniciar minha fala, acho que é muito importante, na data de hoje, que as pessoas que nos assistem e receberam todas essas informações até agora parem por um minuto e repensem tudo o que foi dito até o momento.
A discussão acerca da redução da maioridade penal até o presente momento se fez de uma maneira muito pouco profunda, as questões não foram discutidas com a devida profundidade e as informações trazidas até o presente momento são absolutamente inverídicas.
Ouve-se que, na maior parte dos países desenvolvidos, a idade penal começa aos 12 anos de idade, que o adolescente, aqui no nosso País, é o responsável pelo aumento da criminalidade e se questiona se, caso você fosse familiar de vítima, você não seria contrário à redução da maioridade penal. São discursos inflamados de ódio, inflamados de medo. Toda discussão feita até agora foi permeada por isto, pelo medo, pelo medo da violência e por dados inverídicos acerca dos fatos.
Por isso, quero enaltecer por esta oportunidade que nos foi concedida aqui no Senado Federal, para que, com tranquilidade, com racionalidade, possamos discutir a redução da maioridade penal e a relação que essa redução teria com a violência.
Não se desconhece que a ampla maioria da população brasileira é favorável à redução da maioridade penal, mas o fato dessa ampla maioria ser favorável à redução não faz com que nossos Deputados e os nossos Senadores tenham que votar favoravelmente à redução da maioridade penal.
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A democracia nos dias atuais evoluiu muito. A democracia não pode ser entendida somente como a vontade da maioria. É sim a vontade da maioria, mas é a vontade da maioria desde que de acordo com os princípios constitucionais vigentes, desde que de acordo com a proteção dos direitos humanos, com a solidariedade, com a liberdade de imprensa, com os compromissos assumidos pelo Brasil interna e externamente. De outra forma, não se pode falar de democracia, não há como falar de democracia se a vontade da maioria não está enraizada a todas essas questões.
E, nesse sentido, quando o nosso legislador constituinte promulgou a Constituição Federal, ele criou, dentro da Constituição Federal, valores imutáveis. Valores imutáveis mesmo que a maior parte da população brasileira o desejasse. E, dentre esses valores imutáveis, estão os direitos e garantias individuais. Não há como negar que o direito de o adolescente ser inimputável perante a lei penal antes dos 18 anos de idade é um direito individual, não tem como negar. Simplesmente porque é o direito do adolescente em ser submetido a uma justiça especial; que a sua condição psíquica de desenvolvimento seja levada em consideração; que a sociedade faça com que todos os esforços sejam envidados para que aquele adolescente volte à sociedade de uma maneira melhor. Então, não há como negar que é um direito individual de toda a população infantojuvenil de ser inimputável perante a lei penal.
Não há também como aceitar argumentação contrária de que a inimputabilidade seria uma cláusula pétrea, mas a idade penal não seria. Dessa forma, esvaziaríamos completamente a norma, porque poderíamos reduzir a inimputabilidade a 12 anos de idade, a 11 anos, a 10 anos de idade. Então, de fato, eu entendo que a inimputabilidade penal é uma cláusula pétrea.
Acho importante, também, fazer uma desmistificação de que nos países desenvolvidos a idade penal é muito inferior. Dados muito recentes da Unicef demonstraram que 78% dos países estudados, analisados, adotam a idade penal como 18 anos de idade, embora tenhamos, nos Estados Unidos e na Inglaterra, uma exceção dos países desenvolvidos em que a idade penal é inferior. Mas o Brasil se alinha a todos esses países, a 78% dos países, que determinam a idade penal como 18 anos de idade. E a idade penal como 18 anos de idade foi fixada de acordo com estudos mundiais da psicologia, da neurociência. Estudos da psicologia que demonstraram que a noção de tempo de um adolescente é completamente diferente da noção de tempo de um adulto. A neurociência já demonstrou que a maturação cerebral de pessoas até 21 anos de idade é completamente diferente de indivíduos acima de 21 anos de idade. Então, são estudos mundiais que fizeram, que basearam a escolha do Brasil e de 78% dos países do mundo em determinar 18 anos como sendo a idade penal. E mais que isso, é uma crença na possibilidade de trazer mais facilmente esse jovem de volta à sociedade. Acho que não precisa ser grande estudioso para ter em mente que trazer um adolescente de volta à sociedade é muito mais fácil do que trazer um adulto, que já é formado e já tem os valores enraizados.
E uma vez mais, acho que por mais que já tenha sido dito, é importante deixar claro que o adolescente é sim responsável pelos seus atos. O adolescente responde perante o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é um estatuto próprio, feito para alguém que está em condição peculiar de desenvolvimento. Ele responde, sim, pelos seus atos. Ele pode pegar medida socioeducativa de internação, de semiliberdade e ficar até 3 anos custodiado. Isso sim. Pode, em um primeiro momento, parecer que três anos não são nada, mas três anos são sim. Porque a noção de tempo do mundo infantojuvenil é completamente diferente do mundo adulto.
Reduzir a idade penal, hoje, não significa e jamais vai significar a diminuição da violência. Aliás, não só a redução da maioridade penal. O nosso País tem um exemplo muito recente de que o endurecimento das leis não resolve em nada a criminalidade. Em 1990 foi promulgada a Lei de Crimes Hediondos. Cinco anos depois da promulgação a população carcerária já havia aumentado 132%. Passados 20 e tantos anos da promulgação da lei penal, a nossa população carcerária é a terceira maior população carcerária do mundo. E faço a pergunta: diminuiu a sensação de violência dessa população? Essa população se sente mais segura com o endurecimento da lei penal? E a sensação de impunidade? Qual é a sensação de impunidade? Aumentou alguma coisa? Com isso, é necessário concluir que o endurecimento de pena jamais fez com que a violência diminuísse. Desigualdade social, violência não se resolvem com a extensão do direito penal. Esse não é o caminho. Inclusive, recentemente, Alemanha e Espanha, que haviam reduzido a idade penal para 16 anos de idade, diante da ineficácia dessa redução, voltaram atrás, e hoje a idade penal é de 18 anos, tanto na Alemanha quanto na Espanha.
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O adolescente, diferentemente do que é dito por aí, não é o responsável pela violência do Brasil. Hoje temos uma população carcerária de aproximadamente 570 mil adultos e uma média de 20 mil adolescentes internados. E aí pergunto? São os adolescentes o problema, são os adolescentes que causam o problema?
Hoje, o adolescente é muito mais vítima do que algoz. Se olharmos o último mapa da violência, o nosso País é o sétimo país do mundo onde mais se mata adolescente, sendo que 70% de todos os adolescentes mortos são adolescentes negros.
Hoje, reduzir a maioridade penal é jogar, dentro de um sistema carcerário como o nosso, meninos de 16 anos de idade - meninos de 16 anos de idade que serão muito mais facilmente aliciados por pessoas que já estão dentro do sistema carcerário. E a violência, que é inerente ao sistema carcerário brasileiro, fará parte da realidade desse adolescente. E, por mais que as pessoas achem que a violência dentro dos presídios se restringe àquele local, não se restringe: transcende os muros das penitenciárias. E, se um adolescente é submetido, com 16, 17 anos, a um sistema carcerário tão duro como o nosso, um dia essa violência volta para a sociedade. E aí não conseguiríamos jamais interromper esse ciclo de violência.
O sistema carcerário brasileiro hoje apresenta um déficit de 225 mil vagas, sendo que 78% dessas vagas estão no Estado de São Paulo, que é também o Estado responsável pelo maior número de internação.
Será que é essa a solução? É isso que os Deputados, os Senadores... Esta é a solução para a diminuição da violência, jogar, dentro de um sistema carcerário como o nosso, adolescentes de 16, 17 anos de idade?
E, por fim, acho que vale a pena ressaltar que estudos em âmbito internacional e, muito recentemente, em âmbito nacional já demonstraram que o índice de reincidência no sistema penal é de 70%. O índice de reincidência em adolescentes que estão submetidos ao processo socioeducativo é de 20%. Ele é extremamente inferior.
Até mesmo nos Estados Unidos, que são tidos como um país extremamente punitivista, foi divulgado em abril, na revista The Economist, um estudo demonstrando que adolescentes que cumprem pena junto com adultos possuem 35% mais de chance de voltar a reincidir.
Então, com todas essas experiências, parece que está muito claro. Os nossos Deputados e Senadores não podem se sentir pressionados pela pressão popular, não podem ceder num momento como este e devem ter em mente, com serenidade, que reduzir a idade penal não vai diminuir em nada a violência, muito pelo contrário, vai aumentá-la.
Soluções simplistas, soluções óbvias e imediatistas não resolvem a questão da segurança pública, tampouco a da impunidade.
É isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Bem, agora ouvimos mesmo a fala da Drª Bruna. Estava querendo pular...
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Quero registrar a presença do Senador Cristovam, que honra esta Comissão e o nosso Senado. Ia até citar que V. Exª não estava tão bem, ele estava com uma gripe esses dias. E o Cristovam, um dia desses, disse para mim: "Eu esqueci que a idade chegou". Mas o Cristovam é como o Paim e a Regina, querem estar aqui presentes.
Primeiro, eu quero agradecer à população brasileira pela forma como está interagindo com o Senado acerca dessa questão que hoje debatemos aqui na Comissão de Direitos Humanos. Um levantamento parcial, rapidamente, no e-Cidadania, de 93 manifestações, tivemos 35 a favor da redução da maioridade penal; 4 apenas para crimes hediondos; 35 contra a redução da maioridade penal. Olha aí como já dividiu. Estão vendo a colocação dos senhores? Estão vendo? Mas para quem começou com 70 a quase zero, a 70 contra 13, não era esse o placar antes? Então já houve uma conscientização maior, com mais cinco perguntas e catorze comentários.
Antes de ouvirmos a nossa querida Esther, eu queria ler um pouquinho algumas manifestações. Por exemplo, do Rio de Janeiro, o Robson de Paula diz: "Redução da maioridade penal, a meu ver, é um retrocesso, pois, devido ao clamor público, incentivado pela mídia, sai mais barato para o Estado, de imediato, jogar para debaixo do tapete". Portanto, o Robson, do Rio de Janeiro do nosso querido Senador Lindbergh, o Rio, que é fruto de tanta violência e tem sido alvo de muitas colocações. Vemos também colocações contrárias.
Temos outra do Rio: "Eu gostaria de dados mais concretos que justificassem a redução e que a ligasse à redução da violência, porque, até o momento, só vi desejo de vingança", disse a nossa representante Bruna. Ela colocou bem: muito ódio, muita vingança, essas coisas estão levando.
Há mais uma colocação. O Alexandre diz o seguinte: "No dia em que o sistema carcerário do Brasil ressocializar alguém e punir os que não têm mais volta, poderemos reduzir até para 10 anos, se for preciso. Mas, enquanto não melhorarmos o nosso sistema carcerário, a redução pura e simples da maioridade penal vai apenas chover no molhado."
Para concluir, há outra de São Paulo. Douglas diz: "Não podemos desistir da vida de menores infratores, levando em conta que ficarão em um presídio, com gangues e organizações criminosas, o que seria comprometê-lo com o crime durante a pena e após a mesma. Será uma espécie de recrutamento para o crime mais pesado".
São muitas as manifestações. Os primeiros que começaram foram todos a favor. Há muitos contra também. Deixe-me ver um que marquei enquanto eu fui lendo. Aqui está: "Concordo com a redução da maioridade penal. Acredito que atualmente o jovem de 16 anos já tem entendimento para ser imputado penalmente. Esses jovens já são considerados aptos a decidir o destino do País com o voto, então, também podem ser considerados aptos a responder penalmente". Imaginem.
Bom, agora vamos ouvir a nossa última oradora deste primeiro bloco, a Drª Esther, Vice-Presidente do Conselho Federal de Serviço Social.
O Senador Cristovam chegou. Eu queria fazer uma retrospectiva rápida desta primeira Mesa e dos nossos oradores.
O André é Presidente da Associação de Juízes para a Democracia; a Drª Mariza é Presidente do Conselho Federal de Psicologia; a Angélica é Presidente do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente; e a Bruna é Defensora Pública, em São Paulo, Coordenadora Auxiliar dos Núcleos Especializados em Infância e Juventude e representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos.
Agora, com a palavra, a Esther, Vice-Presidente do Conselho Federal de Serviços Sociais.
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A SRª ESTHER LUIZA DE SOUZA LEMOS - Bom dia a todos e todas. Eu quero agradecer, imensamente, a iniciativa do Senado Federal, da Comissão de Direitos Humanos, aqui representada pelo Senador Telmário Mota, também desejar a recuperação do Senador Paulo Paim e agradecer a possibilidade do debate, nesta Comissão, e a posição favorável e uníssona contra a redução da maioridade penal ao Conselho Federal de Psicologia, à Associação dos Juízes pela Democracia, à Conanda e também à Bruna, Defensora Pública.
