18/03/2015 - 4ª - Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática, Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 2ª Reunião Conjunta das Comissões Permanentes, sendo a 4ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle; a 4ª Reunião da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática; e a 6º Reunião da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 55º Legislatura do Senado Federal, que se realiza nesta data de 18 de março de 2015.
Antes de iniciarmos os trabalhos, submeto à apreciação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação das atas das últimas reuniões da CMA, da CCT e da CRA.
As Srªs e Srs. Senadores que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovadas.
As atas estão aprovadas e serão publicadas no Diário do Senado Federal, juntamente com as respectivas notas taquigráficas.
A presente reunião destina-se a instruir o Projeto de Lei de nº 2, de 2015, conhecido como marco civil da biodiversidade e do acesso ao patrimônio genético. Ontem já tivemos o primeiro debate sobre o assunto, com a participação dos Ministérios mais afeitos ao tema.
É importante esclarecer ao Plenário e demais presentes também que, dado o grande número de convidados, optamos por dividir a audiência pública em duas partes, ou duas mesas, de acordo com o que foi publicado na pauta, e essa separação se dará apenas no aspecto de organização. Nada prejudicará o desenrolar dos debates tanto dos expositores, quanto também do Plenário.
Anunciarei agora os expositores convidados. E adotaremos um modelo diferente para as exposições, chamando à mesa um a um, de forma sequencial, para que façam as suas apresentações. Isso porque ontem não tivemos aqui na mesa lugares para todos e alguns ficaram na plateia um tanto quanto insatisfeitos.
Então, para a primeira parte da audiência, ou primeira mesa, temos os seguintes expositores: a Srª Rosa Miriam de Vasconcelos, Coordenadora de Assuntos Regulatórios da Secretaria de Negócios da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); a Srª Maira Smith, Coordenadora Substituta de Políticas Ambientais da Fundação Nacional do Índio (Funai); a Srª Elisa Romano Dezolt, especialista em Políticas e Indústria da Gerência de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Indústria (CNI); a Srª Adriana Diaféria, Vice-Presidente Executiva do Grupo Farma Brasil (GFB); o Sr. Nilson Gabas Júnior, Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi; o Sr. Luiz Antonio de Oliveira, Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA); o Sr. Rodrigo Justus, Presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA); e, por fim, o Sr. Valcler Rangel, Vice-Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Então, iniciaremos, dando a palavra pelo tempo de dez minutos, de acordo com o Regimento da Comissão, à Srª Rosa Miriam de Vasconcelos, a quem convido à mesa para daqui fazer a sua exposição.
A SRª ROSA MIRIAM DE VASCONCELOS - Bom dia a todos!
Eu gostaria, inicialmente, de agradecer à Casa o convite feito ao Presidente da Embrapa, Sr. Maurício Antônio Lopes, que, em razão de compromissos, viagens oficiais para o exterior, lamenta não poder estar presente nesta discussão deste projeto, que para a Embrapa é de suma importância.
Na condição de representante da Embrapa, gostaria de cumprimentar o Exmo Sr. Otto Alencar e, ao fazê-lo, cumprimento os demais Senadores e autoridades aqui presentes. Gostaria de iniciar a minha fala, destacando a importância desse PL para a Embrapa, uma vez que a Embrapa hoje detém cerca de 40% das autorizações de acesso concedidas pelo CGEN.
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A Embrapa acredita que o presente marco legal - estou me referindo ao PL - pode, além de eliminar os obstáculos para a realização das pesquisas, criar condições para que o Brasil se insira, de forma eficiente, na nova bioeconomia, aproveitando a sua rica biodiversidade para alavancar setores importantes como alimentação, agricultura, fármacos, cosméticos, área química verde, dentre outros.
O PL traz, indubitavelmente, significativas melhorias ao ambiente de pesquisa e geração de novas tecnologias a partir do uso da biodiversidade e do acesso ao conhecimento tradicional associado.
A seguir, vou apresentar, resumidamente, os principais aspectos que a Embrapa considera como tendo sido um avanço na nova legislação.
Seria, inicialmente, a simplificação das regras para o acesso ao patrimônio genético. A nova legislação substitui as três autorizações anteriormente exigidas pelo CGEN por um simples cadastro feito pela própria instituição de pesquisa.
Por exemplo, para conduzir um programa de melhoramento de mandioca, que normalmente demora sete anos, a Embrapa tinha que, ao longo desses sete anos, obter três autorizações: uma autorização denominada de Pesquisa Científica, na primeira fase, em que eram realizados os cruzamentos e as primeiras avaliações; a segunda autorização, depois de quatro anos, chamada Autorização de Bioprospecção, quando a Embrapa, então, fazia os testes necessários para registro e proteção da nova cultivar; e, finalmente, a terceira autorização, denominada Autorização de Desenvolvimento Tecnológico, na fase de produção de sementes ou mudas básicas.
Então, a substituição dessas três autorizações pelo cadastro com certeza vai agilizar bastante o procedimento.
Em seguida, a parte também de simplificação dos procedimentos para a exploração econômica do processo ou produto desenvolvido. Como mencionei, eram necessárias essas três autorizações, sendo que, na fase da produção industrial, haveria essa Autorização de Desenvolvimento Tecnológico. E agora, diante do novo marco legal, essa autorização seria substituída por uma notificação ao CGEN do produto, com a indicação das modalidades de repartição de benefícios escolhidas, de opção da instituição, e a apresentação, no caso de acesso ao patrimônio genético isoladamente, do Contrato de Repartição de Benefícios, no prazo de até 365 dias. Quando for acesso ao conhecimento tradicional, além do cadastro, será feito também o Termo de Anuência Prévia com as comunidades, e o Contrato de Repartição de Benefícios deve ser feito imediatamente.
Esse também não deixa de ser um grande avanço, porque, diante da legislação atual, a empresa é obrigada a negociar um Contrato de Repartição de Benefícios ainda em uma fase muito inicial da pesquisa, quando ela não teria ainda, no caso, por exemplo, da Embrapa, conhecimento da cultivar que seria lançada comercialmente, uma vez que ela teria que fazer o Curb antes dos testes de avaliação.
Outro aspecto importante do novo marco legal diz respeito à agilidade na concessão das autorizações. A substituição dessas autorizações pelo cadastro fará com que a empresa esteja regularizada ou autorizada pelo Estado a iniciar a sua atividade de pesquisa no ato do cadastro, que é de sua iniciativa própria.
Hoje, conforme já foi mencionado aqui ontem, o prazo médio de concessão de uma autorização pelo CGEN é de 500 dias. Isso está informado no próprio relatório do CGEN, sendo que, de fato, a média é de dois anos; um ano e meio para dois anos.
Outro aspecto muito importante já do ponto de vista operacional dessa legislação é a simplificação de conceitos. Um exemplo disso seria o conceito de acesso ao patrimônio genético.
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A medida provisória tem um conceito subjetivo, complexo e de muita dificuldade de compreensão pelo usuário. Isso gera insegurança jurídica e gerou, inclusive, a aplicação de penalidades pelo Ibama, uma vez que a empresa, dada a dificuldade de proceder ao enquadramento, às vezes, deixa de pedir autorização, porque não se sente alcançada pela legislação. O PL propõe um conceito bastante claro ao afirmar que acesso é a utilização do patrimônio para fins de pesquisa e desenvolvimento.
Outra inovação que também traz bastante segurança e tranquilidade para o usuário são regras claras para a repartição de benefícios. Ao fixar o percentual, a lei já tira toda a insegurança jurídica no cenário atual. A negociação caso a caso do percentual com o proprietário da área gerava muita insegurança para as instituições, pois ficava à mercê do proprietário da área privada conceder ou não a autorização e fixar, inclusive, o percentual, que seria devido à título de repartição de benefícios.
No aspecto referente ao conhecimento tradicional, a lei mantém os mesmos fundamentos já anteriores à medida provisória, ao assegurar às comunidades o direito da livre negociação e fixação da sua remuneração pelo acesso ao conhecimento tradicional, e, também, ao exigir o termo de anuência prévia para o acesso ao conhecimento tradicional.
Outro benefício que verificamos nessa nova legislação é a indicação clara do beneficiário da repartição de benefícios como sendo exclusivamente a União, no caso de acesso ao patrimônio genético, e as comunidades detentoras do conhecimento, no caso de acesso ao conhecimento tradicional. Isso é uma inovação muito importante, porque, hoje, a MP exige que o contrato seja feito com o proprietário da terra e ele tem que apresentar, inclusive, a escritura, o título de propriedade da terra. Aqui no Brasil, sabemos que, às vezes, há muitos problemas fundiários ainda. Em algumas situações, a negociação ficava impossibilitada porque o proprietário da terra não tinha o título legítimo para comprovar a propriedade do imóvel onde foram realizadas as coletas.
Finalizando, então, eu gostaria de ressaltar que a Embrapa reconhece o esforço feito pelo Governo, sob a coordenação do MMA e da Casa Civil, no sentido de agregar em um único marco legal as visões dos diferentes setores envolvidos, com o intuito de elaborar legislação capaz de assegurar a efetiva exploração da nossa biodiversidade, de forma sustentável e no interesse da sociedade brasileira, e, ao mesmo tempo, assegurar às comunidades indígenas ou locais o direito à repartição justa e equitativa dos benefícios.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço, pela exposição, à Drª Rosa Miriam e convido a Srª Maira Smith, Coordenadora Substituta de Políticas Ambientais da Fundação Nacional do Índio, para, pelo tempo de dez minutos, fazer a sua exposição.
A SRª MAIRA SMITH - Senhoras e senhores, meu nome é Maira, sou representante da Fundação Nacional do Índio.
Eu acho que é desnecessário dizer aqui o quanto essa matéria afeta diretamente os povos indígenas, com os quais a Funai trabalha.
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Os povos indígenas, como é de conhecimento de todos, são importantes detentores e potenciais provedores de conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético. Mas, mais do que isso, tanto os povos indígenas como os povos de comunidades tradicionais, bem como os agricultores familiares não são somente potenciais provedores de conhecimentos tradicionais associados, mas são também detentores e provedores de recursos genéticos, principalmente porque são esses povos os responsáveis pelo processo de domesticação de muitas das plantas, das espécies da agrobiodiversidade brasileira que hoje nós usamos na alimentação e na agricultura.
Dito isso, eu gostaria de mencionar que a Funai, em todos os momentos, repudiou o processo pelo qual esse novo marco legal foi elaborado, sem qualquer participação dos povos indígenas. O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que pressupõe que os povos indígenas e os povos tribais, de um modo geral, sejam consultados em relação a todas as políticas e matérias que os afetam. Então, esse processo não foi cumprido, e eu gostaria de registrar aqui que nós, da Funai, não consideramos esta audiência como um processo de consulta livre, informada, da forma como se pressupõe na Convenção 169 da OIT e também na convenção sobre diversidade biológica.
De todo modo, reconhecemos que houve um esforço de Governo. Depois que o projeto de lei já havia sido encaminhado ao Congresso Nacional, houve um esforço que envolveu vários setores do Governo para tentar incorporar alguns aspectos importantes no texto substitutivo. Com isso, acho que houve muitas melhoras, e aí a Funai concorda com o que está sendo dito aqui, que o marco legal atual, a legislação atual, principalmente, a Medida Provisória 2.186-16, de 2001, é muito ruim, muito prejudicial - e ela não é prejudicial apenas aos usuários pelo fato de ser muito burocrática, mas também é muito prejudicial aos detentores e provedores de conhecimentos tradicionais associados. Explico por que: o principal aspecto ruim dessa medida provisória é o fato de que ela privatiza, deturpa a compreensão dada na convenção sobre diversidade biológica e privatiza o patrimônio genético. Então, como a Drª Rosa mencionou anteriormente, hoje em dia, o provedor de patrimônio genético é simplesmente o titular da área onde aquele recurso é obtido. Essa é uma distorção da convenção sobre diversidade biológica, e ela é devidamente corrigida no novo marco legal.
Então, reconhecemos o esforço do Governo, reconhecemos que o novo marco legal avança em alguns pontos. E eu gostaria de citar aqui quais são os principais pontos que nós, da Funai, consideramos como avanço e são principalmente estes: o patrimônio genético passa a ser um bem comum do povo brasileiro, passa a ser da União, corrigindo a distorção da medida provisória; a criação do fundo também é um aspecto bastante positivo, nós enxergamos a criação do fundo como um aspecto bastante positivo do novo marco legal; a inserção da agrobiodiversidade também foi bastante positiva, já que inicialmente o PL apresentado ao Congresso não contemplava a agrobiodiversidade; e também o reconhecimento de que grande parte dos conhecimentos tradicionais associados são compartilhados ou difusos, ou seja, no marco legal antigo, não havia a possibilidade, era mais remota a possibilidade de se repartir benefícios decorrentes do acesso a conhecimentos tradicionais compartilhados por mais de um povo, por mais de uma comunidade. Esse aspecto não foi contemplado ainda da forma perfeita, mas ele é um ponto inovador, sim, no projeto de lei que se apresenta agora, que reconhece e obriga a repartição de benefícios decorrentes do acesso ao conhecimento tradicional associado sem origem identificada a partir do fundo. Então esses são os aspectos positivos.
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No entanto, senhores, o texto do projeto de lei que foi aprovado na Câmara, apesar de todo o esforço de diversos setores de Governo em produzir um novo substitutivo, sofreu algumas modificações pelo relator na Câmara. E nós, da Funai, consideramos que o texto da forma como foi aprovado, o texto do PL como foi aprovado na Câmara dos Deputados é muito prejudicial e ameaça os direitos dos povos indígenas.
Aqui cito alguns pontos específicos e faço um apelo aos senhores. Foram protocoladas nesta Casa algumas emendas, não são muitas, mas as necessárias para a gente poder fazer com que esse projeto de lei fique um pouco mais palatável, aceitável do ponto de vista do respeito aos direitos dos povos indígenas, dos povos e comunidades tradicionais e dos agricultores familiares. Então eu gostaria de mencionar para os senhores as emendas que nós consideramos de suma importância sejam apreciadas e aprovadas nesta Casa, para que esse projeto de lei fique mais simétrico quanto aos direitos dos usuários e dos provedores.
O primeiro aspecto que eu gostaria de citar é a substituição pelo relator na Câmara do termo "povos indígenas" por "populações indígenas". Para a Funai essa modificação é inaceitável. O termo "povos indígenas" já é consolidado na nossa legislação, é o termo apresentado na Convenção 169 da OIT, e ele pressupõe que os povos indígenas são sujeitos de direito, que têm direito de ser consultados e de participar de todos os processos políticos, de todas as políticas que os afetem. Também do ponto de vista antropológico, "população" é uma palavra usada em estatística e em ciências biológicas. É um termo reducionista, portanto, não é adequado para ser utilizado em relação aos povos indígenas. O termo "povos indígenas" já está consolidado na nossa legislação e não há justificativa para que seja modificado.
O segundo aspecto que eu gostaria de frisar é em relação ao art. 10, inciso V, do projeto de lei, que faz uma remissão dos direitos indígenas e de agricultores tradicionais no uso e venda de sementes crioulas à lei de sementes e à lei de cultivares. Essa remissão é negativa, porque a forma de reconhecimento do que são sementes crioulas e variedades crioulas através das mencionadas leis é discricionária. Nós precisamos avançar nesse aspecto, quanto ao direito desses agricultores tradicionais dos quais os povos indígenas também fazem parte, pois também são agricultores. Portanto, precisamos trabalhar com a identificação de sementes crioulas a partir de critérios científicos e de marcadores moleculares.
O terceiro aspecto diz respeito ao art. 21 do projeto de lei, que não garante a obrigação de oitiva dos órgãos de defesa dos direitos de povos indígenas, no caso, a Funai, e dos órgãos de proteção dos direitos de comunidades tradicionais e de agricultores tradicionais no caso de haver o acordo setorial. Nós julgamos importantíssimo que seja substituída, nesse art. 21, a palavra "deverão" por "poderão", como está no texto.
Outro aspecto muito importante...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - O tempo está esgotado, doutora, são dez minutos, mas vou lhe dar, por tolerância, dois minutos.
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A SRª MAIRA SMITH - Eu gostaria de mencionar outro aspecto que é muito ruim, não consegui contemplar todas as emendas, que é a lista de repartição de benefícios, art. 17, §9º, que é uma lista positiva. Ela é muito prejudicial aos provedores. E faço aqui um apelo a vocês, no sentido de que, pelo menos, invertam a lógica dessa lista, fazendo uma lista negativa, fazendo uma emenda que faça com que sejam acordados os produtos que não são passíveis de repartição de benefícios, e não uma lista indicando quais são os produtos passíveis de repartição de benefícios.
Eu agradeço o tempo extra.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - A senhora tem mais um minuto, se quiser.
A SRª MAIRA SMITH - Ah, está bem.
Outro aspecto que acho importantíssimo: nós somos favoráveis ao cadastro, sim; somos favoráveis a desburocratizar o processo. Mas nós pedimos que o processo de notificação do cadastro tenha a participação do Poder Público para que possa avaliar, quando houver conhecimento tradicional associado envolvido, em que casos o termo de anuência prévia apresentado é legítimo.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço à representante da Funai e passo, agora, a palavra à Srª Elisa Romano, especialista em Política e Indústria da Gerência de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Indústria.
A SRª ELISA ROMANO DEZOLT - Bom dia a todos. Obrigada pela oportunidade, pelo convite à CNI para estar aqui.
Cumprimento todos os presentes na pessoa do Presidente Otto Alencar.
Vou falar aqui rapidamente sobre a visão da indústria a respeito do novo projeto, do novo marco legal da biodiversidade.
Fiz aqui alguns eslaides, para a gente tentar seguir.
Bom, como é do conhecimento de todos, o Brasil é um país megadiverso e tem uma grande oportunidade de desenvolver um conhecimento e explorar o potencial da biotecnologia. Ele tem uma liderança natural nessas discussões, internacionalmente também, mas modernizar o marco regulatório é essencial para que a gente consiga desenvolver essa bioeconomia, como a expositora Rosa Miriam, da Embrapa, já tinha comentado aqui antes.
A gente entende que a biodiversidade tem que ser manejada de forma sustentável e tem que ser percebida como uma plataforma para pesquisa, desenvolvimento e inovação, e o Brasil tem todo esse potencial.
Bom também entendemos que o Congresso nacional tem um papel fundamental nessas discussões, para a gente ter a segurança jurídica que todo mundo busca hoje, então, uma lei efetiva, clara, que seja passível de regulamentação e implementação. A gente vê que muitos dos problemas que a medida provisória atual, em vigor hoje, traz decorrem da falta de segurança jurídica, da falta de regras claras que a gente tanto busca aqui.
A CNI tem discutido esse assunto já há bastante tempo, e, em conversas dentro do setor e também em conversas com alguns representantes de povos indígenas de comunidades tradicionais, a gente seguiu algumas premissas que entendemos que abarcariam os interesses de toda a sociedade. Quais seriam elas? Bom, o patrimônio genético é bem de uso comum do povo, mas, de acordo com a lei complementar em vigor desde 2011, a gestão seria feita pela União. A biodiversidade tem um potencial para trazer muitos benefícios para a sociedade como um todo. Quer dizer, esse uso da biodiversidade, o conhecimento e uso da biodiversidade transcende os interesses de uma instituição, de uma empresa ou de um governo. Ele deve ser visto como algo benéfico para toda a sociedade, seguramente a brasileira e quiçá global também, no desenvolvimento de novos produtos, partindo aí da inovação com o uso da biodiversidade.
Um dos pontos principais em que a gente vai entrar, que o projeto de lei, que essas negociações trabalham, que também entendemos que é consenso entre todos os envolvidos, todos os atores envolvidos, é que precisa haver a desburocratização do acesso, ou seja, medidas mais simplificadas para que seja possível pesquisar a biodiversidade e acessar não só o conhecimento, mas também ter um uso econômico dela. Então, a desburocratização do acesso é essencial e a repartição de benefícios tem que decorrer do uso econômico do produto resultado do acesso.
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São imprescindíveis regras estáveis, como eu já falei, garantindo a segurança jurídica, e que deem estímulo, a legislação estimule a pesquisa e o uso sustentável da biodiversidade.
O PLC que agora estamos aqui debatendo apresenta muitas inovações e tem um papel muito importante para que essas questões sejam resolvidas. Ele corrige diversos obstáculos que são impostos pelo marco regulatório atual, ele detalha e aprimora várias definições que ainda estavam muito obscuras, mesmo na medida provisória, conceitos, traz definições mais claras e ele promove um ambiente favorável para a regularização e adequação das atividades.
