17/03/2015 - 3ª - Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática, Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 1ª Reunião Conjunta das Comissões Permanentes, sendo a 3ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle, a 3ª Reunião da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, e a 5ª Reunião da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, todas da 1ª Sessão Legislativa da 55ª Legislatura do Senado Federal, que se realiza nesta data, 17 de março.
Antes de iniciarmos os trabalhos, submeto à apreciação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação das atas das últimas reuniões da CMA, CCT e CRA.
Os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovadas.
As atas estão aprovadas e serão publicadas no Diário do Senado Federal, juntamente com as respectivas notas taquigráficas.
Iniciando os trabalhos da reunião conjunta, que é realizada em atendimento aos Requerimentos nº 4-CMA; nºs 1 e 5-CCT; e nºs 5, 8 e 12-CRA, todos de 2015, abrimos a primeira das duas audiências públicas destinadas a instruir o Projeto de Lei da Câmara nº 2, de 2015, conhecido como Marco Civil da Biodiversidade e de Acesso ao Patrimônio Genético, sendo que, amanhã, nós teremos audiência pública começando às 8h, indo até às 10h, e, depois, outra de 10h às 12h, ou mais tempo, se for necessário.
Previamente, coube-nos compor a Mesa de expositores e temos a honra de convidar, com muita alegria, a única Ministra presente, a Ministra Nilma Lino Gomes, Ministra de Estado da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Por favor. (Palmas.)
O Exmº Sr. Francisco Gaetani, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, que representa a Ministra Izabella Teixeira, que não pôde comparecer por um outro compromisso pré-agendado. (Palmas.)
O Capitão-de-Mar-e-Guerra Paulo Cézar Garcia Brandão, assessor de assuntos setoriais da Subchefia de Organização Americana do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, representando o Ministro Jaques Wagner. (Palmas.)
O Sr. Rafael de Sá Marques, diretor de tecnologias inovadoras da Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, representando o Ministro Armando Monteiro. (Palmas.)
O Sr. Hélcio Botelho, secretário substituto da Secretaria de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo, representando a Ministra Kátia Abreu. (Palmas.)
Informo que contaremos com o serviço de interatividade do Senado Federal, para participação popular pelos cidadãos que estão assistindo, ao vivo, pelo Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pela TV Senado.
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As participações também poderão ser feitas Alô Senado, no número 0800-612211, além das redes sociais (Twitter e Facebook), possibilitando assim ao cidadão que envie comentários ou perguntas, que serão repassadas aos nossos convidados.
Convido o Sr. Marco Aurélio Pavarino, assessor do Ministério do Movimento Agrário, representando o Ministro Patrus Ananis. (Palmas.)
Convido o Sr. Paulo Sérgio Lacerda Beirão para tomar assento na primeira fila, porque não há mais lugar à mesa.
Os comentários e perguntas sofrerão uma triagem conforme definido nos termos de uso do portal, não com base na qualidade do comentário ou no mérito da pergunta, mas sim quanto ao cumprimento de regras de respeito e urbanidade, bem como de conexão com a finalidade do debate.
Nada mais adequado possa a sociedade opinar numa discussão como essa, em torno da proposta que estabelecerá um novo cenário legal e regulatório para o acesso à biodiversidade e o patrimônio genético nacionais.
A proposta, que se iniciou por proposta encaminhada pela Presidência da República à Câmara dos Deputados, onde tramitou sob o número de Projeto de Lei 7.735, de 2014, chegou recentemente a esta Casa e foi tombada sob o número de Projeto de Lei da Câmara 2, de 2015.
É importante informarmos, previamente, que a matéria tramita sob o regime de urgência constitucional, e daí a celeridade imposta para as discussões e deliberações em torno da proposição, motivo pelo qual realizaremos duas audiências, hoje e amanhã, e contaremos com um número relativamente grande de expositores.
Para a audiência de hoje, conforme Mesa já composta, foram convidados sete ministérios, que encaminharam seus representantes para apresentarem a esses colegiados de Senadores e Senadoras as suas posições quanto à matéria, e muito nos honra a presença da Ministra de Estado da SEPPIR, Nilma Lino Gomes, que certamente abrilhantará os nossos debates.
Já para a audiência de amanhã, que terá início às 8h, contaremos com 16 expositores, entre órgãos de governo, entidades privadas e da sociedade civil organizada. Por isso a reunião será dividida em duas partes, de forma a podermos estabelecer um bom debate para todos.
O tema em comento, que numa primeira análise nos traz unicamente a conotação da ciência e da pesquisa, abrange questões muito mais profundas e complexas, daí a pluralidade de entidades e especialidades aqui postas. Por isso mesmo deve-se franquear o debate e a palavra a todas as partes interessadas. E é o que nós vamos fazer aqui.
As diversas opiniões, por vezes conflitantes, são essenciais para que possamos nós, Senadores e Senadoras, das três Comissões, assim como as demais comissões por onde tramita simultaneamente a matéria, termos acesso a visões divergentes, o que é fundamental.
Poderemos então nos posicionar de forma embasada sobre a proposta, e produzir um texto que venha a sanear, pelo menos naquilo que for possível, os anseios da sociedade e de todas as partes envolvidas.
Destaco aqui o compromisso do Senado Federal, que mesmo ante um projeto que chega no início da Legislatura, e que tramita em regime de urgência constitucional, com prazos curtos e céleres, se dedica, como é sua atribuição, a estudar e melhor compreender a matéria, e por isso realizamos essas duas audiências em prazo tão curto e com grande número de expositores.
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Teremos ricas discussões, e os Relatores do projeto na CMA, na CCT e na CRA, que ora participam das audiências, assim como a CCJ e CAE, que certamente nos acompanham, terão um bom trabalho pela frente.
Passaremos, então, às exposições pelos convidados e, ao final, às Srªs e aos Srs. Senadores presentes, na ordem de inscrição, com prioridade aos requerentes das audiências públicas. Durante o curso da audiência, esta Presidência também poderá fazer intervenções, assim como apresentar comentários e questionamentos enviados pelos cidadãos que nos assistem.
Obedecendo à hierarquia, passo a palavra, então, com muita alegria - e agradecendo outra vez -, à Ministra Nilma Lino Gomes, da Seppir. V. Exª dispõe de 10 min., como é regimental.
A SRª NILMA LINO GOMES - Bom dia a todas e a todos.
Gostaria de iniciar a minha fala dizendo da grande satisfação de estar aqui presente, neste momento. Para a Seppir, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, esse é um tema extremamente significativo, extremamente relevante. Agradeço à Casa pelo cuidado e pelo zelo da discussão sobre a biodiversidade e também sobre o nosso patrimônio genético.
Também inicio agradecendo imensamente o convite do Senador Otto Alencar e a sua gentileza ao me convidar para participar aqui neste momento representando não só a nossa Secretaria como os povos e comunidades que a Seppir cuida como Secretaria com status de Ministério. Também quero agradecer ao Senador Paulo Rocha, que apresentou duas emendas de inclusão que dizem respeito à Seppir. Quero agradecê-los imensamente.
Quero cumprimentar os meus colegas da Mesa, representando os outros Ministérios.
Acho que, primeiramente, seria interessante que a Casa entendesse o objetivo da Seppir. É uma secretaria de políticas de promoção da igualdade racial com status de Ministério do Governo Federal. O nosso objetivo principal é construir uma articulação e políticas fazendo uma articulação dentro do próprio Governo Federal e fora, com os movimentos sociais, no sentido de garantir a promoção da igualdade racial.
O Brasil é um país que tem na sua Constituição Federal o crime de racismo, que foi uma conquista dos movimentos sociais. O racismo hoje é um crime inafiançável e imprescritível, e isso tem desencadeado uma série de ações e leis do Estado brasileiro no sentido de garantir cada vez mais o direito das populações negras no Brasil, os direitos constitucionais, os direitos econômicos, os direitos sociais. O Brasil dá um passo à frente, considerando também outros países da América Latina, quando institui, como um Ministério dentro do Estado, uma Pasta para cuidar dessas questões.
Sabemos também que o Brasil é um país extremamente diverso, com uma intensa diversidade cultural e étnica, e isso nos dá um diferencial diante dos outros países do mundo, mas sabemos também que vivemos históricos de desigualdades e de discriminações. Então, um país com uma intensa população negra, mais de 50% da sua população, também tem que lidar com formas de proteger essa população de um fenômeno que é global, o racismo.
Mas por que, então, a presença da Seppir pensando o tema do marco legal da biodiversidade?
Gostaria de chamar a atenção das senhoras e dos senhores para um dos povos, um dos públicos que a Seppir cuida, que são os povos e as comunidades quilombolas, assim como os povos e comunidades tradicionais de natureza africana. A Seppir é organizada em três Secretarias e uma delas é uma secretaria que justamente cuida de políticas e articula políticas dentro do Governo Federal. Ela tem uma escuta para os movimentos sociais, os movimentos quilombolas e dos povos e comunidades de natureza africana. Escutando as suas demandas, a Seppir, na nossa responsabilidade de Ministério, tem que conseguir alcançar formas de garantir os direitos desses povos, dessas comunidades. O tema da biodiversidade, do patrimônio genético toca de forma muito incisiva sobre esses dois públicos dos quais cuidamos: os povos quilombolas e as comunidades tradicionais de matriz africana.
Dando alguns destaques para as senhores e os senhores, esses povos e essas comunidades possuem conhecimentos e técnicas tradicionais. São possuidores ou detentores, digamos assim, de conhecimentos que, lamentavelmente, podem ser usurpados se o Estado assim não os acolher, não os proteger. Por isso, a importância da biodiversidade atinge esses dois públicos com os quais a Seppir trabalha.
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São comunidades, em sua grande maioria, muito pobres, com poucos recursos financeiros e que, com todas as lutas que se vêm desenvolvendo ao longo da história do Brasil, são guardiãs do direito à sua própria terra, à sua memória, à sua ancestralidade, aos seus conhecimentos. Esses conhecimentos muitos de nós usamos no nosso cotidiano, mas muitas vezes nem sabemos quem são os seus guardiões na nossa sociedade: conhecimento das ervas, dos chás, das formas de curar através de recursos naturais que possuímos no Brasil com a nossa grande diversidade, e isso desde os tempos coloniais. Lamentavelmente, a escravidão foi uma forma de usufruir da mão de obra de trabalho de povos e comunidades africanas escravizadas no Brasil.
Mas esses povos e essas comunidades, tanto os quilombolas quanto os povos tradicionais de matriz africana, são povos de lutas e se organizam politicamente na sociedade brasileira. São várias formas de órgãos de representação que dialogam com a Seppir, dialogam também com outros Ministérios presentes nesta Mesa, e, dentro desse diálogo, há uma grande preocupação com a proteção da biodiversidade, com a proteção dos seus conhecimentos. Por isso, a discussão que o Senado desencadeia aqui bem como o nosso Projeto nº 2, de 2015, são importantes para a Seppir e para esses povos.
Nesse sentido, eu gostaria de solicitar, do Senado, apoio. A Seppir solicita do Senado, dos Senadores, apoio para a aprovação de duas emendas muito importantes, de inclusão, que foram apresentadas pelo Senador Paulo Rocha. Eu gostaria de destacá-las: uma é a emenda de inclusão, que inclui a Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial no art. 17 § 9º. Eu gostaria, com a licença dos senhores e das senhoras, de ler esse artigo, para que compreendam a importância da emenda de inclusão apresentada pelo Senador. Diz o seguinte:
§ 9º A repartição de benefícios referente aos produtos acabados ocorrerá exclusivamente sobre os produtos previstos na Lista de Classificação de Repartição de Benefícios, definida em ato conjunto pelo Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), conforme regulamento.
A nossa solicitação de aprovação dessa emenda é devido ao fato de que, tendo em vista o objetivo da Pasta, da Seppir, de promoção da igualdade racial, e, entre dos nossos trabalhos de promoção da igualdade racial, estão incluídos os quilombolas e povos e comunidades tradicionais, apesar de a Seppir participar de todo o processo de discussão, seria muito importante para essa Pasta essa aprovação porque poderemos também dar nossa contribuição ao Senado. Das discussões que ocorrerão na execução da lei, gostaríamos de participar ativamente, junto com os outros Ministérios, nesse momento.
A outra emenda de inclusão, para a qual também solicito apoio dos Senadores e Senadoras, é que, dada a importância e dadas as características das nossas comunidades quilombolas, dentro do que se está discutindo, desse marco legal da biodiversidade e questões do patrimônio genético, que também a própria palavra "quilombola" apareça no texto, logo após a expressão "indígenas", que percorre todo o texto da lei. É uma solicitação para a aprovação da emenda de inclusão, porque não só participando, a Seppir poderá também contribuir com mais informações, com mais debates e mais diálogos. Assim, esse povos serão visivelmente expressos no teor da lei que estamos discutindo aqui.
Existe uma discussão muito interessante feita pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, em um de seus textos chamados "Sociologia das Ausências e Emergências", que eu gostaria de compartilhar com os senhores e senhoras porque diz respeito a algumas coisas que estamos discutindo aqui. Ele vai chamar atenção para o fato de que alguns temas - ele está discutindo com a teoria sociológica, com a teoria geral, mas podemos trazer para a discussão dos movimentos sociais e das lutas por direitos no Brasil - na própria teoria sociológica, acabam não aparecendo, acaba não ganhando visibilidade.
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Então, fica a pergunta é: por que será que eles não ganham visibilidade? Por que será que parece que eles estão subentendidos no que a própria teoria sociológica diz? E eu diria, no caso aqui, porque a inclusão da expressão "quilombola" juntamente com as demais, ou ainda, porque essa invisibilidade não é casual, mas, muitas vezes, ativamente produzida. Isso não significa que as pessoas estão mal intencionadas, de forma alguma; muitas vezes, significa que, dado o apagamento histórico nas relações de poder que certos grupos e povos sofreram, a própria visibilidade deles, trazida com outros sujeitos sociais, mostra a nossa posição, como Estado brasileiro, de corrigir desigualdades, de garantir direitos.
Então, eu diria que a presença da expressão aqui, a solicitação, é de que essa invisibilidade não se repita no caso dos quilombolas, dentro de uma discussão tão importante como a que estamos fazendo agora, e que tem a ver com os quilombolas e com os povos e comunidades tradicionais de matriz africana. E, aí, nas reflexões do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, está expresso que essa sociologia para procurar ausências também tem como par uma outra proposta sociológica, que é a de produzir emergências.
Então, o Estado de direito, o Estado democrático faz emergir e dar visibilidade a povos, sujeitos, temas que, historicamente, lutam por encontrar espaços na luta por direitos que nós tanto construímos e pela qual, eu sei, esta Casa zela.
O meu tempo terminou?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - V. Exª ainda dispõe de mais dois minutos.
A SRª NILMA LINO GOMES - Então, eu gostaria de finalizar a minha fala reforçando, para esta Casa, primeiro, o agradecimento pela oportunidade de estar aqui; reforçando, ainda, que a SEPPIR já vem tentando participar e discutir o tema aqui colocado e que é muito importante que nós possamos estar incluídos visivelmente, tanto a Secretaria quanto os povos quilombolas, no texto da lei, porque nós sabemos que podemos trazer contribuições interessantes, inclusive como escuta do que esses povos e comunidades têm a dizer para o Brasil e também para o Senado.