É um prazer podermos compartilhar essa posição num momento em que nós, brasileiros, estamos, de fato, vivendo uma situação de retrocesso. Poderíamos dizer, assim como o André iniciou a audiência pública nesta manhã, que avançamos imensamente direitos constitucionais - e nesta Casa e neste momento podemos vivenciar isso -, mas temos muito pela frente. Estamos vivendo momentos de extremo ataque a direitos humanos já foram conquistados.
É isso que gostaríamos de demarcar aqui. No Brasil, avançamos na promulgação de direitos humanos, neste caso, no direito da criança e do adolescente, e vivemos um momento de retrocesso.
O momento em que vivemos, no que diz respeito ao ataque de crianças e adolescentes, especificamente quanto à questão dos adolescentes que cometem ato infracional, nos faz retomar a literatura brasileira, lembrando Jorge Amado, no clássico Capitães de Areia. Naquele momento, já, ele aponta as contradições vividas em nosso País.
Então, sob a inspiração de Jorge Amado, pensando na sociedade brasileira, retomando a história de como o Brasil respondeu às expressões da questão social, especificamente à violência estrutural deste País, nós, assistentes sociais, colocamo-nos eminentemente contra a redução da maioridade penal.
O Conselho Federal de Serviço Social tem, nos últimos 35 anos, se colocado, em textos, na atuação prática e imediata, contrário. Nesse sentido, queremos reforçar e contribuir no debate com a sociedade brasileira, no sentido de como construir estratégias comuns para que avancemos na implementação de direitos.
Com a omissão do Estado, isso não é possível. Isso só será possível se o Estado for forte, podendo, de fato, garantir direitos conquistados.
A história da nossa intervenção nas expressões da questão social, desde a década de 30, tinha sido enfrentar a questão social como caso de polícia e não como caso de política.
Vários autores de nosso País já nos ensinaram, e nós já aprendemos, que tratar a questão social como caso de polícia não resolve as nossas contradições. Já aprendemos historicamente, temos uma consciência esclarecida de que a questão social, no Brasil, se resolve com política.
É nesse sentido que queremos demarcar a nossa posição aqui e dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao regulamentar o art. 227 e 228 da Constituição Federal, lá no art. 104, no ECA, que define a questão da imputabilidade penal do menor de 18 anos, temos ali um marco - é essa posição que queremos também colocar -, que é, de fato, a mudança de um paradigma. Todo o ECA é construído numa mudança de paradigma, que, ao tratar a questão da intervenção da criança e do adolescente, tira o adolescente de uma situação irregular para uma situação de proteção integral.
Esse paradigma não foi consolidado no nosso País. Precisamos conclamar toda a sociedade brasileira a também rever, aprofundar e conhecer qual o paradigma que orienta o art. 227 e 228 da Constituição e, em decorrência, imediatamente, em 1990, quando temos a promulgação do ECA.
O paradigma da proteção integral prevê, sim, que o adolescente que comete o ato infracional terá responsabilização pelo seu ato. Vários de nós, aqui, já colocamos a situação de que inimputabilidade não é sinônimo nem de impunidade, nem de irresponsabilização. Essa é uma questão importante de se destacar.
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Nesse sentido, com a finalidade de nos prepararmos para esta audiência pública, recuperamos um documento, organizado pelo Fórum Nacional de Direitos Humanos, do qual o Conselho Federal de Serviço Social historicamente faz parte, também, adensando a luta, dentro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Se quer se associar, é aqui, e se associa ao Conjuve, porque entendemos que - e vou retomar aqui os textos, porque acho que isso é de 1999, e a gente precisa recuperar essa memória que já construímos, neste momento presente:
Ao garantir a proteção integral à criança e ao adolescente, ao assegurá-los todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, o Estatuto adota medidas socioeducativas como resposta a atos infracionais, numa perspectiva conceitual oposta à pena, que tradicionalmente está associada à noção de castigo. Para que a ideia da possibilidade de reparação de dano, associada à expiação da culpa pelo castigo, através da privação de liberdade, tenha podido nascer, foi necessário que todas as formas concretas de riqueza social tivessem sido reproduzidas ou reduzidas à mais abstrata e à mais simples das formas que é o trabalho humano medido pelo tempo. Constata-se, pois, uma contradição inegável entre a proclamada finalidade racional de proteção da sociedade ou de reeducação do delinquente e o princípio da reparação equivalente que permeia a prática judiciária e a estrutura da própria sociedade.
Se efetivamente a pena, como assevera Pachukanis, “fosse considerada somente do ponto de vista de seu fim, a própria execução da pena e, em particular os seus resultados, deveriam suscitar grande interesse. [...] O interesse atribuído aos métodos de ação de grande fôlego sobre o delinquente é insignificante, se comparado ao interesse suscitado pelo fascinante momento em que é pronunciada a sentença e determinada a ‘medida penal’. As questões de reforma judiciária não preocupam senão um reduzido círculo de especialistas.
Em contrapartida, para o público o cerne da questão consiste no fato de saber se a sentença corresponde à gravidade do delito. Para a opinião pública, uma vez que o Tribunal tenha determinado corretamente o equivalente, tudo se encontra, por assim dizer, em ordem e o destino posterior do delinquente já não interessa a quase ninguém."
Essa questão, essa concepção de que, penalizando, a gente terá, de fato, a admissão da criminalidade no Brasil não encontra respaldo. Inclusive, todos os juristas - temos aqui o grande estudioso Foucault, do sistema penal -, todos os elementos nos levam a compreender que, de fato, o sistema penal não ressocializa, não cumpre a sua função social. E, sobre o aparelho prisional, quero chamar atenção aqui e agora, citando a nossa assessora jurídica Sylvia Helena Terra:
Se o aparelho prisional tem como função precípua reduzir o índice da criminalidade, enquanto método puramente repressivo, ou mesmo reeducar o detento, é forçoso admitir seu absoluto fracasso e falência. Surpreende, assim, que após tanto tempo de proclamado o fracasso da prisão, se acompanhe a defesa de sua manutenção. Surpreende, de outra sorte, que diante de tantas evidências setores do governo e do Congresso Nacional e segmentos sociais venham defendendo arduamente a redução da maioridade penal.
(Soa a campainha.)
A SRª ESTHER LUIZA DE SOUZA LEMOS - Nós, assistentes sociais do Brasil, temos construído uma defesa pela implementação do ECA e da Lei nº 12.594, que é a Lei do Sinase. O Sinase é o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. A legislação que temos pressupõe que Estados também, o sistema federativo, e os Estados implementem o sistema socioeducativo. E o que vemos também são os Estados não implementando o sistema socioeducativo.
Nesse sentido, a gente tem, de fato, uma posição de que a responsabilidade é do Estado e dos Governos estaduais também na implementação do sistema socioeducativo e têm que assumir a responsabilidade pela sua implementação. E nós, como assistentes sociais, trabalhamos em todas as políticas públicas, na saúde, na educação, na assistência social, no trabalho, e entendemos que a proteção integral da criança e do adolescente é que permitirá, de fato, que avancemos em um sistema de justiça e garantia dos direitos humanos dos nossos adolescentes.
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O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê as medidas socioeducativas. E vimos aqui, inicialmente, na reportagem apresentada, que, quando a medida socioeducativa é imediatamente aplicada, os resultados são efetivos. Então, nós reivindicamos, de fato, que haja o cumprimento qualificado das medidas socioeducativas no nosso País, e que não cometamos um crime com essa geração que vem para o futuro do Brasil. Refiro-me ao crime de condenar adolescentes a um sistema que, de fato, não avança em garantia de direitos e não avança, de fato, em vida. E é isso que queremos. Nós defendemos a vida.
Nesse sentido, juntamente com todas as organizações aqui presentes, temos o compromisso de esclarecer, de contribuir nesses debates e de ter uma posição, juntamente com os movimentos sociais e demais conselhos, de fato, contrária à redução da maioridade penal.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - O Senador Cristovam vai falar. Mas, antes de passar a palavra ao Senador Cristovam - o Senador Lindbergh e a Senadora Regina já se inscreveram e, antes de compormos a segunda Mesa, vão se manifestar, porque esta é a Casa dos Senadores, e nós vamos ouvi-los -, saibam que a população está interagindo, de uma forma positiva, e quero parabenizá-la por isso.
E recebemos aqui dois manifestos, de um Senador e de um Deputado, sobre projetos deles que estão tramitando. O Senador Ronaldo Caiado fez uma proposição e, na proposição, explica o seguinte:
Alterar os arts. 112 e 121 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) para obrigar a internação em estabelecimento de ensino profissionalizante de adolescentes que tenham cometido infração grave, situação em que a medida socioeducativa poderá durar até cinco anos e ser concluída mesmo após o infrator completar 21 anos.
Essa é a proposição do Senador Caiado.
A outra, do Deputado Alberto Fraga, aqui do Distrito Federal, diz o seguinte:
Estabelece que a maioridade penal será fixada em lei, devendo ser observados os aspectos psicossociais do agente, aferidos em lauto emitido por junta de saúde que avaliará a capacidade de se autodeterminar e de discernimento do fato delituoso.
Fico pensando: imagino os políticos. Para esses que roubam, e que são bem informados, devia haver pena perpétua, não é?
Senador Cristovam, com a palavra.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Sr. Presidente, eu pedi para falar depois da última pessoa da Mesa e antes da próxima, porque estamos tendo uma reunião importante na Comissão de Relações Exteriores, e já estão cobrando a minha presença lá, mas eu não poderia deixar de vir aqui pela importância desse tema que estamos discutindo. É um tema de transcendência para o País dizer que Brasil ele quer para o futuro.
Eu gostei muito da fala de Esther, quando ela lembra que a gente não pode votar aqui conforme a maioria da população manifesta. Porque, se fosse por aí, a gente fechava o Congresso, porque eu acho que a maioria hoje votaria a favor de fechar-se o Congresso; é um sentimento nacional. Mas fechar o Congresso significa impedir a democracia de funcionar plenamente, porque a democracia direta, em que as pessoas votam e decidem sem precisar passar pelo filtro de um Congresso, ainda não existe.
E, Senadora, dificilmente isso vai ser eficiente democraticamente, porque a pesquisa de opinião e a votação on-line refletem o sentimento da população naquele instante, não têm a perspectiva de longo prazo. Como eu disse, hoje, se decidirem colocar em votação o fechamento do Congresso, deve passar, mas seria ruim para o País.
Esta é a Casa da reflexão das consequências das leis que nós decidimos. Por isso, tanta Comissão por que passa cada lei. Senão, bastava ir ao plenário de uma vez. São as reflexões que temos que fazer.
Eu entendo perfeitamente aqueles que, por vingança - que é um sentimento que cada ser humano tem direito a ter -, querem pena de morte, querem punir menores infratores. Eu entendo perfeitamente esse sentimento, mas a sociedade não pode avaliar as suas coisas e tomar decisões com base na vingança, no sentimento de vingança. São outros sentimentos que devem prevalecer, e, nesses sentimentos, sou radicalmente contra a redução da maioridade penal, por três razões.
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Primeiro, porque é insensatez - é a maneira como eu digo, refletindo o que vocês falaram aqui. É insensato achar que isso vai reduzir a violência. É uma grande besteira. Esses meninos que estão cometendo crimes hoje estão se lixando se vão ser presos ou não. Na cabeça de alguns deles, a prisão é até uma glorificação dele diante da sociedade. Eles se fazem adultos pela prisão. Eles estão ali, alguns, por alguma perturbação mental, obviamente, algum desvio do padrão que os leva à violência; mas a grande maioria é algum vazio existencial, alguma necessidade, algumas circunstâncias que o levaram ao crime, a ficar violento. Esse pessoal não vai deixar de cometer crimes. Aí alguns dizem: "Mas há adultos utilizando-se deles." Então, vai aumentar, porque agora os adultos vão usar os de 15 anos até que alguém proponha reduzir para 14, aí vão usar os de 14 anos. Não vai reduzir, é uma questão de sensatez.
Segundo, sou contra porque nós negamos a esses jovens, quando meninos, uma boa escola. Agora queremos premiá-los com a cadeia ruim. Não vejo por que iríamos querer essa alternativa, a não ser aqueles que perderam seus entes e querem vingança. Esses, eu respeito. Entendo o sentimento deles. Nenhum de nós aqui pode dizer que não teria esse sentimento e que não defenderia isso. Mas, como Senador, não posso me guiar por isso. Então, nós temos que entender por que essas pessoas estão na criminalidade e o que fazer para resolvermos isso. E é muito maior o problema do que aumentar o número de jovens na cadeia, muito maior. Então, é uma insensatez e é uma injustiça.
Além disso, o que a gente tem que saber não é se eles são responsáveis ou não, porque até acho que são, de certa forma, responsáveis. O que a gente tem que perguntar é se temos o entendimento de que eles são recuperáveis ou não. E aqueles irrecuperáveis que ameaçam a sociedade caso sejam livres precisam de um tratamento especial. Não se pode soltá-los para seguirem continuando no crime. Há maneiras de avaliar os riscos.