Muitas atividades hoje, sejam de pesquisa científica, sejam de uso econômico da biodiversidade, estão irregulares, sofreram diversas multas decorrentes da insegurança jurídica, dessas obscuridades que estavam previstas na medida provisória até do próprio desconhecimento. Existem diversos casos de empresas, principalmente pequenas empresas, que sequer sabiam que existia uma medida provisória e muitas vezes não se viam lá dentro. E, de repente, eram surpreendidas com multas, tentavam regularizar e aí todos já conhecem a história do que é tentar uma autorização junto ao CGEN. Então a gente entende que esse projeto de lei prevê segurança jurídica tanto para os usuários quanto para os provedores dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.
As principais inovações que a gente viu e, de novo, voltando às premissas, ao que a gente entendia que era importante que constasse do projeto, a gente viu contempladas nele: a criação de um sistema declaratório para as atividades de acesso - seria esse cadastro, seria a simplificação do acesso; para as empresas brasileiras, em particular, seria só o cadastro dos usuários da biodiversidade aqui no Brasil. Isso é fundamental para a desburocratização do processo de acesso. Quer dizer, com base nisso a gente resolve uma boa parte do problema no sentido da desburocratização. Regras claras para a repartição de benefícios decorrentes do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado também eram imprescindíveis. A medida provisória atual deixa tudo muito a critério. Mas, de novo, como a representante da Funai falou, o patrimônio genético era visto de uma outra forma, não era bem de uso comum do povo. Agora, revertendo isso nesse novo projeto, a gente consegue ter regras claras também para quem recebe, sobre como recebe, e para quem gere esses recursos resultados da repartição de benefícios. E ela prevê regras de transição e regularização que incentivam a aderência ao sistema. Muitos novos usuários que não sabiam se estavam no sistema ou fora e que levavam multas agora têm uma possibilidade de se adequar e de ficar legais.
A gente tem visto, a CNI tem entendido que a sociedade pode se beneficiar muito com o novo sistema. Repito: não é só o setor usuário; é a sociedade como um todo. As próprias comunidades tradicionais terem reconhecidos, começarem, na verdade, a perceber a repartição de benefícios, o que hoje não acontece, desburocratizando-se o acesso, como esse marco legal permite. Assim a gente consegue ter um número maior de pedidos de conhecimento da biodiversidade e de uso da biodiversidade e, com isso, se tem a repartição de benefícios. Isso, para a economia, gera empregos, aumenta a arrecadação, inova, a gente começa a levar adiante, a colocar em prática um novo setor, que é o setor da bioeconomia, no qual o Brasil tem um potencial muito grande.
É essencial que o marco regulatório esteja alinhado a modernas políticas para incentivar também a política de desenvolvimento e inovação. A gente entende que esse marco está indo nesse caminho. Ainda há outros marcos, não necessariamente esse, que têm que ser revistos ou aprimorados também para caminhar juntos, mas isso é importante para impulsionar a biotecnologia no Brasil. E vão beneficiar também outros setores de utilizam a biodiversidade.
A gente está falando de uma gama de setores. Hoje, quando se faz essa discussão sobre o uso da biodiversidade, a gente se restringe à lembrança de alguns setores que vêm à mente, que são aqueles que fazem uso direto da biodiversidade, e se esquece do potencial que a gente tem de expandir isso para outros setores da economia.
Eu acho que é isso.
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A gente está aqui à disposição. A CNI trabalhou muito a favor desse projeto. A gente acha que mesmo que... Todo projeto tem a oportunidade de ser melhorado, de ter corrigidas algumas coisas, mas, num processo de negociação, esse é um projeto que atende. Talvez a gente possa corrigir algumas falhas não de mérito, mas que possam estar incomodando, vamos dizer assim, que não estão atendendo aos pleitos de alguns setores, para que a gente consiga ter uma lei que seja efetiva e que seja boa para o Brasil, não seja boa só para a indústria brasileira, mas boa para toda a sociedade e, reforço, uma lei que permita também que essa repartição de benefícios aconteça e que a gente cumpra efetivamente com os objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço à Drª Elisa.
Eu queria só esclarecer que ontem nós tivemos uma reunião, isso vai para a Drª Maira Smith, foram discutidos alguns temas que a senhora colocou aqui ontem com a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e, como a Funai é órgão de Governo, pode procurar a Ministra para discutir essas questões.
Nós vamos ter uma reunião na próxima terça-feira, às 9 horas, só para debater seis pontos polêmicos que estão ainda em discussão, que não têm acordo, para chegar ao entendimento que possa contemplar todas essas colocações que a doutora fez aqui.
Eu queria passar agora a palavra à Drª Adriana, Vice-Presidente Executiva do Grupo FarmaBrasil.
A SRª ADRIANA DIAFÉRIA - Bom dia a todos.
Cumprimentamos o Senador Otto, Presidente da Comissão, e todos aqui e agradecemos imensamente a oportunidade de, neste momento, fazer esta exposição acerca dos trabalhos do Grupo FarmaBrasil.
Na verdade, o Grupo FarmaBrasil é uma associação de indústrias farmacêuticas que assumiu a liderança do que se chamou, ao longo do processo, de Coalizão pela Biodiversidade, que foi a junção de dez entidades do setor produtivo que viram, a partir do momento em que começaram a ser adotadas medidas por parte do Ibama com a penalização de empresas por conta da identificação de situações de irregularidade na questão do acesso, na implementação da MP 2.186, essas entidades acabaram entendendo que havia a necessidade de se articularem e de se organizarem para, justamente, fazer uma mobilização junto ao Governo e solicitar urgentemente a revisão desse marco regulatório.
A Coalizão pela Biodiversidade, além do Grupo FarmaBrasil, é constituída pela Abihpec, que é a Associação de Cosméticos, Higiene Pessoal e Perfumaria; Abiquim, que é a Indústria Química; a Abipla, que é a Indústria de Saneantes; a Abifina, que é a Industria de Químicos para Fármacos e Biotecnologia; a Alanac, que é a Associação dos Laboratórios Nacionais; a Abifisa, que é a Associação das Indústrias de Fitoterápicos no Brasil; a Abia, que á associação da cadeia de alimentos; nós tivemos também a participação do Instituto Ethos e do MEB, que é um Movimento Empresarial pela Biodiversidade, mas ligado ao segmento da área de cosméticos; também tivemos a participação do CEBDS, que é outra organização defensora das questões do desenvolvimento sustentável pela parte privada. Em cooperação, também tivemos a participação da CNI, da CNA, a Confederação Nacional da Agricultura, e agora, mais nessa fase final, da Frente Parlamentar da Agricultura, por conta das discussões que se travaram na Câmara dos Deputados para a revisão dos aspectos específicos relativos ao agronegócio.
Essa Coalização pela Biodiversidade tem trabalhado conjuntamente há mais de três anos. Esse trabalho se instaurou exatamente no momento em que o Ibama, pela Operação Novos Rumos, adotou uma série de medidas em face das questões de irregularidade. Então a gente deu, de fato, início a esse processo de interlocução, fazendo justamente uma aproximação junto ao Governo, fazendo pleito de uma reforma dessa legislação que afetava tantos interesses, mas, mais do que isso, pela oportunidade que essa situação crítica gerada pelas autuações criou para que, de fato, as indústrias se engajassem num processo para revisão de um marco regulatório que se mostra de extrema relevância para o nosso País.
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Então, acho que é muito importante, neste espaço aqui, na casa do Senado, deixarmos registrada essa mensagem de que a indústria vê, nessa legislação, a Convenção de Diversidade Biológica e a revisão do marco regulatório de acesso à biodiversidade, uma grande oportunidade para trazermos novos cenários econômicos para o nosso País e trazermos uma realidade social de benefícios, a partir da geração de bens de consumo, a partir do uso e do acesso à nossa biodiversidade e também dos conhecimentos tradicionais associados.
Em nenhum momento, essa mobilização tomou o sentido de contrariar interesses, ela foi uma mobilização no sentido de construirmos consensos. Tenho certeza de que, se os senhores tiverem a oportunidade de conversar individualmente com cada um desses segmentos, terão a impressão de que nenhum segmento individualmente ficou plenamente satisfeito com a proposta, mas, como sabemos, tudo na vida tem que sempre caminhar dentro dos consensos possíveis. Então, esse PLC nº 2, que está na Câmara, reflete, pelo menos na perspectiva da indústria, os consensos que foram possíveis ser estabelecidos para chegarmos a uma nova realidade na legislação de acesso em nosso País.
Toda essa mobilização foi feita levando em consideração a realidade econômica desses segmentos, a importância de adentrarmos a essa nova realidade com segurança jurídica, porque, como já foi longamente dito ontem na mesa com o Governo e em algumas exposições que já me antecederam, os senhores já tiveram oportunidade de perceber que o marco regulatório atual é absolutamente inadequado, é um marco regulatório que urgentemente precisa ser revisto, temos essa legislação no País desde 2001 e, se olharmos o resultado dessa legislação, não chegam a ser cem os contratos de repartição de benefícios.
Temos um medida provisória que, hoje, da forma como estabelece o regime, é um desestímulo ao uso da nossa biodiversidade, e um País megabiodiverso como o Brasil é, com essas potencialidades todas existentes, não pode, como indústria, abandonar esse patrimônio porque temos um marco regulatório inadequado em nosso País.
Então, esse esforço, sim, é um esforço que representa os consensos possíveis dentro da realidade do segmento econômico e a construção possível para ter o maior grau de segurança jurídica para podermos transitar nessa matéria.
Tentei fazer aqui, rapidamente, um resumo para os senhores, para, inclusive, deixar um material registrado na Casa e nos colocarmos à disposição para eventuais esclarecimentos técnicos futuramente, mas, se olharmos na história do tempo e, principalmente, olharmos a evolução do direito ambiental no nosso País, a mensagem maior que gostaria de passar é que... (Pausa.) Se olharmos, o direito ambiental teve alguns momentos relevantes na história. Na década de 70, com a Declaração de Estocolmo, trouxemos, de fato, a primeira dimensão dos direitos ambientais, que foi justamente a que traz a necessidade da conservação e preservação do meio ambiente em razão da sua finitude.
Já na década, aqui em 1992, portanto, 20 anos depois, começamos uma segunda onda do direito ambiental que justamente vem calcada dentro do quê? Da lógica do princípio do desenvolvimento sustentável. Por que friso isso? Porque, a partir da década de 90 para cá - e este acho que sempre foi um dos maiores desafios para a legislação ambiental: justamente trabalhar dentro desse novo paradigma, tentando estabelecer o uso sustentável da biodiversidade equilibrado, portanto, o desenvolvimento econômico e a preservação da biodiversidade dentro de uma lógica que fosse benéfica para a conservação ambiental -, os instrumentos internacionais que tiveram a oportunidade de serem estabelecidos, como foi o caso da Convenção de Diversidade Biológica, da Convenção de Mudanças Climáticas, da Agenda 21, nesses instrumentos todos, se os senhores tiverem a oportunidade de extrair qual foi a principal mensagem, era justamente sempre o estabelecimento de mecanismos de compensação. Mesmo na Convenção de Mudanças Climática, sempre foi o mecanismo de compensação: eu uso o meio ambiente, mas compenso esse uso de alguma forma. Então, o maior desafio que veio para a medida provisória era justamente tentar estabelecer esse mecanismo, respeitando os princípios e as premissas da Convenção.
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Porém, se nós pensarmos e olharmos para a realidade econômica do nosso País, o que nós tínhamos na indústria - principalmente na pesquisa focada para a geração de inovações - em 2001 e o que nós temos hoje em 2015 são realidades totalmente diferentes. Para além do cenário jurídico, ou seja, das dificuldades jurídicas para a definição do marco regulatório de 2001, nós temos, hoje, em 2015, um cenário econômico bastante diferenciado, ou seja, hoje nós temos no País uma indústria instalada com disposição para a realização da pesquisa. Hoje nós temos uma outra ótica e uma nova lógica para o desenvolvimento dessa realidade no País. Por isso que essa legislação se mostra extremamente fundamental.
(Soa a campainha.)
A SRª ADRIANA DIAFÉRIA - Vou passar agora muito rapidamente, porque isso aqui, outras...
Aqui foram as questões dos entraves já apontados pelos outros palestrantes, os gargalos que a MP estabeleceu, gerando um desestímulo. Para os senhores terem uma ideia, muitas empresas hoje optam por utilizarem recursos genéticos de outros países para não terem que enfrentar a burocracia de acesso à biodiversidade brasileira.
Os benefícios que podem ser resultantes dessa iniciativa e desse esforço de revisão do marco regulatório - e aqui, então, vamos entrar diretamente na questão das premissas de construção desse novo marco legal, principalmente na questão da proteção dos conhecimentos tradicionais associados. Eu acho que isso aqui é uma coisa importante de a gente colocar também: em toda essa proposta, não obstante existam pontos específicos em que as comunidades apontam que pode haver algum ponto de divergência, nós temos, sim, a possibilidade de proteção dos conhecimentos tradicionais associados. Como os senhores verão, aqui, rapidamente, nós tivemos a renovação de alguns conceitos que são relevantes, em que nós podemos entrar depois, numa outra oportunidade.
Na definição de produto acabado e produto intermediário, que foi uma nova sistemática para a definição do elo de incidência da repartição de benefícios, portanto, a grande dificuldade que se tinha era que os elos primários das cadeias produtivas, como o caso das cadeias de extratos, cadeias de insumos, em que não existe nenhum tipo de agregação de valor à geração dessa matéria-prima para consumo em outros elos, nós chegamos a fazer a avaliação do que representaria a cobrança de 1% sobre a receita líquida desse produto. Praticamente esses elos seriam inviabilizados.
Então, a decisão e a opção de sugerir que a incidência fosse no elo do produto acabado era justamente por conta da possibilidade de você ter uma agregação de valor ao produto. O produto final que vai para o mercado é o produto que tem agregação de valor ao produto.
Enfim, as questões das atividades agrícolas que tiveram a especificação de cinco segmentos e têm uma lógica de incidência da RB diferente da lógica para os segmentos industriais, pelas especificidades do setor - talvez, depois, a CNA terá a oportunidade de dar alguns destaques.
A questão da governança, que agora inova o novo modelo em que garante a participação do setor empresarial, do setor acadêmico, indígenas, comunidades de agricultores tradicionais, portanto, todos estarão sentados na mesma mesa para estabelecer a regulamentação e acompanhar a implementação dessa legislação.
Temos aqui quem são os sujeitos do cadastro, como é que ficou, portanto, o cadastro, essa lógica do cadastro, que vem a substituir a lógica da autorização, traz uma flexibilidade e uma agilidade para o sistema extremamente relevante, porque a pesquisa não pode ficar aguardando, às vezes, uma análise burocrática necessária, mas que, muitas vezes, no caso da Lei 2.186, representava de dois a três anos para você iniciar uma pesquisa; quer dizer, isso, na prática, para geração de inovações, é inviável.
A questão das autorizações prévias, que são as hipóteses específicas que têm um tratamento especializado.
O regime de fiscalização, que foi descentralizado de acordo com a área afeta, portanto, a biologia marinha vai ser tratada pela Marinha, as atividades agrícolas terão a fiscalização por parte da Agricultura, e o restante da biodiversidade, pelo Ibama.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Para concluir.
A SRª ADRIANA DIAFÉRIA - E vamos lá, rapidamente, agora, ao que é o mais importante e que eu queria deixar registrado.
Na repartição de benefícios, a gente teve uma inovação extremamente relevante: hoje, o que se fala da cobrança de 1% é que ela não é um tributo. E por que não é um tributo? Porque é escolha; é uma escolha do usuário. E como escolha, no caso, quando envolver conhecimento tradicional associado identificável de uma comunidade identificada, você vai ter a possibilidade de definir os percentuais e os valores que devem ser pagos.
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Então, se eu como empresa tomo uma decisão de acessar um patrimônio genético, exclusivamente patrimônio genético, eu vou ter que respeitar o percentual estabelecido na lei, se eu decidir pela monetária. Mas eu posso decidir por fazer uma modalidade não monetária. Portanto, em vez de eu pagar 1% para o fundo, eu posso pagar diretamente em projetos que vão ser implementados na prática. Se eu fizer um acesso a um conhecimento tradicional identificado, eu vou ter a possibilidade de negociar diretamente com a comunidade, independentemente de qualquer percentual preestabelecido. Ela é uma livre negociação com as comunidades.
Então, essa abertura, essa lógica, essa sistemática que está sendo estabelecida no PLC inova em absoluto a regra da 2.186 e, com certeza, vai criar um cenário muito mais propício e muito mais ampliado de possibilidades em que as comunidades, à medida que autorizarem o acesso aos seus conhecimentos, vão ter a sua compensação. Há a possibilidade de você acessar o patrimônio genético, que você pode recolher para fundo ou pode aplicar em não monetária.
Portanto, a gente tem agora um universo bastante amplo de possibilidades em que você vai fazer o pagamento da repartição de benefícios.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - O tempo está esgotado, Drª Adriana. Para concluir, por favor.
A SRª ADRIANA DIAFÉRIA - Para concluir, eu acho que um capítulo extremamente relevante, que, na verdade, foi a origem de todo o processo, é o capítulo de regularização. Esse capítulo vai criar a possibilidade de você ter a solução das situações que ficaram indefinidas, num impasse, no passado, porque nós tínhamos interpretações diversas de órgãos do governo na implementação da 2.186. Agora, esse capítulo realmente sana todo esse passado, cria possibilidade para o recolhimento das repartições de benefícios que ficarem em aberto e cria, em especial, um ambiente de confiança que vai fazer com que todos se sintam, agora, confortáveis em implementar essa legislação.
Então, para finalizar, eu queria deixar uma mensagem muito clara. Esse PLC, da forma como está colocado e da forma como veio aprovado, tenho certeza de que vai trazer uma série de benefícios. E aí eu digo para a população brasileira que, pela primeira vez, nós vamos ter uma legislação inovadora no País, que vai criar um cenário possível para que a indústria e as nossas instituições de pesquisa entrem nessa nova realidade.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço e parabenizo a Drª Adriana e concedo a palavra ao Dr. Nilson Gabas Junior, que é o Diretor do museu paraense Emílio Goeldi.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Apoio Governo/PT - PA) - Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pois não.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Apoio Governo/PT - PA) - Pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pela ordem.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Apoio Governo/PT - PA) - Só para justificar esse senta e levanta dos Senadores. Não é nenhuma desconsideração aos nossos convidados. É que cada um de nós tem atividades paralelas em duas ou três comissões. Por isso esse movimento de senta e levanta dos Senadores. Por exemplo, hoje eu tenho que estar aqui e em duas comissões votando a Presidência da comissão. Por isso esse senta e levanta dos Senadores. Não é nenhuma desconsideração aos nossos convidados. Parece que não, mas a gente começa a trabalhar desde às 8 horas em várias comissões.
É isso, Presidente.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pela ordem.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Sr. Presidente, se fosse possível, eu gostaria de receber as exposições, porque, mesmo que a gente acompanhe...
O SR. WALTER PINHEIRO (Bloco Apoio Governo/PT - BA) - Não em cópia papel, não é, Moka? Pelo menos que se mande em e-mail eletrônico. Por exemplo, no site da Comissão também a gente baixa, mas é importante...
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Eu gostaria de receber essa contribuição para ajudar. Eu tenho um resumo do projeto, mas eu percebo, pela fala, desde ontem, que há algumas coisas que talvez a gente possa melhorar, realmente, na redação, ainda que isso signifique voltar para a Câmara. "Se mexer em alguma coisa, tem que voltar para a Câmara." Mas aí paciência, não é?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Senador Moka, ontem não houve nenhuma apresentação desse nível. Foi hoje que houve. Nós vamos encaminhar e poderemos também encaminhar os vídeos todos para os Senadores. Vou determinar que se faça isso.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Eu fico muito agradecido, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Porque ontem não houve nenhuma exposição nesse nível em que foi feito aqui hoje. Mas nós vamos encaminhar os vídeos, eu já determinei, para todos os Senadores tomarem conhecimento.
Agora, com a palavra o Dr. Gabas.
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O SR. NILSON GABAS JR. - Bom dia a todos e a todas!
Eu quero agradecer imensamente a chance, a oportunidade de estar aqui, agradecer ao Presidente desta importante Comissão e das duas Comissões, agradecer ao Senador Paulo Rocha que me fez o convite para estar aqui representando a mais antiga instituição de pesquisa da Amazônia, a segunda mais antiga do País.