Gostaria de agradecer imensamente e me coloco à disposição para eventuais perguntas.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Com o término da exposição da Ministra, pediria ao Secretário da Mesa que dê conhecimento aos Relatores das emendas propostas pelo Senador Paulo Rocha.
Passo a palavra ao Exmº Sr. Francisco Gaetani, Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, por 10 minutos.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Bom dia a todos e todas!
Eu queria agradecer, em nome da Ministra Izabella Teixeira, o convite para estar aqui presente discutindo com os senhores e senhoras essa proposta, que é preciosa para o Ministério do Meio Ambiente. Assim, é com muita satisfação que estamos aqui hoje para discutir o projeto.
Queria agradecer, particularmente, o convite do Senado Otto Alencar, Presidente da Comissão de Meio Ambiente, uma vez que esta é uma agenda estratégica para o País, uma agenda de interesse de todos os envolvidos para que a gente possa transforma o fato de o Brasil ser "G1" em biodiversidade em uma realidade concreta, em uma realidade que produza riqueza para o Brasil e que assegure repartição de benefícios aos envolvidos nessa condição.
O fato de nós termos as maiores reservas de biodiversidade do mundo, de termos as maiores reservas de água doce do mundo, de termos as maiores reservas de florestas tropicais do mundo tornam o Brasil um país único; agora, nós precisamos transformar essa patrimônio natural em riqueza nacional, em empregos, em benefícios para aqueles que detêm esse conhecimento, de modo a podermos explorar essa riqueza de forma sustentável. Esse projeto vai nessa direção.
As principais preocupações do Ministério do Meio Ambiente nesse projeto envolvem atualizar, melhorar, aprimorar uma legislação que data do início do século; uma legislação que surgiu como medida provisória, mas que, a despeito de suas boa intenções, não viabilizou um marco regulatório adequado para a exploração da biodiversidade brasileira.
Nós temos, hoje, a preocupação de viabilizar uma legislação que tenha aderência. Nós precisamos acabar com a tradição, no Brasil, de termos leis que pegam e leis que não pegam; leis que são cumpríveis e leis que não são cumpríveis. A legislação que nós estamos propondo procura equacionar essa situação.
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Por quê? Porque a legislação atual é uma legislação cuja operacionalidade se tornou inviável. É uma legislação que, por um lado, criminaliza a bioprospecção e, por outro, inviabiliza repartição de benefícios. É uma legislação que não atende ao interesse do País. É uma legislação que foi forjada no contexto de uma preocupação muito grande com o combate à biopirataria, mas que, por outro lado, inviabilizou a exploração do nosso patrimônio genético de forma sustentável.
Entre os principais princípios dessa legislação, a gente queria destacar alguns.
Primeiro, a gente prevê, propõe uma legislação que tenha aderência, que seja operacionalizável.
Segundo, que ela incentive o acesso à nossa biodiversidade e à bioprospecção.
Aqui, eu queria abrir um parêntese. A bioprospecção, por si, não gera benefícios. A inovação se dá quando há comercialização da pesquisa, de modo que ela se mostre rentável. Mas o setor produtivo, melhor do que ninguém, sabe que muitos investimentos em pesquisa e desenvolvimento não, necessariamente, resultam em bens comercializáveis.
Terceiro, focar na garantia da rastreabilidade. Por quê? Porque é a rastreabilidade que vai assegurar aos detentores do conhecimento tradicional a repartição do benefício numa fase posterior.
Nós propomos também regimes de repartição de benefícios que sejam sustentáveis e personalizáveis, que não sejam idealizáveis, mas que , pelo contrário, sejam passíveis de serem concretamente colocados em prática.
A legislação reconhece a contribuição dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos povos quilombolas para a resistência da biodiversidade. Eles são os grandes guardiões, os grandes preservadores dessa riqueza nacional e precisam, no caso da exploração desse conhecimento tradicional, ter os seus benefícios repartidos de forma adequada. Nós precisamos assegurar que esses benefícios e esses direitos sejam respeitados de forma institucional pelo Estado brasileiro.
Algumas preocupações nós achamos importante destacar.
Primeira, redução dos custos de transação de modo a não comprometer a competitividade de setores-chave da economia brasileira.
Segundo, remeter para as normas infralegais o que for possível.
Esse projeto trata de uma legislação complexa, uma legislação inovadora, que não há em muitos países do mundo para o Brasil poder mirar. Nós precisamos trabalhar com a perspectiva de que muita coisa vai depender de regulamentação posterior, de modo que a gente possa aprimorar e refinar essa legislação através de instrumentos infralegais.
Terceiro, evitar enrijecer a legislação.
Incerteza jurídica não significa uma legislação detalhada. Combater a incerteza jurídica significa propor uma legislação que seja aderente, mas que seja passível de aplicação e, eventualmente, aprimoramento. Se nós enrijecemos a legislação, ela, rapidamente, se descola da realidade.
Quarto, trabalhar para que a gente possa aprimorar essa legislação ao longo do tempo, seja no aspecto infralegal, seja no aspecto de eventuais modificações legais posteriores.
Foi construído um clima de negociação nesse processo, uma negociação que, na verdade, foi uma legislação trabalhosa, uma legislação custosa, por todos os envolvidos. Esse processo levou a uma situação em que muitos de nós aspirávamos mais em relação ao conteúdo dessa proposta, mas tivemos que negociar os nossos interesses no âmbito do Governo, junto à sociedade, junto ao setor privado, no âmbito da Câmara, de modo que chegamos hoje a um projeto que é fruto de uma trajetória de muita discussão, e achamos que a gente tem que trabalhar para que a gente possa viabilizar uma legislação que reflita adequadamente o interesse da sociedade brasileira.
Em relação ao setor privado, eu gostaria de destacar também que a legislação nacional é o principal anteparo do País nas suas negociações internacionais. O que isto quer dizer? Quando nós falamos da legislação de Nagoya, do Protocolo de Nagoya, que o Brasil assinou, mas ainda não ratificou, quando falamos do Tirfa, nosso projeto relacionado ao Tratado de Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, assinado também pelo Brasil, nós estamos falando de legislações que têm na sua legislação nacional o seu grande escudo, o seu grande instrumento protetor nas transações internacionais.
Nós procuramos, então, buscar elaborar uma proposta em consonância, consistente com essas legislações. Buscamos, também, na proposta, criar regras de transição para o estabelecimento de arranjos institucionais para um novo formato de exploração do patrimônio genético. Nós entendemos que a situação atual não atende ao interesse do País. Nós temos 15 anos de funcionamento de uma legislação, mas, se nós observarmos o que está acontecendo, veremos que, além de não termos pesquisas de desenvolvimento em relação à nossa biodiversidade, além de não termos repartição de benefício, nós temos uma situação onde, do universo de multas até hoje aplicadas pelo Ibama, apenas 0,098 delas foram efetivamente pagas. Houve uma judicialização disso, de modo que nós temos um marco regulatório que não é aderente à realidade brasileira.
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Em relação à pesquisa, precisamos criar mecanismos para incentivar a pesquisa de desenvolvimento que não sejam inibidos pela legislação. Temos discutido com o Ministério da Ciência e Tecnologia como fazê-lo. Pretendemos avaliar as formas de incentivar esse trabalho.
Uma das iniciativas em discussão refere-se a estimular pesquisa de desenvolvimento também nas unidades de conservação, que são os maiores depositários da biodiversidade brasileira, os chamados hot spots, as áreas mais preciosas, os santuários do ponto de vista da biodiversidade do País estão localizados em unidade de conservação na Amazônia. E nós procuramos explorar essa biodiversidade de forma sustentável e adequada. Precisamos que a bioprospecção seja estimulada com custos reduzidos e que as universidades, as empresas e os institutos de pesquisa se engajem nesse processo de construção do interesse nacional.
Na área da agropecuária e da pesquisa, precisamos destacar o papel das feiras, das coleções e da desoneração das atividades relacionadas à pesquisa e ao desenvolvimento, necessários para que possamos avaliar eventualmente a possibilidade de comercialização do resultado desse investimento.
Finalmente, em relação à questão da repartição de benefício, cabe destacar que a pedra de chave, para que esse processo se dê de forma adequada, é a rastreabilidade. Não há como haver bioprospecção, sem que se identifique a origem desse conhecimento, em particular no que diz respeito ao conhecimento tradicional.
Estou consciente de que temos, no Brasil, um alto potencial de exploração econômica de forma sustentada relacionada ao conhecimento tradicional sociável. Este conhecimento, detido por famílias, comunidades, populações quilombolas, polos indígenas, comunidades tradicionais, ao longo do tempo, já vem sendo, de alguma forma, explorado, mas não necessariamente da forma adequada.
Muitas vezes, a repartição de benefícios que temos em mente, que consideramos justa, não está sendo observada, e precisamos criar mecanismos para que isso se dê de forma adequada.
O projeto deseja mecanismos que criam um ambiente de confiança, para que se facilite o acesso ao conhecimento tradicional associado, através do mecanismo de pesquisa e desenvolvimento, que garanta rastreabilidade e propicie repartição de benefício de forma adequada.
Essa reforma regulatória prevê também, nos casos de não ser possível apropriar a origem do conhecimento, a instituição de um fundo de uma política nacional de repartição, onde esse conhecimento seja difuso, mas não seja possível identificar a propriedade original desse conhecimento.
Essas regras de repartição e regularização são atrativas e estão em consonância com a legislação internacional. Estamos propondo também o funcionamento de um conselho patrimônio genético mais dinâmico, baseado em cadastros, em estrita sintonia com a área de ciência e tecnologia do País, para que possamos incentivar a pesquisa de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que asseguramos a repartição de benefício da forma mais estruturada.
É um projeto novo. É um projeto inovador. É um projeto que visa a simplificação do acesso. É um projeto que visa assegurar as condições de justiça e de repartição de benefícios aos detentores de conhecimento tradicional associado. É um projeto passível de melhorias, de aprimoramentos no presente, no futuro, mas cria condições, para que o Brasil possa efetivamente assegurar a exploração de sua biodiversidade de forma sustentável no interesse de toda a sociedade brasileira.
Temos consciência de que não é um projeto dos sonhos de ninguém, mas é fruto de muita negociação, de muita conversa, que agora chega ao Senado para a sua consideração.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço ao Dr. Francisco.
Queria registrar a presença da Senadora Ana Amélia, Presidente da Comissão de Agricultura; do Senador Donizeti Nogueira, que está conosco; bem como dos Senadores Douglas Cintra, Jorge Viana, Lasier Martins, da Senadora Lídice da Mata e dos Senadores Waldemir Moka, Humberto Costa e Cristovam Buarque, Presidente também da Comissão de Ciência e Tecnologia.
Passo a palavra ao Capitão-de-Mar-e-Guerra Paulo Cézar Garcia Brandão, que representa o Ministro da Defesa Jaques Wagner.
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O SR. PAULO CÉZAR GARCIA BRANDÃO - Exmo Sr. Senador Otto Alencar, Presidente da CMA, Exma Senadora Ana Amélia, Presidente da CRA, Exmo Sr. Senador Cristovam Buarque, Presidente da CCT, Exmos Srs. Senadores, Exma Senhora Ministra Nilma Lino Gomes, MM. Sr. Secretário Executivo do Conselho do Ministério do Meio Ambiente, demais representantes da Mesa, senhoras e senhores representantes dos demais ministérios, órgãos, institutos de pesquisa, representantes de organizações da sociedade civil, é com muita satisfação que fomos convidados para colocar a nossa visão sobre o Marco Legal da Biodiversidade. Eu vou me ater àqueles tópicos que nos são mais caros para a defesa nacional.
A Política Nacional de Defesa identifica que a questão ambiental permanece sendo uma das preocupações da humanidade e que países detentores de grande biodiversidade, enormes reservas de recursos naturais, imensas áreas para serem incorporadas ao sistema produtivo, como é o caso brasileiro, podem tornar-se objeto de interesse nacional nem sempre claros.
Na ótica da defesa nacional, o acesso ao patrimônio genético, à proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e à transferência de tecnologia para a sua conservação e utilização elevam o conhecimento e o aproveitamento da biodiversidade no território nacional, contribuem para que o País possa dedicar-se ao seu próprio desenvolvimento e progresso e fortalecem o apoio às ações estratégicas voltadas para a efetiva ação do Estado no desenvolvimento socioeconômico, visando à defesa das riquezas naturais e do meio ambiente.
Dessa forma, ficam atendidos os preceitos da Política Nacional de Defesa especialmente no que se refere à adoção de medidas para a melhoria das condições de vida das comunidades tradicionais indígenas e quilombolas beneficiadas, para a fixação das populações na faixa de fronteira e para a salvaguarda dos interesses marítimos nacional.
A Medida Provisória nº 2.186 dispõe sobre o acesso do patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso a conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefício. Conforme disposto naquela medida provisória, quando a pesquisa científica envolve a participação de estrangeiros, a sua autorização é feita pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o assunto é regido pelos dispositivos constantes do Decreto 98.830, de 1990, ou pelo Decreto 96.000, de 1988, quando a realização de pesquisas de investigação científicas são realizadas na plataforma continental e nas águas sob jurisdição brasileira.
Em todas as hipóteses acima, a autorização da pesquisa que envolve a participação de estrangeiro impõe a necessidade de que haja, na atual medida provisória, a coparticipação e a corresponsabilidade de instituição brasileira de elevado e reconhecido conceito técnico e científico; a autorização do comando da Marinha, autoridade marítima quando a pesquisa se der em águas jurisdicionais brasileiras, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva; o assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional quando o acesso ocorrer na faixa de fronteira; e a autorização dada pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético onde o MD tem assento quando tratar-se de pesquisa para fins de bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico.
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Ressalta-se que a argumentação utilizada por setores do Poder Executivo, inclusive por parte do Ministério da Defesa e pela Academia do Brasil, no sentido de se contrapor às críticas quanto à presença de estrangeiros nas pesquisas realizadas com o componente do patrimônio genético brasileiro, seja no Brasil ou no exterior, exaltava os ganhos de conhecimento e de tecnologia obtidos pelos pesquisadores nacionais em decorrência das cláusulas contratuais obrigatórias de cooperação e compartilhamento de informações. Portanto, consideram-se adequadas as medidas dispostas na legislação atual quanto às cautelas necessárias para o combate à biopirataria diante da presença de estrangeiros nas pesquisas realizadas em Território nacional, observados os ganhos obtidos pelos nacionais quando da presença de pesquisadores estrangeiros associados a instituições públicas nacionais.
Após seis anos de negociação, o Protocolo de Nagoya, adotado em 2010, promove e fortalece o terceiro princípio da Convenção sobre a Diversidade Biológica, sobre acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa de benefícios advindos da utilização daqueles recursos. Ao procurar estabelecer uma base para maior segurança e transparência legal, tanto para os fornecedores quanto para os usuários de recursos genéticos, o protocolo traz inovações significativas, o que inclui o apoio ao cumprimento da legislação nacional. Tendo entrado em vigor em 2012, o Protocolo de Nagoya ainda não foi ratificado pelos países com significativo avanço tecnológico e expressiva produção agrícola. O Congresso Nacional ainda não concluiu sua apreciação sobre aquele novo regime internacional de caráter vinculante.