Terceiro, sou contra porque é uma tremenda manipulação da opinião pública ficar a favor disso querendo ganhar votos ao se sintonizar com a opinião pública. Não vou cair nessa. Acho que o papel do Parlamento é maior do que refletir o humor do momento da população. Não podemos ignorar, tanto que estamos fazendo essa audiência. É prova de que estamos sentindo o humor da população indignada - com razão - com a criminalidade em geral e também de menores. Mas creio que o Parlamento não deve cair nessa tentação de atender a opinião pública porque, se for assim, vamos atender para outras coisas, entre elas, fechar o Congresso. Não vi ninguém propor isso ainda, mas está na cabeça do povo. E seria um equívoco se fosse feito porque já tentamos e deu errado. E se tentarmos agora reduzir a maioridade, vai dar errado de novo. Daqui a 10, 15, 20 anos, virão alguns defender... Porque todo mundo vai esquecer que era 18, todo mundo vai achar que sempre foi 16. Aí vão propor 15, depois 14. Até que chega um dia que vão querer fazer algum teste para saber se na barriga da mãe há a possibilidade de um futuro criminoso, e virão propostas de abortar esses entes.
Fico feliz de ver aqui todos com uma posição muito parecida. Creio que a gente deve debater mais, deve trazer gente que seja a favor da redução da maioridade penal, a gente deve ouvir essas pessoas. Sugiro que convidemos aqui familiares que perderam filhos ou parentes por crimes cometidos por menores infratores. Estou falando daqueles raros crimes hediondos, que são raríssimos. Estamos querendo reduzir, Mariza, a maioridade para todos, quando são raríssimos os que cometem crimes, especialmente hediondos.
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Aliás, eu estava lembrando agora: na história do Brasil, a gente já reduziu a maioridade quando precisou pegar um príncipe herdeiro e fazer dele imperador. Reduzimos a maioridade penal do Dom Pedro. Não foi preciso reduzir a maioridade penal de todos os brasileiros, não. Reduziu-se a dele, porque resolvia o problema de legitimidade que a sociedade brasileira vivia sem ter um imperador - foi um. Talvez a gente tenha que trabalhar a ideia de que alguns indivíduos com menos de 18 anos possam ter sua maioridade penal definida por um conjunto de juízes, por exemplo, por um conjunto, por uma instância qualquer, individualizado.
E aí eu deixo, Senador Telmário, a minha pergunta: vocês acham que essa possibilidade de se permitir a maioridade, a declaração da maioridade penal para indivíduos abriria brecha para a gente reduzir a maioridade penal para todos? Seria uma abertura de brecha ou não? Ou não seria realmente a maneira de calar muitos, dizendo: realmente existem crimes e meninos criminosos que nós temos que tratar diferente do conjunto? Então, essa é a primeira pergunta.
E a segunda é para quem achar que isso seria um caminho. Os que disserem não, não precisa pegar a segunda pergunta. Se achar que isso é um caminho, que não tem perigo, como fazer isso? Qual seria a autoridade para declarar maioridade penal individualizada conforme as características psicológicas, inclusive de violência, os desvios que têm algumas crianças e o crime que tenham cometido? Eu até queria dizer que penso mais na característica dela para cometer crimes depois do que no fato do crime cometido antes. Porque, no crime cometido antes, a gente vai agir mais por vingança e, no risco de crime posterior, por segurança.
Então, essas são as duas perguntas que eu deixo, sendo que, para quem responder não à primeira, a segunda cai.
É isso, Senador Telmário.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - O Senador Cristovam sempre trazendo pontos importantes, essa reflexão muito peculiar.
Mas, para a gente administrar, eu vi aqui a ansiedade dos demais Senadores - acho que o Senador resolveu sair -, vamos fazer assim, para a gente disciplinar: Senador Lindbergh e, depois, Senadora Regina, e aí a gente escolhe uma pessoa que se habilite a fazer essas respostas - está certo?
Então, Senador Lindbergh com a palavra.
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - Obrigado, Senador Telmário.
Da mesma forma que o Senador Cristovam, eu faço parte da Comissão de Relações Exteriores, onde está tendo uma sabatina agora. Mas fiz questão de passar aqui pela importância do tema e pelo fato de, como brasileiro, estar muito preocupado com uma pauta legislativa extremamente conservadora aqui no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados.
No dia de ontem, tivemos a finalização da votação do projeto de terceirização, que significa o mais grave atentado aos direitos dos trabalhadores, desde a época de Getúlio Vargas - e estamos falando da década de 40 -, uma ofensiva gigantesca. A discussão sobre maioridade, que está acontecendo na Câmara dos Deputados.
Eu acho Presidente Telmário, que o Senador Paulo Paim e V. Exª foram muito acertados em antecipar o debate aqui no Senado Federal. Por incrível que pareça, Senador Cristovam, o Senado sempre foi uma Casa mais conservadora. Agora, o que a gente está vendo na Câmara dos Deputados, pode ser a salvação da lavoura este Senado Federal.
Na semana passada, tivemos uma discussão, uma votação no Plenário do Senado Federal de um projeto sobre biodiversidade, e teve um tema muito importante, que era a repartição de benefícios para comunidades tradicionais e povos indígenas, que nós conseguimos ganhar, por poucos votos, mas nós conseguimos ganhar de setores conservadores aqui no Senado Federal.
Já vamos ter no projeto de terceirização uma tramitação diferente. Fomos conversar com o Presidente Renan Calheiros, que garantiu que não vai ter votação em regime de urgência, que vai passar pelas comissões. E eu acho que a mesma mobilização tem que ter nesse tema da redução da maioridade penal aqui.
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E eu vim aqui para dizer o seguinte: está para ser montada, criada e instalada no Senado Federal uma CPI sobre o extermínio de jovens. A Presidente vai ser a Senadora Lídice da Mata, e eu vou ser o Relator da CPI.
Eu conversei com o Senador Cristovam, porque a participação dele nessa CPI, eu acho que seria muito relevante, mas é uma CPI que pode abrir uma série de discussões, desde a discussão da maioridade penal à discussão sobre a segurança pública, a reforma das polícias, a discussão sobre desmilitarização das polícias. Eu sou autor da PEC nº 51, que trata desse tema, da desmilitarização das polícias. Da discussão sobre essa política de guerra às drogas, que tem fracassado no mundo inteiro, não tem funcionado no mundo inteiro. O resultado que nós temos é uma média de 30 mil mortes de jovens no Brasil por ano. É um extermínio da nossa juventude. No ano 2012 foram 30 mil mortes, dessas, 77 mil jovens negros, jovens que estão sendo vitimados pelo tráfico, pela milícia e por uma polícia despreparada, preparadas apenas para uma política de confronto. A lógica de polícia de proximidade, de policiamento comunitário que nós temos que resgatar é uma lógica que infelizmente não prevalece nesse modelo policial brasileiro.
E aqui eu quero dizer que quando falei da política de guerra às drogas, porque o Senador Cristovam Buarque também começa a entrar nesse debate, de fato isso foi um fracasso no mundo inteiro.
Agora, eu queria aqui trazer uma experiência muito interessante, apresentada pelo Deputado Nilton Lima, que é a experiência sobre São Carlos, que fez um processo inverso. E eu queria trazer alguns dados para vocês.
São Carlos, desde 2001, vem apostando no Estatuto da Criança e do Adolescente. Começaram a trabalhar uma política de integração entre Estado, Município, Judiciário, segurança pública, Ministério Público, assistência social, saúde e educação, organizações da sociedade civil, família. Privilegiaram lá uma ação de intervenção junto ao adolescente autor do ato infracional, que se inicia a partir de pequenos desvios, e tem como centro a pessoa do adolescente e não o delito praticado.
A cidade, que, em 1998, teve 15 homicídios praticados por adolescentes, viu cair esse índice para no máximo dois por ano entre 2001 e 2005. E nenhum em 2006. Durante esse período, o índice de reincidência de São Carlos ficou em torno de 4%. Nós temos uma média nacional de 20%. E, além disso, houve uma redução do número de internos de 90%.
Eu estou falando isso porque acho que esse é um caminho que nós temos que...
Está aqui a Fundação Abrinq, que diz também que 89% dos jovens com privação de liberdade no nosso País não concluíram a formação básica até a oitava série.
Eu fui Prefeito de uma cidade lá no Rio de Janeiro, Nova Iguaçu. Nós tínhamos um trabalho que dá para ser feito em qualquer cidade brasileira, de busca ativa, porque esse jovem, esse adolescente dá o primeiro sinal. E o afastamento da escola é um sinal muito claro. E você pode colocar uma equipe multidisciplinar para ir lá, conversar com esse adolescente, conversar com a família, estudar as causas.
Então, senhores, eu acho que o Senador Cristovam é muito feliz quando faz o contraponto entre educação e prisão, entre a educação e esse sistema carcerário falido.
Eu faço parte da Comissão de Relações Exteriores. Na última reunião que tivemos, houve uma sabatina com alguns embaixadores de países africanos, e muitas pessoas falaram em direitos humanos, o que é muito importante para se falar naquela Comissão. Mas na última hora eu disse: e nós? E o Brasil com esse sistema carcerário completamente falido? Envergonha o Brasil isso que existe aí!
O que nós estamos propondo é colocar esses adolescentes nesse sistema carcerário falido, desumano, cruel, com índice de reincidência baixíssimo, um dos maiores do mundo? Mais de 60% voltam a reincidir quando saem disso. Com organizações criminosas que funcionam lá dentro?
Isso é uma maluquice. O termo que eu tenho que usar é este: maluquice. Nós estamos vendo a nossa população carcerária, a quarta do mundo, crescendo... Terceira. Eu estava inclusive questionando aqui se era quarta ou terceira, porque vejo em alguns... Nós passamos da Rússia. E vamos continuar nessa rota ascendente.
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Lá no Rio de Janeiro, Senador Telmário, o que acontece é isso.
Tráfico de drogas. São aqueles aviões de tráfico de drogas, garotos que estão ali é que vão para a cadeia. E, quando eu digo que essa política de drogas é completamente despropositada, é isso.
Então, eu encerro, dizendo: nós já estamos matando essa nossa juventude, esses adolescentes. É uma política de extermínio; não há outra coisa a dizer neste País a não ser que é uma política de extermínio contra a nossa juventude pobre, a nossa juventude negra. Agora, além de extermínio, nós queremos encarcerar, nesses presídios desumanos aqui do País.
Agora, eu queria chamar os senhores - e vim aqui para isso - para dizer o seguinte: nós estamos para instalar essa CPI, essa CPI já foi formada, esperamos, num prazo de 15 dias, instalar essa CPI; e nós queríamos muito a participação dos senhores nesse debate nessa Comissão Parlamentar de Inquérito. Eu acho que pode ser uma trincheira nessa luta contra a redução da maioridade penal.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos aí o Senador Lindbergh, com uma exposição...
O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Apoio Governo/PT - RJ) - E vou ter que sair, Senador Telmário, porque, infelizmente, a Comissão de Relações Exteriores...
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - ... que contribuiu bastante. É o ponto de vista de um Senador jovem, de uma cidade que vive hoje a dor, a presença do crime de forma muito forte, que é o Rio de Janeiro.
Vamos ouvir agora a representante do Piauí, esta Senadora maravilhosa, mãe, que tem todo o compromisso: Senadora Regina Sousa.
A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Bom dia.
Quero cumprimentar as entidades presentes, o Senador Telmário, Presidente, os Senadores presentes.
Eu acho que nós temos no País quase que um vício: na hora em que há um problema evidente, a saída é elaborar uma lei ou modificar alguma existente; agora, com o cumprimento delas, ninguém se preocupa.
Nós temos lei. Não é verdade que não há punição para o adolescente. Nós temos lei, temos o Estatuto, pelo qual o menino pode ficar três anos interno, mais três em semiliberdade. Quer dizer, há uma sequência de ações que podem ser feitas, mas a verdade é que o Estado brasileiro é incompetente para cuidar de criança e adolescente. Eu digo isso com conhecimento de causa dos dois lados.
Eu fui militante no Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), nos anos 80; depois, eu fui Secretária de Estado no Piauí, e via essa questão. Apesar de ser Secretária de Administração, eu me envolvia muito, por conta da minha origem, com o social. E a gente percebe isso claramente. Não há instrumentos eficazes. O Estado não dá conta dos presídios, do sistema carcerário também.
Então, o que a gente vê nesse clamor da população é exatamente por essa falta de controle, falta de fiscalização. Assim, para a população, a questão é prender, é se ver livre do menino.
E a gente percebe também que há setores da sociedade que sabem cuidar melhor do que o Estado. Precisam só de parcerias. Eu falo de entidades também porque eu acompanho, conheço, convivi quando Secretária. Nós temos entidades que... Lá no Piauí, nós temos uma entidade chamada Movimento pela Paz na Periferia. É premiada inclusive internacionalmente, mas está correndo o risco de fechar. Ela consegue trabalhar com o adolescente por meio de vários programas, entre eles a questão da informática, a MetaReciclagem, que é reciclar computadores. Eles funcionam até à meia-noite, porque sempre há gente querendo fazer os cursos, e é sempre gente da periferia, que vem de bicicleta, vem a pé para fazer o curso de informática, para participar do curso de MetaReciclagem. São pessoas em situação de vulnerabilidade.