Trata-se aqui de discutir, sob diversos aspectos, um projeto de lei, um PL que pode afetar, de maneira contundente, a vida dos brasileiros, sobretudo dos brasileiros amazônidas. Não é porque sou diretor de um instituto da Amazônia, mas convenhamos que a biodiversidade, sobretudo do bioma amazônico, é uma das maiores e menos conhecidas do País. Então, tratando de uma maneira contundente e o mais compreensível possível do conhecimento e da apropriação do conhecimento dessa biodiversidade, a gente pode falar em solução de problemas, os quais nem conhecemos ainda tal a contundência disso.
Pelo acompanhamento que venho fazendo dessa tramitação do PL 02, trata-se de um tema que vem ganhando muitos adeptos e defensores, especialmente pelo número de audiências, seminários e debates, o que a gente vem reconhecendo de maneira bastante positiva. É de fato um tema polêmico e, se não for bem articulado em todas as suas variáveis, matizes e implicações, sobretudo implicações, ele pode ter uma contundência negativa principalmente na soberania nacional e pode ter o efeito de tornar inócua uma efetiva chance para o desenvolvimento nacional e, acima de tudo, regional.
A gente não deve esquecer que neste Governo, nos dez últimos anos de governo, a gente tem visto uma preocupação muito grande em tirar o País da miséria, em oferecer às populações menos agraciadas de desenvolvimento um efetivo desenvolvimento, então, para essas populações, quer diminuir as desigualdades regionais. A gente sabe que o Sul e o Sudeste têm um padrão de desenvolvimento muito melhor do que o de todos nós da região Norte. A região Nordeste já vem se desenvolvendo melhor nestes últimos dez, quinze anos, mas a região Norte ainda não.
Nós, no Museu Goeldi, somos um instituto de pesquisa que pertence ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, trabalhamos não apenas com a produção de conhecimento, mas com a sócio e biodiversidade amazônica, mas, recentemente, de uns cinco anos para cá, também passamos a nos esforçar para produzir e sermos efetivos nos resultados dessas pesquisas, transformando-os em inovação, seja por processos novos, seja por produtos novos, patentes etc. Quando cabível, a gente consegue fazer isso. Estamos articulados em sermos um centro de pesquisa que somos sede de uma rede de núcleos de inovação e transferência de tecnologia. São doze instituições ligadas a nós na Amazônia oriental e, desde a criação dessa rede, há cerca de cinco, seis anos, por uma iniciativa bastante importante do Ministério da Ciência e Tecnologia, nós desenvolvemos, ou solicitamos, ou temos registrados 120 pedidos de patente. Não é uma coisa simples.
Nesse contexto, nós, junto aos demais institutos da Amazônia, sobretudo da Amazônia, temos grande responsabilidade não apenas científica e tecnológica, mas em inovação, principalmente para com as comunidades com as quais trabalhamos: indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos, ainda mais agora às vésperas da votação, na Câmara, de uma coisa que ainda não foi citada aqui, mas que é importantíssima que se tenha, que tenhamos em vista, que é o PL 2.177, de 2011, o chamado Código Nacional de Ciência e Tecnologia, que se iniciou como uma proposta do Deputado Sibá, uma proposta de revisão da Lei de Inovação. Então, ela abre uma perspectiva imensa de que institutos de ciência e tecnologia agreguem o sentimento e a necessidade de inovação aos seus núcleos de inovação tecnológica associados.
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Nesse contexto, sob a luz do que preconiza o PL 7.735, agora PLC 02, nós identificamos diversos pontos positivos, vários deles, talvez a maioria, já citados aqui. Um deles, inclusive, trata especificamente da questão do acesso não ao patrimônio genético, mas à biodiversidade em si. Até muito pouco tempo atrás, todos os pesquisadores brasileiros ou estrangeiros que faziam acesso à biodiversidade no sentido de fazer coleta, identificar uma espécie ou espécime estavam ilegais no País, sob o risco de serem presos. Alguns, inclusive, foram presos. Isso agora temos regulamentado. O PLC regulamenta isso de maneira bastante tranquila, clara. Então, quem pretende fazer pesquisa sem necessariamente acessar patrimônio genético não está mais, de acordo com o PLC, na ilegalidade. Isso deu uma tranquilidade muito grande à comunidade científica.
Nós também identificamos alguns pontos que, se não forem corrigidos, refeitos e bem analisados, poderão não só pôr em risco a integridade dessa soberania nacional que eu mencionei, mas principalmente ter o efeito de negar às populações tradicionais uma melhor condição de vida, uma efetiva possibilidade de desenvolvimento, o que pode ser muito ruim para a Amazônia, que depende desse desenvolvimento.
Um desses pontos refere-se à necessidade - e nós identificamos isso muito claramente - de vinculação no PL de pessoa jurídica estrangeira a uma ICT brasileira. Isso não está previsto. Quando você vincula a iniciativa de prospecção a uma ICT brasileira, abre uma gama de possibilidades que vão desde uma melhor efetividade em cooperação internacional, você tem de mecanismos efetivos para estabelecer cooperação internacional do mais alto nível. Ou seja, você se apropria de laboratórios que nós ainda não temos aqui no Brasil para rodar certos experimentos no exterior e, do ponto de vista científico, auxilia no processo de formação de recursos humanos. Quando eu falo de formação de recursos humanos, talvez isso não tenha um grande impacto, de novo, para o Sul e Sudeste. Mas, para a Amazônia, formar recursos humanos de alta capacidade, que fiquem na região e que ajudem a produzir o desenvolvimento sustentável da região é importantíssimo, é um item muito forte nessa agenda e pauta.
Também há uma possibilidade clara de transparência nos negócios via utilização dos escritórios e dos núcleos de inovação tecnológica, o que implica numa plena repartição de benefícios. E fortalecimento desses NITs (Núcleos de Informação Tecnológica), além de um ponto de vista bem específico do PLC de maior transparência nas eventuais remessas de organismos ao exterior. Então, esse é um ponto do PLC que não está muito bem claro.
Eu não estava aqui ontem, mas, como foi dito pelo representante do MCTI, deveriam fazer mais ou melhor uso dos mecanismos já existentes e preconizados regimentalmente no marco legal de ciência e tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O CNPq é o responsável pela vinculação de qualquer pesquisador estrangeiro que queira fazer pesquisa no País. Ele precisa associar-se a um pesquisador brasileiro que pertença a uma instituição científica aqui, para poder conferir legalidade ao processo e, sobretudo, às eventuais transferências. Gente, é muito comum receber material do estrangeiro para os nossos pesquisadores aqui, os experts brasileiros fazerem o reconhecimento dessas espécimes e mandarem material para lá para que seja feito o mesmo pelos especialistas de lá. Então, no que se refere a acesso aos conhecimentos, ao patrimônio genético, isso pode ser feito com muita tranquilidade e transparência.
Em relação ao conhecimento tradicional associado e à repartição de benefícios, há diversos pontos, como muito bem citado aqui pela representante do grupo Farma. O PLC traz diversos avanços, mas, como, no nosso entender, o diabo mora no detalhe, há vários pontos que, apesar dos avanços, precisam ser melhor explicitados e melhor habilitados para que haja não apenas transparência, mas efetividade sobretudo na repartição de benefícios.
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Então, o conceito de produto acabado restringe, do nosso ponto de vista... Quanto a isso, eu estava conversando, agora há pouco, com o vice-presidente da Fiocruz, e é completamente debatível: se você deve manter produto acabado ou interpor uma outra escala de produto intermediário nessa escala de acesso ao patrimônio genético.
Então, existem pontos que não estão muito bem esclarecidos, debatidos, talvez até com implicações sérias quanto ao regime de urgência que foi solicitado para que a matéria tramitasse nas Casas. Então, se o Senado entender não apenas que deva voltar para a Câmara, mas voltar retirando o regime de urgência, talvez isso permitisse uma maior possibilidade de que, pela abrangência do tema ou dos temas e das questões envolvidas, fosse feito o debate com uma melhor tranquilidade talvez.
Identificamos também alguma dificuldade na transigência dos acordos setoriais. O PL não explicita qual será a participação efetiva dos indígenas, das comunidades quilombolas e das suas entidades representativas. A conceituação dada - esse é um ponto importante - ao agricultor tradicional e à agricultura tradicional não leva em consideração o marco legal sobre agricultura familiar. Então, esse é um ponto, sobretudo para a Amazônia, que precisa ser trazido para o âmbito do PLC.
E a falta de uma efetiva participação das populações detentoras de conhecimento tradicional no sentido de outorga a essas populações do direito de decisão sobre o processo. Participar é um coisa, mas ter direito de decisão, decidir sobre o processo, é outra. Então, foi um avanço a participação deles, mas devem efetivamente decidir, falar: "Não, isso aqui não nos interessa, a gente tem o direito de bloquear isso aqui".
Bom, eram essas as minhas considerações.
Eu agradeço pelo tempo de vocês.
Eu tenho a certeza de que as minhas considerações não serão as únicas e tenho, sobretudo, a certeza e a confiança de que esta Casa vai trabalhar e o texto do PLC vai receber os ajustes necessários à sua plenitude, o que vai fazer com que, sem dúvida, esse grande instrumento de desenvolvimento e inclusão social seja pleno a todos os brasileiros.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço ao Dr. Nilson Gabas e passo a palavra ao Sr. Luiz Antonio de Oliveira, que é o Diretor do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.
O SR. LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA - Bom dia a todos.
Eu queria agradecer a oportunidade dada ao INPA de ter a palavra aqui.
Eu vou fazer uma abordagem de dois pontos sobre os quais, eu acredito, talvez nossos colegas não vão fazer uma colocação um pouco mais consolidada e deixar as outras partes que eu sei que vão ser debatidas. Eu vou aqui dar enfoque mais para a Amazônia, e aí instituir a pesquisa, porque é realmente a área que a gente domina.
Eu trabalho no Inpa já há 38 anos, e em formação de recursos humanos. Na verdade, o embrião desta lei começou dentro do Inpa, mais ou menos em 1991, 1992, com a preocupação do governo brasileiro quanto à biopirataria. Então, existia a possibilidade do dolo sem a lei, mas, com o tempo, nós criamos uma lei que começou a causar dolo do outro lado. Eu tive uma situação de um orientado meu de doutorado que ficou esperando um ano para poder coletar material para a tese dele devido à lei draconiana que foi instituída.
Eu acho que houve um avanço muito grande agora. Toda lei tem que ter aquele equilíbrio, tem que evitar o dolo de um lado, mas também não pode causar dolo do outro lado. E eu acredito que nós estamos no caminho certo.
Eu tenho aqui algumas colocações de redação, cuja cópia eu poderia deixar com a Mesa, mas as colocações que eu vou fazer aqui não estão relacionadas com este texto.
A primeira: eu acho que nós temos que pensar em desonerar a pesquisa. Nós temos que avançar muito no conhecimento científico. Por exemplo, o cadastro que estão exigindo na lei, eu acho que poderia ser minimizado. Nós temos o CNPq, que poderia disciplinar isso daí e facilitar um pouco.
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Essa autorização pela qual eu tive que esperar um ano, eu não estava pedindo em nome do Luiz Antonio, eu estava pedindo em nome do INPA, do MCT, quer dizer, da União. É a União que está sendo representada. Então, eu acho que nós temos que criar mecanismos para facilitar o nosso trabalho.
Outra coisa que é extremamente importante, é que realmente talvez falte um artigo destinado à pesquisa, ao conhecimento científico, eu acho que é o que falta na lei.
Então, vamos pegar o modelo de desenvolvimento da Amazônia, o PIN: ele tem cerca de 600 indústrias. Acho que o grande erro desse modelo - realmente ele deu toda a contribuição de desenvolvimento até agora na Região - foi não destinar parte do recurso para investimento e consolidação das instituições de pesquisa e ensino da Região Norte. Então, hoje nós estamos... As instituições, às vezes, têm tom deficiente e alguns Estados não têm centro de pesquisa consolidado. Se houvesse um pouco mais de destinação de incentivos fiscais para fortalecimento das instituições da Região Norte, nós poderíamos hoje ter um pouco mais de domínio da nossa biodiversidade.
Então, o potencial da Amazônia, como o pessoal fala, só para vocês terem uma ideia, o ser humano conhece cerca de 5.500 enzimas. Na Amazônia, numa estimativa por baixo, nós teríamos, pelo menos, umas 30 milhões de enzimas, só para vocês terem ideia.
Antibióticos... O boom de descoberta de grandes antibióticos terminou em 1960, mas nós temos hoje...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - Quantas enzimas?
O SR. LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA - São conhecidas 5.500.
Na Amazônia, só de insetos, são estimados de 10 até 30 milhões. Se nós partimos do princípio de que cada espécie biológica tem que ter uma enzima para formar um composto único que a justifique como espécie e outra enzima para destruir esse componente específico, e, se nós colocarmos, por baixo, 10 milhões de insetos, tem que haver, pelo menos, 20 milhões de enzimas. Se nós considerarmos, por exemplo, as espécies vegetais superiores da Amazônia - há em torno de 25 mil -, cada folha que cai no solo tem que ser degradada por enzimas do solo. Então, cada espécie biológica que tem um composto tem que ter uma enzima que produza esse componente. E só na camada de liteira da floresta teríamos, então, 50 mil enzimas diferentes - só para vocês terem uma ideia. E nós não aproveitamos isso daí.
No polo industrial de Manaus, dessas 600 indústrias, que eu me lembre, das indústrias que têm interesse na biodiversidade, a Natura que nos procurou lá recentemente. A Petrobras é outra empresa que nos procurou para trabalhar em apoio à pesquisa. E nós precisamos procurar parceiros na área de indústria para podermos consolidar ciência e tecnologia em todo o País. No caso do polo industrial de Manaus, ele foi prorrogado por mais 50 anos, mas, com certeza, ele é tão vulnerável que, talvez, daqui a 30 anos, seja totalmente inviável. Se nós não começarmos a pensar agora em substituir pelo menos parte dessas indústrias, nós vamos ter problemas sérios lá no futuro, e a biodiversidade da Amazônia não está só na Amazônia brasileira, também está em outros países.
Eu fiz um cálculo aqui: se daqui a 30 anos nós conseguirmos substituir ou fortalecer o PIN - isso eu estou falando na Região da Amazônia, então vamos pensar nos outros Estados, no Acre, nos outros nove Estados ou pensar, então, na Amazônia como um todo -, se nós conseguirmos implantar 150 bioindústrias daqui a 30 anos, um quarto do potencial hoje do PIN de Manaus, nós teremos que viabilizar cinco bioindústrias por ano, para um quarto. Lembrando que o Sebrae disse que 70% das indústrias fracassam nos três primeiros anos, nós teríamos que fortalecer, criar, pelo menos, cinco para termos um quarto do potencial daqui a trinta anos.
Então, ou a gente investe realmente em ciência e tecnologia de uma forma consolidada, envolvendo as indústrias como parceiras, ou a gente vai ficar sempre falando que a Amazônia, que os nossos biomas têm um baita potencial biotecnológico e vamos ficar pagando royalties para empresas estrangeiras e trazendo bioprodutos de outros países.
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Eu acho que esse PL deveria, dar um enfoque muito grande ao fortalecimento das ciências e tecnologias, procurando criar mecanismos de atrair as empresas para serem nossas parceiras, talvez isentando o dobro do Imposto de Renda de pessoa jurídica. Quer dizer, precisamos ter realmente mais investimentos, mais parcerias.
A prática tem mostrado que, na realidade, as instituições estão enfraquecendo. Eu só vou pegar um exemplo do Inpa. Em 1985, havia cerca de 1,5 mil funcionários. Hoje, estamos com 720 e perdemos cinco funcionários pelo menos, por mês, devido à idade. E dentre esses setecentos, duzentos estão já com idade e tempo para aposentadoria. Eu, por exemplo, estou há 45 anos na ativa e ainda não aposentei. (Fora do microfone.)
O SR. LUIZ ANTONIO DE OLIVEIRA - Eu acho que nós temos de realmente buscar mecanismos dentro da lei para exonerar os pesquisadores. Eu acho que não tem necessidade de eu ir à União ter de ficar pedindo autorização para fazer o que sou pago para fazer.
Basicamente, era isso que eu queria colocar. Realmente é algo um pouco diferente, mas é extremamente importante, senão não vamos avançar mesmo no aproveitamento da nossa biodiversidade.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Eu quero agradecer e parabenizar o vasto conhecimento do Dr. Luiz Antonio a respeito do tema.
Convido o Dr. Rodrigo Justus, Presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura.
O SR. RODRIGO JUSTUS - Bom dia a todos. Cumprimento o Senador Otto Alencar, em nome do qual cumprimento aqui todos os presentes.
Eu vou rapidamente colocar alguns pontos aqui que são da relação e do interesse direto com o setor agropecuário.
O setor de fármacos aqui colocou as imensas dificuldades. O setor da pesquisa, agora, aqui mostrou o quanto precisamos avançar.
Se existe um consenso total é o de que aquilo que temos hoje não funciona. Então, já temos um ponto de partida. E sobre os demais assuntos, tem-se discutido, nos últimos anos, sob todos os segmentos, os atores envolvidos na implementação da repartição de benefícios. Esse assunto tem sido discutido.
E qual é a posição do setor agropecuário? Primeiramente, é preciso que a gente resgate que a conservação da biodiversidade visa à conservação da biodiversidade em si, aquela existente na natureza, e ainda a relacionada ao CTA (Conhecimento Tradicional Associado), que são aqueles conhecimentos da utilização relacionados aos recursos genéticos. E esses direitos à repartição estão lá na CDB.
Mas o setor agropecuário brasileiro não está, felizmente, travado pela MP 2186, porque mais de 90% de toda a produção agropecuária nacional utiliza recursos genéticos que não têm origem no País.
Então, nós trabalhamos no sentido dos tratados e convenções internacionais que regem a questão relacionada a recursos fitogenéticos, ao melhoramento genético animal e vegetal. O Brasil não chegou nesse nível de produtividade e produção agropecuárias apenas com expansão de terras, mas, sim, através de desenvolvimento, pesquisa e melhoramento genético.
Se hoje nós colhemos quase sete vezes mais - proporcionalmente - nas culturas do que colhemos há quarenta anos, isso tudo se deve sim ao acesso a recursos genéticos, a maior parte deles de centro de origem no exterior.
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Então, a vaca, o pato, o cabrito, o carneiro, a soja, o milho, todos esses recursos genéticos que compõem o PIB agropecuário, de uma forma geral, têm origem no exterior e são considerados plantas exóticas.
O nosso posicionamento sempre, nas negociações na Câmara - isto foi aceito e incorporado ao texto -, é de termos conceitos claros e objetivos e saber até onde se aplica a legislação. Há, inclusive, exceções relacionadas à repartição de benefício para espécies exóticas domesticadas, desde que elas tenham desenvolvido características próprias.
Nós temos tratados e convenções internacionais, recursos fitogenéticos para alimentação, o Tifa e outros protocolos referentes à questão animal. Não quisemos, de nenhuma forma, atrapalhar; inclusive participamos dessas discussões com o setor da pesquisa, do desenvolvimento e de fármacos. Ouvimos e estamos sempre aprendendo nessas discussões.
Vimos que nós precisamos, sim, de um novo modelo que incentive a pesquisa e diminua custos de transação. Até o próprio Governo é multado. Nós temos uma lei - foi falado o termo exato, Prof. Luiz Antonio - draconiana. Por que foi implementada uma norma tampão no ano de 2000? Porque a biodiversidade do País estava sendo roubada. Então, fez-se uma norma fechando a porteira e criando barreiras para evitar que os nossos conhecimentos, a nossa biodiversidade fosse patenteada lá fora. Esse foi o papel no ano 2000. Só que lá se vão 15 anos, e essa porteira fechada represou o nosso desenvolvimento científico e tecnológico. Agora, através do projeto, busca-se resolver essa questão.
Nós temos a maior biodiversidade do mundo, mas sequer conhecemos o que temos. Por quê? Porque, para conhecer algo, é preciso pedir uma autorização para procurar isso, já dizendo o que é e, mais, negociando o quanto vai ser pago por algo que não se sabe se já existe. Então, a lógica da nossa legislação não funciona. Por isso, estão aqui as nossas mudanças.
A nossa posição é clara pelo desenvolvimento, inclusive lutamos na Câmara e incluímos a participação de toda a sociedade no plenário do CGEN, tanto o setor econômico quanto o setor de pesquisa e tecnologia, todas as comunidades, com os endereços dos indígenas, das populações tradicionais. Nós conseguimos inserir todos no CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), que vai regulamentar a aplicação dessa norma.