O Projeto de Lei nº 7.735, de 2015, de autoria do Poder Executivo e seu substitutivo vão ao encontro do que prevê o Protocolo de Nagoya, ao consolidar as propostas dos Ministérios do Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Inovação, Desenvolvimento, Indústria e Comércio e incorporar algumas sugestões de largo espectro do setor agrícola brasileiro, possui o mérito de buscar aproveitar as experiências adquiridas ao longo dos 14 anos de vigência da medida provisória. Contudo, a iniciativa do novo marco legal sobre o tema inova em alguns aspectos que são caros ao Ministério da Defesa.
No que tange à defesa da soberania, as ações estratégicas voltadas para a efetiva ação do Estado no desenvolvimento socioeconômico e ao mínimo grau de controle e fiscalização sobre o Território nacional em eventos relacionados às pesquisas. Em primeiro lugar, cabe destacar que, como previsto na Constituição brasileira, textos como aqueles referidos aos tratados internacionais, em que o Brasil seja signatário, não podem orientar as atividades realizadas nos limites do Território nacional, enquanto aqueles tratados ou decisões de reuniões de países-membros não forem aprovados pelo Congresso Nacional e promulgados pelo Poder Executivo.
Textos desse teor são encontrados em três artigos. Sugere-se acrescentar a expressão "e promulgado pelo Poder Executivo" após a referências aos tratados que o país seja signatário. Ademais, o caput do art. 45 deverá prever que as atividades realizadas sobre patrimônio genético deverão ser efetuadas em conformidade com esta lei e não com as condições definidas em acordos internacionais, dos quais o País é signatário. Da mesma forma, no art. 47, sugere-se suprimir a expressão "previstas em acordos internacionais".
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O segundo aspecto de interesse da defesa refere-se às ações estratégicas voltadas para efetiva ação do Estado no desenvolvimento. Nesse contexto, ao prever que atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico podem ser realizadas por pessoas jurídicas sediadas no exterior, não associadas à instituição nacional, como no art. 13, a proposta cria oportunidade de que empresas estrangeiras possam pesquisar o patrimônio genético brasileiro a partir de remessas efetuadas ao exterior por meio de um simples cadastro anteriormente efetuado, não proporcionando qualquer avanço que contribua para a melhoria da capacitação de nossos pesquisadores ou para qualquer possibilidade de transferência de tecnologia - um dos preceitos básicos da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Recentemente o MD manifestou-se ao Conselho de Defesa Nacional favoravelmente à realização de importante pesquisa para combate à praga da agricultura e uma ação conjunta da Embrapa Florestas com o Museu Nacional de Basel, na Suíça, quando o prestigiado museu estrangeiro custeará as passagens, hospedagens e alimentações do pesquisador brasileiro para a Suíça nas três etapas de pesquisa até o final de 2016.
E é esse modelo que nós achamos importante que seja seguido e obrigatório em lei.
Por fim, quanto à necessidade de realizar um grau mínimo de controle e fiscalização sobre Território Nacional e que envolve consultas a vários órgãos de Estado que não fazem parte do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, sugere-se suprimir a expressão "a critério da União" para que seja obtida a anuência prévia do Conselho de Defesa Nacional e da autoridade marítima, como previsto no caput do art. 13, haja vista tratar-se de instituições que têm suas responsabilidades nacionais, respectivamente sobre a faixa de fronteira e sobre as águas jurisdicionais brasileiras, e que não podem ter o exercício de suas atribuições constitucionais e legais condicionadas unicamente a pareceres exarados no âmbito de um Ministério ou de conselhos de gestão ou de convenções internacionais quaisquer que sejam.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pois não.
Queria registrar a presença dos Senadores João Capiberibe, Omar Aziz, Ivo Cassol, Paulo Rocha e Eduardo Amorim.
Passo a palavra ao Sr. Rafael de Sá Marques, representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Bom dia.
Gostaria de agradecer, em nome do Ministro Armando Monteiro, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o convite desta Comissão para que nós possamos detalhar um pouco mais e falar da importância desse PL.
Queria agradecer também a disponibilidade de todos os presentes e agradecer aos Senadores e cumprimentar os colegas da mesa.
Vou tentar ser um pouco mais breve tendo em vista os que me antecederam e, especialmente, o Secretário Francisco Gaetani, que está representando a Ministra Izabella, que fez um detalhamento bem abrangente da legislação nova. Vou me ater a alguns pontos que acho mais importantes, especialmente do ponto de vista dos setores produtivos.
Nós temos uma legislação, a MP 2.186 de 2001, que, entre outras coisas, trava o desenvolvimento tecnológico brasileiro no que se refere à pesquisa sobre biodiversidade, trava o desenvolvimento econômico de setores produtivos importantes da indústria nacional, do setor produtivo relacionado à agricultura. Inclusive, se a gente puder considerar também um outro setor produtivo muito importante, relacionado às comunidades tradicionais, também são setores produtivos.
Hoje, vou dar um dado que muita gente acha... Quando a gente fala que a legislação é ruim, é péssima, que todo mundo fala mal dela, basta ver que existe até uma expressão - se os senhores não conhecem - entre as empresas que fazem P&D, especialmente as empresas que usam o patrimônio genético no Brasil e que tentam respeitar a legislação, em cujos centros de P&D há uma expressão que é "Cegen free". Ou seja, esse que é o produto bom, porque não dá dor de cabeça, não tem burocracia, não passa por uma série de processos que tem inseguranças jurídicas. Então, essa é uma MP, uma legislação muito ruim.
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Temos um número importante para dar, para não ficar somente na avaliação de impressões. Em 15 anos da legislação, tivemos 110 contratos. Significa que 110 contratos de repartição de benefícios em 15 anos foram feitos, um com comunidade indígena. Então, essa MP existente hoje, além de prejudicar a academia e a indústria, também prejudica as comunidades tradicionais e os povos indígenas.
Em um país que tem, talvez, a sexta economia do mundo, uma economia diversificada, um país que tem uma academia que é a 13ª em publicações científicas no mundo, que tem um potencial de conhecimento científico, que tem instituições respeitadas no mundo inteiro; um país que tem uma grande biodiversidade a ser explorada; um país que tem conhecimentos tradicionais riquíssimos, a gente falar de 110 contratos de repartição de benefício é um desperdício, é quase um insulto ao nosso povo, à nossa população e à capacidade, que se poderia ter em termos de geração de renda, de empregos, de desenvolvimento econômico, de tudo isso.
As soluções que tentamos trazer, que o governo tentou construir nesse PL, o Chico Gaetani detalhou um pouco. Eu queria reforçar algumas delas, alguns princípios que nos nortearam nesse debate, que é complexo. A legislação, apesar de ter alguns princípios de fácil compreensão, como os que vou mencionar agora, desce a níveis de detalhes que, às vezes, dificultam o entendimento de como essas coisas vão se materializar. Agora, é preciso entender também que não vamos resolver tudo em legislação. Existe um grande número de previsões de regulamentação nesse processo. A nossa ideia é que, a partir da aprovação desse PL e a solução desse problema histórico que temos, possamos montar de uma maneira mais estruturada as consultas públicas que nos darão condição de aprimorar o marco legal no que se refere aos decretos, para efetivar a legislação.
O MDIC sempre se norteou, dentro desse processo negociador, nos últimos dois anos que vimos tentando reencaminhar essa discussão - é um debate antigo; há outras pessoas participando dessa tentativa de aprimoramento da legislação há mais de dez anos - pela desburocratização, porque hoje é, realmente, para quem conhece o processo, inequívoca a dificuldade gerada pela burocratização desse processo.
Vou dar um exemplo simples. Um pesquisador, às vezes um mestrando, para fazer sua pesquisa, que não está, a princípio, gerando valor econômico, mas aumentando o conhecimento que a sociedade brasileira tem sobre seu próprio patrimônio, está sujeito a ter que aguardar, hoje, uma autorização de outro órgão que é o Cegen. Ele não pode simplesmente dar início à pesquisa. E se ele não tiver conhecimento da legislação e der início, está sujeito a multa.
Então, hoje, nós temos pesquisadores, ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia) ligados a universidades ou a empresas públicas como a Embrapa; temos centros de P&D de empresas que estão sendo multados, muitas vezes, simplesmente porque estão pesquisando, querendo aumentar o nosso conhecimento sobre o nosso patrimônio.
Desburocratização é um ponto importante.
Agilidade nos processos. Mudar o conceito da legislação atual que a MP tem, que é uma legislação de controle, que surgiu muito a partir de casos de biopirataria, no início dos anos 2000, e que acabou nos privando do desenvolvimento tecnológico em cima dessa biodiversidade, para uma legislação de incentivo ao uso. Nós queremos que os nossos pesquisadores pesquisem isso. Eles são bons, produtivos, mas não podem pesquisar isso! Então, mudar o foco da legislação do controle para o incentivo ao uso, com responsabilidade, com rastreabilidade, com os mecanismos de que o Estado precisa para fazer cumprir a lei, para fiscalizar os usuários.
Segurança jurídica é outro ponto muito importante. A legislação, apesar de ter um foco muito grande em controle, tem vários pontos que geram insegurança jurídica. Então, esse PL visa a resolver isso também. E é a busca por uma regra de transição, de regularização que permita que todos esses atores que hoje são repelidos da construção de uma economia baseada em patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, busquem se integrar, busquem participar, desenvolver essa economia.
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Nós temos plena convicção de que o Brasil tem um grande potencial para desenvolver uma economia forte, baseada em patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, mas, para isso, é preciso respeitar os direitos de todos os atores envolvidos. E eu acho que um dos principais problemas que nós temos hoje para alcançar o consenso é que todos os atores envolvidos ou aqueles que podem estar tomando conhecimento mais cedo ou mais tarde desse processo, cada um tem um projeto de lei ideal na sua cabeça. Mas o processo democrático é justamente esse exercício de encontrar o mínimo múltiplo comum.
A nossa experiência mostra a dificuldade que nós tivemos, nas várias oitivas que o Ministério do Desenvolvimento fez, para conversar com os diversos setores produtivos relacionados, o quanto foi difícil para esses setores, para as próprias empresas entre si, encontrarem o entendimento. E depois, quando a gente agregou também ao debate tanto as indústrias relacionadas à área de cosméticos, higiene pessoal, limpeza, fármacos com o setor do agronegócio, quando esses dois se sentaram juntos para participar - e isso foi uma coisa que ajudou o governo a chegar a obter, digamos assim, uma apreensão da realidade e dos posicionamentos desse setor produtivo, quando eles se organizaram para se manifestar e apresentaram ao Governo também suas preocupações -, a informação que nós temos é de que eles tiveram muita dificuldade em encontrar o consenso entre eles, o que dirá depois, quando o governo tiver, e teve, de fazer o exercício de contemplar também os interesses de todos os demais atores! E, aí, digamos, não é o foco da atuação do MDIC, mas a gente sabe que foi feito um trabalho muito grande, muito forte, um esforço muito grande para garantir também que as comunidades tradicionais, os povos indígenas e a academia se sentissem contemplados pelo PL.
Se um dos atores não se sentir contemplado, a coisa não funciona. Se as comunidades tradicionais e os povos indígenas, que detêm o conhecimento tradicional, não se sentirem seguros por uma legislação que trate do tema, eles não terão incentivo para compartilhar esse conhecimento com as empresas ou com a academia.
Então, para concluir, o apelo que nós do Ministério do Desenvolvimento estamos fazendo ao Senado Federal, neste momento, é que, em vez de ficarmos, talvez, digamos, tentando construir o PL ideal, nós entendamos a urgência da solução desse problema - e por isso ele veio em urgência constitucional.
Isso não quer dizer que a gente não possa continuar o debate de uma forma mais detalhada e descer na discussão disso, mas, principalmente por essa dificuldade do consenso e uma falsa polarização que acabou sendo construída, eu acho, criou-se uma ideia, que na nossa opinião é falsa, de que há uma polarização entre usuários e provedores. Isso não é verdade! A academia e as empresas não são opositores, não estão num lado polarizado em relação aos provedores de conhecimento tradicional - muito pelo contrário!
Todos nós só temos a ganhar com uma legislação mais moderna e que supere essa dificuldade que fez com que nós, em 15 anos, viéssemos a ter apenas 110 contratos; que nós possamos ter muito mais contratos! E só com a geração de desenvolvimento tecnológico e de novos produtos nós vamos ter a repartição do benefício.
O incrível é que, na legislação atual, a gente tenha previsão, inclusive, de repartição de benefício antes até de a gente saber se aquela pesquisa que um pesquisador está desenvolvendo vai gerar um produto ou não. Uma empresa, quando começa um processo de P&D, desenvolve dezenas de pesquisas que podem ou não gerar, às vezes, um produto. Se esse produto acontecer, sim, haverá repartição de benefício.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Passo a palavra agora ao Dr. Marco Aurélio Pavarino, assessor do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
O SR. MARCO AURÉLIO PAVARINO - Bom dia a todos e todas.
Inicialmente eu trago o agradecimento do Ministério Patrus Ananias, que infelizmente não pôde estar presente por um compromisso já agendado na cidade do Rio de Janeiro.
Queria dar um bom dia a todos os ilustres Senadores e Senadoras, em especial ao Senador Otto Alencar, e agradecer, em nome do Ministro Patrus, o convite para esta audiência pública, de fundamental, extrema importância, ao nosso ver, tendo em vista a exiguidade do prazo que os Senadores e as Senadoras terão para analisar toda essa proposta e, também, para votar, ao que parece, daqui a uns 20 dias ou algo em torno disso.
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Queria cumprimentar a Ministra Nilma e, em seu nome, cumprimentar todos os demais colegas de governo.
Eu queria, aproveitando que os colegas que me antecederam já deram um histórico e um panorama mais abrangente, trazer aos Senadores e às Senadoras alguns subsídios em relação a alguns pontos específicos de preocupação do Ministério do Desenvolvimento Agrário em relação à proposta que está sendo analisada por este Congresso. Acho que é um espaço importante e é importante que os Senadores e as Senadoras tenham também esse subsídio, pelo menos, da parte que concerne ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Lembro que estes pontos que irei abordar já foram objetos de algumas emendas que, inclusive, foram apresentadas na Câmara dos Deputados, emendas essas consensuadas, a maioria, pelo governo.
O primeiro ponto.. Eu acho que o Congresso Nacional materializa conquistas do povo brasileiro. As leis que são estabelecidas são conquistas do povo brasileiro de vários setores. Uma das conquistas que a gente pode apontar, que foi materializada por esta Casa e pela Câmara dos Deputados também, foi a Lei nº 11.326/2006, que trata da política da agricultura familiar e define o conceito de agricultura familiar. Essa legislação traz uma série de conceitos que definem que o agricultor familiar, segundo algumas regras, se estabelece no atendimento dessas regras.
Essa nova proposição, trazida no âmbito desse projeto de lei, traz um conceito diferente desse; traz o conceito de agricultor tradicional. No conceito de agricultor tradicional está, claro, embutido o conceito de agricultor familiar, mas é um ponto que nós entendemos que deve ser visto com bastante detalhamento pelos Senadores e pelas Senadoras no momento em que a gente tem uma lei que consegue abarcar toda a política nacional da agricultura familiar já estabelecida em uma legislação e que poderia, sim, ser um conceito trazido na legislação, diferentemente do que a gente tem hoje estabelecido nessa proposta.