O Movimento consegue juntar... Lá no Piauí, por exemplo, existem as gangues - não sei se há em outros lugares; os componentes de um grupo de adolescentes de um bairro, se encontrarem um grupo de outro bairro, eles se matam. Mas o Movimento consegue botar duas ou três "gangues" - entre aspas - para ver um filme e depois comentar esse filme. Eles chamam essa atividade de Cine Periferia, que é desenvolvida numa van.
Quer dizer, são ações simples que essa entidade é capaz de fazer, mas ela está carente da parceria do Estado, que prefere ter estruturas falidas; superestruturas, mas que botam gente lá que nunca trabalhou essa questão, que nunca lidou com isso, que tem medo dos meninos quando chega perto. Então, é simplesmente uma inversão o que está acontecendo. Eu acho que a gente tem que valorizar esses entes.
Agora, a campanha está forte. Apesar de ter melhorado aqui na internet, a gente sabe que a campanha é forte pelo clamor popular. E, se a gente não tiver pessoas...
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A CNBB ainda vai falar? Porque acho que a Igreja, principalmente a Igreja Católica, tem um poder mobilizador muito grande e precisa entrar nessa campanha de ser contra a maioridade penal; senão, ela passa. E não adianta se alegar a constitucionalidade, porque de tanta coisa que se alega a inconstitucionalidade acontece, não é? E o guardião da Constituição não se manifesta. Os próprios Parlamentares deveriam ser os guardiões, mas apresentam um projeto de lei com esse conteúdo.
Então, acho que a gente precisa apostar na mobilização, em mexer com a sociedade, em ver as entidades da sociedade que são contrárias e fazer uma grande campanha para que, no Senado... Porque acho que a Câmara, pelo ritmo que tem a Câmara, vota tudo muito rápido, haja vista o projeto de terceirização. É atropelando mesmo. Eu assisti, ontem, à noite, e vi o que é uma votação lá. No Senado tem mais discussão, tem mais acordo, mas lá ...
Então, acho que lá não tem muito como frear mais. Acho que temos que trabalhar agora no Senado. Essas entidades têm que vir para cima dos parlamentares para ver se conseguem, ainda, mudar alguma coisa ou rejeitar, aliás, o projeto, que é o que todo mundo que compreende o assunto quer.
Então, era isto que queria deixar como contribuição.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senadora Regina, muito obrigado. V. Exª contribuiu, sem nenhuma dúvida, e está contribuindo.
Antes de passar a palavra ao Dr. André, que se habilitou a responder a pergunta do Senador Cristovam, eu queria destacar, Senador Cristovam, que essas duas mesas que nós convidamos para este fórum de debate foram baseadas naquelas pessoas que estão habilitadas, que têm convivência, que têm conhecimento técnico. Realmente, foi por esse ângulo. Então, não houve uma escolha de quem é contra ou quem é a favor, não; nós fomos buscar quem realmente conhece o assunto, quem pode trazer informação verdadeira, uma informação sem animosidade de cunho político ou de uma dor de um ente querido perdido, dessa ordem.
Então, trouxemos, por exemplo, o André, Presidente da Associação de Juízes para a Democracia, a Mariza, Presidente do Conselho Federal de Psicologia, a Angélica, Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Bruna, Defensora Pública de São Paulo e Coordenadora Auxiliar do Núcleo Especializado de Infância e Juventude e representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos, a Esther, Vice-presidente do Conselho Federal de Serviço Social; o Felipe, Secretário Executivo do Conselho Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, o Pedro Paulo, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Luciana Loureiro, Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal, o Ariel de Castro, representante da ONG Internacional Aldeias Infantis SOS, e a Ângela Guimarães, Secretária Nacional da Juventude Adjunta e Presidente do Conselho Nacional da Juventude. Mas V. Exª será ouvido e nós vamos fazer outros convites.
Este debate está iniciando agora, e, naturalmente, também vamos trazer aqui aquelas pessoas que têm um posicionamento bem paroquial, da dor da perda de um ente querido, para dizer e mostrar que a verdadeira intenção desta Casa é levar a um verdadeiro esclarecimento, sem nenhuma influência de poder econômico externa ou mesmo de um pano de fundo. Aqui foi bem colocada a forma como está acontecendo na Câmara Federal. Parece que há uma pressa, um sentimento, lá dentro, de querer andar com a voz da população, parece-me que já uma campanha antecipada para Presidente, de possíveis nomes para Presidente, enfim, essas coisas que, às vezes, são pano de fundo.
Então, o André vai fazer uma exposição rápida ao Senador Cristovam, e, em seguida, a gente já faz a composição da segunda mesa.
O SR. ANDRÉ AUGUSTO SALVADOR BEZERRA - Senador, obrigado pelas palavras. Fico feliz em ouvi-las, assim como também fico feliz em ouvir as palavras da Senadora Regina, do Senador Lindbergh, inclusive na CPI, que tem várias pautas conjuntas com as pautas da Associação de Juízes para a Democracia, como a questão da guerra contra as drogas, do extermínio dos pobre e negros.
Mas, muito bem, vamos responder a pergunta. E vou responder apenas uma pergunta, Senador, uma pergunta apenas, porque a minha resposta é não. Não é possível abrir exceção. Muito se falou aqui da ineficácia da redução da maioridade em termos práticos, até mesmo no sentido de que vai aumentar a violência - todos nós, no final, falamos disso. Neste momento também é preciso se prender um pouco à forma. Afinal de contas, aqui é ou não é um Estado de direito? Estamos ou não estamos numa democracia?
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A maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea e ponto, sem exceção. Eu me formei em Direito em 1996 e sou juiz desde 1998. E, pessoalmente, Senador, eu estou cansado - eu já usei esta expressão na minha exposição - de malabarismos hermenêuticos para não se cumprirem direitos. Esta expressão, "malabarismos hermenêuticos", é do Gabriel García Márquez, usada em Cem Anos de Solidão. É a expressão que ele usa quando as empresas multinacionais de Macondo se livram dos acidentes de trabalho, das mortes dos trabalhadores, da exploração daquele povo latino-americano, que é o nosso povo, que é a nossa realidade tão parecida.
Realmente, eu estou cansado desses malabarismos hermenêuticos. Olha, 18 anos não é cláusula pétrea; cláusula pétrea é a maioridade penal. Não podemos abrir exceção. Esta é uma Casa que faz normas, normas gerais, normas abstratas, e é possível, sim, - lógico, não vamos ser cegos - que essas normas gerais, essas normas abstratas, por vezes, causem situações individuais injustas. Mas essas situações individuais, por serem excepcionais, não podem ser regradas pelas normas. Há casos, lógico, patológicos, de menores que, aparentemente, numa análise mais superficial, não têm solução. O que fazer com esse jovem? Olha, aí, nesse caso, me parece que não é tarefa - sem querer, desculpa e expressão, passar a bola - do Legislativo, deste Poder Legislativo, traçar normas gerais e abstratas. É tarefa ainda do Estado brasileiro, mas da Administração Pública, do Poder Executivo, das políticas públicas de educação, das políticas públicas de saúde, inclusive de saúde mental, já que há casos, realmente, de patologias de menores aparentemente irrecuperáveis.
Portanto, é não.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Bom, então, agora vamos fazer... A Angélica quer fazer...
Um minutinho, não é, Angélica?
A SRª ANGÉLICA MOURA GOULART - Respondendo brevemente, a Conanda se debruçou sobre esse tema, fez uma reflexão profunda sobre ele, e, se a gente se basear no princípio que deve estar orientando a privação de liberdade dos nossos adolescentes, nós temos que focar no princípio da excepcionalidade e no princípio da brevidade. Então, está havendo uma inversão: hoje, muitas vezes, os meninos estão cumprindo essas medidas de privação de liberdade por atos infracionais por que eles não deveriam estar cumprindo.
Então, se nós, como disse a Senadora, cumpríssemos exatamente a lei como é, quem deveria estar cumprindo medida de privação de liberdade eram esses jovens que cometem esses atos mais gravosos, e não aqueles, como nós dissemos anteriormente, que estão relacionados ao tráfico de drogas, a crimes menos lesivos e que estão dentro do sistema. Então, há um equívoco nessa aplicação, e a gente precisa se debruçar e amadurecer as nossas posições em relação a isso.
Mas eu não podia deixar de lembrar que, no ano passado, tramitou a PEC nº 33 aqui, no Senado, uma PEC do Senador Aloysio Nunes, que trata exatamente desse tema. Essa PEC recebeu parecer contrário e foi derrotada. Ela foi derrotada na CCJ, em 2014. Então, eu acredito que o Senado já avançou nessa discussão, já apreciou essa matéria.
Embora exista um requerimento de levar essa discussão da PEC para o plenário do Senado, eu acho, Senador, que nós temos que amadurecer, que continuar dialogando para nos prepararmos também para esse momento.
Então, muito obrigada e desculpe-me.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Muito obrigado.
Obrigado a todos que fizeram essa primeira mesa.
Vamos ouvir agora a segunda mesa, que é composta pelo Felipe da Silva, pelo Pedro Paulo Guerra de Medeiros, pela Luciana Loureiro Oliveira, pelo Ariel de Castro Alves e pela Ângela Guimarães. (Pausa.)
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Bom, então, dando continuidade ao nosso trabalho, nesta segunda mesa, segunda rodada de debates, vamos começar com o Felipe. Em seguida, falarão o Pedro Paulo, a Luciana, o Ariel e a Ângela.
Com a palavra o Felipe, Secretário Executivo do Conselho Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial.
O SR. FELIPE DA SILVA FREITAS - Muito bem.
Bom dia a todos e a todas.
Cumprimento aqui o Senador Telmário Mota, que preside os trabalhos desta sessão, desta audiência pública, e registro aqui o nosso desejo de que o Senador Paim volte rapidamente ao combate nesta Casa, pois ele é fundamental, tem sido fundamental numa característica muito peculiar ao Senador Paim, que se verificou em vários momentos da trajetória desta Casa, que é de construir consensos e unidades em temas difíceis. O Senador tem essa característica e faz muita falta sempre que não está presente. Então, desejo aqui uma rápida reabilitação ao Senador Paulo Paim.
E quero saudar as pessoas presentes, as entidades, os companheiros e as companheiras de mesa dizendo da importância, eu acho, desta audiência para o fortalecimento do debate e o papel que esta Casa tem. Como a Secretária Angélica já destacou, esta Casa conseguiu fazer, o que é muito difícil, um debate muito avançado sobre o tema da redução. Ela rejeitou não só a PEC nº 33, mas todas que estavam a ela apensadas na questão da constitucionalidade. Portanto, há discussão sobre a inconstitucionalidade das medidas de redução da idade penal e seus derivados e todas as medidas que mexem, ainda que de maneira indireta, enviesada, na questão da redução da idade penal foram debatidas e enfrentadas pela Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, o que revela que esta Casa conseguiu criar um ambiente político em que as vozes foram ouvidas. A meu juízo, foi feito um debate razoável e uma decisão acertada foi tomada. Assim, acho que isso faz com que este momento seja fértil no sentido de antecipar esse reexame que acontecerá diante da discussão da PEC nº 171, que está acontecendo na Câmara dos Deputados.
Como já foi anunciado, falo aqui em nome do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que é um órgão associado à Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial, um conselho consultivo, e que tem se debruçado, ao longo dos anos da sua existência, sobre esse tema a partir daquilo que é a vocação, que é a atribuição do nosso Conselho, que é pensar as assimetrias raciais da sociedade brasileira e de que modo esse tema impacta na agenda das pessoas negras e da juventude negra, de modo particular.
Vou pinçar, falar rapidamente, vou tentar falar aqui, nos dez minutos, em dois pontos.
Primeiro, acho que é importante voltar a esse tema, concordar com o que esta Casa já disse, com a decisão que esta Casa já constituiu na sua Comissão de Constituição e Justiça e que foi apresentado aqui pelos oradores que me antecederam, a respeito da inconstitucionalidade.
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Isso pode parecer um debate de forma, pode parecer um debate que quer fugir à discussão de mérito, mas, efetivamente, não é, porque o que distingue - e acho que o Dr. André foi bastante feliz ao levantar esse aspecto - uma sociedade, um Estado democrático de direito de outro é a possibilidade de se regrar segundo um conjunto de normativas que estão hierarquizadas pela Constituição. Então, eu acho que o argumento constitucional é muito importante, e a inconstitucionalidade tem de ser reafirmada.
E, segundo, quero dizer que acho que precisamos nos dirigir aqui não somente aos nossos pares que são contrários à redução, porque precisamos nos dirigir àquelas pessoas que têm posição favorável à redução, mas, pensando nas pessoas que são a favor da redução, também tentando fazer uma distinção ali.