Há, sim, alguns pontos de divergência, ,mas no sentido base do incentivo à pesquisa, de desbloquearmos o avanço tecnológico e descriminalizarmos a iniciativa científica, hoje criminalizada. Todos que foram se regularizar no CGEN saíram com multas do Ibama e processos penais. Nós temos uma regra, hoje, que não prevê regularização; ela só prevê punição. Aquele que faz clandestinamente não tem como registrar o seu produto depois, porque fez clandestinamente. Aquele que buscou regularizar saiu punido com multa e ação penal. Então, nós temos que dar um fim a isso e trabalhar, na sequência, nas regulamentações.
A nossa posição é de que se esse texto não traz óbices ao setor. As arestas que havia foram aparadas, e, se houver algumas modificações a fazer, elas serão pontuais.
Agradeço essa possibilidade de intervenção e fico à disposição.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Agradeço ao Prof. Rodrigo Justus, a todos e a todas pela objetividade que tiveram, ajudando-nos muito no trabalho - tanto a nós, Relatores, como aos Presidentes das Comissões.
De fato, trata-se de uma matéria que vem se arrastando há muito tempo e que é fundamental para o País, para a ciência, para a tecnologia, para a indústria, para as populações tradicionais, para a soberania brasileira, a fim de obtermos alguma proposta, algum marco regulatório que possa ajudar o Brasil, com a megabiodiversidade que tem, a não fazer um registro negativo do mal uso dela, do desconhecimento sobre ela.
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Eu, que sou da Amazônia, sei o tamanho do prejuízo em que o País vive, mas especialmente de quem vive na Amazônia, por não usarmos, por não conhecermos, por não trabalharmos com essa mega biodiversidade deste País fantástico que é o Brasil.
Agradeço a todos que vieram,a esse chamamento tão em cima da hora, e pelas objetividades.
Vamos por fim ouvir o Sr. Valcler Rangel, Vice-Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador, uma questão de ordem.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Telmário.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Eu tenho um compromisso que já estava agendado, agora às 10h, na Promotoria Pública, mas nós vamos deixar aí...
Ouvimos com atenção algumas posições, temos algumas dúvidas, vamos consultar - inclusive com a Funai, depois eu quero conversar com você para a gente averiguar aquelas questões. Vou deixar a assessoria colhendo ainda essas informações, Sr. Presidente, para podermos ajudar na composição da Relatoria.
O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Antes que V. Exª saia, seria bom, pedindo licença ao Sr. Valcler Rangel... O Senador Acir me propôs algo, seria bom se V. Exª pudesse propor na frente do nosso Relator, também, o Senador Telmário, e eu me posicionaria na condição de Relator aqui na CMA.
O SR. ACIR GURGACZ (Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Está certo. Saúdo nosso Senador Jorge Viana, que preside esta Reunião e também é Relator na CMA; o Senador Telmário também é Relator, na CCT, dessa matéria; os demais Senadores e convidados, agradecendo a participação de todos nesta audiência pública.
Entendo que todo projeto importante, Senador Jorge Viana, traz consigo também suas divergências e eu diria que, assim como em outros projetos, é difícil aprovar um projeto perfeito, Senador Moka.
O fato é que este projeto tramita no Congresso há mais de 20 anos e é consenso entre todos que nós ouvimos hoje, e ontem também, que a MP 286 causa um prejuízo muito grande, tecnológico e econômico, ao nosso País.
Entendo que o fato de termos ouvido ontem o Governo e hoje a sociedade civil organizada - as instituições que têm uma relação direta com esse tema - nos coloca prontos para votarmos essa matéria nas nossas Comissões. Indago ao Senador Jorge Viana se seria possível cancelarmos, ou V. Exª retirar o pedido da audiência pública para a semana que vem, até porque essa matéria tramita em regime de urgência e o prazo nosso, nas Comissões, encerra-se no dia 21 próximo. De modo que na semana que vem, a própria Mesa pode requerer, em função de estar tramitando em regime de urgência, a votação direta no plenário e nós poderemos perder a oportunidade de debater nas nossas Comissões.
Eu me sinto já apto a fazer o relatório e votar, mas não gostaria de fazê-lo se tivermos ainda uma audiência pública para debater esse assunto. Entendo que o debate já nos traz elementos suficientes para votarmos essa matéria.
Eu gostaria, se V. Exª retirar o pedido de audiência pública para a terça-feira próxima, de colocar para votação na nossa Comissão de Agricultura amanhã, para debatermos com todos os membros da Comissão de Agricultura, em face de todas as opiniões que ouvimos ontem e hoje e também do fato de termos essa matéria em regime de urgência, com prazo final no dia 21 próximo.
Então, é esse pedido que faço a V. Exª, Senador Jorge Viana.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Há muitas emendas?
O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Acir, colegas Senadores, penso assim, volto a repetir: o que nós ouvimos hoje aqui... Mesmo num prazo de dez minutos, ouvimos pessoas que trabalham com esse tema há muito tempo, que conhecem bem a matéria e isso é o fundamental para uma decisão do Senado.
Cada Senador busca se informar bem sobre uma matéria complexa como essa, que há 12 anos se debate, com a qual há 20 anos o Brasil lida.
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E houve aqui um consenso de todos os que falaram - pelo menos -, desde a representante da Funai, que trouxe muitas preocupações, à representante da Farma, que trabalha com toda a indústria e que busca utilizar pelo menos parte da nossa biodiversidade.
O marco regulatório que temos hoje é um problema para todos os pesquisadores; é um prejuízo para o País, que vai das populações tradicionais, dos povos indígenas, à indústria, e nós precisamos ter algo que substitua esse marco regulatório prejudicial ao País.
A minha intenção como Relator... Essa é uma matéria complexa que está em cinco Comissões, tem cinco Relatores, e eu não posso me arvorar em querer mudar o curso das coisas. Nós temos um Regimento a cumprir. Então, eu proponho essa sugestão do Senador Acir... Por exemplo, o Senador Telmário, que está pedindo agora para sair, vai ouvir ainda, individualmente, vários setores que trouxeram preocupações. Eu farei o mesmo e vou fazer o melhor juízo possível daqueles temas que entendo como polêmicos e, quem sabe, podem sofrer algum aperfeiçoamento aqui.
Como - principalmente o argumento de V. Exª, Senador Acir - hoje eu já estou ouvindo, somado às informações que tenho colhido, muito do que eu chamaria de pontos polêmicos já foram colocados aqui — o representante da Funai colocou alguns pontos, representantes de várias entidades, e eu ainda vou para o Acre e terei várias reuniões até terça —, acho que V. Exª tem razão, eu vou apresentar um requerimento retirando, porque seria trazer talvez as mesmas pessoas para terça-feira. Eu prefiro usar este tempo, daqui até terça, conversando, aprofundando as preocupações com determinados setores que já identificamos e, a partir daí, construirmos um relatório com modificação ou não, aceitando ou não um ponto de vista ou outro. Mas eu vou formalizar então, Presidente Otto, a retirada do requerimento que sugeri, atendendo à solicitação do Relator Acir.
O SR. ACIR GURGACZ (Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Eu agradeço.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Eu queria só ratificar as palavras do Senador Acir.
Acho que é extremamente compreensível, dado ao afogadilho das votações que se aproximam, e a gente ouviu no geral, a CNI, a Embrapa, o grupo da farmácia, enfim é quase unânime o sentimento de aprovação do projeto. Algumas reclamações que existem nós vamos pontuar e debater, para buscar um bom termo.
O SR. ACIR GURGACZ (Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Muito obrigado.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu peço então...
Da mesma maneira que apresentei oralmente o requerimento, eu solicito formalmente ao Presidente que ponha em apreciação a retirada do meu requerimento.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Em votação a proposição do Senador Jorge Viana.
Os Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Passo a palavra ao representante da Fiocruz, Sr. Valcler Rangel.
O SR. VALCLER RANGEL - Obrigado.
Primeiro, quero cumprimentar a todos, agradecer o convite ao Senador Otto, ao Senador Jorge Viana, Vice-Presidente do Senado e Relator; ou seja, a todos os Senadores e colegas das instituições aqui presentes.
Eu estou aqui numa situação bem interessante. Sou o último a falar e já participei de uma primeira votação. Então, a situação é bem tranquila, quer dizer, podemos falar que a matéria vai sendo vencida.
Eu vou tentar passar aqui - de maneira muito breve, sem utilizar o tempo inteiro - a visão da Fiocruz em relação a isso. Acho que não vai trazer complicações, porque vai na mesma direção de uma série de colegas que colocaram aqui questões em relação ao projeto de lei.
Eu lamento profundamente o Presidente da Fundação, Paulo Gadelha, não poder estar aqui, exatamente porque ele está numa missão na França numa discussão da constituição do Instituto Fiocruz-Pasteur, para vocês terem uma ideia de como a gente tem trabalhado essa questão da cooperação internacional, que tem muito a ver com questões que estão colocadas neste projeto.
Quer dizer, muitas das questões ligadas aos desafios que temos neste âmbito têm a ver com desafios globais, têm a ver com desafios, como já foi bem colocado aqui, no âmbito da soberania nacional e no âmbito da geopolítica, eu diria, internacional, porque nós estamos falando de bens muito valiosos para a humanidade. E interessante que apesar de estarmos falando de uma geopolítica internacional, isso também tem a ver com aspectos nacionais e regionais brasileiros fundamentais, principalmente em relação a essas populações que durante muitos anos foram esquecidas no País. Então, essa é a nossa visão de que é preciso avançar; e que esse projeto avance.
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A outra questão importante é colocar um pouco do aspecto da Fiocruz. É uma instituição que está completando, agora em maio, 115 anos, e por uma característica da sua constituição, trabalha no conjunto dessa cadeia produtiva que se relaciona no âmbito do uso da biodiversidade e daquilo que se convencionou chamar desenvolvimento sustentável. Ou seja, eu diria que também no tripé da convenção da biodiversidade, no âmbito da preocupação com as populações tradicionais. A gente tem projetos ligados aos quilombolas, aos indígenas, aos caiçaras. Temos muitos projetos de pesquisa básica, temos duas fábricas, uma fábrica de medicamentos e uma fábrica de vacinas. Portanto, nós estamos no conjunto da cadeia. E isso traz complicações, obviamente, para a execução da nossa missão. E esse projeto está relacionado diretamente a essa história.
E às vezes algumas dúvidas da gente também estão relacionadas a isso. Por exemplo, aquilo que se refere à questão da repartição de benefícios em relação aos produtos acabados ou produtos não acabados, como bem falou aqui o nosso diretor do Museu Goeldi. Ou seja, são dúvidas que estão colocadas, mas acho que há condições plenas de essas dúvidas serem dissipadas.
A outra questão importante que eu quero ressaltar - e por isso citei aqui a visita que o nosso presidente está fazendo à França - se refere à relação com as empresas estrangeiras. É muito importante que isso fique muito claro. Esse projeto acho que está também num caminho bem adequado. Nós acreditamos que essa entrada e a possibilidade de associação deva ser feita com as instituições públicas nacionais, brasileiras, para que haja condição de que essa execução de projetos com as empresas estrangeiras deem garantia para nós desse aspecto da soberania nacional. Então eu diria que essas questões que estão colocadas aí nesse projeto se referem a isso.
E eu queria destacar algumas outras, que são preocupações nossas, por essa situação de a Fiocruz se localizar desde uma pesquisa básica até a produção de medicamentos e vacinas, imunobiológicos. E um aspecto especial da Fiocruz: nós somos uma instituição do Ministério da Saúde, do Sistema Único de Saúde; a pesquisa e o olhar sobre a questão dos patógenos, como está colocada no projeto, que acaba a gente não falando muito sobre isso, a gente fala muito sobre a biodiversidade, e às vezes esquece que os patógenos também estão relacionados a essa questão. E hoje nós também, muitas vezes, temos travas para a pesquisa de patógenos. Há muitos pesquisadores que colocam essa questão para nós, quer dizer, a necessidade que existe de darmos respostas para as grandes epidemias e endemias brasileiras também passa por aí.
Então eu quero colocar esse ingrediente a mais, da importância desse projeto. Acho que temos essas importâncias mais gerais, mais globais e tal, e ele tem uma importância fundamental nessa questão do fortalecimento do SUS. Eu, por exemplo, só para não falar só de patógenos, mas também das respostas a eles, eu participo do Comitê Nacional da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Essa política, que foi estabelecida em 2006, com um programa nacional também coordenado pelo Ministério da Saúde, tem uma série de travamentos em função dessa questão.
Então o que nós temos? Um mercado na Europa, que chega a alcançar 30% do mercado de fitoterápicos, e aqui na América Latina não chega a 5%. E aqui no Brasil, a maior parte dos fitoterápicos que a gente tem são de plantas exóticas. Ou seja, é uma contradição absurda. Então, essas questões são centrais para serem observadas.
Como disse o colega, o Gabas, que colocou aqui do diabo e do detalhe, eu acho que nós estamos numa situação de conseguir - já foi falado isso aqui, eu fiquei até surpreso com o debate já acontecer, no sentido da agilidade dele -, mas acho que nós estamos num momento em que devemos atentar para os detalhes críticos do processo. Nós criamos um grupo de trabalho e estudo ali. Manuela é pesquisadora nossa e membro do CGEN e está aqui também. E eu estava falando exatamente isso para ela: no momento agora, temos que olhar os detalhes críticos. Exemplo: eu aqui reafirmo também a posição que foi colocada pela representante da Funai.
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Não podemos chamar os povos indígenas de outra coisa que não seja povos indígenas! Não há como! Ou seja, esse tipo de questão não pode ser colocada. Nós não podemos permitir algum deslize em relação à questão da associação com a pesquisa internacional, com as empresas estrangeiras. Nós temos de permitir que a indústria nacional, que as empresas nacionais tenham condições de dar e de ter agilidade no processo de relacionamento com as instituições de pesquisa. Então: segurança, flexibilidade e agilidade quebram o que tem hoje; no caso, por exemplo, no Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, o que a gente vê reinando é medo e incerteza. É isso o que está colocado lá: medo e incerteza de fazer pesquisas, de colocar um produto na prateleira, porque pode ser multado, porque pode ser... Ou seja, é essa a situação que está sendo colocada.
Então, eu diria que nós estamos em um momento bastante importante. Eu chamaria esse momento de um pedaço de um início. Aí eu acho muito importante o projeto, mas eu diria que ele é o início para poder induzir pesquisa, para fazer a cadeia de formação de pessoas. Aliás, de novo... Desculpe-me ficar toda hora fazendo uma certa autorreferência à Fiocruz, mas a gente trabalha na cadeia produtiva na pesquisa, no desenvolvimento tecnológico, na produção e no ensino. A gente forma pessoas. Então, nossos cinco mil e tantos servidores, com mais outros tantos trabalhadores que a gente tem, são 12 mil pessoas trabalhando em dez Estados do Brasil. É assim que a Fiocruz se localiza hoje, não só no Rio de Janeiro, mas em dez Estados do Brasil, inclusive em dois Estados da Amazônia, a gente tem de olhar para todos os biomas e formar gente em todos os biomas. Formar pessoas, fazer pesquisas no semiárido, no Cerrado, na Mata Atlântica, na Amazônia, em todo lugar. É desse modo que nós estamos encarando esse processo.
Então, nossa preocupação é com a possibilidade de desburocratizar esse processo, de fazer com que a gente tenha... Eu confesso a vocês que eu estava com uma certa dúvida, e nós discutimos ali, sobre esse regime de urgência, mas, pelo visto, há um certo consenso em relação a se tratar dessa matéria de modo ágil. Eu acho que vale a gente manter interlocuções bilaterais nesse caso. Eu me comprometo aqui a encaminhar um documento para a Comissão, no sentido de tratar de observações pontuais que a gente faz em relação ao projeto e, mais uma vez, agradeço muito aqui a possibilidade de estar colocando a posição da Fundação Oswaldo Cruz aqui, o que é um prazer imenso. Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Concedo a palavra ao Senador Moka.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Só para esclarecimento. O projeto tramita com pedido de urgência constitucional?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Exatamente.
O SR. WALDEMIR MOKA (Bloco Maioria/PMDB - MS) - Então, a primeira coisa que... Quer dizer... O Congresso aí... É só o Governo que pode tirar o pedido de urgência. Se não tiver, o que acontece na prática? O Senador Acir Gurgacz está dizendo que passando do dia 21, a Mesa Diretora pode, independente da tramitação nas Comissões, chamar esse projeto diretamente para o plenário do Senado. Acho que ele tranca a pauta.
Então, é muito melhor a gente abrir mão dessa audiência pública. Acho que vocês têm os Relatores já identificados. Se tiver ajuste de sintonia fina, como estou vendo que há, procurar os Relatores para a gente conseguir votar nas Comissões e, quem sabe, até um relatório de consenso. Eu vejo que está muito próximo disso. É uma questão só de a gente ter...
Agora, para isso, é preciso dar um tempo daqui para terça, para a semana que vem, a fim de que os Relatores também possam dialogar entre si sobre a contribuição que estão recebendo, Presidente. É só no sentido de quem quer, com muito boa-fé, que esse projeto seja votado em um consenso absoluto. Seria o melhor cenário para o Senado aqui e para os Presidentes das Comissões. É só essa questão.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Com a palavra o Senador Aloysio.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Oposição/PSDB - SP) - Cada um de nós, além disso, é uma audiência pública ambulante; quer dizer, todos nós temos nossas relações que podem e devem ser mobilizadas para que cada um de nós se instrua o mais completamente possível para poder deliberar a matéria, independentemente de audiência pública formal aqui.
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O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Senador Moka, é bom informar... Dificilmente nós vamos conseguir ter uma votação conjunta, pela quantidade de Senadores. São cinco Comissões. Mas V. Exª tem razão, os Relatores estão conversando.
Eu queria, inclusive, em respeito a representantes de entidades que são fundamentais, dizer que ao atender a proposição do Senador Acir eu não estou dispensando... Eu sou Relator na Comissão de Meio Ambiente, sei a responsabilidade que tenho e queria deixar aqui bem claro para os representantes e as representantes de entidades com quem vou estar hoje à tarde, amanhã de manhã e segunda-feira, a nossa inteira disposição. Vou procurar as entidades que estão com maiores preocupações sobre o projeto para ouvi-las.
Então, representantes dos povos indígenas, representantes das populações tradicionais, entidades que estiverem aqui em Brasília, eu quero avisar que estarei hoje à tarde no meu gabinete, que é aqui próximo. Acho que o melhor que posso fazer é ouvir aqueles que têm preocupações com esse projeto, porque já ouvi muitos dos que nos deram a luz do quanto ele avança, do quanto melhora, do quanto é bom para instituições de pesquisa. Eu até agradeço e vou fazer a minha intervenção daqui a pouco.
Mas antes que alguns possam sair, eu queria deixar bem claro que em vez da audiência pública, pretendo fazer uma audiência hoje à tarde com grupos que trazem grandes preocupações com a tramitação desse projeto aqui, para que eu possa incorporar, quando convencido, as preocupações que me sejam trazidas.
Isso é importante, porque é meu papel de Relator, principalmente desta Comissão, fazer isso.
O SR. ACIR GURGACZ (Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pela ordem, Senador Acir.
O SR. ACIR GURGACZ (Bloco Apoio Governo/PDT - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, convidados, já ouvimos vários segmentos, Senador Moka, e vamos continuar ouvindo para que façamos esse ajuste fino e cheguemos a um consenso máximo das questões divergentes que tem esse projeto.
Nós continuaremos hoje, durante todo o dia, conversando com todos aqueles que queiram conversar conosco, aqueles que tiverem alguma divergência em relação ao projeto.
O fato, professor, é que nós sabemos que a riqueza com relação à biodiversidade da Amazônia é muito grande e que nós não conhecemos toda a biodiversidade e essa riqueza da Amazônia; e não conhecemos exatamente por falta de pesquisas. Pesquisas essas que não estão acontecendo em função da burocracia desta Medida 2.186. E esse projeto vem desburocratizar, dando uma condição, Senador Aloysio, para que as pesquisas aconteçam não só na Amazônia, é evidente, mas no Brasil como um todo.
Nós não podemos ficar para trás, porque como bem disse o nosso professor, a Amazônia não é só no Brasil. A Amazônia é dos países vizinhos.
Enquanto nós estamos aqui atrasados na pesquisa, alguns outros países estão avançando e tomando a dianteira. E nós ficamos à reboque, sempre em segundo, terceiro e quarto lugar por conta da burocracia brasileira.
É nesse sentido que nós vamos continuar discutindo, continuar debatendo hoje e amanhã. Amanhã pretendo levar à Comissão de Agricultura um relatório para que a gente possa debater com os demais Senadores, em definitivo, para avançarmos.