Outro ponto diz respeito ao conceito do que vem a ser uma variedade crioula, uma variedade tradicional local. Em palavras mais simples: uma semente crioula. Nós temos hoje... E é disso que trata essa lei. Lá no art. 10, inciso V (para que os senhores acompanhem), há lá uma definição de que a variedade crioula ou a semente crioula será aquela que observar aqueles dispositivos de uma lei já existente, a Lei nº 10.711. Para ser bastante sintético, nós já temos uma possibilidade de, cientificamente, sermos mais precisos para definir o que é uma variedade crioula ou não. Geneticamente isso já é possível. E é disso que trata essa lei: de conceitos de patrimônio genético.
Portanto, a proposta, apresentada anteriormente para a Câmara, traz esse conceito. O que nós entendemos é que uma lei, atualmente existente e que trate disso, conflitaria juridicamente com aquilo que está sendo proposto nesse PL.
O art. 17, no seu §9º, trata da lógica da lista de produtos que deverá ter a repartição de benefícios. A própria Ministra Nilma traz, como proposta, a inclusão da Seppir no conjunto de órgãos do governo que definirão essas listas. Nosso entendimento é de que essa lista, no momento em que traz quais os produtos cujos benefícios deverão ser repartidos, enquanto ela não tiver sido editada, enquanto ela não tiver sido definida, não haverá repartição de benefícios no que não está na lista. Portanto, é uma mudança simples na lógica de que seja uma lista que diga quais os produtos cujos benefícios não devem ser repartidos. Portanto, aqueles outros que não estiverem na lista deverão sim ser repartidos os benefícios.
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Existe um tema bastante polêmico, que afeta diretamente povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, ou seja, como será dado o tratamento de quem teve acesso aos recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais antes de 2000. E por que o ano 2000? Porque é o ano da medida provisória que estabeleceu essa legislação que o colega Rafael trouxe. Temos total consenso de que a legislação que está aí é muito melhor, a proposta de legislação é muito melhor do que a atualmente vigente, que é, praticamente, inaplicável. Mas, ainda assim, a proposta que está sendo apresentada diz que os acessos realizados, a exploração econômica realizada antes do ano de 2000 está isenta de repartição de benefícios. Temos que olhar com bastante cuidado, porque a isenção antes do ano 2000 pode, sim, representar alguns pontos em que haja a não repartição de benefícios efetivamente.
Por fim, o País é signatário de vários acordos internacionais. E, se o País é signatário, deve respeitá-los; em especial o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação (TIRFAA), e ainda a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Então, respeitar esses tratados internacionais é de fundamental importância para garantir a credibilidade que o Brasil tem conseguido assegurar em âmbito internacional.
Portanto, no art. 47, entendemos que é necessário mudança em relação ao que está estabelecido, sob o risco de desconsiderarmos alguns tratados internacionais de que o País é signatário.
Na essência, entendemos que a legislação posta, a nova proposta, é uma proposta que, sim, vem aperfeiçoar e melhorar, e muito, aquilo que é hoje aplicado no País, com alguns cuidados.
Permita-me, Senador Otto, fazer uma leitura bastante rápida e simples nestes dois minutos que me restam. Trata-se de uma relato de uma agricultura familiar - isso está no site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome -, e é disso que estamos tratando também nessa lei, pois há toda a parte de aplicação de tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e comercialização, que é fundamental para o País, mas nós estamos tratando para além disso.
Diz o relato:
Depois de aprender na infância a importância de multiplicar as sementes crioulas, livres de modificação genética, Elisângela Ribeiro de Aquino, 43 anos, se considera uma guardiã da biodiversidade típica do Semiárido. Ela organizou, junto com 20 famílias, um banco comunitário de sementes na zona rural de Riacho dos Machados, norte do estado de Minas Gerais. “O banco de sementes é um resgate da nossa história e, ao mesmo tempo, dá autonomia para o agricultor. Hoje sou guardiã de sementes crioulas e da biodiversidade”.
Segundo Elisângela, o banco comunitário - com 11 tipos de sementes - tem garantido a produção nos últimos anos. “Hoje produzimos para nossa subsistência e para manter o banco de sementes”, afirma ela, que já comercializou o excedente de sementes com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
A ex-beneficiária do Bolsa Família ressalta que, além da autonomia, as unidades de estoque das sementes crioulas contribuem para a segurança alimentar. “Estamos multiplicando a vida, uma vida com mais qualidade”.
Para finalizar, a mensagem que deixarmos, Senador, é que não existiria nenhuma agricultura hoje, como conhecemos, caso a biodiversidade não tivesse sido mantida pelos agricultores tradicionais, povos e comunidades tradicionais desde o seu início.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Obrigado.
Passo a palavra ao Sr. Paulo Sérgio Lacerda Beirão, representante do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação.
V. Sª tem a palavra por dez minutos.
O SR. PAULO SÉRGIO LACERDA BEIRÃO - Muito obrigado, Exmº Sr. Senador Otto Alencar, em nome de quem eu cumprimento os demais Senadores aqui presentes.
Eu gostaria de cumprimentar a Ministra Nilma Gomes, na pessoa de quem também cumprimento as demais autoridades aqui presentes.
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É uma satisfação muito grande - e agradeço muito em nome do Ministro Aldo Rebelo - o convite para esta reunião tão importante. Eu diria que estamos vivendo até, do ponto de vista da pesquisa científica no País, um momento histórico porque temos oportunidade de remover um entrave muito importante que existe hoje para a pesquisa científica no País. Esse entrave fica claro quando comparamos alguns números.
O Brasil é detentor de cerca de 20% da biodiversidade do mundo, e parte dessa biodiversidade é compartilhada por outros países, Vou voltar a esse ponto mais tarde. A produção científica de conhecimento, e o reconhecimento dessa biodiversidade, não chega a 5% do conhecimento que é produzido no mundo. Por que existe isso? Será que a pesquisa brasileira está em decadência? Muito pelo contrário! Todos os indicadores mostram que a pesquisa brasileira tem crescido significativamente, mas nesta área tem decrescido. O que tem acontecido é que pesquisadores que têm uma excelente formação para o reconhecimento desta biodiversidade estão fugindo desse assunto, trabalhando, inclusive, com a biodiversidade de outros países, porque não conseguem lidar com a legislação vigente. Então, essa é uma situação muito grave. É um alento para o pesquisador saber que existe essa iniciativa em debate agora no Senado. É claro, como já foi dito, que é uma proposta que pode ser aprimorada. Não é perfeita. Há pontos que podem ser aprimorados, mas representa um avanço enorme do ponto de vista da pesquisa no País.
Quero chamar a atenção para o fato de que, como parte dessa biodiversidade, especialmente a biodiversidade da Amazônia, não é exclusiva do Brasil, mas compartilhada também por outros países, como Peru, Guianas, Colômbia, Venezuela, ela tem sido apropriada por esses países sem a nossa participação. Já vemos alguns produtos... Inclusive ouvi dizer que tem açaí, vários produtos derivados do açaí, na Califórnia. E nós aqui? Isso demonstra claramente que essa legislação é inadequada, absolutamente inadequada. Ela surgiu de um ambiente até de escândalo e, por isso, foi muito superprotetora, tão protetora que nos protege de nós mesmos, que impede o pesquisador brasileiro de reconhecer essa biodiversidade, e esse reconhecimento tem impacto na possibilidade de gerar novos produtos. Quantos produtos hoje existem derivados da nossa biodiversidade? É muito aquém do potencial oferecido por ela.
Além disso, outro aspecto para o qual eu gostaria de chamar a atenção é que conhecer o valor dessa biodiversidade vai ajudar inclusive a preservá-la: preservar as nossas matas, o nosso meio ambiente, porque, como já se diz, a mata em pé tem mais valor do que a mata derrubada. Agora, precisamos saber desse valor, precisamos ter esse conhecimento, e isso é que está sendo impedido ao pesquisador brasileiro.
Como falei e reitero aqui, hoje há até fuga de muitos pesquisadores em função de eventos, de multas que têm sido impostas a eles porque, inadvertidamente, não tiveram ou não conseguiram passar por todos os obstáculos gerados pela legislação para ter tudo funcionando de acordo com a lei.
Nesse ponto, chamo a atenção para o fato de que essa legislação traz um aspecto muito importante no final, que é exatamente a possibilidade de reconhecer que esses pesquisadores que trabalharam honestamente não tiveram nenhum benefício pessoal. Formaram pessoal qualificado, eles produziram conhecimento, ajudaram o País a conhecer a biodiversidade e hoje estão criminalizados.
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A legislação proposta permite dar a eles a chance de regularizar toda pesquisa que foi realizada. Isso não é uma coisa trivial. Isso vai tirar um fardo enorme da pesquisa brasileira.
Eu gostaria também de dizer que o CNPq se oferece como um órgão capaz de realizar o cadastro mencionado nesse art. 12. Por que estamos dizendo isso? Hoje o CNPq tem o cadastro de todos os pesquisadores em atividade no Brasil através de uma plataforma que é reconhecida internacionalmente, a chamada plataforma Lattes, e temos também o reconhecimento de quase toda pesquisa que é feita em todos os setores do conhecimento no País. Então, estamos perfeitamente capacitados a realizar esse cadastro e nos oferecemos - estou com autorização do Presidente do CNPq e do Ministro Aldo Rebelo - para dar esse suporte, que é tão importante para um aspecto que foi mencionado principalmente pelo Chico Gaetani, da rastreabilidade do que é feito no País.
Portanto, isso que está sendo proposto, ou seja, esse cadastro, não é uma coisa impossível de ser feito, nem mesmo difícil de ser feito. E nós até nos oferecemos a fazê-lo. Não sei se seria oportuno mencionar isso na lei ou não. Não sou legislador e não sei o que seria melhor, mas fica aqui o depoimento da nossa oferta para contribuir para isso.
Eu gostaria também de mencionar que achamos importante que as atividades envolvendo pesquisadores estrangeiros tenham também uma participação de pesquisadores ou entidades reconhecidas nacionalmente, entidades de pesquisas nacionais, como já foi mencionado pelo representante do Ministério da Defesa. Esse é um ponto que seria importante para a pesquisa, esse não será um entrave para a pesquisa do País. Temos competência já hoje estabelecida ao longo desses anos, nesse esforço que o País tem feito para desenvolver sua ciência e tecnologia. Temos competência em todas as áreas do conhecimento, inclusive competência de absorver os conhecimentos que serão trazidos pelos pesquisadores estrangeiros que eventualmente venham a trabalhar no Brasil.
Eu gostaria, então, de exortar a importância de que esse PL seja apreciado com todo o carinho que o Senado já está demonstrando no sentido de aperfeiçoar aqueles pontos que são necessários, mas fundamentalmente para que possamos dar esse passo, esse avanço importante para o desentrave da pesquisa do Pais na área da biodiversidade.
Vou concluir e agradecer muito por essa iniciativa. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Passo a palavra agora ao Dr. Hélcio Botelho, representante do Ministério da Agricultura, e, em seguida à Senadora Ana Amélia, Presidente da Comissão de Agricultura. Pela ordem de inscrição, depois o Senador Omar Aziz, o Senador Telmário Mota e à Senadora Vanessa.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pela ordem, Senador.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Sr. Presidente, requeiro a minha inscrição.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - V. Exª está inscrito logo a seguir. Depois da Senadora Vanessa, que está aqui inscrita, V. Exª.
O SR. HÉLCIO BOTELHO - Bom dia a todos. Eu gostaria, inicialmente, de agradecer em nome da Ministra Kátia Abreu, a oportunidade que o Ministério da Agricultura tem de defender a importância desse PL que está sendo discutido dentro do Senado Federal.
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Fazendo um pequeno resgate histórico, esse assunto vem sendo debatido dentro do Ministério da Agricultura desde o ano de 2008, porque nós entendíamos, já naquela época, que essa medida provisória, que ora regulamenta a pesquisa no País, não tem a musculatura necessária ou, pelo menos, a de que precisamos para o desenvolvimento da pesquisa agrícola da forma como ela se encontra hoje.
Então, para ser bem breve. reafirmo que é muito importante que os Srs Senadores deem bastante carinho, como já estão dando, ao tema, porque, no entendimento do Ministério da Agricultura, ele não só resolve os problemas da pesquisa agrícola no País, como dá a musculatura necessária para o seu desenvolvimento.
Nós, já naquela época - e me refiro ao ano de 2008 -, fazíamos um debate interna corporis, então a pedido da Casa Civil, para que pudéssemos desenvolver uma legislação, um marco regulatório para o acesso ao patrimônio genético. Importante se faz, pois, dizer que o documento, que ora tramita nesta Casa, tem o consenso e a aprovação da Casa Civil da Presidência da República, após inúmeros debates. Existe o consenso basicamente em cima dos alicerces em que os pontos estão pautados. E, portanto, uma ou outra alteração ocorridas pelo caminho estão dentro das normas e da função das Casas que compõem o Congresso Nacional.
Neste contesto, é importante frisar ainda que, ontem, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético emitiu um relatório de atividades onde diz, textualmente, que o prazo médio de autorizações no Cegen - e isso já foi citado por outros palestrantes aqui - é, na média, de 550 dias. A pesquisa agrícola brasileira não pode conviver com esse entrave, com essa burocracia. Nós temos de buscar mais celeridade quando se trata de pesquisa para alimentação e agricultura.
Dessa forma, quero registrar aqui o apoio do Ministério da Agricultura, consignado por outros Ministérios e amparado pela Casa Civil, após as inúmeras discussões que estabeleceram os alicerces dessa lei.
Estamos, desde já, à disposição dos senhores para discutir, da forma mais rápida e didática possível, e elucidar as dúvidas que, porventura, possam existir no âmbito desta nova legislação sobre o acesso ao patrimônio genético.
Reforço, ainda, que é muito importante que tenhamos um novo marco legal para a pesquisa no País. É muito importante que a pesquisa agrícola brasileira seja norteada por uma nova legislação que dê celeridade a esses processos frente às necessidades que a pesquisa agrícola tem para o desenvolvimento de novas tecnologias voltadas para a alimentação e a agricultura.
Muito obrigado.
É este o meu posicionamento, o posicionamento do Ministério da Agricultura.
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O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço ao Dr. Hélcio e passo a palavra à Senadora Ana Amélia.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - Caro Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Senador Otto Alencar, caros colegas Senadores e Senadoras, representação do Ministério da Ciência e Tecnologia, quero cumprimentar todos os convidados que compõem a Mesa pela exposição e dizer que esse tema realmente é complexo, que é um tema em que há muita divergência, como lembrou o Dr. Rafael, do MDIC. Mesmo dentro do próprio setor produtivo não existe consenso. E isso é natural. Isso aconteceu também quando discutimos aqui intensamente, há muito mais tempo, a Lei da Biossegurança. Então, quando entramos em aspectos que têm esse grau de relevância, é natural, e o melhor caminho é o diálogo, e por isso estamos aqui.
Eu tenho a honra de presidir a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, que, em sua primeira audiência, que seria esta, não estava incluída a nossa Comissão, e é relevante que esteja presente. Havia sido convocada uma reunião conjunta entre a CMA e a de Ciência e Tecnologia, tudo pertinente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Eu pediria silêncio ao Plenário, por favor. Há uma oradora falando.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Apoio Governo/PP - RS) - É complicado.
Agradeço, Presidente, pela gentileza.
Na primeira reunião da nossa Comissão, designei o Senador Acir Gurgacz, nosso Vice-Presidente, para ser o Relator, na CRA, desse projeto, que é de iniciativa do Poder Executivo, que já foi submetido à Câmara e está em regime de urgência constitucional aqui, no Senado.