Há uma parcela que acha que a saída é exterminar uma parcela da juventude que tenha cometido determinado delito. Com essa parcela, efetivamente, a nossa possibilidade de diálogo fica limitada, porque, para nós, o princípio é de que exterminar não é uma opção. Mas eu acho que há gente de boa vontade, gente séria, gente que está impactada pela questão da violência, que, de boa-fé, acredita que a redução é uma alternativa. Eu queria dialogar com essas pessoas. Acho que é importante dialogar com essas pessoas. Quero dialogar com essas pessoas discutindo, primeiro, uma coisa que o Senador Cristovam trouxe aqui e que eu acho que é bastante importante, que é a dimensão do ódio, da vingança, como um componente que acaba calibrando a nossa expectativa com relação a esse tema. Se eu acho que não é possível debater um tema como esse, que diz respeito à vida das pessoas, sem paixão, eu acho também que, sem dosar a nossa paixão com a racionalidade necessária, a gente acaba tomando decisões equivocadas, porque eu entendo fraternalmente as pessoas que são vítimas de violência e que reagem querendo redução, querendo até a vingança. Mas isto não pode ser uma razão de Estado. Isto não pode ser o sentimento que organiza a reação no Parlamento, que organiza a reação no Estado brasileiro. Então, eu acho que a gente precisa dialogar com essas pessoas, dialogar tentando desfazer alguns mitos, alguns boatos, algumas informações truncadas, como aquelas que já foram contraditadas aqui pelos oradores que me antecederam, e eu queria ficar em três pontos que acho que são bastante importantes, que eu gostaria de frisar e que já foram, de algum modo, trazidos pelas pessoas que me antecederam.
O primeiro é uma ideia de que nós temos, no Brasil, uma desordem generalizada, uma impunidade sobre a qual a redução da maioridade penal iria incidir. Esta é uma ideia que está circulando amplamente na sociedade e que, a meu ver, a gente precisa combater porque não é verdadeira.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. São 500 mil que estão nas medidas gerais de regime fechado. Quando somamos com as que estão cumprindo prisão domiciliar, a gente chega a mais de 700 mil pessoas em cumprimento de diferentes regimes prisionais. Só que a gente segue falando de leis mais duras como se o Brasil tivesse uma população carcerária pequena ou como se a intervenção penal no País fosse limitada, o que não é verdade. Essa é uma primeira questão. E, aí, a gente precisa desassociar a responsabilização do sofrimento, da dor e do castigo físico. Eu sei que isso é um processo difícil. A lei que se referia a castigos físicos no que diz respeito à criança e ao adolescente mostrou um pouco como é difícil fazer esse debate no País.
Por que estamos querendo reduzir a idade penal? Esta é uma questão. É porque a gente quer mais responsabilização ou porque a gente quer mais dor, mais sofrimento para esses meninos que praticaram um ato infracional? Essa eu acho que é uma questão sobre a qual precisamos pensar: a gente quer mais castigo ou a gente quer resposta aos delitos? Essa é uma questão que acho útil para superarmos um entrave que se criou no debate.
Um segundo aspecto é o discurso do medo. O medo não é útil politicamente para debater temas dessa natureza, porque o medo nos paralisa e interdita nossa possibilidade reflexiva, porque o medo é um tipo de sentimento individual que se torna coletivo, que, do ponto de vista individual, paralisa e, do ponto de vista coletivo, induz a certos tipos de dominação muito perigosos. Sempre que sociedades tiveram muito medo, estratégias de dominação se estabeleceram naquelas sociedades e tiveram efeitos muito penosos. O medo não é um bom sentimento para nos acompanhar numa decisão dessa natureza.
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A gente precisa administrar esse medo que é sentido individualmente por cada um e por cada uma de nós diante da constatação de que a violência é real, é objetiva na nossa sociedade, é percebida de várias formas, não só a violência criminal, que é essa que é mais midiatizada, mas a violência do racismo, a violência do ódio religioso, a violência do sexismo, a violência das fobias LGBT e das violências contra homossexuais no Brasil.
Então, a violência, efetivamente, se generaliza, mas a gente não olha para toda...
(Soa a campainha.)
O SR. FELIPE DA SILVA FREITAS - ... violência; a gente olha, prioritariamente, para aquela violência criminalizada, midiatizada. Essa também é uma questão em que a gente precisa pensar. Mas o medo não contribui para saídas racionais no nosso debate.
Por último, precisamos pensar numa coisa que quem tem posição favorável à redução diz bastante - mas eu acho que diz de um modo, a meu ver, equivocado -, que é a questão das vítimas. Por quê? Fala-se bastante do sofrimento das vítimas para argumentar a redução. No entanto, eu acho é importante pensar o seguinte: em que a redução da idade penal importa em atendimento às vítimas? Porque eu acho que a questão das vítimas é um tema que tem que nos preocupar, mas não é o castigo contra o autor que aumenta a resposta do Estado à vítima. O debate que tem que ser feito é sobre como a gente amplia a reparação da vítima quando for possível, como a gente amplia a estrutura estatal para que a vítima consiga superar os sucessivos traumas causados pela perda que a violência desencadeou. A redução não incide sobre o tema das vítimas. Eu acho que esse é um falso argumento que eu queria trazer para o nosso debate. As vítimas não são consideradas no debate da redução, porque aplicar uma medida socioeducativa ou prender no regime do sistema penal o autor, que, como a gente já disse aqui, é minoritário, é totalmente subsidiário no conjunto dos homicídios e dos crimes violentos praticados no País, não incide sobre o problemas das vítimas.
Então, eu volto a pergunta para encerrar: é o sofrimento ou a responsabilização do autor que a gente quer? Qual é a demanda da vítima? É a reparação? É a indenização civil? É o atendimento psicológico? É a estrutura do sistema social que possa atender a essa vítima? Ou é a prisão do autor? A meu ver, é a possibilidade de que a gente refaça o laço nas comunidades e construa direitos, a emancipação, a autonomia e o empoderamento da juventude, o que está em jogo. A meu ver, é a discussão sobre o empoderamento juvenil, sobre como se garantem direitos para a juventude o que está em jogo. Porque, no limite, este debate aponta para a reflexão sobre a democracia, ou não, da nossa sociedade.
Eu acredito que a sociedade brasileira é uma sociedade democrática e vai se afirmar assim sempre que as instituições puderem contribuir com isso. O Senado Federal, com este debate, presta uma contribuição a isso e as instituições que estão aqui também.
Acho que a redução da idade penal, efetivamente, não é a saída, e este é o diagnóstico a que a gente vai chegar no nosso debate.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos a fala do Felipe, muito bem colocada. Ele conversou com o público que se manifesta de forma responsável e trouxe para uma reflexão.
Então, vamos ouvir agora o Pedro Paulo, que representa o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
O SR. PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS - Senador Telmário Mota, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil agradece, mais uma vez, a oportunidade de estar aqui, junto à sociedade, debatendo os seus rumos, o seu futuro, porque o lugar correto para a discussão dos rumos do País e para os limites dentro dos quais temos que viver hoje e amanhã é exatamente o Congresso Nacional. Não é na mídia, não é no jornal, não é nas redes sociais. Nas redes sociais, a população tem o direito de opinar, mas a decisão final passa por esta Casa legislativa, que tem o povo nela representado. Daí por que a Ordem dos Advogados do Brasil, sempre que possível, quer, e registra isto, poder participar das discussões. As audiências públicas têm este efeito de discutir e ouvir as várias opiniões e vertentes que permeiam a nossa sociedade e que, algumas vezes, são contrárias à opinião da própria instituição OAB ou, às vezes, contrárias àquilo que entendemos que diz a nossa Constituição Federal, mas que nem por isso podem deixar de ser ouvidas e observadas, porque é a opinião da maioria da população brasileira, ainda que pontualmente.
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Portanto, essas audiências públicas contam sempre com o beneplácito da Ordem dos Advogados do Brasil, motivo pelo qual ela reitera os seus agradecimentos e presta esta homenagem a esta Casa por poder participar de mais esta audiência pública para tratar de um assunto tão relevante.
O Conselho Federal da OAB já, há muito tempo, tem posição formada contrária à proposta de redução de maioridade penal. Não é de hoje. Não é deste mês. Já, há vários anos, tem posição formada. Mas, como nós sabemos, reiteradamente, de tempos em tempos, o assunto volta novamente à discussão, principalmente se há algum crime cometido por menor que vai para o jornal das oito da noite. Se um crime cometido por menor vai para um jornal das oito da noite, por óbvio, o assunto é requentado, é trazido novamente à baila, e o Conselho Federal tem que, formalmente, se pronunciar pelo seu Pleno reafirmando, aquilo já tido anteriormente, contrariamente à proposta de redução da maioridade penal. É isto que se está a tratar neste momento.
A ideia foi reacesa. Estamos aqui, novamente, discutindo uma proposta que não é nova, mas que, há tempos, tem recebido opiniões de quem é do ramo, de quem estuda política criminal, de quem estuda política para jovens e adolescentes, de quem é psicólogo, de quem é assistente social, de quem conhece a realidade de jovens, de quem conhece a realidade de política criminal. Todos esses dizem: não há por que se reduzir a maioridade penal. E não há por que por duas vertentes: uma vertente formal e uma vertente material.
A vertente formal é que a forma pela qual se pretende atuar, que é modificando a Constituição Federal, encontra limitação na própria Constituição Federal. Nós temos direitos e garantias previstos na Constituição Federal não exclusivamente no art. 5º. É uma falácia dizer que todos os direitos e garantias fundamentais estariam limitados ao art. 5º da Constituição. Nós sabemos que não é verdade. A Constituição é um bloco normativo, com vários direitos e garantias espalhados em seu bojo. A título de exemplo, citamos o direito à anterioridade tributária. Quando se modifica uma lei tributária, você precisa de um certo tempo para que passe a viger aquela nova legislação. O Supremo Tribunal Federal, oportunamente, disse que aquilo era um direito fundamental, o direito à anterioridade tributária. Ora, isso não está no art. 5º. Não mesmo. Mas o Supremo reconheceu. Por óbvio, com muito mais razão, não há que se discutir o direito à limitação de imputabilidade penal estabelecida na Constituição Federal como sendo de 18 anos, que, aliás, segue a regra e a sugestão da Organização das Nações Unidas. Nós não criamos isso. Isso vem da ONU. Até hoje ainda é assim. A maior parte dos países que integram a Organização das Nações Unidas estipulam o seu patamar em 18 anos. Portanto, é um direito e uma garantia fundamental previsto na Constituição Federal e, portanto, uma proposta tendente a abolir, limitar ou restringir esses direitos é uma proposta que afrontaria o princípio internacional da vedação ao ano retrocesso social, também chamado de efeito cliquet. Você não pode retirar do ordenamento jurídico um direito fundamental depois de incorporado. Direitos fundamentais somente são incorporados ao ordenamento jurídico, nunca retirados. Daí por que - e é uma teoria de direitos humanos, de direito internacional - você nunca fala em gerações de direitos fundamentais. Academicamente, já se evoluiu para não se falar mais em geração, mas, sim, em dimensão. Nós temos dimensões de direitos fundamentais, e não mais gerações. Exatamente por isto: com as dimensões, você vai abarcando novos direitos e os incorporando. Se você fala em gerações, você daria ideia de que, ultrapassada aquela geração anterior, você teria abolido os direitos fundamentais agregados em uma geração pretérita. Na verdade, você apenas acresce. Por isso, você fala em dimensões.
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Portanto, formalmente, a proposta tendente a reduzir a maioridade penal nos parece absolutamente inconstitucional e inconvencional, usando uma expressão que o Professor Valério Mazzuoli utiliza, que é o de que também violaríamos preceitos de tratados internacionais de direitos humanos com relação aos quais o Brasil é signatário, que impedem o retrocesso social. Portanto, é inconstitucional, entendemos, essa proposta.
Se - e aceita-se isto apenas por hipótese, eventualidade mesmo, amor à discussão - vier a ser promulgada uma proposta como essa e ela se tornar emenda constitucional, não tenho dúvidas, o Conselho Federal da OAB, um dos legitimados no art. 103 da Constituição Federal, eminente Senador, certamente, por seu Plenário, envidará esforços para que seja proposta uma ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal para ver declarada inconstitucional essa eventual, hipotética e, acreditamos, nunca concretizada emenda constitucional para reduzir a maioridade penal.
Bem, o segundo basilar do motivo pelo qual entendemos não deva ser essa proposta aprovada nesta Casa é o de que, materialmente, o que se tenta fazer com essa redução é reduzir a criminalidade. Não há dúvida de que é isso que se pretende. Não é porque se quer pegar os jovens e mandar para o presídio simplesmente. Há o motivo de que, se você reduz a maioridade penal para 16 anos, você reduzirá a criminalidade, em especial aquela praticada por jovens e adolescentes ou por adultos utilizando-se de jovens e adolescentes como ferramenta de trabalho no crime.