A minha preocupação é de que se nós não fizermos isso, dia 21 encerra o prazo, na próxima terça-feira vai ao plenário automaticamente, e nós perdemos a oportunidade de debater isso na Comissão de Agricultura.
Então é nesse sentido a minha fala.
Agradeço, mais uma vez, ao Senador Jorge Viana, que atendeu ao nosso pedido de retirar esse pedido de audiência pública para terça-feira que vem, dessa forma agilizando o processo. E nós vamos, mais uma vez, reafirmando, continuar o debate. Vamos tentar tirar todas as divergências durante o dia de hoje e continuaremos amanhã esse debate na Comissão de Agricultura.
Eram essas as minhas colocações, Senador Presidente Otto Alencar.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Eu só queria registrar as ausências dos representantes da Abiquim, que foram convidados, e também da Professora Helena Nader, Presidente da SPBC.
Queria passar a palavra ao Senador Jorge Viana.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Era só para dizer que nós concluímos uma parte da audiência e agora vamos ouvir entidades que nós fizemos questão de convidar, que trazem preocupações importantes em relação a esse projeto. Mas acho que exatamente por aquilo que ainda nem...
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O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pediria silêncio ao plenário, por favor.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Exatamente por conta dessas entidades que ainda não tiveram a oportunidade de apresentar sua visão sobre o projeto é que eu entendo que dá para tentarmos fazer a condução e aproveitar o melhor possível esse dia de hoje com essa audiência pública conjunta, porque houve um entendimento entre os Presidentes das Comissões e Líderes de nós ouvirmos as senhoras e os senhores conjuntamente. Pode ser que os senhores não identifiquem, mas nós estamos com os Senadores com assessores nas laterais, os Relatores das Comissões com os seus assessores, chefias de gabinete nas laterais, está sendo gravada toda a nossa audiência. E é com base nessa audiência pública e na de ontem que nós vamos expor a nossa opinião nesse tão importante projeto para o País e para todos os brasileiros e brasileiras.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Bem, encerrada aqui a primeira parte, vamos dar dez minutos de intervalo e, em seguida, começaremos a segunda parte.
Na segunda parte nós vamos ouvir a Srª Maria Emília Lisboa Pachêco, Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; a Srª Sônia Guajajara, representante da Entidade de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; a Srª Cláudia Pinho, representante da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais; a Srª Edel Nazaré de Moraes Tenório, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Extrativistas; o Sr. Marciano Tolêdo, representando o Movimento dos Pequenos Agricultores Via Campesina; o Sr. Maurício Guetta, representando o Instituto Socioambiental (ISA); e, por fim, o Sr. Denildo Rodrigues de Moraes, Coordenador Nacional da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.
Dentro de dez minutos nós reiniciamos. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Vamos começar a segunda parte. Pediria silêncio. Vamos começar a segunda parte.
Pela ordem de inscrição, passo a palavra à Srª. Cláudia Pinho, representante da Comissão Nacional de Movimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Com a palavra a Srª Cláudia Pinho, pelo tempo de dez minutos.
Reiterando, pedindo ao fundo do plenário silêncio, por obséquio, para que a reunião possa transcorrer com naturalidade.
(Soa a campainha.)
A SRª CLÁUDIA PINHO - Bom dia a todos e a todas, ao Senador Otto. Cumprimento a Mesa.
Nós somos da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, que conta com 17 representações em todo o Brasil, desde povos indígenas a quilombolas, extrativistas da Amazônia, do Cerrado, quebradeiras de coco-de-babaçu, pantaneiros, caiçaras, fundo e fecho de pasto, povo de terreiro, ciganos, retireiros do Araguaia, faxinalenses, catadoras de mangaba, pescadores artesanais, raizeiras, geraizeiros, pomeranos, vazanteiros dentre outros povos e comunidades que estão nesse vasto Brasil.
Agradecemos a oportunidade. Inicialmente nos colocamos sempre como os provedores de conhecimentos tradicionais.
Há pouco vimos que, infelizmente, ... Respeitamos esta Casa a princípio, mas acho que é bom registrar que vimos que alguns Senadores já estavam dando por encerrada sem nem sequer nos ouvir, nós, que somos os provedores de conhecimentos tradicionais.
Vale registrar que estamos aqui para sermos ouvidos em uma audiência de que somos parte interessada em todo esse processo, em toda essa discussão do marco legal.
A princípio, Senadores, gostaria de dizer ...
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Peço licença ao Presidente. Acho que ficou um mal-entendido.
Nós tínhamos o seguinte, esta audiência agora, marcada e mantida. É que se estava propondo mais uma outra, na terça-feira, com algumas pessoas que estariam nesta. Foi só a de terça-feira que o Senador Acir pediu para cancelar, mas esta aqui é oficial e é audiência já marcada. Agradecemos muito a presença de todos. Acho que não ficou bem claro para quem estava aqui o tal do cancelamento da discussão dos pontos polêmicos.
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Nós estamos tratando, nesta audiência, os pontos polêmicos. As senhoras e os senhores são muito bem-vindos. Aliás, são fundamentais. Sem ouvir as senhoras e os senhores, acho que o Senado não tem as condições de deliberar. E como as senhoras e os senhores não falaram, não sei quais são os pontos que serão trazidos, mas, certamente, são pontos importantíssimos para que a gente aprecie, leve em conta, principalmente na hora de decidir sobre esse projeto.
Eu só queria deixar claro. Tinha uma audiência terça-feira, com algumas pessoas que eu tinha apresentado, que nem tínhamos identificado quem são ainda. O pedido de cancelamento foi só para a audiência de terça de manhã. Mas esta aqui, em nenhum momento alguém questionou de não realizar. Ao contrário, todos estão muito na expectativa de que ela aconteça.
A SRª CLÁUDIA PINHO - Obrigada, Senador.
Nesse sentido, ainda nós queremos um espaço de conversa com o Senador para apresentar ponto a ponto o que temos discutido e o que nós também temos em relação a esse marco legal.
Dito isso, nós vamos falar principalmente de alguns pontos que durante todos esses dias nos têm incomodado muito, desde a discussão do PL em outros espaços até chegar nesse espaço desta Casa. A biodiversidade é para nós a nossa riqueza. Ela não gera riqueza. O primeiro ponto que acho que é de fundamental importância, já que estamos numa Mesa em que diálogos são essenciais e importantes.
Para transformar o que temos de riqueza em riqueza, temos que passar também por essa conversa com povos e comunidades tradicionais.
Nesse sentido, nós, povos e comunidades tradicionais, os povos indígenas e também os agricultores familiares, a partir de uma reunião, nos unimos para primeiro construir uma discussão mais acirrada, porque isso envolve a nossa vida, e também para que a gente apresente as nossas demandas, seja nesse espaço, seja em outros espaços onde estejamos, convidados ou não.
Assim, quero entregar aos Srs. Senadores a carta que nós fizemos - povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares -, repudiando o projeto de lei que vende e destrói a biodiversidade nacional.
Por gentileza.
Peço licença para registrar esse documento nesta Casa.
Os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e os agricultores familiares do Brasil, representados por suas entidades e organizações parceiras abaixo assinadas, vêm expor o seu posicionamento sobre o Projeto de Lei nº 7735, de 2014, atual PLC nº 2, de 2015, que pretende regulamentar o acesso e a exploração econômica da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras, bem como dos conhecimentos tradicionais associados.
De início, registramos que os povos e comunidades acima mencionados estão plenamente cientes da atual ofensiva verificada no Brasil contra seus direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal, pela legislação ordinária e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Contexto no qual se insere o PL 7735, de 2014, apresentado ao Congresso Nacional pelo Governo Federal em regime de urgência.
Em razão desse cenário que ameça a própria existência dos povos e comunidades tradicionais, informamos que as entidades representativas encontram-se unidas e mobilizadas com a determinação de lutar conjuntamente na defesa de seus direitos historicamente conquistados, os quais constituem a base da soberania e democracia constitucional do País.
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Especificamente em relação ao PL 7735, de 2014, que pretende anular e restringir nossos direitos, repudiamos a decisão deliberada do Poder Executivo de nos excluir do processo de sua elaboração, sem qualquer debate ou consulta em violação à Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), ao Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura/FAO (TIRFAA) e a Constituição Federal.
Em contraste a isso, denunciamos o amplo favorecimento dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio (principalmente sementeiros), a ponto de ameaçar a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais associados e programas estruturantes para a segurança e soberania alimentares, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com a possibilidade inclusive de legalização da biopirataria.
Tal cenário, reconhecido pelo próprio Governo, resultou em grave desequilíbrio no conteúdo do Projeto de Lei em questão. Além de anistiar as irregularidades e violações históricas e excluir qualquer fiscalização do Poder Público sobre as atividades de acesso e exploração econômica, o PL nº 7.735/2014 viola direitos já consagrados na legislação brasileira, o que pode ser claramente verificado nos seguintes pontos principais:
1) Em relação ao acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais:
1.a) Deixa de prever e inviabiliza a negativa de consentimento prévio dos povos e comunidades tradicionais;
2.b) Flexibiliza a comprovação do consentimento livre, prévio e informado, em detrimento da proteção de conhecimentos coletivos;
3.c) Dispensa o consentimento livre, prévio e informado, para o acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura; e
4.d) Permite que empresas nacionais e internacionais acessem e explorem, sem controle e fiscalização, o patrimônio genético brasileiro e os conhecimentos tradicionais associados, permitindo, por exemplo, o acesso de empresas estrangeiras a bancos de sementes.
2) No que tange à repartição de benefícios:
1.a) Prevê que apenas produtos acabados serão objeto de repartição de benefícios, excluindo os produtos intermediários;
2.b) Restringe a repartição de benefícios aos casos em que o patrimônio genético ou conhecimento tradicional for qualificado como elemento principal de agregação de valor ao produto;
3.c) Isenta de repartição de benefícios todos os inúmeros casos de acessos realizados anteriormente ao ano de 2000, e mantém explorações econômicas até hoje;
4.d) Condiciona a repartição de benefícios apenas aos produtos previstos em Lista de Classificação a ser elaborada em ato conjunto por seis Ministérios;
5.e) Estabelece teto, ao invés de base, para o valor a ser pago a título de repartição de benefícios;
6.f) Deixa a critério exclusivo das empresas nacionais e internacionais a escolha da modalidade de repartição de benefícios nos casos de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional de origem não identificável;
7.g) Isenta microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais de repartir benefícios; e
8.h) Exclui de repartição de benefícios a exploração econômica do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura.
3) No que se refere às definições [muitas já foram faladas aqui]:
1.a) Substitui o termo “povos” por “população” ao tratar de povos indígenas;
2.b) Substitui o termo “agricultor familiar” por “agricultor tradicional”, em afronta à Lei nº 11.326/2006;
3.c) Descaracteriza a definição de “sementes crioulas” contida na Lei nº 10.711/2003;
4.d) Deixa de prever que o atestado de regularidade de acesso seja prévio e com debates participativos sobre seus termos ao início das atividades; e
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e) Enfim, adotou conceitos à revelia dos detentores dos conhecimentos tradicionais.
Diante do exposto, os Povos Indígenas, os Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil exigem o comprometimento do Governo Federal com a reversão do cenário acima denunciado, mediante a correção dos graves equívocos contidos no Projeto de Lei n.0 7.735/2014, de forma a assegurar o respeito e a efetivação dos seus direitos legal e constitucionalmente garantidos.
Declaramos que não mais admitiremos a postura antidemocrática e o engajamento político do Governo Federal, associado aos interesses empresariais e outros, em direção à expropriação da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras e dos conhecimentos tradicionais associados.
Reafirmamos, por fim, a nossa determinação de continuar unidos, mobilizados e dispostos a manter-nos em permanente luta na defesa de justiça e de nossos direitos.
Esta carta foi assinada, hoje, atualmente, por mais de 110 instituições. E, como visto pelos Senadores, os pontos que apresentamos não são somente seis ou sete, mas dezessete.
Fico grata pela oportunidade, e nos colocamos sempre à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço a participação da Srª Cláudia Pinho. O Relator anotou aqui os pontos polêmicos. Inclusive, alguns deles já haviam sido debatidos ontem na audiência pública. Creio que alguns tenham fundamentos que possam ser acolhidos.
Passo a palavra agora ao Sr. Marciano Tolêdo, que representa a Via Campesina.
O senhor dispõe de dez minutos para fazer a sua exposição.
O SR. MARCIANO TOLÊDO - Quero agradecer a oportunidade aos Srs. Senadores e o esforço do Senador Randolfe Rodrigues para que uma representação dos camponeses deste País estivesse presente para debater esse tema.
Estamos presentes em mais de 15 Estados. Só não estamos no Bioma Pantanal e na área costeira. Temos uma diversidade de identidade, Senadores. Somos colonos, defendentes do imigrantes; somos caboclos, sertanejos, amazônidas. Estamos praticamente em todos os cafundós deste País.
Então, para nós, a definição, neste texto, da identidade, é muito cara. Somos agricultores camponeses, agricultores familiares, de muitas identidades.
O nosso trabalho é produzir alimentos. Então, nós trabalhamos com plantas e animais, mas especificamente com pessoas. O último censo agropecuário mostrou que a nossa base e a agricultura familiar produzem a grande maior parte dos alimentos consumidos pelo povo brasileiro.
Aqui, neste texto, Senadores, que tramita no Congresso Nacional há cerca de um ano... Digo que este texto, este PL tramita aqui, porque o outro praticamente não chegou, e no outro texto ou nas iniciativas que o Executivo fez inicialmente, tivemos algum tipo de interlocução.
Interlocução é uma palavra muito diferente de diálogo. Ontem, escutamos muitas falas dos diferentes Ministérios e, hoje, muitas falas da indústria.
Sou Marciano, membro nacional da Coordenação do Movimento dos Pequenos Agricultores, um dos movimentos da Via Campesina.
Muito prazer. Fiquei conhecendo muitos de V. Exªs hoje, Senadores, porque não participamos dos processos de discussão para este texto, que é voltado e atende aos interesses não da indústria nacional, mas da internacional.
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No que diz respeito à indústria que nos é mais próxima, está o exemplo dos laboratórios que produzem fitoterápicos, porque nós somos os detentores do conhecimento da medicina popular. Não existem praticamente mais laboratórios nacionais, Senadores, deste ramo da indústria.
Este PL, que está em debate, pode trazer muitos benefícios para o País, para a Nação se considerarmos as nossas posições. A companheira que me antecedeu já mencionou, e nós somos signatários da carta, que são muito mais do que seis pontos; são mais de 17 pontos, porque há especificidades em cada uma das organizações e identidades. Nos acordamos, no momento, com 17.
Eu mencionei, esses dias, em reunião no Ministro do Meio Ambiente, que nós, nessa rotulagem de provedores, somos impactados por diferentes políticas públicas, como bem falado pela indústria aqui, de compensação. Esse tema foi muito debatido no plano do Código Florestal. O Estado, a indústria, o agronegócio se recusam a discutir reparação. Eu sou neto de meeiros dos Pampas gaúcho. O que eu trago como herança é o conhecimento. A minha organização, Senadores, trabalha há quase 20 anos com o resgate de variedades crioulas de sementes: milho, feijão, arroz, inclusive soja, aquelas excluídas do mercado, porque nós não temos mais soja que não seja transgênica no mercado, Senadores.
Nós fizemos um esforço muito grande para resgatar, multiplicar e termos uma estrutura e termos capacidade de continuar trabalhando em parceria com a pesquisa pública. Nós fornecemos para os mercados institucionais. O que o mercado não institucional fornece para nós? Estou falando de alimentos. Esse mercado, Senadores, nos fornece lixo. É isso que a população brasileira consome também. Porque o que nós produzimos, apesar de ser 70% da alimentação, ela está vinculada às grandes cadeias produtivas, às variedades melhoradas, ao uso intensivo de insumos químicos que está matando a nossa gente, porque estamos sendo pulverizados.
Quando mencionaram na questão da facilidade dos processos de negociação, Senadores, nós nunca vamos estar em condições iguais em uma mesa de negociações com a indústria.
As nossas propostas, agora tentando finalizar, Senadores, elas podem, sim, beneficiar a indústria nacional, elas podem, sim, atender às necessidades das populações ribeirinhas - as populações da Amazônia, as populações do Cerrado, do Sertão nordestino - se as nossas considerações forem ouvidas.
Nós parabenizamos o Senado por este momento; repudiamos o processo de condução desse debate, porque nós não participamos do processo de construção desse texto. Estamos nos sentindo alijados nesse processo de tramitação aqui no Senado. Tivemos só uma voz ou poucas vozes em um único momento na Câmara. O que esperamos? O que pode acontecer é que nós não vamos fazer parte do processo de regulamentação. Não há nenhuma garantia. E nós somos os afetados.
Então, Senadores, há uma quebra de confiança continuada das organização sociais, dos movimentos sociais, dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e da nossa parte camponesa para com o Estado brasileiro, com este Governo.
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Para finalizar, Senador, os outros que me seguirão trarão outros pontos, mas há um ponto específico: a remissão dos direitos indígenas e dos agricultores ao uso e a venda das sementes crioulas à legislação de semente e à legislação de cultivares. Isso vai impedir o desenvolvimento e a produção de alimentos saudáveis. É inadmissível que simplesmente um ministério tenha total autonomia para definir quem é e o agricultor ou o que são sementes variedades crioulas.
Senadores, vivemos um momento muito preocupante para nós. Por que as manifestações dos últimos dias nos trouxeram essas preocupações? Senador Jorge Viana, eu fui para a rua na sexta-feira. Certamente a indústria não esteve na rua na sexta-feira. Há um isolamento do Governo. Nós defendemos o Estado democrático, as liberdades constitucionais e os direitos garantidos, que este texto viola.
Vamos procurá-lo depois do almoço.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço a participação do Sr. Marciano Tolêdo.
Passo a palavra a Srª Maria Emília Lisboa Pachêco, Presidente do Consea.
A SRª MARIA EMÍLIA LISBOA PACHÊCO - Bom dia!
Obrigado, Senadores, pelo convite ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que tem na sua composição dois terços de representação da sociedade civil, com povos indígenas, comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais, mas também representações dos agricultores e agricultoras familiares, de fóruns e redes, uma ampla representação, e um terço do Governo, que corresponde à representação de 20 ministérios.
Para nós do Consea esse tema tem enorme relevância, porque aqui nesta Casa, em 2006, foi aprovada a Lei da Política Nacional da Segurança Alimentar de Segurança e Nutricional, a Lei nº 11.346, e, sabiamente, esta Lei fala do direito a todos e todas por uma alimentação de qualidade, com respeito às diferenças culturais, étnicas, com a garantia da qualidade desses alimentos e, em sua abrangência, inclui também a conservação da biodiversidade. Esta Lei, uma vez regulamentada em decreto, contém as diretrizes da política nacional de segurança alimentar e nutricional e dentre elas uma diretriz que se refere especificamente ao direito à alimentação de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais.
De forma que falar desse tema significa, para nós, remetê-lo diretamente à visão sobre os sujeitos de direitos. Nós falamos da importância da nossa megabiodiversidade, mas, paralelamente, é preciso dizer que esse megabiodiversidade só existe porque ela é sustentada, ela é resgatada, ela é cultivada através da história pela nossa sociobiodiversidade.
E por isso o Consea, ciente de sua missão e do significado profundo desse debate, fez já sua manifestação diante do Executivo, no ano passado, e a renovou recentemente, para que fosse retirado do regime de urgência essa matéria, por entender que nós não podemos violar o direito desses povos e populações, e é preciso fazer cumprir o que prega a Convenção nº 169 sobre a consulta prévia informada, e esse processo de debate dessa matéria não seguiu o que reza essa importante convenção ratificada pelo Brasil.
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Também procuramos analisar que quando falamos desse sujeito de direito nós estamos reconhecendo que esses povos e populações têm uma importância histórica para garantia da nossa alimentação adequada e saudável. São domesticadores de plantas e, com certeza, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, uma leitura atenta do último livro editado pelo Ministério da Saúde sobre alimentos regionais brasileiros verá que constam alimentos originários de plantas domesticadas por essas populações.
E, por isso, essa matéria precisa ser debatida à luz dessas outras iniciativas também, e ao mesmo tempo nos chama a atenção que o conteúdo dessa proposta coloca em risco várias iniciativas de programas e políticas que estão na esteira de uma decisão, de uma situação da qual nos orgulhamos que é a saída do Brasil do mapa da fome; mas se nós tivermos, ao fim desse processo de debate, esse texto com várias questões que aqui têm sido suscitadas e criticadas, se forem mantidas como estão, nós colocamos em risco políticas e programas, a exemplo do Programa de Sementes no Semiárido, do próprio Plano Nacional da Agricultura, de Agroecologia e Produção Orgânica, colocamos em risco o Plano de Sociobiodiversidade e por quê? Porque como outros e outras que me precederam já disseram, a matéria, o conteúdo aqui tem problemas, desde conceitos.