Fizemos a nossa parte, e estou muito animada com o grau e a qualidade desta audiência pública, pela riqueza dos argumentos trazidos por cada um dos setores. São várias facetas do mesmo tema, não é, Senadora Vanessa Grazziotin?
A Senadora também teve participação, com requerimentos, com emendas ao projeto, já encaminhadas.
Então, da mesma forma nós, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, queremos participar. Eu só quero pedir desculpas, Presidente e demais presentes, porque eu tinha uma série de perguntas a fazer, mas os temas regionais também são relevantes para uma Senadora do Rio Grande do Sul. Então, neste momento, ou daqui a dez minutos, o Ministro dos Transportes, nosso colega Antônio Carlos Rodrigues, estará federalizando uma das mais importantes rodovias para o nosso Estado, a BR-470. Ela tem um significado histórico, pois essa é uma demanda que já tem muito tempo. Essa cerimônia me obriga a ir, junto com toda a representação do meu Estado, ao Ministério dos Transportes. Só por isso eu não estou aqui levantando os questionamentos, mas o farei oportunamente, quando da tramitação da matéria nas respectivas comissões. Penso que esta audiência pública não se esgota hoje, pela relevância do tema.
Então, agradeço, mais uma vez, a V. Exª, Senador Otto Alencar, e o cumprimento, assim como cumprimento novamente e agradeço a presença de todos os Ministérios convidados e digo que foi muito enriquecedor este debate.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Lembro que amanhã teremos duas audiências públicas. Uma começará às 8h e a outra começará às 10h e durará enquanto houver oradores e pessoas querendo debater.
Passo a palavra ao Senador Omar Aziz, pelo tempo de 10 minutos.
O SR. OMAR AZIZ (Bloco Maioria/PSD - AM) - Bom dia, Presidente Otto Alencar.
Quero cumprimentar os representantes do Governo Federal, as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores e dizer que é um tema muito peculiar à minha região, o Amazonas, principalmente. Acho que o grande pecado do Executivo é não dar transversalidade nas discussões. Talvez seja a primeira vez que a gente consegue reunir tantas pessoas interessadas no mesmo assunto que nunca fizeram isto antes no Governo Federal. Dificilmente vão se sentar o MDA, o Ministério de Ciência e Tecnologia, o Ministério, todos para a mesma discussão, e é importante que isto seja feito dentro do Governo Federal, que alguém comande esse processo. Infelizmente, muitas vezes, não querer fazer uma ligação para o Ministro ou para um colega de trabalho parece ser um negócio que vai tirar sua autoridade e vai tirar sua autonomia. Não é bem assim.
Deixe-me colocar uma coisa. Há mais de 12 anos, o Centro de Biotecnologia da Amazônia está parado.
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E, com o esforço do Governo do Estado, principalmente nos últimos quatro anos, coloquei recursos lá, porque nem entidade jurídica aquele CBA tem.
Estamos discutindo aqui o marco regulador, e temos um CBA, que já poderia estar fazendo pesquisas na nossa biodiversidade há muito tempo, mas não o faz hoje, porque o Governo Federal não tomou providência. Não foi falta de conversar com o Governo Federal, por parte do Estado do Amazonas. Os Governadores que me antecederam já tinham discutido isso com o Governo Federal; eu discuti isso com o Governo Federal; e o atual Governador está discutindo isso com o Governo Federal.
É preciso que haja uma reunião entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Indústria e Comércio e o Ministério do Meio Ambiente. Não consigo fazer uma reunião entre os três Ministros com o objetivo de que definam juridicamente o CBA da nossa Região, para que possamos ter conhecimento dela. Pior ainda: o Brasil e o mundo cobram um desenvolvimento sustentável sem conhecimento da Amazônia.
Falar em desenvolvimento sustentável, escrevendo no papel, é uma beleza. Vai lá para dentro para ver se se faz esse desenvolvimento sustentável sem conhecimento. Quem conhece são as gerações anteriores. Hoje, você chega a um mercadão, lá em Manaus, ou a um mercadão no Pará, no Amapá, ou em Roraima, em Rondônia, vamos ver ali plantas cicatrizantes, plantas medicinais que são utilizadas há séculos.
Até hoje, o Brasil não consegue fazer o dever de casa. É isto que peço aos senhores: que possamos fazer o nosso dever de casa. Hoje, poderíamos estar produzindo medicamentos. Há uma indústria que cresce assustadoramente, que não entra em recessão, que são os produtos para as mulheres e para os homens também, coisa que não fazemos. É um negócio simples.
Então, é muito importante a discussão hoje. Espero contribuir com essa discussão, pelo conhecimento, pela experiência de ter vivenciado o dia a dia, de saber que hoje é muito difícil, sem a mecanização - e aí falo ao Ministério da Agricultura - arar dois ou três hectares, arar o solo na mão, um caboclo daquele plantar dois ou três hectares de mandioca, a fim de produzir uma farinha pra comer.
A burocracia no Governo é muito grande, mas o Brasil não tem autonomia. Quem rege este País não é o próprio Brasil. A nossa autonomia na área ambiental é praticamente zero. Somos regidos pela comunidade internacional, que não permite que o Amazonas possa sair na BR-319. Isso é um absurdo, já que sabemos muito bem que, hoje, temos tecnologia, conhecimento e temos forma para guardar aquelas estradas e a nossa biodiversidade.
Por isso, peço aos senhores. Levar ou discutir esse assunto é muito importante para todos nós, Senadores, e principalmente para os caboclos que moram na nossa região e precisam da ajuda dos senhores. Temos uma economia, na capital de Manaus, que é o polo industrial, mas temos uma economia que precisa ser explorada com conhecimento, nas nossas regiões do interior do Amazonas, tanto na área de pesca, tanto na área das nossas florestas, tanto na área de tudo aquilo que é possível ter.
Fazer o discurso de que uma árvore é muito mais valorosa em pé não se aplica a um caboclo que está passando fome ou algum tipo de necessidade. Diz isso a ele? Diga a ele: "Olha, você tem de deixar esta árvore aqui em pé, mas o seu filho vai morrer de fome." Não é assim! Temos de fazer o nosso dever. Temos de compactuar e pensar da mesma forma.
É preciso que o Governo Federal saia do discurso e dê transversalidade. O Ministro do Meio Ambiente tem que se reunir com o Ministro da Ciência e Tecnologia; tem que se reunir com a Ministra de Agricultura; tem que se reunir com as Pastas afins. Eles têm de decidir, discutir uma proposta nessa área e trazê-la para esta Casa, para que possamos aprová-la. Não tenha dúvida disso.
Outra questão, Senador Otto Alencar, é o fato de que não podemos mais parar a discussão da exploração mineral das nossas regiões. Hoje, sustentavelmente, é possível explorar minérios. Isso é possível, sim! Isso está parado há anos na Câmara, porque internacionalmente ninguém quer que possamos explorar minérios - pelo contrário! - nas nossas fronteiras.
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O Brasil é um País que não produz droga; o Brasil não produz arma. Entra pelo narcotráfico da Colômbia; entra pelo narcotráfico do Peru, entra pela Venezuela. Essas drogas produzidas nesses países abastecem o Brasil todo, e todo mundo está fazendo de conta que está tudo bem. Temos que discutir. Eu espero que possamos dar oportunidade àquelas pessoas que vivem na nossa região. Através de quê? Do conhecimento. Não há desenvolvimento na Amazônia se não houver conhecimento da nossa Amazônia. Não há outra forma. A política da Presidenta Dilma em mandar cem mil jovens para estudar talvez seja, entre as políticas do Brasil, a mais importante da história. Trata-se de levar pessoas para adquirir conhecimento e trazer esse conhecimento para que possamos desenvolver nossas regiões.
Eu espero, Senador Otto, e o senhor, como Presidente desta Comissão, Senador Cristovam, e demais Comissões que estão dentro desse processo, e peço, sim, peço em nome do meu Estado, o Estado do Amazonas, que eu represento aqui com muito orgulho, que vocês possam nos dar a oportunidade de conhecer a nossa região com tecnologias novas através daqueles instrumentos que já temos lá. Um deles é o Centro de Biotecnologia da Amazônia, que não está funcionando por falta de vontade política do Governo Federal em colocar aquilo para funcionar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço, concordo e parabenizo V. Exª.
Eu queria passar a palavra ao Relator da CCT, nobre Senador Telmário Mota.
O SR. TELMÁRIO MOTA (Bloco Apoio Governo/PDT - RR) - Senador Otto, que preside esta Comissão, também Presidente da CMA, todos os representantes dos Ministérios aqui presente, a Ministra, a quem saúdo, Srs. Senadores, público presente, assessores, entidades, na verdade, o que ouvimos do Senador Omar foi um desabafo legal, desabafo de quem sofre na pele injustiça e discriminação. Poderia estar, ali em Manaus, no Amazonas, o instituto preparado e capacitado, com avançado desenvolvimento.
Sem nenhuma dúvida, Sr. Presidente, o que eu percebi aqui é que há uma unidade em todos os Ministérios no sentido de que essa nova regulamentação vem atender a uma grande demanda do Brasil, da comunidade científica e principalmente dessa regulamentação, que será esse marco. Eu também entendo que as nossas leis estão, sem nenhuma dúvida, muito rigorosas, porque, como bem foi colocado aqui por um dos palestrantes, ela foi concebida no momento de dor do Brasil, de uma crise. Ela veio com o rigor do clamor da população naquele momento.
É necessário, sim, abrirmos, explorarmos... Eu quero só descordar do Omar, porque eu acho que se pode desenvolver sustentavelmente, sim, com tecnologia ajustada à realidade, mas naturalmente não tirando daqueles que vivem, que moram lá e que têm a dor da necessidade, Senador Capiberibe, de explorar a sua terra, a sua área e a sua localidade.
Mas eu estava observando, Sr. Presidente, que esse projeto me parece ser muito bom, mas ele tem cometido algumas injustiças na caminhada. Há aqui uma reclamação das entidades ambientalistas, que consideram insuficiente os mecanismos de controle e fiscalização do acesso da biodiversidade. Criticam, por exemplo, a possibilidade de acesso ao patrimônio genético de empresas estrangeiras sem vinculação com instituições nacionais. Aí, Paulo, cai no que você colocou. Cai no que você colocou. Quer dizer, as empresas internacionais iriam ter acesso a essa biodiversidade, a essa exploração sem um companheirismo das empresas brasileiras, sem um acompanhamento. Então, calha no que você colocou.
Os povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultura familiar se dizem excluídos do processo da elaboração da nova lei. Afirmam que o projeto é voltado aos interesses de setores farmacêuticos, de cosméticos e agronegócio. Olha, se olharmos a redação e o grito de dor da Ministra Nilma, parece que é verdade.
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Não só porque deixaram, Ministra, de fora - veja você - um povo interessante da nossa formação brasileira, inclusive digno de ter um ministério, que são as comunidades quilombolas e os povos tradicionais da matriz africana. Esqueceram de consultar, e a prova concreta de que essa consulta não houve é que nem os colocaram no projeto.
E os povos indígenas foram trocados de "povos" para "população". População é um aglomerado que não tem... Não botaram "comunidade"; botaram "população" no projeto. No projeto, está "população". Não botaram nem "comunidades". Um povo tem a língua, tem a terra, tem a cultura e uma série de coisas.
Então, é preciso fazer esses pequenos reparos, e é preciso ouvir diretamente aquelas pessoas que estão envolvidas nesse processo. Com relação às sementes crioulas, alguém falou aqui que o texto dispensa de consentimento prévio e pesquisas agrícolas que envolvam acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional, isentando ainda a repartição de benefícios sobre o seu produto final. Esse é o caso das sementes crioulas, mantidas por pequenos agricultores e comunidades tradicionais, que deixarão de receber compensação. Isso foi colocado aqui.
Então, o projeto está aqui buscando aprimoramento, e precisamos ter este sentimento e esta visão de que temos de atender a todas as comunidades envolvidas.
Há outra parte: isenções e perdões de multas. Também têm sido criticadas a dispensa de repartições de benefícios gerados pelo acesso ao patrimônio genético realizado antes de junho de 2000 - foi falado aqui -, a suspensão de sanções administrativas, a redução de até 90% das multas no uso não autorizado de patrimônio genético e conhecimento associado.
Por fim, o projeto estabelece um teto e não estabelece o piso. Quer dizer, o benefício, a repartição do conhecimento, tem teto, quando deveria ter só o piso.
Digamos que vamos encontrar na Amazônia, ou no Brasil, a solução para o câncer, para todos. Empresas vão morrer de ganhar dinheiro aí, e, lá, o índio, o da comunidade tradicional, que trouxe essa revelação, esse conhecimento, vai ficar, Capiberibe, com a migalha.
Então, precisamos ter muito zelo e cuidado, Senador Otto, de proteger, em todos os sentidos, porque pessoas vão encontrar, quase que de pronto, um conhecimento construído, e, de repente, muita gente vai se dar bem, inclusive a sociedade, a humanidade, mas o verdadeiro conhecedor acaba ficando ali jogado na sarjeta, no abandono e no desconhecimento.
Queria só fazer essa colocação.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço a V. Exª. Concordo com as colocações do Senador Telmário Mota e do Senador Omar Aziz. Não vejo outra solução para a Amazônia sem dar poder ao povo da Amazônia, sem o empoderamento das comunidades que representam bem o Amazonas.
Eu queria passar a palavra à Senadora Vanessa e, em seguida, ao Senador João Capiberibe.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Muito obrigada, Sr. Presidente. Cumprimentando V. Exª e a nossa querida Ministra Nilma, gostaria de cumprimentar todos os convidados participantes desta importante audiência.
Como a matéria tramita em regime de urgência, temos muito pouco tempo para debater. Daí por que tantos convidados. E, amanhã, como o Presidente, Senador Otto já relatou, a partir de 8h30 da manhã, estaremos aqui...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Oito horas.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Às 8h. Não é nem às 8h30, mas às 8h! Tudo bem.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Se a senhora chegar às 8h30, a senhora vai ser DH. Sabe o que é DH na obra, na empresa?
(Pausa.)
Depois da Hora.
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A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - Depois da Hora, isso é um termo baiano.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - É por que sou médico do trabalho, e dei muito DH em muitas pessoas que não iam trabalhar cedo.
A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB - AM) - (Risos.) Espero não receber nenhum DH de V. Exª aqui na Comissão, Presidente.
Gostaria de dizer que, em decorrência das atividades, temos uma atividade agora da Procuradoria da Mulher também, e não vou poder fazer o rol de questionamentos que tenho aqui para fazer, mas queria dizer que estamos dando - quando digo nós, não são apenas o Congresso brasileiro, o Poder Executivo, que foi quem demandou, quem apresentou, mas a sociedade - um grande passo na atualização da regulamentação dessa questão, que como já foi dito, não vou repetir, é primordial para o Brasil. Isso porque falar em biodiversidade, em diversidade biológica sem falar no Brasil é a mesma coisa que não falar em diversidade biológica, visto sermos nós os maiores detentores. Mas olhem o absurdo: somos o País número um em biodiversidade biológica, mas, em setembro, ou outubro, não sei exatamente, do ano passado, a Convenção da Biodiversidade foi ratificada sem que o Brasil a tivesse aprovado, e foi por conta desse vazio que temos ainda.