Materialmente, também é falsa essa premissa. Nós vimos, a despeito do que, na reportagem, alguns congressistas disseram, que seriam 75% dos crimes praticados por jovens e adolescentes, menos de 1% o é. Portanto, menos de 1% dos crimes praticados no País são praticados por jovens e adolescentes. Ou seja, ainda que fosse verdade que, reduzindo a maioridade penal para 16 anos, houvesse o condão de evitar que esses crimes acontecessem, o que não é verdade, nós reduziríamos menos de 1% da criminalidade.
Qual é a eficácia disso? Nenhuma. Mas não é verdade que isso fará com que os crimes deixem de acontecer. O problema do Direito Penal é que ele tem efeito simbólico, ele tem efeito preventivo geral, que as pessoas têm que se sentir desmotivas a praticar aquele ato, que é um princípio econômico, da desmotivação, sob pena de receber a sanção, mas, na verdade, o que nós sentimos, no Brasil, hoje, com relação à sensação de impunidade não vem com relação ao problema do Direito Penal; o problema é que não temos estrutura para aplicar o Direito Penal, que não temos estrutura para aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente, que não temos centros de internação, não temos assistência social, não temos psicólogos, psiquiatras, escolas, clínicas para tratamento de saúde, empregos para jovens e adolescentes e seus pais... Ou seja, não há dignidade para esses jovens e adultos. Se o Estado não se faz presente para eles, eles não têm por que respeitar os bens jurídicos que o Estado tem como importantes. Eles se sentem marginalizados e, como marginalizados, não respeitam esses bens jurídicos. Daí porque não vai haver, materialmente, a redução de criminalidade. Isso é uma falácia.
Portanto, seja no âmbito formal, pela inconstitucionalidade, seja porque, materialmente, não vai reduzir a criminalidade, não há por que essa proposta de emenda constitucional ser aprovada nesta Casa, motivo pelo qual o Conselho Federal da OAB, por seu Plenário, assim como o Instituto dos Advogados do Brasil, o IAB, histórico instituto, fundador da OAB, também têm um parecer do lendário Evandro Lins e Silva, que, quando de uma proposta da emenda constitucional, há 20 anos, era vivo, fez um parecer também contrário à redução da maioridade penal.
Nós não podemos transformar essas discussões de Direito Penal, que hoje se tornam populismo penal, em "futebolização". Não podemos discutir Direito Penal na televisão como discutimos futebol. No futebol, se nós erramos ou acertamos na escalação de um time, não há problema algum; mas, se nós erramos nos rumos que damos ao Direito Penal e no rumo que daremos aos jovens brasileiros e, em vez de educá-los e ajudá-los, os colocamos nas cadeias com adultos, a criminalidade vai aumentar. Eles não vão para a cadeia e vão ficar presos para o resto da vida; eles vão voltar, e voltar para a rua pior do que entraram. É isso que as pessoas têm que entender: elas não vão simplesmente sumir com os jovens, pois eles vão para a cadeia com os adultos e vão voltar muito pior do que entraram. Não é melhor tentarmos salvar os jovens do que, desde logo, colocá-los na escola e na pós-graduação do crime no presídio com adultos?
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O Conselho Federal da OAB, uma vez mais, agradece a oportunidade e reitera a sua posição contrária à redução da maioridade penal, seja porque, formalmente, é inconstitucional, é inconvencional, seja porque, materialmente, não surtirá nenhum efeito pretendido, que é o de diminuir a criminalidade no Brasil. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Esta Comissão é que agradece a presença do jovem representante da OAB, que deu uma explicação bem didática, mas muito focada na parte da legalidade e na parte material, como foi bem ponderado. A OAB sempre foi a guardiã da democracia, dos direitos constituídos e, sem nenhuma dúvida, é importante nas grandes causas das lutas do povo brasileiro. Parabenizo o, Dr. Pedro, por sua participação nesta Comissão.
Agora, vamos ouvir a Luciana Loureiro Oliveira, Procuradora Regional do Cidadão do Distrito Federal.
A SRª LUCIANA LOUREIRO OLIVEIRA - Obrigada.
Bom dia a todos e a todas!
Agradeço, Senador Telmário, a oportunidade de estar aqui representando a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que é, para quem não sabe, um órgão do Ministério Público Federal e, só para contextualizar, é o órgão de cúpula do Ministério Público Federal que orienta a atuação dos Procuradores da República em todo o País nas questões relativas à cidadania e direitos humanos.
A Procuradoria Federal já tem, há algum tempo, uma nota técnica editada que já foi encaminhada à própria Comissão de Constituição e Justiça e à Comissão de Direitos Humanos desta Casa Legislativa e da Câmara dos Deputados porque ela já se manifestou sobre algumas proposições legislativas que visavam à redução da maioridade penal, e se manifestou contrariamente. É este posicionamento que venho ratificar e reiterar acerca da PEC nº 171, recentemente ressuscitada e admitida pela CCJ da Câmara.
Nós estamos confiantes de que o Senado, reafirmando a posição já externada em relação à PEC nº 33, que foi rejeitada, também o fará em relação à PEC nº 171. Aliás, o número da PEC não poderia ser mais adequado, 171, porque se trata realmente de um engodo, uma enganação, uma tentativa de estelionato mesmo em face da sociedade, porque, assim como já disseram todos os expositores que me antecederam nesta e na mesa anterior, é uma solução que, na verdade, nada resolve, que aprofunda um problema que é mais social do que jurídico ou de política penal.
Então, o posicionamento do PFDC é absolutamente contrário à redução da maioridade penal por motivos que já foram expostos aqui. Eu fico muito confortável em falar para pessoas que comungam o mesmo entendimento, mas vou tocar apenas em alguns pontos para não ser repetitiva. Nós somos contrários porque, em primeiro lugar, para nós, realmente, significa atentar contra uma cláusula pétrea da Constituição, porque o direito do adolescente de ser tratado pela Justiça de modo diferenciado em relação ao adulto decorre da sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, e isto integra o seu patrimônio mínimo de dignidade e de liberdade. Esse patrimônio mínimo de dignidade e de liberdade nós não podemos enxergar senão conjugando com o princípio da proteção integral, que está lá no título dos arts. 227 e 228. Ou bem nós assumimos que o adolescente merece essa proteção integral em todas as manifestações do Estado, ou nós temos que acolher outro fundamento para o tratamento das crianças e dos adolescentes, porque o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta são totalmente incompatíveis com a segregação do adolescente no nível que a lei penal permite em relação aos adultos.
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Como já foi dito aqui e repisado, o tratamento do adolescente tem um fundamento de reeducação, tem um fundamento mais propriamente pedagógico do que punitivo, embora, lateralmente, também isso tenha um fundamento punitivo. Mas a punição deve ser encarada como muito menos importante do que a reeducação. É por isso até que nós falamos em medidas socioeducativas e em reeducação do adolescente e não em ressocialização ou coisa que o valha, porque, a rigor, ele sequer deve ser retirado da sociedade. Pelos princípios que já foram também repisados aqui da brevidade e da excepcionalidade da medida de internação, essa é uma medida aplicada em casos excepcionais.
Nós também nos preocupamos bastante com esses rompantes que, vez por outra, fazem com que o tema da redução da maioridade penal volte à tona. O fato é que é muito confortável falar para pessoas que comungam do mesmo entendimento, mas o ideal era que esse debate fosse feito com pessoas que não comungam desse entendimento, para que nós pudéssemos debater frente a frente, cara a cara, com aquelas que pensam diferente e que vêm trazendo e vêm disseminando dados que são falsos, que não têm base científica ou base estatística verdadeira, e para que pudéssemos interpelar essas pessoas sobre de onde elas tiram esses dados, de onde tiram essas conclusões, porque são esses dados que estão sendo disseminados e estão formando, inadequadamente, o convencimento da população em torno desse tema, como já pudemos observar, flagrantemente favoráveis a uma medida desse porte.
É preciso desfazer, em torno desse tema, mitos e preconceitos. Alguns dos mitos, que eu não vou repetir, já foram aqui ditos e reiterados, como o de que o adolescente comete crimes mais graves, de que o adolescente é responsável pelo aumento da criminalidade, de que os adolescentes não são punidos, e, na verdade, existe uma resposta, uma resposta diferenciada - é preciso que tenhamos essa consciência -, mas é preciso também desfazer alguns preconceitos, para que não sejamos tentados a cair na armadilha do argumento terrorista daquele que pergunta o que pensaríamos se fosse com a nossa família.
Um desses preconceitos - é preciso que tenhamos essa consciência - é o de que uma verdade cruel, mas verdade, é que grande parte da população não vê o adolescente negro, pobre, residente na periferia, e que já está absolutamente impactado pela ausência do Estado como destinatário, como merecedor, como digno da proteção integral do Estado, diferentemente de um ato que é praticado por um adolescente que não se enquadra nessas definições.
Então, aquele que já está marginalizado, em todos os sentidos, pela ausência do Estado, pela sociedade, sequer merece estar inserido nessa dimensão de proteção integral. "O que podemos fazer com esse adolescente? Vamos encarcerá-lo e vamos jogá-lo na mesma vala comum", assim como fazemos, inadequada e injustamente, com aqueles que cometem crimes e vão para as penitenciárias.
Então, é preciso desfazer esse preconceito. A sociedade está imbuída desse preconceito. Ela não vê no jovem negro, pobre e, frequentemente, residente na periferia alguém merecedor da proteção integral do Estado. E é justamente este jovem, como já foi dito e repisado aqui, que mais precisa da proteção integral do Estado, em todos os sentidos, desde a criança, que tem de ter a vaga garantida na creche, na educação infantil, no ensino fundamental, até o direito à proteção à saúde, à assistência social, quando necessária, à preparação e à capacitação para o trabalho. A ausência do Estado em todos esses aspectos que permeiam a vida e o crescimento dessa criança e desse adolescente o torna um candidato frequente e muito fácil para o aliciamento, seja pelo tráfico, seja por outras tantas instâncias criminosas, e esse adolescente acaba tendo esse desfecho quase inevitável, que nós sabemos que é o que acontece com a maior parte da população jovem, principalmente negra, no País.
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Então, é preciso que nós paremos para pensar e entendamos o que está por trás...
(Soa a campainha.)
A SRª LUCIANA LOUREIRO OLIVEIRA - ... de uma opção da sociedade em geral pela redução da maioridade penal.
E, por último, eu queria só dizer aqui alguma coisa, recuperar o pensamento de um jurista argentino chamado Raúl Zaffaroni, que trata muito da questão da coculpabilidade, uma tese que leva em consideração o seguinte: aquelas pessoas que mais estão em situação de vulnerabilidade social, ao invés de serem mais punidas ou mais rigorosamente punidas pelo Estado, deveriam ter a sua pena exatamente reduzida e menos agravada por conta de já estarem sendo punidas, de já serem punidas socialmente pelas circunstâncias materiais e sociais, pelo ambiente em que elas estão inseridas. Isto casa perfeitamente com a nossa visão acerca da inadequação da redução da maioridade penal para esses adolescentes. Eles já estão numa situação de vulnerabilidade social extrema, de ausência do Estado, o que torna o Estado corresponsável por esses atos, pelos atos infracionais. O Estado, que mais deveria protegê-los e assistir a eles, é que agora se vê nessa contingência de decidir se vai puni-los mais rigorosamente ou não, o que é um contrassenso e, no mínimo, uma decisão antiética. Mas, concordando com aqueles que já me antecederam, é também uma decisão inconstitucional e que nós entendemos que tem que ser rechaçada.
Enfim, a nossa posição é esta. Não vou me alongar mais. O que nós estamos precisando e o que os adolescentes precisam é de mais amor, amor traduzido em políticas públicas que os afastem da criminalidade, e não de cadeia.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Ouvimos a fala da Drª Luciana, Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal, uma fala extremamente coerente. A Drª Luciana quer o embate - ela sentiu esse clima aqui -, e não tenho nenhuma dúvida de que esse embate está acontecendo.
As pessoas estão acompanhando - quero parabenizar o povo brasileiro - em todos os Estados brasileiros. Nós estamos recebendo aqui as manifestações, e o último dado que tive aqui, rapidamente, que me passaram, foi de 53 manifestações, sendo que 31 foram de outros comentários, mas 16 foram contrários e 6 foram a favor dessa PEC nº 171. Olha, Deus escreve certo em linhas tortas. Então, a PEC já veio torta, já veio com um código judicial, jurídico, extremamente ruim, pois veio com o número 171.
Agora, vamos ouvir, então, a fala do Ariel de Castro Alves, que é representante da ONG Internacional das Aldeias Infantis.
O SR. ARIEL DE CASTRO ALVES - Bom dia a todos e a todas.
Cumprimento aqui o Senador Telmário Mota e o parabenizo pela iniciativa, junto com o Senador Paulo Paim e todos os membros desta Comissão de Direitos Humanos.
Falo aqui em nome da Organização Aldeias Infantis.