Nós não podemos aceitar que o conceito povos indígenas seja substituído por população indígena e não podemos aceitar, porque ao falar de povos indígenas, nós estamos reconhecendo, conforme nossa Constituição brasileira, que nós somos uma sociedade pluriétnica; e falar de povos indígenas é falar de muitas etnias, é falar de centenas de línguas, é falar de organizações próprias, de cosmovisões próprias que estão na origem dessa nossa biodiversidade. Falar também de agricultor tradicional é um equívoco, porque menospreza, passa, elide, não reconhece a legislação que fala de agricultor familiar e que abrange uma diversidade enorme dessas agriculturas, segundo a Lei nº 11.326.
Por outro lado, também nós temos muitos temores e nos colocamos de forma obstinada contra - e quero concordar com o que disse Marciano, representante da Via Campesina - com a referência, no inciso V do art. 10º, a remissão à Lei de Cultivares, a Lei nº 10.711, porque é mesmo... Pensemos juntos: não podemos atribuir a um Ministério essa responsabilidade pública diante dessa diversidade, da sociobiodiversidade de definir sementes crioulas.
Inclusive, porque é bom lembrar que a denominação da chamada semente crioula tem vários sentidos no País. E quero dizer que foi a própria Embrapa, uma empresa pública, que reconheceu, recentemente em suas pesquisas, que a semente conhecida como a Semente da Paixão, no Semiárido brasileiro, é a mais adaptada às condições edafoclimáticas daquela região; e o reconhecimento da adaptação dessa semente significa que não está em jogo apenas certos descritores dessa semente, há que considerar aspectos antropológicos, aspectos sociais, aspectos culturais na identificação da semente crioula que - insisto em dizer - tem inúmeras denominações no Brasil, como semente da vida, semente da fartura, semente dos avós. E essas denominações populares não nasceram do nada, elas nascem de uma história que precisa ser não só registrada em anais, mas também precisa ser reconhecida, apoiada por meio de programas e, por isso, não é possível um ministério apenas definir o que é semente crioula.
E também queremos registrar, Srs. Senadores, que não podemos aceitar retrocessos.
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Há mais um exemplo que quero dar sobre a medida provisória, com todas as críticas que nós concordamos que são feitas a ela. No entanto, ela assegura o direito de povos indígenas e comunidades tradicionais decidirem sobre o uso dos seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético.
E a matéria em debate aqui, neste PL, retrocede, porque fala em participação da tomada de decisões. É diferente participar da tomada de decisões de decidir, e nós queremos chamar a atenção para essa proposta de mudança.
Há outro aspecto que nós queremos ainda sublinhar e que, do nosso ponto de vista, em várias conferências nacionais de segurança alimentar e nutricional e também dos posicionamentos do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), por meio de exposições de motivos, nós temos defendido. Sabemos que isso faz parte de uma das emendas aqui em debate e queremos, portanto, ratificar. Queremos dizer da importância de assegurar o direito de acesso às coleções ex situ dos recursos genéticos, bem como a todas as informações associadas que estão em poder de empresas públicas.
Queremos ainda fazer coro àqueles e àquelas que têm, obstinadamente, criticado a restrição da repartição dos benefícios apenas aos produtos acabados...
(Soa a campainha.)
A SRª MARIA EMÍLIA LISBOA PACHÊCO - ... não incluindo os intermediários.
Muito obrigada por essa oportunidade, e finalizo dizendo que não são apenas sete questões que estão em polêmica. É muito mais, e peço a atenção dos Senadores e Senadoras que façam essa conta, ouvindo todos os que já falaram e os que, seguramente, ainda vão falar.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço a exposição da Drª Maria Emília Lisboa Pachêco, parabenizando-a.
Convido o Sr. Maurício Guetta para usar o tempo de dez minutos, fazendo a sua exposição pelo ISA (Instituto Socioambiental).
O SR. MAURÍCIO GUETTA - Muito bom dia a todos.
Cumprimento, inicialmente, o Senador Otto Alencar e o Senador Jorge Viana que me acompanham aqui na Mesa, as demais Senadoras e Senadores aqui presentes, atentos aos pontos colocados pelos debatedores, e também os representantes de entidades empresariais, dos povos indígenas, comunidades tradicionais e defensores do meio ambiente, que não têm representação humana, mas estamos aqui também.
É claro que esse projeto de lei tem uma relevância estratégica para o País. Ele obviamente interfere em uma ampla gama de interesses, desde o direito de toda a coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido no art. 225 da Constituição Federal, nos interesses dos diversos setores empresariais aqui representados por aquilo que chamam de coalizão empresarial pela biodiversidade, um nome extremamente irônico, e também afeta a questão da soberania nacional e o direito dos povos e comunidades detentoras dos conhecimentos tradicionais.
Pode-se perceber aqui, na audiência pública de ontem e na primeira parte da manhã de hoje, uma série de falas no sentido de que há consenso em torno desse projeto de lei. É claro que há consenso, evidente que há consenso nesse projeto de lei entre os setores empresariais envolvidos e o Governo Federal.
Primeiro, porque esse projeto de lei foi construído por essa tal coalizão empresarial pela biodiversidade e foi acatado e debatido dentro de diversos ministérios, como já foi dito aqui, com a exclusão dos povos e comunidades tradicionais que são o elo mais fraco dessa relação sobre a qual dispõe o projeto de lei.
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É claro que, além de uma violação moral desses setores empresariais que, em suas publicidades, não se cansam de falar da sua responsabilidade socioambiental, isso representa uma violação à legislação brasileira. Como já foi dito aqui, a Convenção nº 169, da OIT, ratificada e em vigor no Brasil, determina a oitiva desses povos naqueles projetos que possam afetar os seus direitos, além, é claro, da Constituição Federal.
Por isso, essa situação de construção do projeto de lei é que demonstra o seu desequilíbrio em relação aos interesses que estão atendidos e aos interesses que não estão atendidos no projeto de lei.
Claro, como foi dito aqui pelos setores empresariais, foram dois os pilares que justificaram a elaboração do projeto de lei. Primeiro, a necessidade de regularização das atividades que estavam irregulares, o que resultou em um capítulo inteiro de anistias gerais e irrestritas. Digo gerais e irrestritas, porque não há nenhuma diferenciação entre as atividades, entre as empresas que buscaram a legalidade e, por problema de burocracia, não conseguiram e, aquelas empresas que operaram dolosamente na ilegalidade.
E o segundo ponto, que justificou a elaboração pela coalizão empresarial, foi a chamada desburocratização, que nós vamos apontar um pouco mais à frente.
A nossa intenção, aqui, é claro, não é criticar sem qualquer motivação. A nossa ideia aqui é justamente contribuir para o debate e contribuir para o aperfeiçoamento desse projeto de lei, e é justamente no ponto da violação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares que residem os maiores problemas desse projeto de lei.
Gostaria de colocar aqui que não há incompatibilidade alguma dessas melhorias que nós estamos sugerindo aqui com os interesses empresariais envolvidos e com os interesses do Governo sobre esse projeto; ou seja, não há prejuízo algum para os setores envolvidos. É apenas uma questão de garantia de direitos.
O único prejuízo que poderia haver é para a ideia de maximização dos lucros, mas tenho certeza de que isso não é intenção das empresas.
O primeiro ponto que eu gostaria de destacar é justamente a questão da dispensa de controle e fiscalização das atividades. Todos sabem aqui que o sistema de autorização da medida provisória não funcionou. Não funcionou por problemas de burocracia estatal, por uma série de questões, e acabou gerando todo esse passivo, essa irregularidade, e foi, como eu disse, um dos grandes motivadores do projeto de lei.
Gostaria de lembrar aqui que, apesar dessa realidade, não é possível, pela Constituição Federal e por todos os dispositivos legais de legislação ordinária, que haja exploração de biodiversidade de conhecimentos tradicionais sem fiscalização. Está certo que o sistema de autorização não funcionou, mas o cadastro autodeclaratório e sem a ratificação do órgão que permite o acesso, sem o ato do órgão de dizer que está correta, essa autodeclaração que está sendo colocada pela empresa, isso é inconstitucional.
Gostaria de ler para os senhores - parece-me que foi esquecido pelos setores empresariais e pelo Governo - um dispositivo da Constituição que é muito claro. O art. 225, §1º, inciso II estabelece que incumbe ao Poder Público, para garantir a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, abre aspas, "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético".
O projeto de lei - como eu disse - apresenta um sistema de cadastro autodeclaratório. Não nos opomos ao sistema de cadastro. Não nos opomos a ele, mas queremos colocar que é preciso que haja o aval do órgão de fiscalização antes do início, previamente, obviamente, como acontece em todas as situações de meio ambiente e povos de comunidades tradicionais - previamente ao início das atividades. Isso é muito óbvio. Isso é muito óbvio, e não entendemos por que ainda não foi inserida essa disposição no projeto de lei, apesar das nossas argumentações, inclusive na Câmara dos Deputados.
O segundo ponto são as graves limitações à repartição de benefícios.
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O direito à repartição de benefícios é um direito que está previsto em diversos tratados internacionais, com maior ênfase na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Ele está sendo limitado de tal maneira que ele será exceção e não regra. Não é uma limitação. Não são duas, três limitações; são mais de dez limitações que esse direito está sofrendo no projeto de lei.
Primeiro, o que já foi dito aqui, é a questão do produto acabado. Apenas os produtos acabados é que serão objeto de repartição de benefícios e não os produtos intermediários. Segundo, a repartição de benefícios apenas ocorrerá nos casos em que o conhecimento tradicional ou o patrimônio genético for considerado elemento principal de agregação de valor ao produto, e esse elemento principal de agregação de valor ao produto é definido no art. 2º, inciso XVIII, como elemento cuja presença no produto acabado é determinante para a existência das características funcionais ou para a formação do apelo mercadológico.
É claro que com essas expressões altamente limitantes, a repartição passa novamente a ser exceção; ela vai, caso a caso, sendo tolhida.
O terceiro aspecto, que eu gostaria de destacar e que para mim é a maior excrecência de todas do projeto de lei, de todas, é a questão da lista de classificação de repartição de benefício.
(Soa a campainha.)
O SR. MAURÍCIO GUETTA - Segundo o art. 17, §9º, do projeto de lei, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ciência, Tecnologia e Inovação, MAPA, MDA e Ministério da Justiça elaborarão uma lista de classificação, em ato conjunto, uma lista, na qual serão previstos os produtos sobre os quais incide repartição de benefícios. Se o produto não estiver inserido na lista, não haverá repartição de benefício.
Primeiro, qual é a lógica dessa lista? Não há nenhuma lógica para existência dessa lista. Ouvimos do Governo e das empresas que seria para esclarecer alguns casos em que há dúvida.
Ora, se é para esclarecer, então, que se inverta a lógica da lista. A lista tem que prever a exceção: quais os produtos sobre os quais não incide repartição de benefício. E não sobre os quais incide repartição de benefício. É óbvio que, até a elaboração dessa lista, nenhuma repartição de benefício vai ser efetivamente paga. Esse é um primeiro aspecto muito grave e, segundo, não haverá interesse político em atualizar a lista. O comércio funciona assim: os produtos vão sendo colocados no mercado, e os novos produtos não estarão na lista que foi elaborada, obviamente. Então, sobre eles também não recairá repartição de benefício. Entre outros pontos gravíssimos em relação a ela.
Enfim, há diversas outras limitações. Eu vou deixar um documento completo com todos os nossos posicionamentos.
Existe também a limitação da repartição de benefício para patrimônio genético, que é o teto de 1%. Esse 1% pode ser reduzido para 0,1% para acordo setorial - o que é uma coisa que vai acontecer na prática a torto e a direito, obviamente -, e há ainda dispositivos que foram incluídos obviamente pelo lobby de algumas empresas específicas; estão escritos nome e sobrenome no dispositivo. Um deles é o que isenta o usuário de repartição de benefícios, relativo a acesso de patrimônio genético, nos casos em que o acesso tenha se dado antes de 2000. O fato gerador da repartição de benefício não é acesso; o fato gerador é a exploração econômica e, se é a exploração econômica, isentar para aqueles acessos antes de 2000 é um equívoco material gravíssimo.
Há ainda um outro dispositivo, art. 43, §2º. Nos casos de regularização, o usuário poderá escolher, a seu critério exclusivo, se repartirá os benefícios de acordo com a medida provisória, já revogada, ou seja, que pode continuar sendo aplicada para beneficiar as empresas, ou com base na nova lei. Isso é uma excrecência jurídica.
Enfim, há uma série de outras, como a dispensa de repartição de benefícios para atividades de agricultura e alimentação. Enfim, uma série de outras limitações. Outra e a última gravíssima limitação à repartição de benefício diz respeito ao art. 19: o usuário terá prerrogativa de escolher se repartirá benefício de forma monetária ou não monetária em caso de patrimônio genético. Quando ele escolher não monetária, ele ainda poderá escolher o beneficiário. Esse dispositivo coloca em cheque todo o projeto de lei, todo o direito à repartição de benefício, porque o usuário sempre vai escolher a modalidade não monetária e sempre vai poder escolher o seu beneficiário. Então, é um outro absurdo desse projeto de lei.
Então, para concluir a questão da repartição de benefício, ela vira exceção e não regra de acordo com o projeto de lei.
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Queria deixar um sugestão aqui, que está prevista no Protocolo do Nagoya, ainda a ser ratificado pelo Brasil, mas que foi construído pelo Brasil, o art. 21, que é a criação de um centro de assistência aos detentores de conhecimento tradicional. Isso é algo já previsto na legislação internacional e que teria a função de zelar pelo processo de consentimento pré-informado - que eu não tive tempo de abordar -, assessorar na negociação dos acordos de repartição de benefício e monitorar o acesso, o cadastro e uso desse conhecimento tradicional.
Gostaria, Senadores, que esses pontos e os outros que entregaremos aos senhores fossem analisados. Estamos à disposição para debatê-los. Gostaria de colocar que um dos principais motivadores desse projeto de lei foi a questão da segurança jurídica para as empresas. Infelizmente essa segurança jurídica não será atendida, por dois motivos.
Primeiro, esse projeto de lei será objeto de uma ADI (ação direta de inconstitucionalidade). Já estou adiantando, porque conversas tivemos com alguns daqueles que têm legitimidade para tanto e que estão em pleno desacordo com o conteúdo desse projeto de lei.
Segundo lugar, porque os detentores de conhecimento tradicional estão plenamente cientes do nível de violação aos seus direitos, a começar pela sua exclusão do processo de elaboração desse projeto de lei. Estivemos ali reunidos com essas mais de 110 entidades representativas, e todas representaram seu repúdio, não apenas à atitude do Governo, mas também dos setores empresariais, e disseram que romperão com eles na prática, ali na ponta, na hora de acesso à repartição de benefício.
Então, esse rompimento representará mais ações judiciais, mais questões na Justiça que se estenderão por 20 anos. Então, peço, aqui, faço um apelo para que seja retomado, seja inserido certo equilíbrio de forças nesse projeto de lei, que atende aos interesses das empresas e desatende, viola os direitos dos povos, comunidades tradicionais e de toda a coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Agradeço o convite dos Senadores.
Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Queria registrar a presença da Senadora Vanessa Grazziotin, do Senador Douglas Cintra e parabenizar o Dr. Maurício e o Relator.
O Senador já anotou aqui as coisas que foram colocadas, e, com alguma propriedade.
Eu acredito que esse projeto veio aqui para o Senado com essa finalidade de ser analisado, melhorado, e absorvidas muitas das proposições que aqui foram feitas.
E eu convido, agora, pelo prazo de 10 minutos, a Srª Sônia Guajajara para falar em nome da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
Vou convidar o Senador Douglas Cintra, que é Relator também pela CAE, para fazer parte da Mesa.
A SRª SÔNIA GUAJAJARA - Bom dia a todos, bom dia a todas, bom dia aos Senadores aqui na Mesa. Saúdo, aqui, meus companheiros de luta, de discussão, e, agora, neste momento, mais um momento crítico que volta a nos juntar.
Eu tinha preparado um fala para apresentar, aqui, hoje, mas as falas anteriores, da primeira parte da conversa, fizeram-me mudar, totalmente. Vocês podem até ver que está tudo escrito no papel que estava na minha mesa reservado.
Então, na minha fala inicial, eu ia agradecer pelo momento, pela oportunidade de estarmos aqui no Senado, trazendo, aqui, as nossas preocupações e até a nossa indignação.
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Mas, agora, eu quero dizer que não vou agradecer mais por estar aqui, porque eu, sinceramente, estou me sentindo lesada, estou me sentindo usada por estar aqui na reunião nesta Comissão hoje, porque a gente vê que a reunião que está acontecendo para tratar do tema nessas comissões são apenas pró-forma, apenas para poder dizer que escutaram a gente. Aqui já foi dito por alguns que falaram anteriormente que há consensos, que não vão ser permitidas mudanças no texto, e se há mudança, não há mudança no mérito.
Então, é complicado para a gente poder discutir uma coisa que já está acordada. É difícil. A gente sabe que já há acordo, sim, Senador Jorge. Já há acordos entre o Legislativo, entre o Legislativo como um todo, - Congresso, Câmara, Senado -, Executivo; já há um acordo para se aprovar o texto como está. A gente não tem dúvida disso.
Infelizmente, nós temos de admitir que esse acordo se deu por pressão do próprio setor empresarial, que está aí pressionando para agilizar o processo. Por que há todo esse interesse em cumprir aí esse pedido de urgência? Por que não realizar as reuniões, as comissões, audiências públicas como estava previsto? Por que todo esse interesse de agilizar o processo? Então, sinceramente, é isso que eu vejo aqui e que aumenta ainda mais a minha preocupação. E eu esperava, sinceramente, saindo da Câmara dos Deputados da forma como se deu, sem ouvir, sem consultar, que aqui no Senado pudéssemos contribuir e realmente sermos consultados de forma digna e respeitosa, mas, infelizmente, eu perdi minhas esperanças.
Então, eu quero dizer que há anos, há anos, nós, povos indígenas, vimos lutando, lutando contra o extermínio étnico, cultural e populacional de nossos povos. Há anos estamos aqui neste País e dizemos o tempo todo que nós não somos contra o progresso; nós não somos contra o crescimento econômico, mas nós somos a favor da ordem, e a ordem se estabelece a começar pelo respeito ao direito de cada um. E o direito à consulta livre, prévia, informada neste momento não foi contemplada na construção desse processo. E nós queremos apenas o direito originário e constitucional de continuarmos sendo povos indígenas e sermos tratados como povos, porque até isso esse PL está tentando tirar de nós: sermos considerados e tratados como povos.
Embora se diga aqui, o que na Mesa anterior já se disse, que foi reconhecido. Sim, foi falado, aqui, a partir já de uma discussão, mas, no início, houve, sim, essa tentativa de se manter o texto dessa forma, sendo tratados como população.
Eu não vou me ater, aqui, a tratar do conteúdo, a tratar dos pontos, porque, da nossa parte já foi dito, está na Carta Conjunta dos Povos Indígenas e População Tradicional e está nos pontos que o Maurício do ISA trouxe aqui. Temos discutido conjuntamente. Então, o nosso ponto de vista também está ali naquilo.
E eu quero me ater aqui ao que este PL representa para nós como povos indígenas. Como vender um conhecimento tradicional? Como mensurar isso? Como vender a sabedoria ancestral? É isso que as empresas, que o Executivo, que o Legislativo quer saber? Pois saibam que ninguém pode pagar. Ninguém vai poder pagar, porque essa sabedoria tem um valor imensurável pra nós. Não se paga com dinheiro, não se paga com moeda. A sabedoria dos povos indígenas, a sabedoria da população tradicional, das comunidades tradicionais, é ilimitada. A raiz de uma planta, a folha, a flor, o fruto, tudo isso tem um significado pra nós, e o significado de cada um não é separado, não é isolado
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Ela vem associada, sim, mas associada com o sol, com a chuva, com o ambiente, com o clima.
Tudo isso se junta para se reverter na sabedoria, para transformar isso no conhecimento tradicional. Como transformar isso em moeda? Como mensurar esse valor? Porque o que eu vejo aqui é essa preocupação total e exclusiva sobre a economia, sobre a mercantilização desse conhecimento. Como transformar tudo isso em dinheiro? Como ficam os nossos povos indígenas?