Então, creio que esse passo que estamos dando é importante não só para o Brasil, mas é importante para avançar na regulamentação do mundo. Um país como o nosso não assinar a Convenção da Biodiversidade é a mesma coisa de os Estados Unidos não assinarem a Convenção sobre Mudanças Climáticas, já que é o país que mais emite; e criticamos isto. Nós, do outro lado, do lado positivo, somos o País que maior diversidade tem.
Apresentei 19 emendas - não vou poder ficar aqui muito para o debate -, mas considero uma fundamental. E fiquei feliz por algumas abordagens que já ouvi, partindo do CNPq, inclusive. Existe a necessidade de termos sempre um instituto ou brasileiros vinculados em parceria com institutos estrangeiros quando desenvolverem pesquisas no Brasil.
E não há nada de xenofobia nisso - absolutamente nada! Não há desconfiança, mas isso está, inclusive, dentro da própria concepção da Lei de Acesso à Biodiversidade, cujos eixos são basicamente três: a conservação da biodiversidade, o uso sustentável e a repartição. Então, termos sempre um ente nacional envolvido com entes estrangeiros considero fundamental, e creio que devemos, Senador Otto, aqui no Senado, garantir o que não foi possível na Câmara dos Deputados, inserindo esse item na lei.
No mais, cumprimento todos e V. Exª pela condução dos trabalhos. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço à Senadora Vanessa Grazziotin.
E passo a palavra ao Senador João Capiberibe.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Sr. Presidente, Senador Otto Alencar, senhores convidados, representantes do Governo, Srª Ministra, é uma satisfação tê-la aqui, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, começo fazendo um pedido, até porque vou transmitir aqui um pedido que me foi feito.
Recebi várias organizações da sociedade civil que fizeram um cotejo do projeto em questão, que é importantíssimo para construirmos a economia da biodiversidade. Esse, para mim, é um sonho de muitas décadas, já acalentado e experimentado. E vou falar aqui de algumas experiências que desenvolvemos nessa construção da economia com sustentabilidade econômica, equidade e cuidado especial com a preservação do patrimônio ambiental. Essa é uma questão para mim muito importante, e essa lei é fundamental para o desenvolvimento desta potência que é o Brasil no campo do patrimônio ambiental e da biodiversidade.
Com base no levantamento que fizeram dos 341 dispositivos do PLC 02, que é de iniciativa do Governo, aprovado na Câmara, há, pelo menos, 300 equívocos de redação e de forma.
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E aqui deu para perceber, porque aqui estão, Sr. Presidente, representantes do mesmo Governo: do Ministério da Ciência e Tecnologia, que levanta algumas questões do PL; representante do MDA, que também colocou questões muito pontuais, e que são contraditórias, que o Governo não unificou a linguagem. Todos são representantes do Governo, e o Governo não conseguiu uma linguagem unificada para nos apresentar nesta audiência pública.
A minha ideia da audiência pública, de ouvir a representação governamental, era de que o Governo chegasse aqui com uma ideia já bem consensuada, mas há divergências entre os Ministérios.
Então o meu pedido, dada a importância desse projeto de lei, para que possamos acelerar a pesquisa, para que possamos desenvolver a economia que corresponde a esse enorme patrimônio de que somos detentores, é de que se retire a urgência desse projeto. E, mais do que retirar a urgência, que promovamos novas audiências públicas, novos debates.
Eu gostaria de ver - vou falar um pouco da minha experiência para os Senadores, porque vamos ter que definir, vamos ter que decidir sobre a lei - uma cooperativa de castanheiros lá da Serra do Tumucumaque, bem próxima da Serra do Tumucumaque. Imaginem, a Serra do Tumucumaque é uma coisa gigantesca, é uma área de reserva federal de 3,8 milhões hectares. É algo gigantesco. Ao lado dessa reserva, há uma reserva de desenvolvimento sustentável, exatamente dentro da linha a que o projeto se propõe. Ou seja, já há experiências, e muitas, no Brasil. Não são tantas, mas algumas, desculpe, já que foi colocado que, durante esses anos todos, desde a medida provisória de 2000, apenas 110 contratos de repartição foram fechados, o que realmente é ridículo. Mas essa cooperativa estabeleceu, há muitos anos, uma parceria com a Natura para a produção de cosméticos. Esse é um ponto fundamental, bem importante.
Aqui foi dito que a Amazônia não é somente brasileira. E, ao lado, dentro da Amazônia, temos países que estão desenvolvendo pesquisas há muitos anos, sobre a biodiversidade, como a França.
Eu fui Governador do meu Estado, e fizemos um Estado muito preservado. Isso na década de 90. Eu assumi em 95. E ali construímos todo um projeto de desenvolvimento dentro dessas teses do desenvolvimento sustentável, incluindo leis de acesso e proteção à biodiversidade.
Nós temos uma lei aprovada que vai na direção que estamos construindo aqui.
Essa economia é possível de ser desenvolvida. Outros países avançaram muito rapidamente. Agora, da forma como veio o projeto, eu apresentei algumas emendas - algumas, não, 33 emendas, o que é um lote. E apresentei também um projeto na tentativa de juntarmos as ideias, casarmos essas ideias. Mas estou preocupado com... Olha, se a natureza passou milhões de anos para nos dotar de tantas riquezas, de tantas maravilhas, vamos legislar sobre ela com um tema espinhoso? A maioria dos Senadores, confesso, vai ter dificuldade de entender a profundidade, porque o tema é novo. E essa celeridade, essa vontade de agilizar não nos dá tempo para formatar um projeto que, de fato, facilite a pesquisa, mas que nos transfira tecnologia.
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Nós construímos protocolos com os franceses nessa área. Está lá a experiência. Desenvolvemos várias pesquisas.
Para vocês terem ideia, quando assumi o Governo do Amapá, em 1995, tínhamos dois professores doutores. Em um Estado de 500 mil habitantes, tínhamos apenas dois: o reitor da Universidade, que era emprestado da Universidade Federal do Pará, e um ex-padre que tinha doutorado em Filosofia. Não tínhamos as competências humanas para dar qualquer passo adiante, como o Brasil ainda não tem a reclamação. Temos um centro de biotecnologia plantado em Manaus que custou o olho da cara, custou uma fortuna, mas faltam as pessoas, falta competência humana para desenvolver as pesquisas, falta funcionar.
Acompanhei, recebi não só as entidades que têm interesse nesse sistema, mas também alguns protagonistas, pessoas diretamente interessadas, comunidades indígenas, quilombolas, extrativistas. Conversei com eles, e eles se queixaram muito porque gostariam de contribuir, gostariam de colocar o desejo deles, mas isso, me parece, não aconteceu. Se aconteceu, não consegui ver. Levantei que a Ministra Izabella Teixeira reuniu representantes da indústria de cosméticos, de fármacos, mas não houve esse mesmo tipo de reunião, de preocupação com os povos indígenas, com as comunidades tradicionais, porque eles são os detentores. Foi dito aqui: se a lei não os agradar e eles imaginarem que vão ter prejuízo, vão saltar fora desse projeto. Acho que se deve também dar atenção especial porque o desenvolvimento brasileiro precisa ser mais equânime. Temos um histórico de segregação, de exclusão social absurdo. Um projeto de lei que ouve só o andar de cima da economia aumenta a exclusão. Se eu estou enganado, me digam os interlocutores que participaram da feitura desse projeto de lei.
Portanto, peço que, antes de mais nada, tenhamos cautela. Isso faz muito bem porque vamos mexer - e está sendo mexido, essa é a grande verdade - de forma que o Estado vai organizar as intervenções definitivas dentro do processo de utilização de recursos da biodiversidade e do patrimônio genético, que é outra questão muito importante.
Peço que seja retirada, Sr. Presidente, essa urgência. Acho isso... Não vejo nenhuma razão. Se tomarmos mais três ou quatro meses, pode ser que economizemos anos. Estamos famosos de produzir leis que não pegam. Então, vamos trabalhar aqui porque, do jeito que está essa lei, dificilmente vai pegar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Agradeço. Discordo de V. Exª, mas é algo que as Lideranças podem decidir: tirar a urgência ou não. Discordo, até porque, amanhã, na nossa reunião...
Vou só ler a lista dos que já foram convidados para amanhã: na primeira audiência pública, Confederação Nacional da Indústria, CNA, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - e até me questiona aqui o Dr. Carlos Leomar Zani - Associação Brasileira da Indústria Química, Grupo Farma Brasil, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Museu Paraense Emílio Goeldi, Fundação Nacional do Índio e, a partir das 10h, Via Campesina, Movimento dos Pequenos Agricultores, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Instituto Socioambiental, entidade de articulação dos povos indígenas, Comissão Nacional dos Povos e de Comunidades, Conselho Nacional de Extrativistas.
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Poderemos até incluir uma representação dos quilombolas, aqui sugerido pela Ministra. Vamos debater aqui, amanhã, a partir das 8h até esgotar.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - São diferentes mesas/
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - São duas: a primeira de 8h às 10h.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Misturadas ou separadas.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Separadas. A primeira de 8h às 10h. Se tiver que estender para mais de 10h, vou estar aqui presente. Se terminar as 10h30, vou estar aqui presente com o Relator Jorge Viana. Acho que esse é um tema que, na minha opinião, requer aprovação porque não temos há muito tempo. Trata-se de uma coisa que vem se arrastando há bastante tempo, sem uma decisão. Então, há necessidade de o Brasil ter esse marco legal da biodiversidade. Por isso, vamos discutir aqui. Creio que os relatores que foram designados - todos, inclusive, da Região Amazônica - têm essa noção do que seria uma legislação que possa contemplar, de maneira geral, a todos os interessados na legislação.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - V. Exª me permite, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pois não.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Olha, quem pode retirar a urgência é o Governo. Se o Governo não unificou a linguagem sobre o tema, acho que a oportunidade é essa. O Governo retira, unifica a linguagem porque há divergências claras. Esse Governo é um só, não pode haver dois governos. É um Governo único e tem que ter apenas uma linguagem. Vem para cá para nos convencer com uma linguagem unificada, consensuada. E, como há tanta divergência entre os representantes do Governo, solicito ao Governo que retire e nos dê tempo.
Vejam, não estou aqui para protelar nada não. Quero essa lei. Estou aqui porque quero essa lei. Eu tenho a experiência de ter, pelo menos, de tomar a iniciativa de construir um projeto de desenvolvimento sustentável. Paguei caro por isso. Sei e acredito na economia. Na hora em que alguém diz "um hectare de floresta em pé dá muito mais dinheiro do que um hectare de monocultura", posso provar isso com a cooperativa que montamos; adensamos a cadeia produtiva, e hoje eles vivem lá muito bem. Podemos provar o que estamos falando. Não sou um retórico; construí uma experiência. Portanto, peço ao Governo, e insisto, que unifique a linguagem. O mínimo que esperamos do Governo é que ele nos traga um projeto em que todas as partes falem exatamente a mesma coisa. Era isso, Sr.Presidente. Só quem pode retirar é o Governo.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Com a palavra, o Senador Randolfe.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Sr. Presidente, tenho aqui algumas perguntas que, inclusive, me vêm, me chegaram provenientes das entidades da sociedade civil. Algumas não farei obviamente - parece-me que cheguei atrasado - porque, ainda bem, já foram aqui respondidas. Outras, pela informação que tenho, ainda não foram tratadas. Eu gostaria de fazê-las para as instituições do Governo que estão aqui presentes.
Primeiramente, Sr. Presidente, acato, obviamente, o encaminhamento da Presidência da CCT, minha Comissão, e da CMA, de ter organizado três mesas, me parece, distintas. Acato, mas divirjo. Acho que seria mais rico o debate se pudéssemos ter misturado as mesas, com representantes alternados. Em uma mesa que houvesse representantes governamentais, que houvesse também representantes de organizações não governamentais, pois creio que a metodologia vai criar problemas, acabará sendo - não vou usar o termo monotemático - em vários aspectos, uma voz só por mesa. Acho que, para o debate, seria melhor se tivéssemos as vozes contraditórias para buscarmos extrair da divergência o melhor para os Relatores.
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Feito este registro, Sr. Presidente, fico, primeiro, feliz porque, pelo que já sei, pelo que eu estava ouvindo antes de chegar aqui, parece que houve um consenso aqui sobre a definição do termo "povos indígenas". A redação do texto vindo da Câmara é um atentado, um atentado à formação histórica do povo brasileiro. Era não reconhecer a existência de povos indígenas. Ainda bem que, parece-me, aqui, e é para isto que tudo caminha, inclusive no relatório do Senador Telmário, isso será reparado.
Agora, eu gostaria de fazer outras perguntas, Sr. Presidente.
Primeiro, o projeto saiu do Executivo com o termo "agricultor familiar". Esse não é um conceito de agora; ele é um conceito que foi consagrado na Lei nº 11.326, de 2006. Só que esse conceito foi retirado na Câmara. Ora, é de conhecimento de todos o papel que a agricultura familiar tem no Brasil, principalmente por, em 2014, ter tirado o País do Mapa Mundial da Fome. Não só esse texto foi retirado na Câmara, como o setor da agricultura familiar não foi ouvido em nenhum momento, e aí, por consequência, foi excluído do texto. Eu queria ouvir dos representantes do Governo qual a opinião e qual a sugestão e recomendação para o Senado reparar essa grave distorção que é a ausência do termo "agricultura familiar".
A outra questão vai direcionada ao MAPA e ao Ministério do Meio Ambiente. O novo marco legal faz referência à Lei nº 10.711, de 2003, que trata da proteção ao cultivo. Essa referência cria uma instabilidade jurídica em relação à definição de sementes crioulas. A Lei nº 10.711 trata de outra matéria, e não faz sentido essa referência. Inclusive, ela enfraquece os direitos dos agricultores e o papel do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético em legislar sobre o conhecimento tradicional associado. Eu pergunto a esse Ministério da Agricultura e ao Ministério do Meio Ambiente como eles compreendem essa incoerência.
A outra pergunta é para o MDIC, para o Ministério da Indústria e do Comércio. O inciso IX do art. 7º do PLC nº 2, de 2015, o Estatuto da Biodiversidade, cria uma lista de repartição. O artigo diz que um ato conjunto de sete Ministérios definirá a lista de produtos que serão passíveis de repartição de benefícios. A elaboração de um ato conjunto desse porte poderá demorar, como nós sabemos, após aprovação na lei, muito tempo, anos, e ele não será atualizado na velocidade com que o desenvolvimento tecnológico avança. Então, pergunto ao MDIC como vai garantir a efetividade e o dinamismo de um instrumento como esse. E aí insisto ainda nesta pergunta. Não faria mais sentido que a lista determinasse que produtos que deveriam - construir-se uma lista negativa - repartir benefícios invertendo a lógica e assegurando o direito de povos e comunidades tradicionais?
A última pergunta, também para o MDIC e para o Ministério do Meio Ambiente: o inciso X do art. 17 cria uma grande possibilidade de moratória para os usuários, pois isenta a repartição de benefícios. O acesso realizado antes de 2000, independentemente de a exploração econômica ter sido realizada depois dessa data... Fica a critério do usuário determinar e comprovar que o acesso foi feito antes dessa data. Nesse contexto, o artigo quebra a lógica da própria lei que ora pretendemos. Como já foi falado antes, pelos registros que temos, pelo Dr. Francisco Gaetani, Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente, vincula-se a repartição de benefícios ao processo de exploração econômica e não ao desenvolvimento tecnológico.