Atuo há muitos anos atuo nessa questão pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos e atuei, muitos anos também, na nossa Ordem dos Advogados do Brasil.
Cumprimento o Augustino, que vejo aqui, um militante histórico do movimento pelos direitos humanos, também assessor desta Casa.
E quero dizer que também concordo e assino embaixo, assino um cheque em branco para todos que falaram aqui na mesa anterior e para todos que agora também se posicionaram muito bem sobre o assunto. Mas quero trazer mais algumas questões para polemizar um pouco essa discussão.
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Nós já sentimos que aqueles que defendem a redução da maioridade não têm argumentos técnicos e, muitas vezes, se baseiam nos apelos emocionais ou na vingança, ressuscitando até a Lei do Talião, da Idade Média. É claro que a gente compreende os apelos das vítimas, dos familiares das vítimas. Aliás, todos nós aqui também já fomos, muitos, vítimas, inclusive de violência praticada por adolescentes. Nós não estamos alheios à criminalidade ou à violência.
Em 2005, eu fiquei, durante uma hora, com uma faca no pescoço em uma rebelião da Fundação Casa, que chamava Febem, até que fui amarrado em um botijão de gás no meio de um incêndio na unidade. Depois, graças a Deus, fui salvo por internos que conheciam o meu trabalho no Complexo do Tatuapé. E tantas outras situações todos nós podemos narrar. Um dia, eu ia dar uma coletiva sobre uma ação na OEA contra a Febem e, no farol, antes da coletiva, fui assaltado e tive que me desculpar com os jornalistas, porque tinha sido assaltado. E já veio a pergunta: era menor ou maior de idade? Infelizmente, era um menor também.
Então, nós não estamos alheios à violência que atinge toda a sociedade, mas nós devemos atuar com a razão. À medida que estamos representando instituições, nós precisamos trazer argumentos técnicos, que foram aqui muito bem tratados. Nós temos argumentação suficiente. Infelizmente, alguns veículos de comunicação fazem campanha deliberada em prol da redução da maioridade penal e não cumprem sequer o requisito fundamental da comunicação de garantir o outro lado, garantir que o outro lado também se manifeste sobre o assunto, como estamos tendo aqui essa importante oportunidade de fazer.
Muitas vezes, também, isso se reflete nas pesquisas de opinião. Agora, nós temos total condição de provar que colocar adolescente em um sistema prisional completamente falido, com 70% de reincidência, só vai aumentar a criminalidade cada vez mais cedo. Além disso, no mundo do crime, rapidamente, teremos cada vez mais jovens de 12 ou 13 anos aliciados pela criminalidade, de forma cada vez mais precoce, com a redução da maioridade penal. O próprio filme "Cidade de Deus", um dos filmes de mais sucesso na história do cinema nacional, mostra muito bem isto: no mundo do crime não tem vácuo. Existe uma reciclagem muito rápida. Na medida em que aqueles de 16 foram detidos ou foram para a unidade de internação, logo eles foram substituídos pelos de 12 ou pelos de 13 anos, e assim por diante.
Sendo assim, na medida em que o Estado exclui, o crime acaba incluindo. Então, nós precisamos focar nessas questões. Nós tiraremos adolescentes, Senador, que hoje são educados por assistentes sociais, psicólogos, pedagogos em unidades socioeducativas - é claro que muitas ainda não estão adequadas ao que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei do Sinase - e colocaremos esses jovens em presídios superlotados, em centros de detenção provisória de 800 vagas, mas que mantém 2.500 presos, como vários em São Paulo, onde eles serão, então, deseducados por líderes de facções criminosas.
Unidades de internação, mesmo a Fundação Casa, de São Paulo, têm divulgado uma reincidência de 14%. É claro que não leva em conta o jovem que completa 18 anos e vai para o sistema prisional, mas, de qualquer forma, é muito menos que os 70% do sistema penitenciário.
Eu gostaria, também, de dizer que, muitas vezes, aqueles que defendem a redução são os mesmos que não querem abrigos para crianças em situação de risco próximos de suas casas, os mesmos que não aceitam qualquer programa de liberdade assistida próximo dos locais onde moram, os mesmos que não querem unidades de internação, os mesmos que não ajudam os jovens a conseguir vaga no mercado de trabalho, os mesmos que também não garantem profissionalização a esses jovens. Então, é importante a gente poder ressaltar isto.
Agora, eu queria tratar aqui dos reflexos da maioridade penal, porque uma mudança constitucional se reflete também em leis ordinárias e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. Então, nós temos que pensar, quando se discute maioridade penal... Hoje, no Código de Trânsito Brasileiro, o que está previsto, com relação ao direito de dirigir veículos automotores, é a imputabilidade. A partir do momento em que é imputável, passa a ter direito de dirigir aos 16 anos. Isso tem consequência, e, certamente, terá, no aumento dos acidentes de trânsito.
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Mas não é só isso. Há poucos dias foi aprovado um projeto - há um mês, na verdade - aqui, do próprio Senado, que criminaliza a venda de bebidas ou fornecimento de bebidas para menores de 18 anos. Agora, quem tem 16 anos e já é maior penalmente tem o direito de beber, de se embriagar, de comprar bebidas. Por que não?
Então, isso também gera uma certa vulnerabilidade com relação a essa faixa etária e serve de álibi também para aqueles que fornecerem ou que venderem bebidas para adolescentes.
Exploração sexual de vulnerável, de qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade. A partir do momento que se tem a maioridade penal aos 16, não dá mais para considerá-lo vulnerável.
A doutora do Ministério Público Federal sabe muito bem que, hoje, muitas vezes, os aliciadores, os abusadores usam dizer que a vítima aderiu espontaneamente à prática da exploração sexual ou que não sabiam a idade da vítima e são absolvidos, como já ocorreu aqui no próprio Superior Tribunal de Justiça. Recentemente, no Tribunal de Justiça de São Paulo, um fazendeiro alegou que a vítima aceitou, espontaneamente, ser explorada sexualmente e foi absolvido.
Então, os abusadores vão dizer: "Não, mas ela não é vulnerável. Ela tem 16 anos de idade e é responsável penalmente por todos os seus atos. Não podemos mais considerá-la uma pessoa em situação de vulnerabilidade." Isto vai, certamente, fomentar a exploração sexual de crianças e adolescentes no País. E é importante falar isto aqui, no Senado, porque foi aqui que tivemos uma CPI da Exploração Sexual, em 2005 e 2006, dirigida pela Senadora Patrícia Saboya, que chegou ao crime de exploração sexual de vulneráveis, o que vai cair por terra, então, e gerar desproteção para aqueles adolescentes entre 16 e 18 anos de idade.
E há outras situações. A própria corrupção de menores do art. 244 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê corromper menor de 18 para a prática de crimes, vai ficar inválido. A partir do momento em que ele é penalmente imputável, ele não pode ser aliciado ou corrompido por uma pessoa maior de 18 anos de idade.
Então, a partir dos 16, essa corrupção de menores cai por terra...
(Soa a campainha.)
O SR. ARIEL DE CASTRO ALVES - ... também.
E a proteção do trabalho. Hoje é proibido o trabalho para todo menor de 18 anos em situações insalubres, perigosas, trabalho noturno. E nisso, também, nós teremos uma vulnerabilidade. Certamente, os próprios empregadores, os exploradores dessa mão de obra vão sustentar que ele é maior de idade, que ele é totalmente responsável pelos seus atos e que foi ele que quis trabalhar à noite, em trabalhos perigosos, penosos ou insalubres. Então, aí também gera uma desproteção.
E também gera desproteção no sentido do acesso à educação, no acesso às medidas de proteção. Hoje, muitas vezes, aplica-se, cumulativamente, uma medida socioeducativa com uma medida de proteção e, às vezes, uma medida pertinente aos pais ou responsáveis pelo adolescente, por exemplo, de 16 ou 17 anos.
Então, ele vai para a liberdade assistida, mas, ao mesmo tempo, o juiz o obriga a ser matriculado na escola, em cursos profissionalizantes, ou o obriga a ter um tratamento na questão de drogadicção, obrigando os pais e o obrigando o Poder Público a garantir esse atendimento. A partir do momento em que vai para o sistema penal comum, isto não existe mais. Essa aplicação de medida de proteção não ocorre no sistema criminal. O tratamento é impessoal, é totalmente diferenciado, os pais sequer participam das audiências nas varas criminais, diferentemente do que ocorre na Vara da Infância e da Juventude, onde os pais respondem conjuntamente com o adolescente e assumem responsabilidades. Eles não são punidos criminalmente, mas assumem responsabilidades com relação aos seus filhos.
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Então, quanto a isso também, nós teremos efeitos. Porque a proteção especial é para a pessoa que necessita dela, para a pessoa que está em situação de vulnerabilidade. E, a partir da maioridade, ela é considerada praticamente como adulto e perde, em boa parte, essa proteção especial, hoje prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Com isso, o Poder Público vai poder se esquivar de muitas de suas responsabilidades, assim como propriamente a sociedade.
Também, para encerrar, teremos mudanças com relação à hospedagem de crianças e adolescentes, que, a partir dos 16, vão poder se hospedar em qualquer lugar, independente de autorização de pais ou responsáveis. Viagens ao exterior, também independente de qualquer tipo de autorização, o que vai contribuir bastante com o tráfego de pessoas. Então, na prática, a redução da maioridade, com seus efeitos reflexos - e convoco todos do mundo jurídico para fazerem uma análise mais ampla desses reflexos da redução maioridade penal - é um golpe mortal nos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. É uma revogação de boa parte dos direitos e garantias fundamentais previstos hoje para crianças e adolescentes do País.
Para encerrar, é o que dizia o sociólogo Betinho: "Se não vejo na criança uma criança é porque alguém a violentou antes, e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado".
Obrigado.
Um abraço a todos vocês. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Vemos que a cada palestrante entra um ingrediente novo, porque um vai monitorando a fala do outro e aí vão-se somando conhecimentos e colocações importantes, como vimos agora. Avançar a 171 vai prejudicar inúmeros outros direitos adquiridos, tanto no que diz respeito ao trabalho, à violência sexual quanto aos vários outros direitos que poderiam ficar comprometidos, direitos que foram angariados a duras penas, inclusive com a participação efetiva da sociedade.
Concluindo a rodada dessa segunda Mesa, teremos agora a fala da Ângela Guimarães, que é Secretária Nacional de Juventude Adjunta e Presidente do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve).
A SRª ÂNGELA GUIMARÃES - Bom dia a todas e todos!
Agradeço ao Senador Telmário Mota pelo convite e o parabenizo pela condução muito apropriada, muito tranquila desse tema que, de fato, como todas e todos falaram aqui, envolve paixões.
Quero saudar também os companheiros e companheiras da Mesa, inclusive os que estiveram na primeira Mesa, porque todos contribuíram muito para o adensamento do debate.
Quero aproveitar a ocasião para enviar nossos votos de melhora ao nosso querido Senador Paulo Paim, que é um guerreiro destacado na defensa dos direitos humanos, parceiro de primeira hora na tramitação dos Estatuto do Idoso, da população negra e também da juventude, que inclusive teve uma celeridade com possibilidade de discussão e do contraditório nesta Casa. Após ficar estacionado durante quase 10 anos na Câmara, nesta Casa teve todo o rito de tramitação respeitado, a diversidade das opiniões, mas acelerado na demanda de uma legislação garantidora de direitos, por ser um dever desta Casa para com a sociedade. Na verdade, vemos que são dois pesos e duas medidas. Alguém disse aqui que está tudo acelerando, na Câmara, na perspectiva da retirada de direitos, mas na perspectiva de garantia de direitos não tem sido assim.
Então, quero, de fato, saudar esta Casa, para que o bom debate consiga acontecer com o tempo, tendo em vista as diversas opiniões e tenhamos a construção de um caminho de avanço e não de retirada de direitos.
Quero, aqui, em nome do Conselho Nacional da Juventude, trazer a nossa opinião coletiva formada e reafirmada cada vez que esse tema da redução da maioridade penal vem à tona.
O nosso Conselho é formado por mais de 70 entidades nacionais, das mais variadas lutas juvenis e, sem sombra de dúvida, nos somamos às mais de 200 entidades que já se pronunciaram publicamente contra redução da idade penal. As nove falas que me antecederam, Senador, colocaram, com muita nitidez, que existem vários muitos mitos em torno desse debate. Mas a questão de fundo é: nós estamos legislando, estamos aqui discutindo leis para que tipo de sociedade? Qual País nós queremos?
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Associo-me muito aos argumentos que foram aqui colocados nessa direção, porque, de fato, os dados comprovam que crimes hediondos ou crimes contra a vida, envolvendo adolescentes com menos de 18 anos, são uma ínfima minoria em nossa sociedade, só que é desproporcional à grita por um excesso de punição. É desproporcional porque muitos, de forma desonesta, manipulam o sentimento da população, e chega ser doloroso a gente observar isso. Uma família que acabou de ser vitimada se perguntada sobre que pena aplicar, claro que as pessoas vão querer a penalização máxima, não levando em consideração que, para um adolescente ter acesso a uma arma, para um adolescente estar nas condições de ser aliciado por crime organizado, a sociedade, como um todo, o Estado, como um todo, falhou em propiciar as condições mínimas para o seu desenvolvimento integral. Aliás, isso está preconizado na nossa Constituição Federal e também reafirmado nas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.