Mais uma vez, continuamos a lutar contra a dizimação, porque, ao se arrancar de nós esse conhecimento tradicional e vendê-lo, parte da nossa cultura também se vai, parte das nossas tradições também se vai,, e um povo sem identidade deixa de ser povo.
O Brasil precisa reconhecer isso. Aliás, não precisa reconhecer. A legislação já reconhece. A Constituição Federal reconhece os povos indígenas como povos diferentes. Diz que respeita as formas de organizações sociais próprias de cada povo. O que o Brasil precisa é apenas cumprir aquilo que está escrito, cumprir a sua legislação.
E eu falo tudo isso aqui, mas sinto uma pena, uma pena também de perceber, de constatar que parte das pessoas, muitos, não compreendem. A ignorância de entender o que isso representa pra nós não lhes permite também compreender o que eu estou falando; não lhes permite compreender o verdadeiro significado do conhecimento tradicional; não lhes permite aceitar que isso pra nós não tem valor.
Eu não estou dizendo aqui que estamos nos recusando a discutir. Não estou dizendo isso. Eu trago esses pontos aqui apenas para que as pessoas que discutam considerem isso também, e não tratem apenas como uma forma de dizer que já há consensos. Não há. Há consenso entre os mesmos setores que têm o mesmo interesse. Entre esses setores, há consenso, sim. Mas quem de nós já foi escutado sobre o assunto? Quem de nós? Extrativista? Ribeirinho? Quilombola?
(Soa a campainha.)
A SRª SÔNIA GUAJAJARA - Ciganos? Quem já foi escutado sobre esse assunto? Ninguém. Ninguém foi escutado.
E, então, eu fico me perguntando: o que nós fizemos contra a ordem? O que fizemos? Por que estamos sendo condenados? E como ser absolvidos em meio a uma população, em meio aos três Poderes, que têm tanta informação, mas tão pouca sabedoria. Como ser absolvido?
Eu quero também dizer, aqui, que nós não vamos admitir voltar atrás, quebrar o Estado Democrático. Não somos a favor de uma ditadura militar. Não somos a favor de que voltem esses tempos horrorosos, que muito pior foram para nossos povos, mas nós queremos o aperfeiçoamento da democracia. Nós queremos que o Congresso Nacional, que o Executivo e que o Judiciário respeitem os direitos constitucionais. Escutem, escutem com decência, com transparência e acatem o direito de dizer "sim" ou "não", porque não adianta também escutar e apenas fazer os ouvidos de mercador. É preciso escutar e acatar aquilo que estamos dizendo.
Não podemos permitir mais que nossos direitos regridam. Não podemos permitir retrocessos. Ao contrário, nós queremos a efetivação dos direitos garantidos na Constituição Federal.
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É isso que nós esperamos. É isso que nós esperamos há muito tempo do Estado brasileiro. E é somente isso que nós estamos buscando aqui.
O Governo Federal já paralisou todo o processo de demarcação das terras indígenas neste País. Todos. Todos. E por que não citar aqui a PEC nº 215? Por que não citar aqui o PL nº 1610, que trata de mineração em terras indígenas? São tantas as medidas que estão colocadas aí que afetam diretamente os povos indígenas, e todos esses interesses aí estão agora se juntando aqui, se completando com o 7735, que veio da Câmara pra cá, e agora tramita aqui neste Senado.
Então, nós queremos, nós queremos acreditar, Senador Jorge Viana, Senador Otto, nós queremos acreditar que V. Exªs possam, de fato, fazer diferente. Esperemos, de fato, que V. Exªs escutem, conversem, e nós vamos a essa conversa, hoje à tarde. Nós vamos, porque nós não somos contra melhoramento da lei, nós não somos contra o diálogo, porque a base da democracia é isso; considerar esse princípio do diálogo. Mas nós queremos, também, que toda a nossa conversa seja considerada. De nada adianta escutar e engavetar. E queremos, sinceramente, contar, aqui, que V. Exªs possam também pedir, ajudar, para que esse PL seja retirado do pedido de medida de urgência. É isso que a gente quer contar com V. Exªs.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço a participação da Srª Sônia. Parabenizo-a.
Convido o Senador... Ele vai ficar aí mesmo.
E eu posso adiantar que, no que eu tenho conversado com o Relator, Senador Jorge Viana, e com os outros Relatores, que o projeto que veio da Câmara será bem melhorado aqui no Senado. Vocês vão ter a oportunidade de ver esse relatório. Muitas das proposições que foram feitas aqui, tenho absoluta certeza de que serão acolhidas e atendidas. Então, vamos aguardar.
Será possível, inclusive, na votação dentro do Senado Federal, serem apresentadas emendas, que poderão ser acolhidas. Então, o nosso sentimento é de ouvir, como nós ouvimos aqui, com muita atenção, todas as pessoas que apresentaram as suas propostas e fizeram as suas palestras, para que possam ser atendidas no melhor possível, da maneira melhor possível, todas essas observações que foram feitas.
Eu estou atento a isso. Jamais tomarei uma decisão que não seja uma decisão de interesse coletivo. Não há compromisso algum aqui com classe empresarial que quer seja. Não discuti isso com absolutamente nenhum segmento empresarial. Não recebi no meu gabinete nenhum representante de nenhuma classe empresarial interessada nesse assunto, porque não é do meu feitio fazer isso. O Senador Jorge Viana também não, até agora.
Então, essas propostas todas serão analisadas. Eu acredito que nós chegaremos a um termo, a uma legislação, a uma letra de lei que possa contemplar tudo que foi feito aqui dentro das possibilidades. Por isso, nós convidamos, inclusive, outros segmentos que não estavam aqui relacionados.
Ontem, eu recebi a Ministra Nilma Lino, para que ela indicasse o representante, que não estava indicado, e também não ia ser ouvido lá na Câmara dos Deputados. E eu convido, inclusive, agora, o Denildo, que está aqui para falar por 10 minutos.
Enfim, hoje à tarde, o Relator, Senador Jorge Viana, vai abrir o espaço para ouvir esses representantes para trabalhar o texto. Esse texto será encaminhado, será dado conhecimento a todos os representantes que vieram aqui hoje. De maneira nenhuma nós vamos forçar a aprovação de um texto que vá de encontro aos representantes que, hoje, aqui, se pronunciaram.
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Portanto, vou passar a palavra ao Sr. Denildo Rodrigues de Moraes, da Conaq (Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas).
Ele nem estava incluído. Nós pedimos a sua inclusão ontem, para que, hoje, ele pudesse expor aqui suas ideias.
O SR. DENILDO RODRIGUES DE MORAES - Bom dia a todos e a todas!
Eu gostaria de cumprimentar a Mesa e também de falar sobre essa sensibilidade de atender a um pedido da Ministra da Igualdade Racial, para colocar este segmento dos quilombolas dentro desta pauta, pois eles não foram ouvidos ao longo do processo.
Eu gostaria de agradecer - eu os cumprimento também - aos meus companheiros de batalha, de luta. A gente as tem travado aí. Somente eles e nós sabemos que elas não são poucas. A Soninha, aqui, elencou algumas. Mas temos muitas. Inclusive, amanhã, no Supremo Tribunal Federal, será julgada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o Decreto nº 4.887, que é o decreto que regulamenta o acesso à terra e a outras políticas públicas em território quilombola. Mais uma vez, o cerco está se fechando. E, quando a proposta de desenvolvimento vem, sempre é no nosso calo que ela aperta. Isso, mais uma vez, está exposto aqui.
Meu nome é Denildo, mas todo mundo me conhece por Bico Rodrigues. Sou quilombola do Estado de São Paulo. Sou de um quilombo chamado Ivaporunduva, comunidade de 1630, que, ao longo da história, resistiu a todo o processo de escravidão. Hoje, ela é situada numa região que concentra um dos biomas brasileiros, a região da Mata Atlântica brasileira. E 26% do que sobrou, do que restou da Mata Atlântica brasileira estão no Vale do Ribeira, justamente numa região onde há muitas comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais. O tema aqui hoje levantado é um tema bastante importante, que só existe ainda porque nosso povo preservou os 26% de Mata Atlântica que temos na nossa região.
As comunidades quilombolas estão espalhadas por todos os Estados brasileiros. Onde houve o processo de escravidão, houve resistência aos opressores. Hoje, são mais de cinco mil comunidades quilombolas, que somam hoje 16 milhões de brasileiros. Então, é uma parcela significativa da população brasileira, que também luta por seus direitos e que, muitas vezes, quase sempre, não é ouvida, não é atendida pelo Estado brasileiro.
Como meus companheiros que me antecederam, em nenhum momento da discussão sobre o PL, nós fomos ouvidos. Não houve o direito à consulta prévia e até mesmo a apreciação por parte dos povos tradicionais. Isso foi vetado automaticamente, inclusive indo contra os tratados internacionais, como a Convenção nº 169, da OIT, da qual o Brasil é signatário. O Brasil a ratificou, no sentido de que os povos e as comunidades tradicionais, os povos indígenas, as comunidades quilombolas têm de ser ouvidos quando da feitura de qualquer grande projeto, lei ou constituição que venham a interferir diretamente na vida desses povos. E, em nenhuma vez, nós fomos ouvidos.
Nós entendemos que, no modelo que está exposto aqui, nós sempre saímos perdendo. Por isso, mais uma vez, queremos reforçar o coro aqui, perante todos, para que retirem o pedido de urgência.
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Também queremos tentar sensibilizar os Senadores, para que atendam a esse pedido do nosso povo, que seria o de colocar dentro do PL as nossas demandas. As demandas expostas dentro do PL são demandas de outros setores. Se não formos ouvidos... Não colocamos nada lá ainda, mas precisamos colocar. Os povos precisam colocar algo que nos identifique dentro desse PL.
E também não podemos deixar essa marca, mais uma vez, dentro da história brasileira. Quando se diz sobre projeto de desenvolvimento ou sobre projeto de lei, sempre recai a desgraça, e quem sempre é penalizado são os pequenos, são os povos indígenas, os povos quilombolas, os povos e comunidades tradicionais. E são eles os detentores desse conhecimento, são eles que produzem alimentos para a vida e geram toda essa vida para que nosso povo brasileiro consiga sobreviver.
Acho que nós, mais uma vez, não podemos passar por esta audiência pública com o sentimento de conformismo ou com o sentimento de que já está tudo acertado. Eu acho, Senador, que temos de sair daqui - e acho que isto até já foi proposto pelo senhor - e fazer uma conversa mais afinada, porque, no nosso povo, há pontos estratégicos e importantes que podem garantir a sobrevivência e a vida de milhões de brasileiros que são detentores desse conhecimento.
A Soninha fala que não há conhecimento separado. Conhecimento é junto. O conhecimento sobre a mata, o conhecimento sobre o solo, o conhecimento sobre a biodiversidade estão no dia a dia, no cotidiano, desses povos. Então, tirar esse conhecimento desses povos significa, mais uma vez, saquear o direito desses povos, assim como já vem sendo feito ao longo dessa história. E nós jamais podemos permitir que isso aconteça, que isso continue.
Senador, vamos sentar e expor os outros pontos, mas gostaríamos de, neste momento, reforçar que, em nenhum momento, na Câmara, nós fomos ouvidos, nós fomos chamados para sermos ouvidos sobre a construção desse PL. E nós esperamos que, aqui, nesta Casa, os Srs. Senadores tenham uma sensibilidade totalmente diferente daquela que vimos na Câmara.
As batalhas são muitas, não são poucas, mas nós já resistimos ao processo de escravidão ao longo de 500 anos e ao processo histórico de exclusão do nosso povo. Esta é mais uma batalha que colocamos na agenda de batalhas do nosso povo. E estamos aí para defender todos os nossos direitos e os direitos dos excluídos da sociedade brasileira.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Eu agradeço ao Sr. Denildo e o parabenizo.
Convido a Srª Edel Nazaré de Moraes Tenório, Vice-Presidente do Conselho Nacional de Extrativistas, para usar da palavra pelo tempo de dez minutos, como está previsto aqui, no Regimento.
A SRª EDEL NAZARÉ DE MORAES TENÓRIO - Cumprimento o Presidente da Mesa, o Senador Otto Alencar.
Cumprimento também o Senador Jorge Viana.
Eu queria olhar para você e queria que você olhasse para mim.
Quero dizer que somos da Amazônia e que ainda paira a esperança de nós contarmos com o bom senso do senhor, que está nesta Casa como Senador, mas também como amazônida, como alguém que conhece muito a nossa realidade.
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E os que não a conhecem terão a oportunidade de nos ouvir minimamente, em dez minutos. Então, é muito difícil.
Eu queria cumprimentar aqui a Sônia, a Cláudia, que representam as mulheres do campo, das águas e da floresta. Eu queria cumprimentar o Marciano, que representa os homens desse mesmo segmento.
É muito diverso quem nós somos. Somos muitos. Não dá para explicar. Eu sou Edel Moraes, sou cabocla, venho do Arquipélago do Marajó, de um assentamento agroextrativista.
A responsabilidade aqui é muito grande. Estou falando hoje para uma população que não tem nem acesso à energia, muito menos acesso à internet, para poder participar interativamente de uma consulta pública. Então, Sônia, nossa responsabilidade é muito grande, de fazer com que a voz dessas pessoas que não têm acesso nem à comunicação, nem à energia elétrica seja ouvida. Vamos repassar para vocês aqui a mensagem.
Nós estamos nos territórios das reservas extrativistas; nós estamos nos territórios dos assentamentos extrativistas já destinados. Sempre ratificar e dizer tudo o que já foi dito desde a leitura da carta da Cláudia, que nós assinamos embaixo. Ao Marciano, à Sônia, ao Maurício, à Maria Emília e ao Denildo, que já nos antecedeu, quero só dizer que nós assinamos embaixo das falas deles todos.
Falar sobre muitas coisas de que vimos falando e que nos entristecem neste momento em que nós vivemos, inclusive um momento muito complicado. O povo brasileiro precisa unir-se. Estamos vendo tudo o que está acontecendo neste momento de grande crise. O problema não diz respeito somente aos indígenas, aos povos e comunidades tradicionais e aos agricultores familiares. Diz respeito à Nação brasileira. Então, é muita responsabilidade.
Eu gostaria que a Adriana não tivesse saído, porque, assim como estou falando para os Senadores, estou falando para todos vocês também, que representam as indústrias. Nós estamos num País democrático. E, como se diz, não há equilíbrio na decisão, porque nós estamos aqui nos posicionando de modo contrário; e nós somos os detentores de tudo isso que vocês querem acessar, de tudo isso que vocês acessam. Então, é preciso entender: parte dos nossos recursos genéticos, associados aos nossos conhecimentos, vejam só... Aí, vamos só falar do xampu. Não é produzido aqui, no Brasil. Estou falando só de um segmento. Vai ser finalizado lá fora. E quando é que nós vamos receber essa repartição, Senador Viana?
São questões para a gente trazer à reflexão.
Eu gostaria aqui de lembrar ao Senado brasileiro, aos representantes desta Casa de leis, como a gente fala - o meu pai dizia "os homens da lei", que vão fazer justiça -, que, ao tratar do assunto, a gente está falando também de leis internacionais. Eu queria dizer o que estabelece a Convenção sobre a Biodiversidade Biológica. Um dos seus objetivos é a repartição justa e equilibrada dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos.
É um questionamento que deixo para vocês. Desta forma, sem nos ouvir, está sendo justa e equilibrada a tomada de decisão? É um questionamento que faço para vocês.
Falo aqui por uma população da Amazônia que vive invisível, tão invisível que nem consultados nós somos. Mas falo de um segmento, porque a Amazônia todo mundo conhece. Também falo de populações tradicionais, extrativistas, que estão em outros biomas e que muitas vezes nem se tem conhecimento de que existem. Pelo menos, quando se fala de Amazônia, a gente pensa nos recursos genéticos, na biologia.
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Então, quero reforçar que é isso muito contraditório, em um momento, quando a nossa própria Presidente da República, Jorge Viana, diz que é o momento de diálogo e que ela vai ouvir todo mundo. Nós não queremos só participar, nós não queremos só estar aqui para referendar esse momento não. Nós queremos ser ouvidos, nós queremos refletir, e nós queremos também ouvir os contra-argumentos de vocês, e nós queremos argumentar, e queremos chegar a um consenso, sim. Não somos contra não o desenvolvimento, mas nós queremos e exigimos ser respeitados. Somos detentores de muitos conhecimentos, e, como aqui foi dito anteriormente, é imensurável a sua quantidade. E aí o valor disso nós afirmamos: não tem preço, não tem preço. E todo o bem de todos esses conhecimentos...
E aí não sei se vocês sabem, mas eu queria aqui reforçar isto: muitos desses recursos ainda existem porque nós resistimos - não é isso Sônia? - porque nós lutamos. Do contrário, não teríamos mais nem floresta. Muitos lugares ainda existem porque nós estamos lá defendendo-os, inclusive com as nossas vidas. Foi desde Chico Mendes. Aliás, antecede a Chico Mendes, não é? Mas eu vou falar aqui pelo segmento dos extrativistas. É desde Chico Mendes, passando por muitos outros mártires, que deram a sua vida em defesa de tudo isso.
E não vamos deixar que isso tenha sido em vão, pelos milhares de povos indígenas que foram dizimados, que foram assassinados. Lembrem-se de que nós somos uma população brasileira. Hoje, quem somos nós? E a responsabilidade que nós temos. Será, indústria, que nós vamos vender o nosso produto de forma ética e consciente para o mercado exterior, sabendo que nós estamos violando direito dos povos indígenas, dos povos e comunidades tradicionais? Que nós estamos ferindo a própria legislação brasileira quando nós deixamos de ouvir a participação dos detentores desses direitos?
Então, não é justo. Será que vai ser justo? Será que vamos ter consciência? Vamos vender de forma tranquila?
Sobre a livre negociação. Nós não estamos no mesmo pé de igualdade nem de conhecimento e nem de acesso. Vocês estão em Brasília. Para vocês, é fácil chegar. Eu venho do Arquipélago do Marajó. A minha família hoje está lá na cidade para tentar pegar alguém que tenha antena parabólica para tentar ouvir. Mas a maioria da população não sabe nem o que se está discutindo.
Então, Senadores, a responsabilidade de vocês pelos milhões de pessoas sobre quem estamos decidindo isso aqui é muito grande.
E eu queria, desde já... Eu fiquei triste por todo o processo, mas alegre, Senador Jorge Viana, pelo seu convite, porque uma das maiores tristezas estava sendo a gente ainda não ter conseguido conversar com você, para que você nos ouvisse.
Então, quero aqui registrar...
(Soa a campainha.)
A SRª EDEL NAZARÉ DE MORAES TENÓRIO - ...que eu fiquei contente com isso.
A Adriana disse que nós temos o poder de decidir. Nós não estamos incluídos, os povos indígenas - não é? - nesse poder, e isso vem na fala de muitos outros.
Reforçar sempre que nós estamos abertos ao diálogo, mas dizer que este Governo, da forma como está agindo, está sendo antidemocrático com a gente. E nós queremos ser ouvidos.
Nós não viemos aqui, Senador, bater ponto a ponto. Nós viemos aqui para uma fala política, como disse a Sônia. Não é isso, Sônia? Nós estamos para uma fala política, porque nós esperamos um posicionamento do Senado, onde nós vamos ter oportunidade, sim, de bater o ponto a ponto.
Como a gente já disse, muitas inverdades estão sendo ditas, e, muitas das vezes, nem todo mundo... A gente agradece, inclusive, a quem é da indústria, a quem é da pesquisa e que está aqui para nos ouvir, porque a gente quer conversar com vocês. Nós não temos interesse. Acho que os nossos interesses são comuns, mas nós queremos que seja justa toda essa decisão.
Então, é essa mensagem que eu queria dizer. E sempre reforçar a responsabilidade daquilo que nós estamos decidindo, por milhões e milhões de povos e de populações que não estão aqui e que não estão no mesmo nível que nós, nem de vocês, que têm de decidir.
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Senadores, a responsabilidade é muito grande, assim como é muito grande a nossa responsabilidade - daquela segunda mesa - de estarmos aqui falando. Queremos ser ouvidos, mas queremos ser respeitados. Queremos decidir junto com vocês, junto com todo mundo que tem interesse.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço à Edel e a parabenizo por ter colocado aqui a sua posição.