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que vincula a repartição de benefícios ao processo de exploração econômica e não ao desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, faço essa pergunta ao Ministério do Meio Ambiente e ao MDIC também.
Como veem essas incoerências na lei?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Primeiro, o Dr. Francisco. Depois,...
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - São esses questionamentos, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Concedo a palavra ao Senador Jorge Viana e, depois, eles vão responder os questionamentos do Senador.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Bem, antes de mais nada, queria desculpar-me e penitenciar-me, mas temos aqui no Senado e também na Câmara, no Parlamento, essa situação inadministrável, de presidir três reuniões no mesmo horário, na mesma manhã. E eu, na condição de Vice-Presidente do Senado, também tenho essa outra atribuição. Então, peço desculpas aos expositores, porque fui um dos proponentes a que pudéssemos ouvir as autoridades do Governo... Tenho-me dedicado a ler a posição de cada membro que compõe o Governo e que até diverge de determinados pontos. Conheço essas divergências de certa forma. E peço desculpas, então, ao Presidente, aos colegas Senadores e aos convidados.
Mas, aqui, por coincidência, estamos eu, Randolfe e o Capi. Chamo-o assim por conta da relação de vida que temos, com todo respeito aos demais. Ninguém tentou mais neste País como Governador - nem eu mesmo, que fui Governador também por oito anos, e trabalhamos sempre buscando o mesmo propósito - acessar a biodiversidade brasileira do que o Governador Capiberibe na Amazônia. Investiu recursos, pagou preço caro por isso, mas conseguiu muitas realizações. Eu também, como Governador. Nós, do Acre, também conseguimos, com Marina, comigo, com o Governador Binho, com o Governador Tião Viana, seguimos nessa busca.
Temos materializado alguns projetos, mas devo dizer que quase que exclusivamente, se eu não estiver errado - o Governador Capiberibe pode corrigir-me -, com os riscos e os investimentos todos oriundos de recursos públicos.
Eu não queria entrar no mérito, já de cara, de alguns pontos que, de alguma maneira, possam aparentar alguma divergência da posição do Governador Capi comigo, porque nós temos afinidades de vida. E quem tem afinidade de vida não tem divergência. As circunstanciais não contam.
Mas queria, Sr. Presidente, dizer que tem toda razão quem questiona o pouco tempo que temos. Mas, ora, somos nós que criamos pouco tempo para a Câmara; ora, a Câmara e o Senado são vítimas do pouco tempo criado pelo Governo; ora, o contrário. Mas este é o nosso País em formação, um país que estamos tentando construir, para o qual todos querem dar uma contribuição.
Mas eu queria me prender ao tamanho do problema que estamos discutindo e debatendo hoje. Daí a minha preocupação se afina muito com a do Presidente Otto, que, num esforço com vários colegas, presidentes de outras Comissões e relatores, está promovendo essa sequência de audiências.
Esta matéria "acesso ao patrimônio genético, proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado, repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade" - vejam a complexidade disso - é uma matéria que é um pouco da alma desse potencial fantástico de recursos naturais brasileiros.
Por que ela está sendo mais acelerada hoje? Não é nem, Senador Capi, pelos defensores do acesso à biodiversidade, como nós, e 20 anos já se vão. Ela está hoje sendo pressionada muito mais pelos que trabalham nas atividades econômicas, que trabalham na produção agrícola, no agronegócio, na atividade industrial, do que até... Porque é tanto tempo consumido!
Vamos lembrar um pouquinho. Essa história tem origem em 1992, na Rio 92. Quando da Convenção da Biodiversidade, países do mundo inteiro falaram que quem tem riquezas da biodiversidade é dono dela e tem que ter benefícios com ela. Quem fizer uso terceirizado disso vai ter de pagar algo por isso.
Essa é a regra geral, colocada lá atrás, no encontro de nações.
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Desde lá o Brasil está tentando ter regras para acesso à biodiversidade, para compartilhar benefício. Minimamente regras. Só que sabe quem tem sido a maior vítima nesse período em que não conseguimos fazer minimamente o necessário? Nós que vivemos na Amazônia! Eu fui Governador por oito anos e não pude implementar os projetos. O Governador Capiberibe também. Anteriormente, nós fomos prefeitos. Criamos parques. Sigo na mesma batalha, ando nas aldeias todas.
Gente, isso é uma realidade que nos impõe... É muito forte o que vou falar, mas parece até que é uma maldição o Brasil ter a biodiversidade que tem. Parece que é uma maldição ser da Amazônia. Estamos fadados a passar fome, a sermos explorados? Ao lado da maior riqueza do mundo, a gente não tem nada!
Como eu sigo explicando para um ribeirinho... Não! É porque nós ainda não chegamos a uma conclusão muito definitiva, conceitual, do que é o agricultor tradicional, do que é o agricultor de subsistência.
Gente, pelo amor de Deus! Eu sou engenheiro florestal, sou técnico agrícola. Sei que teremos divergência conceitual a vida inteira. Sei que algumas divergências conceituais levam a grandes ou pequenos negócios, a grandes prejuízos ou a lucro. Mas isso não pode ser o ponto central de um debate.
Eu já tentei perguntar quais os pontos que temos de tão graves divergências? Povos indígenas é um deles - ou populações indígenas.
O querido Senador Randolfe já me deu uma boa informação de que parece que esse nós estamos superando a favor dos índios. Pronto! Acho que as populações que podem menos não devem sair no prejuízo. O meio ambiente não pode sair no prejuízo. Na dúvida, vamos para aquele. In dubio pro reo, nesse caso. Sempre que tivermos uma dúvida, vamos adotar em favor dos índios, que não estão aqui para falar; do meio ambiente, que não se expressa a não ser reagindo com as enchentes, com as secas, com a mudança da composição da atmosfera e a mudança do clima.
Vejam, em 1992, nós tivemos a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Depois, tivemos, aqui no Congresso Nacional, em 1994, promulgado pelo Executivo o Decreto nº 2.519, cujo texto estabelece a soberania de países sobre seus recursos genéticos e sua autonomia para regular o acesso a tais recursos. Estabelece que países receptores e usuários dos recursos genéticos de terceiros assegurariam a partição justa e quantitativa de benefícios decorrentes.
Marina Silva foi eleita Senadora quando eu era Prefeito. Ela foi eleita Senadora e eu era Prefeito de Rio Branco. A Marina veio para cá com propósitos. O primeiro dela era de trabalhar uma lei de acesso à biodiversidade. Eu cheguei até a questioná-la. Isso estava tão longe que eu cheguei a questioná-la. Ela trabalhou o PLS nº 306, Senador Capiberibe, de 1995. Por que estou colocando essa data de 1995? Porque já foram 1995, 2005, e agora são 20 anos! Estamos completando 20 anos que o Senado tem a oportunidade de debater essa matéria, a Câmara tem oportunidade de debatê-la - estou falando do Legislativo - e não debate!
Quando alguém me questionar sobre se sou favorável ao regime de urgência, aí falo que tem 20 anos que estamos com essa matéria e ela nunca entrou na Ordem do Dia! Sabe o que virou o projeto de lei da Marina? Uma medida provisória. Sabe quantas vezes foi reeditada a medida provisória da Marina? Dezesseis vezes! E ninguém votou o projeto de acesso à biodiversidade.
Ah, porque antigamente os Deputados e Senadores não eram tão atenciosos! O Senado e a Câmara mudaram tanto assim ou o perfil é o mesmo? Eu acho que pode... Eu que sou parte do agora e do passado, cito Ulysses, que disse: "Está reclamando dessa atual Legislatura? Espere a próxima." Então, quem sabe a nossa não é pior do que a outra que virá, seguindo a teoria de Ulysses Guimarães. Quem sou eu para corrigi-lo.
O que estou falando, com isso, é que foi reeditada um pouco à base do que seria o regramento que levou em conta sim - porque o Fernando Henrique levou em conta e eu fazia essa interlocução com a Marina - uma base importante da ideia que vinha no projeto da Marina, levou em conta todo regramento que tinha, foi reeditada; e aí veio aquela resolução, aquela emenda constitucional de 2001, salvo engano, que transformou medidas provisórias em lei.
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Pegando aquela carona, nós, então, temos uma regra, uma regra que trata do acesso à biodiversidade e também de repartição de benefício.
Sabe quantos projetos, acordos foram assinados com base nessa lei - quem está aqui nos acompanhando -, lei inspirada numa proposta da Marina, incorporada no governo do PSDB, que levou em conta? Sabe quantos convênios e acordos foram para acessar a biodiversidade e fazer a repartição de benefícios para nós da Amazônia? Cento e trinta e seis até hoje. Sabe quantos para os índios, Senador Capiberibe? Um.
Eu não posso e ninguém vai me fazer defender essa história de 20 anos. Eu quero algo novo. Eu estou cansado de misturar biopirataria com boas intenções. E é o que a lei permite hoje. A gente não sabe onde começa a biopirataria, onde termina, nem onde começam as boas intenções, nem onde terminam. Eu só sei que qualquer um que tentar acessar a biodiversidade da Amazônia é chamado de biopirata, com razão ou sem razão.
No meu Estado, ninguém se instalou, mesmo havendo um governador por oito anos fazendo a defesa. Eu falava: gente, a floresta tem que valer mais em pé do que destruída. Alguém diz: "Então, mostra." Quando alguém vem querendo implementar algo, não pode. A lei é falha e já chamam logo de biopirata.
O Governador Capiberibe tentou. O que foi feito lá foi graças à ação do Governador Capiberibe, do seu governo, que, aliás, fez história e segue fazendo, porque ninguém conseguiu superá-lo nesse aspecto. Mas, gente, isso é pouco! Um acordo, um contrato com os índios. E eu vou dizer: não, olha, essa outra lei... Gente, sinceramente, nós temos uma oportunidade de dar alguns passos à frente.
Eu não tenho dúvida de que essa demora toda tem também, Presidente... É um tema de difícil consenso técnico, político. É um tema novo, complexo. Nós não temos pretérito para analisar. Aí vão dizer: "Então, mais cautela e mais prudência." Mais 20 anos? Daí o meu apelo.
Agora há um termo de que eu não gosto muito. Dizem que se pega uma lei, esmurra bem essa lei para ver os defeitos dela. No Código usaram esse termo, viu, Gaetani? Eu não sei se foi você, desculpe-me, ou a Ministra Izabella - a Ministra Izabella é de briga. Era uma história de esmurrar. Eu não gosto muito desse termo. Mas, se há uma lei que foi esmurrada neste País, esta aqui foi uma delas, por tudo o que é lado. O pugilato começou dentro do próprio Governo. Fato concreto. Não se entendem e não vão se entender porque são lados diferentes. Agora, vamos separar os interesses, que são outros, que não são os de buscar a melhor lei. Vamos separar. Vamos pôr o nosso compromisso.
Eu, por exemplo, chequei com alguns com quem fui conversando, conversando, conversando e me parece que há seis pontos, não mais do que isso - parece que um já está sendo resolvido -, que ganharam um pouco mais de relevância. Eu topo, como Relator, propor ao Presidente que a gente faça misturado, para quem queira vir, um debate aqui desses seis pontos. A gente acha um dia ainda. Para a gente tratar dos seis pontos, que são esse que o Senador Randolfe colocou, o Senador Capiberibe. Vamos colocar. Aí a gente convida quem tem a posição de um lado, de outro e tal. Mas eu defendo o que os Presidentes das Comissões propuseram aqui.
A gente está ouvindo com calma o Governo. Vamos ouvir com calma a comunidade técnico-científica e algumas entidades que atuam na área e vamos ouvir também a comunidade indígena, os beneficiários, a população que pode se beneficiar e espera se beneficiar, por terem sido os guardiões da nossa biodiversidade até aqui, juntamente com algumas políticas de governo. Isso porque o Parlamento tem que ouvir. Um dos defeitos nossos, aliás no Brasil todo mundo tem, é não ouvir. O Executivo tem que ouvir, mas nós também temos.
Então, eu acho que a intenção era essa. Agora, já estou aqui apresentando uma proposição, que poderia ser pegar os cinco ou seis pontos que estão hoje chamando a atenção de todos os que foram convidados e apresentaram questionamentos, de quem está aqui e de quem vai falar ainda amanhã e depois, que eu sei que vão reforçar esses pontos, e os Senadores trouxeram alguns, como o Capiberibe. A gente faz uma audiência exclusivamente em cima desses pontos e convida pessoas que têm opiniões divergentes. É possível e, daí, a gente tirar algum encaminhamento naquela lógica: na dúvida, pró-meio ambiente. Na dúvida, pró-populações tradicionais.
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Bem, eu, então, concluo dizendo que o Brasil, pelo menos até agora, ele fez uma opção, de destruir primeiro para ver o que faz depois. Com isso a Mata Atlântica já foi, o que sobrou foi pouco.
Não bastou D. Pedro II ter criado a floresta da Tijuca. É o segundo parque mais visitado do Brasil, foi lá atrás que ele criou. Acabaram com as florestas protetoras no Sul e Sudeste do Brasil. O que é que nós estamos tendo? Seca. Nós temos desmatamentos na Amazônia, que só agora... Olha, quando a Marina assumiu, minha companheira de vida inteira, o desmatamento chegava perto de 30 mil km². Gente, 30 mil km² por ano!
O Município de Rio Branco, capital do Acre, tem 10 mil km²; três Municípios de Rio Branco, e é um dos maiores do Acre. O Acre tem 162 mil km². Quase 30 mil km² foi o legado que nós pegamos quando assumimos esse Governo. Reduziu-se para 4,5, 5... É muito? É Muito, é muito, mas já foi o suficiente para colocar o País na lista dos países de maior emissão e, agora, a gente até sai, porque estão discutindo se volta ou não volta o desmatamento.
Sinceramente, esse não é o tema central hoje, mas eu queria dizer que agora que o Brasil parou com o processo de destruição, ou pelo menos diminuiu, e de usar os recursos? E a lei dizendo como é que pode? Como é que alguém bem intencionado pode acessar a biodiversidade?
Eu não quero ficar, como amazônida, em uma situação que parece ser uma maldição ter nascido lá, viver lá, e termos a riqueza que nós temos lá.
Agora, não tenho dúvida de que esse projeto já foi debatido exaustivamente. Não tenho dúvida de que existam alguns pontos que são nervosos e que podemos debater aqui, mas, se nós pudermos, depois de 20 anos, dar esse passo adiante, é o momento, gente, é o momento. E alguém tem que ceder, um pouquinho de cada lado. Sem tirar o compromisso de testarmos essa lei, de estarmos aqui, nós vamos seguir Senadores e Deputados. Testando dizendo o seguinte: "Existe esse tema que não ficou bem, existe este outro aspecto..." E vamos junto, a Marina começou essa luta sozinha, agora nós somos muitos com ela.
Eu queria que nós aproveitássemos essas audiências para isso, ver se daria para nós trabalharmos pelo País, tendo uma lei melhor do que essa. Essa não está servindo, a ninguém! Menos ainda quem vive na Amazônia. Menos ainda quem é parte da população tradicional da Amazônia. Menos ainda aos povos indígenas.
E, certamente, se não está atendendo lá a nossa região, não está atendendo ao meio ambiente.
Então, é uma oportunidade que a gente tem.