Somo-me ao que foi colocado pelo Ariel, ou seja, o impacto que a redução da idade penal vai causar. Então, o Brasil vai rasgar todas as convenções internacionais das quais ele é signatário em relação aos direitos de crianças e adolescentes e que também é uma afronta ao que está garantido aí no nosso Estatuto da Criança e do Adolescente que, não por acaso, completa 25 anos neste ano de 2015.
Acho que uma das primeiras questões que a gente queria abordar, isso aqui é a posição contrária do Conselho, porque acredita que uma redução da idade penal não vai contribuir para uma sociedade, uma civilização fundamentada em valores e na efetivação dos direitos humanos, mas, sim, vai contribuir na barbárie. E, na barbárie, que não é toda a sociedade brasileira... É importante dizer isso também. Algumas pessoas falaram aqui: "Ah, mas há uma sensação generalizada de insegurança no Brasil". É uma sensação que é muito estimulada pelos nossos meios de comunicação, porque a gente sabe que há, sim, uma seletividade social, racial, econômica e territorial da violência no Brasil. No Morumbi, a sensação de insegurança é muito diferente do Campo Limpo, que já viveu, por exemplo, agora, duas chacinas em menos de quatro meses deste ano de 2015. É muito diferente a situação da Barra, para citar o bairro que eu sou... Não, vou citar aqui um bairro de Brasília, o Lago Sul. A sensação de insegurança do Lago Sul é muito diferente da sensação do Sol Nascente, da Estrutural ou de Ceilândia. Então, a gente também tem que ter cuidado para não confundir essa sensação. É uma sensação que é muito estimulada pela mídia. Depois, aqui, no finalzinho eu vou fazer questão de falar na nossa mídia - nativa, monopolizada, na mão de poucas famílias e que seleciona os assuntos que vão ser a pauta que estão na ordem do dia, mas não é uma sensação vivenciada pela população como um todo.
Então, eu quero aqui me somar aos argumentos que falam de que o que nós precisamos agora é fazer, na verdade, uma inversão de agendas, certo? Porque, de fato, há um clamor conservador, uma onda conservadora em curso na sociedade, com muito reflexo na nossa Câmara. Você que, em poucos meses, a Câmara tem sido avassaladora.
E eu quero aqui, de público, fazer um apelo aos nossos representantes do povo, para que tenham mais cuidado no trato com algumas matérias legislativas, não é? A Câmara, logo após a eleição passada, ela simplesmente revogou um decreto presidencial da Política Nacional de Participação Social, que reafirmava princípios democráticos expostos na nossa Constituição e aprofundava, pegando aí a experiência dos últimos dez anos de realização de conferências nacionais, a existência de conselhos de direitos, como o Conselho da Juventude, que é desse período, o Conselho de Igualdade Racial e outros conselhos, não é?
Nesse pouco período também, aprovou ontem - um triste espetáculo aqui na Câmara - a Lei da Terceirização. E, agora, está indo para cima dos direitos conquistados de crianças, adolescentes e jovens, que, na nossa opinião, é um remédio amargo e despropositado para um problema.
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A violência que o Brasil vive é fruto de uma situação histórica de desigualdade social e econômica. A gente precisa dizer isso. O Brasil é um País que viveu a maior parte do seu tempo sob o regime da escravidão, sob o regime colonialista da escravidão, em que uma parcela importante dessa população que aqui chegou, e depois os seus descendentes, sequer eram considerados gente. Então, também foi com base nessa visão que muitas das nossas leis foram pensadas. A escravização negra durou mais de 350 anos, seguida de uma falsa abolição, que gerou uma série de leis, como lei que criminalizava a população negra, lei que criminalizava as crianças negras, lei que criminalizava a pobreza. Nós ainda sentimos o reflexo desse nosso histórico pesado. E, de fato, dos últimos 20, 25 anos que a gente vem tentando, digamos assim, superar essa verdadeira herança maldita.
Então, a aprovação do ECA é um avanço fundamental e, inclusive, abriu alas para outros estatutos de direitos de populações. O nosso Estatuto da Juventude, apesar de ser uma proposição legislativa de 2004, só foi aprovado e sancionado em 2013. Então, há também uma dívida histórica com a população juvenil, que sequer era considerada na nossa Constituição, e que só passou a ser considerada, a partir de 2010, na Emenda à Constituição nº 65.
Nós acreditamos que, por mais avançados que sejam esses instrumentos, ainda há uma dificuldade muito grande de o Estado como um todo, compreendendo aí os seus três entes federativos, implementar, sair da lei para a efetivação dos direitos na vida da maioria da nossa adolescência e da nossa juventude.
Vejam vocês que é muito recente a universalização do ensino básico no Brasil, por exemplo. É a partir da década de 90.
(Soa a campainha.)
A SRª ÂNGELA GUIMARÃES - A ampliação do acesso a direitos como o acesso ao ensino superior também só teve impulso, a partir de 2013, com a criação de novas universidades federais, com a criação do ProUni e de outras políticas voltadas à inserção educacional.
A própria diminuição do trabalho infantil, e nas piores condições, também é um processo recente pelo qual viemos passando. E olha que nós ainda temos casos de trabalho escravo, de trabalho doméstico de crianças e adolescentes, ou seja, a sociedade brasileira não está no momento de retirar direitos, de afrontar legislações avançadas. Ela precisa ser confrontada com a realidade de efetivar os marcos legais avançados que nós temos e de enfrentar esse que, para nós, de fato, é o principal desafio em relação à garantia de direitos de adolescentes e jovens no Brasil, que é o extermínio sistemático da população jovem e negra brasileira.
Muitos já falaram aqui que nós temos números crescentes de homicídios no Brasil. São 56 mil homicídios/ano, o que supera diversos países que estão em guerra no mundo. No Brasil, nunca foi decretada uma guerra civil no Território brasileiro, mas é essa a situação a que está submetida a nossa adolescência e juventude. No Brasil, são mais de 30 mil pessoas que morrem pela incapacidade do nosso Poder Público, do nosso Estado, nas suas diferentes esferas, de garantir um direito que é essencial, que é o direito à vida.
O que estamos propondo, o que o Conselho Nacional de Juventude vem propor aqui nesta Casa, e que vem propondo também ao longo da sua existência, é uma inversão de pautas, é um grande pacto nacional na defesa da vida de adolescentes e jovens, negros e negras, e na defesa da efetivação plena dos seus direitos. Então, para nós a agenda deve ser o fortalecimento e a imediata instalação da CPI do extermínio da juventude negra aqui nesta Casa, em ação combinada com a CPI da Violência Contra Jovens Negros e Pobres, que já está em funcionamento na Câmara.
Na nossa opinião, o papel do Senado, junto com a Câmara, é um papel pela efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Sinase e também do Estatuto da Juventude. Na nossa opinião, também é uma luta contra essa situação de impunidade desses homicídios, porque apenas 5% dos homicídios no Brasil têm algum grau de elucidação.
Então, queremos aqui afirmar a posição do Conselho de Juventude contrário à redução da idade penal. Dizer que estamos em articulação com um conjunto de movimentos - a frente nacional contra a redução, há uma série de campanhas nas redes sociais, atos de ruas, aulas públicas, comitês estaduais contra a redução da idade penal - e aproveitar aqui a ocasião, já que estamos falando para um público amplo, está sendo transmitido pela TV Senado, para fazer uma convocação das entidades que estão debruçadas nessa luta para participar de uma plenária nacional dos movimentos contra a redução da idade penal, no próximo dia 5 de maio, aqui em Brasília.
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Com isso, concluo, agradecendo esta Casa pela oportunidade que tivemos de fazer um diálogo largo, profundo e com tempo em relação a este tema, oportunidade que tivemos de chamar o Senado a reafirmar o seu papel na defesa da democracia, na defesa do aprofundamento da democracia e da efetivação dos direitos das parcelas mais vulneráveis da sociedade, que hoje são as nossas crianças, adolescentes e jovens.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Telmário Mota. Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Muito bem!
Então, com a fala brilhante da Ângela, finalizamos aqui as exposições das Mesas.
Antes de finalizar, quero fazer uma síntese do que aqui foi debatido. Observamos, por exemplo, que essa proposta se coloca como incondicional, de acordo com a OAB, de acordo com os conhecimentos, até por uma questão de estar dentro dos direitos fundamentais e por uma questão das cláusulas pétreas do Estatuto da Criança.
O que vimos também é que a quantidade de jovens de 16, 17 e 18 anos, que praticam delitos, mesmo considerando o homicídio e tentativa de homicídio, que somavam 0,5%, mas considerando os outros tipos de irregularidades e crimes isso chegaria a 1%. Em contrapartida, temos 36% dos jovens com suas vidas cerceadas pela criminalidade. Isso são dados.
Também queremos colocar que a recuperação dos jovens infratores nos espaços socioeducativos de um total de quatro, só um volta a ser reincidente. Portanto, na casa de 20 ou 25%. Enquanto que no sistema carcerário, a reincidência entre os presos fica entre 60 e 70%. Ou seja, é pegar o jovem e realmente levá-lo para um caminho da não recuperação. Esses são os dados fundamentais.
Mas também é fundamental lembrar que temos 715,6 mil presos; somos a terceira maior população carcerária do mundo. E acho que a população não quer ver esse número aumentar. A população está assustada com essa pregação sistemática que vemos nos meios de comunicação. Além disso, queria colocar que temos um déficit de vagas no sistema carcerário da ordem de 190.640 mil. Então, estamos colocando jovens em locais que não são apropriados, que não reeducam e que não eliminam a criminalidade.
Ficou patente que a sociedade brasileira tem que ficar atenta para não decidir neste momento com o ódio, com o rancor, com a discriminação, com a falta de amor, como disse a nossa Procuradora. Compreendemos perfeitamente a dor daquelas pessoas que perderam seus entes queridos. Os debates produzidos não estão a favor do criminoso, do bandido, não são contra a penalidade, o que não se quer é a aplicação do método que não vai reduzir, isso ficou bem patente, os possíveis crimes praticados por esses jovens, porque a maioria não é por índole, mas por tudo aquilo que foi colocado, ou seja, pelos problemas sociais que o País enfrenta. Basta ver que as vítimas são aqueles que não tiveram escola, casa, emprego, não foram oportunizados pelo Estado e pela sociedade como um todo. Então, a sociedade não pode virar as costas para um problema grave como este e depois exigir, em contrapartida, um resultado que não é o melhor, que é o encaminhamento para um sistema carcerário.
Penso que essas coisas ficaram bem claras. Mas queria dizer, principalmente para essas pessoas que têm ódio, que têm medo, que têm preconceito, que querem vingança, que têm rancor, que há um provérbio chinês que diz que quem vai atrás da vingança naturalmente cava duas covas. Então, é bom observarmos isso.
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Por fim, eu gostaria de encerrar com uma frase de Mahatma Gandhi - todos conhecem a trajetória dele contra a violência -, que, parafraseando a antiga da Lei do Talião "olho por olho, dente por dente", disse: "Olho por olho e o mundo acabará cego!"
Então, se formos tentar resolver tudo na base do "olho por olho, dente por dente", vamos ficar todos cegos e desdentados, não é isso? E assim não prosperamos, não progredimos.
Quero agradecer a presença de todos os convidados, de todas as entidades e de todo o público aqui presente. Quero também agradecer o empenho dos servidores do Senado, que fizeram com que esta audiência tivesse sucesso.
Sobretudo, quero mandar um recado à população brasileira, que participou efetivamente deste debate - temos os últimos números, que são interessantes, e que demonstram que todos estavam atentos às colocações dos expositores. Temos um total de 157 participantes no e-Cidadania. A favor da redução da maioridade penal: 47 e, contra: 57. Ou seja, 10 a mais. Então, houve um sentimento, acho que alguém já observou... E outros que não envolveram: 49. A favor da redução da maioridade para crimes hediondos: 44 dos 157.
Eu quero aqui, antes de encerrar a presente reunião, fazer um encaminhamento. Eu acho que é da maior importância a CDH encaminhar as notas taquigráficas desta audiência pública ao Relator da matéria no Senado Federal, para que S. Exª possa ter acesso a essas informações tão importantes trazidas por nossos expositores.
Ao mesmo tempo, queremos agradecer e desejar ao Senador Paim que restabeleça a sua saúde, que volte a esta Casa. O tema é realmente precioso, precisamos dar continuidade a ele.
Senador Paim, você faz falta ao Senado e a esta Comissão.
Com a benção de Deus, encerramos esta reunião.
Muito obrigado. (Palmas.)
(Iniciada às 9 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 39 minutos)