Passo a palavra ao Relator, o nobre Senador Jorge Viana.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Bem, eu queria, de modo muito especial, agradecer a todas as convidadas e aos convidados de hoje. Refiro-me à Edel, ao Denildo, à Sônia, ao Maurício, ao Marciano, à Cláudia, que iniciou e é professora também em Vilas Boas. Agradeço pela contribuição que deram. Foi a terceira mesa que nós ouvimos. Agradeço à Maria Emília, que fez a explanação.
Eu queria, antes de mais nada, dizer que não há problema algum, para nós, com as posições, com as falas, seja da primeira mesa, seja da de ontem ou da de hoje. A de hoje tem um trato diferente, esta última especialmente. Nós estávamos ouvindo legítimos representantes daqueles que não têm voz, que não podem estar aqui ou que não têm quem fale por eles. Então, é muito importante para nós.
Eu não vou aqui terceirizar os problemas desse projeto, desse PL, jogá-los na Câmara ou no Governo, até porque esta matéria está sendo tratada por nós há duas décadas: começou, pelo menos aqui no Congresso, com a Marina Silva em 1995. Ela começou a trabalhar a ideia de haver uma lei, de haver um regramento para o acesso à biodiversidade.
De lá para cá, muita coisa aconteceu, é verdade. Essa intenção num projeto de lei da Marina virou uma medida provisória e foi reeditada, salvo engano, 16 vezes no Governo Fernando Henrique. Depois, com a modificação que nós tivemos na Constituição, virou lei e, depois que virou lei, foi identificada uma série de problemas, e começou um intensivo debate acerca de como fazer para que um país com megabiodiversidade tenha garantia à pesquisa, ao direito das populações tradicionais, a um empreendedorismo responsável. Eu, na Amazônia, busco isso e uso essa palavra para que se possa fazer um uso sustentável e inteligente dos recursos naturais.
Mas devo dizer, com toda tranquilidade, que as falas aqui, que para mim são falas legítimas do ponto de vista político e também legítimas do ponto de vista do conhecimento da matéria a ser apreciada, são fundamentais para nós. Então, não estou aqui querendo fazer nenhum reparo à fala da Sônia. Eu respeito integralmente o que você colocou. Você colocou a sua posição, o seu sentimento, e isso é o melhor que podemos fazer, mas devo dizer que sei que outros Relatores podem estar - também é direito deles, é legítimo...
Eu não estou aqui pelo que sou. Estou aqui porque me puseram aqui, e eu sou subordinado a quem me pôs aqui. É como me sinto. Eu não tenho uma visão preconcebida sobre o projeto, e nem poderia ter. Eu estou aberto a conversar primeiro, e a conversa pode me levar a um convencimento. Não estou querendo convencer nem ser convencido. Estou numa fase de conversar - foi o que fizemos aqui hoje. E eu parabenizo os presidentes das comissões, os relatores e os assessores que estão aqui até agora.
Anotei alguns pontos que achei relevantes, vi documentos, e quero conversar ainda hoje à tarde, com calma, ouvindo objetivamente numa reunião mais de trabalho, para saber se é possível e de que maneira podemos tentar melhorar essa matéria aqui no Senado.
Não tenho nenhum problema de fazer modificação da qual esteja convencido ou que ache pertinente. "Ah, mas se fizer isso, implica voltar para a Câmara." Sinto muito! Nós não podemos, nós não temos o poder de tirar a urgência do projeto - nem o Presidente, nem o Relator, nem eu, nem o Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Senador Cristovam, nem o Plenário.
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Essa prerrogativa não cabe a nós, e eu não vou fazer nenhum juízo. Mas nós podemos, sim, encontrando questões relevantes, colocar a nossa opinião, lutar por ela, aprová-la no plenário. E, se a aprovarmos no plenário, esse projeto volta para a Câmara - é mais tempo que temos. Daqui até o dia de ser votado no plenário, pode ter emendas de plenário. Também temos ainda, regimentalmente, espaço.
Isso não anula as críticas feitas à condução do processo, até porque quando nós ouvimos, ontem, equipes do Governo, percebemos divergências: na base do Governo, de um ministério para o outro, da linha de uma autoridade para a de outra. De fato, é uma matéria complexa.
Mas eu sou daqueles... Estou aqui, tenho que trabalhar. Eu não vou partir do pressuposto... "Olha, não vamos discutir, deixa como está." Eu não vou fazer isso. No Código Florestal, paguei um preço muito caro. Não me arrependo, fiz o melhor que eu podia. Há muitas falhas, mas, sinceramente, saímos pelo menos daquele faz de conta em que nós vivíamos. Eu não queria ficar também preso a uma lei... E nisto, me parece, há quase consenso, eu não vi ninguém divergindo: o regramento que temos hoje é muito ruim. Eu ouvi da comunidade científica que é ruim para ela. As comunidades das populações tradicionais não estão tendo acesso, não estão ganhando, seguem em dúvida, têm insegurança jurídica. Não vamos tirar uma coisa ruim e pôr uma coisa pior. Ninguém quer retrocesso. Também há este consenso: ninguém quer que se ande para trás.
Ótimo! Agora, a construção de como será a matéria, sinto muito. Eu acho que nem isso vai ter consenso. Vamos ter votação nela, emendas vão perder, emendas vão ganhar. Agora, vamos partir - eu faço aqui um apelo - do pressuposto de que ainda temos tempo para fazer algumas melhoras. Podem não ser as grandes melhoras sonhadas. É possível, e convido todos a nos ajudar nisso - a mim, aos outros Relatores, ao Presidente da Comissão. E eu senti esse espírito aqui.
Isso não afasta em nada as críticas que começaram hoje de manhã. Foi muito forte a sua fala - você que está representando a Funai -, mas eu acho que é isso que faz... Temos o dever de ouvir. Se nós não os ouvirmos aqui no Parlamento, que é um lugar de falar, onde vão ser ouvidos? Eu agradeço, porque isso nos faz refletir. Às vezes, quanto mais dura a fala, até melhor, porque pensamos "Por que alguém está com essa indignação?". A indignação é um direito de quem está se sentindo injustiçado, de quem está se sentindo excluído.
Só queria que ficasse este ambiente. Esta Comissão é uma comissão muito bacana para se atuar. Desde que cheguei, estou nela; ela trata de meio ambiente, fiscalização, controle e defesa do consumidor. O Presidente Otto, recém-empossado, tem dado todas as condições de trabalho. E essa ideia de fazer audiência pública, gente, foi até interessante. Deu trabalho para chegar a esses nomes, mas nós ouvimos aqui as vozes de muitos setores que não estavam sendo ouvidos e outros que têm posições definidas de um lado e de outro. Isso nos ajuda a fazer um melhor juízo dessa matéria. Não é uma matéria simples, gente. É muito complexa aliás.
Nós estamos sabendo... Eu vou me somar a algumas críticas que foram colocadas hoje. Eu não estou passando a mão na cabeça do nosso empresariado, na visão mercantilista de apropriação do conhecimento. Eu, particularmente, não compartilho disso. Agora, eu quero, eu busco que nós tenhamos um desenvolvimento sustentável na Amazônia, que inclua as populações tradicionais, que leve em conta a nossa riqueza maior, que é a nossa biodiversidade.
Mas todos nós sabemos também que esse substantivo, Professor Cristovam, esse substantivo fantástico que talvez seja a palavra mais escrita no mundo, que é "sustentabilidade", virou adjetivo, virou um rótulo. A pessoa produz alguma coisa e diz que é sustentável, que é fruto da sustentabilidade, e aquilo virou... Isso é parte... O pessoal começou a achar que isso está na moda, que isso dá dinheiro.
Agora, nós não vamos trabalhar nessa linha. Nós vamos trabalhar com a ideia de algo com substância, algo fundamental. O mundo não vai resistir se continuar insustentável, com esse padrão de produção e consumo. Todos nós sabemos disso.
Então, quando se discute semente crioula, esse é um tema chave! Conheço isso, sou de um tempo lá no Acre em que os produtores ribeirinhos guardavam em vidros, em litros, as sementes para o próximo ano - essas sementes nativas, crioulas, históricas, seculares. Era assim que funcionava.
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Obviamente, alguém começou a ganhar dinheiro produzindo semente, e agora põe lá uma semente que, depois que planta, você tem que ter um defensivo, você tem que ter o custo de preparação do solo. E aquilo vai aumentando de tal maneira o custo da produção, que fica inviável. O agricultor passa a ser dependente para produzir e inclusive para comer.
Isso é bom ou é ruim para a Amazônia? É péssimo. No Acre, na cabeceira do Rio Juruá, ainda existem mais de dez espécies de feijão, que estão ameaçadas. Quando queremos comer um feijão daqueles que sabemos que estamos comendo algo muito saudável, temos de ir a Cruzeiro do Sul comprar no mercado, porque em Rio Branco e em Manaus já não existe mais. Isso é muito ruim para nós.
Como essa lei pode garantir que haja uma convivência? Está se produzindo semente aqui, mas como protegemos para que a produção, a manutenção e a perpetuação dessa semente crioula nativa seja algo bom para as populações tradicionais e para a nossa biodiversidade genética? Se não, nós nos perdemos. É óbvio que, daqui a alguns anos, muito provavelmente - já estamos chegando lá, em alguns casos -, alguém vai dizer: "Puxa vida, estão custando tão caras essas sementes, que eu vou ver se acho algumas daquelas que não produziam tanto como essas, mas que não custavam o que eu gasto agora, nem colocavam em risco a saúde".
Isso é parte do debate que o mundo inteiro está fazendo. São algumas escolhas. Agora, não nos tirem a escolha. E é nisso que eu acho que estamos juntos. Nós não podemos pegar a Amazônia e tirar isso.
Salvo engano, foi Alysson Paulinelli que criou a Embrapa. Eu ouvi isso dele em uma conversa. Ele reuniu técnicos e cientistas para trabalhar. Hoje, a Embrapa é um patrimônio do País. Eles queriam imediatamente tratar da Amazônia. Ele falou: "Eu não vou mexer com o que não conheço". Ele segurou um pouco a entrada na Amazônia. Ele disse: "Vamos estudar primeiro".
Com relação àquele centro de biotecnologia, Professor, o senhor que trouxe uma contribuição tão grande, assim como todos, nós criamos, na década de 90, um centro, e ele não acontece. É o famoso "elefante branco" em Manaus. Nós não evoluímos nada. Se não evoluímos a pesquisa e o conhecimento, alguns cientistas já disseram aqui que a pesquisa é criminalizada, por conta das falhas na legislação. Nós temos obrigação de corrigir isso. Poderíamos corrigir uma série de coisas e ter precaução em relação a outras. O ideal é que não haja limitação, para que possamos dar alguns passos adiante. Eu estou com este propósito: naquilo em que pudermos, vamos avançar, como em relação a uma economia sustentável na Amazônia.
Eu respeito todos os que falaram, mas estamos vendo o empobrecimento, em todos os aspectos, da população que vive nos lugares mais distantes. É um empobrecimento. Se não fossem as políticas sociais do Governo dos últimos anos, a miséria estaria campeando na região mais rica do País, que é a Amazônia. Miséria, não estou falando de pobreza. Há políticas sociais para as diferentes regiões e para toda a nossa população. Isso, de alguma maneira, tem sido um alento.
Mas gostaria de dar a minha contribuição também, como Relator de um projeto de lei, para o que, real e verdadeiramente, chamamos de economia sustentável, que possa transformar uma das regiões mais ricas do Planeta numa região realmente rica no sentido de que o povo seja feliz, de que o povo tenha garantidos os seus direitos, a sua história, a sua cultura e também uma economia sustentável. Eu acho que o projeto pode colaborar nesse sentido.
Vou fazer uma audiência hoje, às 15h30min, em meu gabinete, e não estou chamando, porque até agora também não recebi, nenhum representante empresarial - não tenho problema em receber, mas até agora não recebi; certamente vou receber -, mas estou tomando a iniciativa de chamar aquelas entidades que se sentem excluídas do processo, ou os representantes que estão se sentindo deixados de lado, pois suas opiniões não foram levadas em conta.
Creio que - e aí há um certo consenso, já foi dito aqui - setores que têm problemas, como o setor produtivo brasileiro, que está com um sério problema, precisam resolver seus problemas. Isso é legítimo. Aquilo que não fira o interesse de outros vamos tentar atender. Agora, há segmentos - isso ficou muito bem claro - que querem dar uma contribuição mais significativa, querem ter algumas salvaguardas nesse projeto de lei. E eu vou gastar o meu tempo prioritariamente com isso, porque sou o Relator na Comissão de Meio Ambiente. Se eu não fizer isso nesta Comissão, vai ficar muito esquisito.
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Eu não tenho nenhuma condição de fazer isso. Não significa dizer que eu garanto que se aprovem as sugestões ou emendas que eu venha a fazer, não significa que aprovamos aqui e garantimos a aprovação no plenário, mas não está excluído. Eu queria, ao contrário, dizer que estou aberto a ter essa conversa, a ter instrumentos que possam me dar o convencimento de que isso ajuda a melhorar. Eu acho que não é difícil, porque também me sinto em constante diálogo com esse segmento.
Eu anotei uma série de pontos, mas prefiro guardar, refletir, esclarecer dúvidas com quem me apresentou algumas preocupações. Nós manteremos contato por telefone e e-mail, porque ainda há tempo. Temos pelo menos uma semana para ver o que pode ser feito não apenas em relação às emendas apresentadas, mas às minhas modificações como Relator. Como também devem fazer o Senador Douglas Cintra, que é da CAE, o Senador Acir e o Senador Telmário.
No mais, eu queria muito agradecer e dizer que farei o que puder para que o projeto fique melhor, assim como esta Comissão. O Senado está se abrindo a isso. O tempo pode ter sido curto, mas vocês foram muito competentes em dar o recado. Quem quer que o projeto seja aprovado imediatamente foi muito competente - passou por aqui, nós tivemos informações. Mas vocês que vieram com a responsabilidade de falar das vozes da floresta, das populações tradicionais, foram muito competentes em nos alertar, em nos deixar mais preocupados e, ao mesmo tempo, apontar alguns caminhos que esse projeto precisa percorrer, de forma responsável, antes de haver uma deliberação do Senado.
Eu não tenho outra coisa a fazer a não ser dizer muito obrigado a vocês todos. Eu me sinto melhor neste horário para decidir sobre a matéria do que eu estava às 8h, quando começamos.
Muito obrigado.
A SRª SÔNIA GUAJAJARA - Senador, pedimos permissão para, em dois minutos, entregar um documento à Mesa.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pode trazer o documento.
A SRª SÔNIA GUAJAJARA - Este documento é uma moção de repúdio dos povos indígenas, povos de comunidades tradicionais e agricultores familiares aos setores empresariais envolvidos na elaboração e tramitação do projeto de lei que vende e destrói a biodiversidade nacional. Então, rapidamente, vou ler apenas um parágrafo do documento, e entrego a vocês, porque, realmente, é um dos setores envolvidos que ainda nos causa muita preocupação nesse processo, no pé em que está.
De início, registramos que estamos plenamente cientes de que a exclusão dos Povos e Comunidades acima mencionados no processo de elaboração do PL nº 7.735/2014, que os afeta diretamente, consistiu em decisão consciente e deliberada do Governo Federal em conjunto com com a denominada "Coalização Empresarial pela Biodiversidade". Por certo, trata-se de ato que configura o rompimento na relação de confiança entre detentores do conhecimento tradicional e usuários, além de violar frontalmente a Convenção nº 169 (...), a Convenção da Diversidade Biológica (...), o Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura (...) e a Constituição Federal.
Então, nós vamos entregar este documento aos senhores, para que também possam ler e dele tomar conhecimento.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Concedo a palavra ao Senador Cristovam Buarque.
Gostaria de registrar a presença do Senador Gladson Cameli.
O Senador Cristovam Buarque tem a palavra.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Sr. Presidente Otto Alencar, Senador Douglas Cintra, Sr. Relator, Senador Jorge Viana, fiquei preocupado com a ideia de que temos uma semana. Houve um pedido da Sônia de que essa urgência não fosse feita.
Segundo, eu achei interessante dizer que, se for preciso mudar, a gente muda, que volte para a Câmara e que lá se faça outro.
Agora, eu vou mais longe na minha preocupação. Estou preocupado com a própria definição da riqueza, que vai servir de norte para a nossa decisão. Uma coisa é ver a biodiversidade como uma matéria-prima...
Só para saber, senão eu deixo para depois. Porque é muito importante este nosso diálogo agora, Senador Jorge.
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A primeira concepção é a riqueza, é a biodiversidade como matéria-prima para ser transformada, ou ela em si carrega uma dimensão de riqueza por existir como patrimônio natural?
Há pouco, nós ficamos horrorizados com a destruição de algumas esculturas lá no Iraque. Nós ficamos todos chocados porque vai diminuir a renda do turismo ou porque aquilo era um patrimônio que não deveria ser destruído?
No meu tempo de Banco Interamericano de Desenvolvimento, muitos anos atrás, eu vi pessoas defendendo a manutenção de etnias no Equador porque gerava um fluxo de dólar por serem atrativos turísticos. Ou seja, não havia a concepção da riqueza da cultura. O que havia era a ideia de que aquilo era matéria-prima; a riqueza era o dólar.
Eu creio que a gente deve analisar a biodiversidade que nós temos, a natureza, como matéria-prima para aumentar o bem-estar da população, conquistado pelo fluxo de renda que a economia gera, mas também, em alguns casos, como a riqueza em si a ser mantida. É aí que eu não sei se o PLS agrega ou se fica na lógica da riqueza econômica, da riqueza material, da sustentabilidade vista apenas como matéria-prima.
O próprio conceito de sustentabilidade. Nós queremos a sustentabilidade da natureza para manter o crescimento, ou nós queremos um crescimento que, intrinsecamente, mantém a natureza naquilo que tem de substancial e que não deve ser destruído?
Esse debate, a meu ver, exige muito mais aprofundamento do que o que nós tínhamos feito aqui, na carreira, para aprovar esse projeto. A responsabilidade de cada Relator é muito grande. Eu vou conversar com o Senador Telmário, que é da minha comissão, mas eu gostaria de ver um aprofundamento maior sobre o próprio conceito de riqueza, porque nós não queremos tirar da natureza, mas, às vezes, manter na natureza, ela tendo uma riqueza em si.
A biodiversidade não pode ser vista apenas como matéria-prima. E não sei até que ponto temos flexibilidade - não conheço detalhes do projeto, porque não sou relator e não chegou ainda para discussão, Senador Otto -, mas eu tenho minhas dúvidas de se não há um viés economicista na maneira como essa lei foi feita. De tal maneira que a sustentabilidade é apenas um instrumento para que a economia não quebre mais adiante, e não a sustentabilidade para sustentar um patrimônio que deve ser mantido em alguns casos, tanto do ponto de vista da natureza em si, como das culturas que as nossas etnias têm.
E eu lembro aqui o seu discurso maravilhoso defendendo os grupos indígenas que foram encontrados há pouco tempo. E aí eu pergunto: tirá-los daquela situação é tirá-los do empobrecimento ou é jogá-los no empobrecimento? Eu tenho as minhas dúvidas. Deixá-los naquela situação é condená-los a um tipo de vida que não tem o nosso conforto. Trazê-los talvez seja jogá-los na pobreza dentro do nosso estilo de vida. E qual é a solução? Ouvi-los. Quando eles quiserem vir, eles vêm. Vemos que algumas etnias, pela força da globalização, vão-se diluindo na sua cultura, e aí não só etnias - no Nordeste a cultura está se diluindo no rock, como reclamavam tanto algumas, mas é natural, é a força de um processo civilizatório avassalador; não disse destruidor, mas natural, não forçado.
Eu temo que a gente esteja caminhando para ver a natureza apenas como matéria- prima, as etnias apenas como estorvo ao processo chamado progresso. Eu gostaria de ver o conceito de riqueza ser tratado nos relatórios que serão feitos.
É isso, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - A matéria tramita em regime de urgência a pedido do Poder Executivo. Portanto, não há como se retirar a urgência do projeto.
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Mas eu creio na boa vontade e no conhecimento que tem aqui o Relator, o Senador Jorge Viana; o Senador Telmário também é Relator, o Senador Douglas Cintra, todos vão estar envolvidos nestes dias para absorver.
Eu acho que, de ontem até hoje, de todas as audiências que nós fizemos aqui, esta foi, talvez, a que mais contribuiu para o aperfeiçoamento do projeto, e eu creio que muitas proposições serão acolhidas.
Portanto, nós vamos manter a tramitação da matéria e, já que não há nenhum outro orador inscrito, eu vou encerrar a presente reunião.
(Iniciada às 8 horas e 21 minutos, a reunião é suspensa às 10 horas e 12 minutos. Reiniciada às 10 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 11 minutos.)