Eu diria, Senador Capiberibe, que o dissenso não é entre Ministérios. É dentro, lá na Casa Civil. A matéria é complexa, é assim mesmo. Mas que se chegou a uma proposta que é muitas vezes melhor do que a que nós temos hoje, não tenho nenhuma dúvida.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Sem dúvida.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - A decisão nossa é a seguinte: vamos tirar essa lei que não atende a ninguém, apesar da boa intenção colocada lá, porque o mundo era outro, o Brasil era outro, completamente diferente. Em 20 anos mudou tudo, e em muitos casos para pior.
Mas 20 anos depois nós podemos dizer: vamos ter algo que possa ajudar no desenvolvimento sustentável na Amazônia. Vamos por algo que possa fazer com que o uso dos recursos naturais seja inteligente e possa transformar em benefício e melhoria para a vida das populações que vivem naquela região. Vamos por algo que empodere aquela população, que ela passe a fazer parte de um negócio sustentável.
Essa lei cria essas possibilidades, com todas as falhas que ainda tem.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Eu agradeço ao Senador Jorge Viana.
Concordo com V. Exª de que essa lei, como está aqui, já é bem melhor do que a que nós temos hoje. E ela pode ser aperfeiçoada aqui no Senado, melhorada aqui no Senado.
Vamos fazer amanhã as duas audiências e poderemos marcar, atendendo ao Senador João Capiberibe, na próxima terça-feira, às 9h da manhã, uma audiência só com os pontos em que existem discordâncias e conflitos para chegarmos a termo.
E como o Senador Jorge Viana falou, em 20 anos de discussão sem uma solução... Eu acredito que, como Presidente da Comissão de Meio Ambiente, vou agir como o cirurgião que fui por muitos anos. Vamos botar na sala e operar, porque pedir exame e voltar com 90 dias, com 120 dias, não vai resolver muita coisa.
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O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Sr. Presidente, eu vou apoiá-lo integralmente. Nós temos que sair com uma lei, com uma regra que seja adequada para todos aqueles...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Exato, é claro.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eu não tenho a menor dúvida de que nós podemos fazer isso. A minha preocupação é de que, na hora em que a gente modifica, volta para a Câmara, é um projeto que veio da Câmara, mas eu acho que nós temos a obrigação de debater esses pontos...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Aperfeiçoar, melhorar...
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - O Senador Jorge tem seis pontos. Eu tenho um pouco mais de pontos. A minha pontuação é um pouco maior, e o Senador Randolfe também tem uma pontuação. Eu acho que vamos fazer isto: vamos pegar esses pontos...
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Na próxima terça, vamos debater só os pontos conflitantes. Fica combinado assim, então?
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Eu sou obrigado a fazer uma provocação para o Senador Jorge aqui.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Combina, Senador Randolfe? Combina?
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Combinado.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Só um minutinho, por favor, Randolfe.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - O Senador Jorge Viana também concorda com a próxima terça-feira? Vou fazer uma peneira na terça-feira.
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - Perfeito. Eu ia fazer uma provocação aqui ao Senador Jorge Viana. Realmente, 20 anos, não é, Senador? Nós necessitávamos, nós necessitamos dessa lei. O nosso desenvolvimento depende de termos aquilo de que eu falei: pesquisadores, linhas de crédito, políticas públicas de governo.
Agora, Senador Jorge, a provocação é a seguinte: dos 20 anos, tem 12 do mesmo governo. Essa é a questão.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC. Fora do microfone.) - Marina era Ministra do Meio Ambiente...
O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - A Marina era Ministra, 12 do mesmo Governo, e agora me vêm com uma lei de urgência e emergência? Ainda bem que o Presidente é um cirurgião, é médico, então ele sabe de quando precisa de urgência e de quanto precisa de emergência.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Ortopedista.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Pela ordem. Eu proporia fazer aqui oralmente o requerimento em nome do Senador Capi e do Senador Randolfe para que a gente não deixasse dúvida. Os pontos divergentes que levantaríamos em torno desses cinco, seis que foram os que apanhei. Gostaria, então, de formalizar um pedido para uma audiência pública com o Relator da matéria da Comissão de Meio Ambiente, levando em conta as preocupações do Senador Capiberibe e do Senador Randolfe, para que nós pudéssemos ter uma audiência exclusiva.
Aí, sim, trataríamos dos pontos conflitantes e acharíamos uma maneira de trazer convidados que pudessem ter opiniões que nos ajudassem, que, por serem divergentes, a ter um melhor juízo dessa matéria.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Então, eu coloco em votação o requerimento.
Os Senadores que concordam permaneçam como se encontram.
(Pausa.)
Aprovado. Terça-feira, às 9h.
Passo a palavra agora ao representante...
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Presidente, só uma questão? Seria terça-feira em conjunto com a CCT, não é?
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Exato.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Perfeito.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Nós vamos convocar todos os relatores que estão envolvidos no tema.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Isso.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - A partir de agora, o Raimundo vai fazer a convocação de todos os interessados.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Fica decidido aqui que será em conjunto, para comunicar à CCT.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Exato, em conjunto, como V. Exª propôs.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Perfeito. Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Passo a palavra ao Dr. Francisco; depois, o Dr. Rafael, mais para responder os questionamentos formulados pelo Senador Randolfe.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Em primeiro lugar, queria agradecer as intervenções de todos os Senadores. Sem dúvida, para nós, é uma honra muito grande estarmos aqui discutindo com vocês essas questões, até porque todas são provenientes da Amazônia, e isso, para nós, tem um sentido especial, particularmente em função da questão da região.
Nos anos de Ministério do Meio Ambiente, vários representantes do povo da Amazônia têm nos questionado exatamente sobre isto: nós somos 25 milhões de pessoas habitando essa região e vamos viver de quê? E este projeto busca atender a esse tipo de questionamento.
Primeiro, eu queria colocar para informar o Senador Randolfe que algumas das questões que o senhor coloca foram encaminhadas no PL do Governo para a Câmara e foram alteradas na Câmara. O Governo perdeu na Câmara. Entre elas a questão de povos, a questão de agricultura familiar, que fazem parte desse elenco de questões cuja posição do Governo não foi contemplada na Câmara.
Relembrar também que parte dos problemas que tivemos decorre do fato de que, na tramitação na Câmara, na circunstância da tramitação da Câmara, não foi criada comissão, o relator não chegou a ser designado. As discussões que poderiam ter ocorrido em todo o ano passado não tiveram lugar, como nós esperávamos, na Câmara. E nós não tivemos condições de interferir nesse processo.
Quanto às questões relacionadas às sementes crioulas, é bom lembrar que elas foram objeto de um acordo internacional que o Brasil assinou.
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Esse acordo internacional dispensa a repartição de benefícios quando o patrimônio genético se referir a sementes exóticas, que não são de origem brasileira. Apenas nesse caso. Agora, as crioulas de patrimônio genético, nativas e exóticas, geradas no Brasil, haverá repartição de benefícios. Então, lembrando também o que nós estamos falando aqui: para o conhecimento tradicional, está protegido; quando se trata de patrimônio genético, é diferente.
A questão da retroatividade, nós não podemos, numa legislação estabelecida agora, andar para trás no tempo; mas no que diz respeito ao conhecimento tradicional, está protegido. Então, só um esclarecimento: nós fizemos uma reunião algumas semanas atrás, coincidentemente hoje estamos enviando a todo o pessoal que participou dessas reuniões conosco, as comunidades e povos tradicionais, quilombolas, tribos indígenas, que questionaram, com razão, com pertinência, que poderia ter sido feito um processo de discussão melhor, mais adequado, nós estamos enviando essas respostas que nos foram feitas para o pessoal hoje. Essas respostas, daremos conhecimento aos Senadores que tiverem interesse também.
Vários questionamentos que têm sido feitos, nós entendemos que o projeto contempla. Então, acho que faz parte da discussão também esclarecer. Talvez seja falha nossa de não estarmos comunicando adequadamente vários dos pontos importantes que vêm sendo levantados pelo projeto.
Um ponto que eu queria destacar também, em relação à fala do Senador Capiberibe, diz respeito à questão do Governo. Nós estamos todos aqui representando os nossos Ministérios, as nossas organizações; mas quem fala pelo Governo é a Presidência. Então as posições dos Ministérios são consolidadas e encaminhadas pela Presidência ao Congresso Nacional. Certamente, se nós pegarmos, por exemplo, as nossas relações aqui com o MAPA, com o MDIC, com o MCTI, todos nós abrimos mão de vários pontos ao longo das discussões; mas a consolidação da posição do Governo e o encaminhamento ao Congresso Nacional é da Presidência, e é natural que seja assim. Eu digo isso porque a posição ao final consensuada não é necessariamente uma posição homogênea, nem é a posição de todos; é a posição fruto da negociação entre o Governo, levada ao Congresso pelo Executivo.
Queria lembrar também alguns pontos apresentados, discutidos particularmente pelo Senador Telmário, que não se encontra mais aqui. As questões relacionadas à repartição de benefícios, acho que há uma preocupação muito grande de proteger o conhecimento tradicional. Então, vários questionamentos que estão sendo feitos dizem respeito a patrimônio genético, mas conhecimento tradicional, nós entendemos que o projeto contempla ao máximo, dentro das possibilidades de negociação que ocorreram no âmbito do Governo, e temos clareza de que foi o melhor projeto possível intragoverno. Agora, a discussão política do projeto na Câmara e no Senado pertence ao Congresso Nacional.
Todo o material nosso está à disposição dos questionamentos de vocês, está à disposição dos senhores. E nós estamos encaminhando a resposta que nós elaboramos aos movimentos sociais, às comunidades tradicionais, aos povos quilombolas e às populações indígenas. Está sendo enviada para o pessoal hoje mesmo, de modo a contribuir para essa discussão ao longo das próximas semanas.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Dr. Rafael.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Bom, em relação aos questionamentos feitos pelos Senadores Capiberibe, Telmário Mota e a própria Senadora Ana Amélia, eles tocaram alguns pontos em comum. Um deles é a questão do CBA. O próprio CBA hoje, claro, tem uma série de outros problemas para serem resolvidos, mas um dos entraves ao funcionamento do CBA é a própria legislação, que impede os pesquisadores, os NITs (Núcleos de Inovação Tecnológica) ligados aos ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia) de dar seguimento a essas pesquisas. Então, no nosso entendimento, não só o próprio CBA terá as suas atividades facilitadas em relação ao que se refere ao estudo da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados, mas também uma visão mais integrada de política pública.
Uma experiência muito positiva, vou usar um exemplo que é só de integração de política pública que é considerado um sucesso dentro do Governo, que é o Pronatec, nós tínhamos diversos Ministérios cuidando do mesmo assunto, querendo pautar a qualificação profissional. Foi centralizado isso no Ministério da Educação. Os outros Ministérios fizeram parcerias, políticas públicas foram integradas. Então, a gente integrou a política pública de inclusão social, inclusão produtiva, com a política pública de competitividade na indústria. É o que nós estamos tentando construir aqui.
Uma coisa que nós percebemos ao longo do tempo é que muita gente olha para esse PL como se ele fosse o final de uma caminhada de 15 anos. Chegamos ao cume do Everest. Para nós, nós acabamos de estabelecer o primeiro degrau a ser superado.
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O dia em que o PL estiver pronto, nós vamos começar - aí sim - a construir uma economia de patrimônio genético e conhecimento tradicional uma economia de patrimônio genético e conhecimento tradicional associado no Brasil, integrando políticas públicas de inclusão social, de meio ambiente e de competitividade nos setores produtivos, da maneira mais ampla que se pode imaginar. Muita gente fala que o MDIC está falando pela indústria. Não, quando a gente fala em indústria com letra maiúscula, com inicial maiúscula, nós estamos falando de setores produtivos de forma ampla. Estamos falando de todo mundo, inclusive das comunidades tradicionais, que também são setores produtivos. Então, esta visão é importante a gente dar: o PL vai permitir que a gente faça essa integração de políticas públicas.
Um ponto específico que foi tratado aqui é em relação ao teto, de ser 1%: que tem teto, mas não tem piso. O PL não trata dessa forma a questão. Na verdade, essa repartição de benefícios, que é limitada, tem um teto de 1%... Nós estamos falando de patrimônio genético. O CTA tem uma negociação própria. Está prevista. Vai ter que haver um acordo de repartição de benefícios e, quando estiver envolvido CTA, não tem esse teto. Isso está lá de forma muito clara. Além disso, tem piso, sim. Mesmo se tratando de patrimônio genético, nós estamos falando de 0,1%, para alguns produtos, quando houver comprovadamente incapacidade daqueles setores em fazer essa repartição de benefício. Então, há uma previsão de acordo setorial que permitiria setores que não teriam condições de abarcar... Esse percentual, de 1%, é sobre o produto final - é preciso dizer isso. Nós estamos falando que um produto final compõe toda uma cadeia produtiva. Houve esse questionamento também, Senador Randolfe Rodrigues, que nós recebemos por parte das comunidades tradicionais, de por que os produtos intermediários não estariam contemplados, ou não teriam incidência do fato gerador previsto no art. 17 da repartição de benefícios. Na verdade, eles têm, sim, todos eles, inclusive os processos. A questão é que estão todos embutidos no produto final. Nós temos que entender isso como uma cadeia produtiva. Todos os produtos intermediários que compõem um produto estão na composição de preço daquele produto, e quando você faz uma repartição na parte final, você está repartindo tudo. Se você não fizesse assim, seria uma repartição de benefícios em cascata, que a gente já sabe - temos experiência sobre isso em outras legislações similares - que não é o ideal para a promoção do desenvolvimento.
Então, eu acho que é importante ressaltar isto: esse 1% é sobre o produto final, é para patrimônio genético.
Além da repartição de benefícios, está mantido também um outro questionamento, que eu acho que é ponto chave das comunidades indígenas tradicionais, os quilombolas, que foi trazido a nós nessas respostas que o Ministério do Meio Ambiente está encaminhando para as comunidades, que é a questão de não ter o consentimento prévio informado. O consentimento prévio informado está na legislação, está garantido em mais de um artigo. Ele, inclusive, permite um segundo momento de negociação. Na verdade, os usuários terão que fazer a negociação do consentimento prévio informado e, posteriormente, terão que fazer a negociação também da repartição de benefícios. Uma grande diferença que a gente tem que ressaltar para a legislação nova, que a gente está propondo, em relação à anterior, é que antes se fazia um contrato de repartição de benefícios sem saber se haveria repartição de benefícios e sem saber o tamanho desse benefício. E aí eu estaria penalizando muitas empresas que investem. Hoje, uma das metas da política industrial, da política de desenvolvimento do Brasil, é que a gente convença as empresas a investir mais em P&D, a investir uma parte maior do seu orçamento em inovação. Como é que eu vou fazer isso se, antes de começar a inovação, ela já tem que repartir benefícios de uma coisa que ela nem sabe se será um produto? Então, hoje, separando essas duas coisas e criando um fato gerador sobre aquilo que realmente gera benefício... Porque é uma dicotomia você criar uma repartição de benefícios sobre um acesso, que na verdade traz um beneficio cultural, um beneficio acadêmico, um benefício de conhecimento, do mundo imaterial. Não é um benefício econômico. O acesso é a pesquisa ou o desenvolvimento tecnológico. Então, esse é um outro avanço importante, que eu acho que é importante a gente considerar dentro do ambiente da repartição de benefícios.
O Senador Telmário Mota disse que hoje esse 1% seria uma migalha. Nós discordamos veementemente. Não é uma migalha. Migalha é o que se tem hoje, com 110 ou 136 contratos vigentes, e um com comunidade indígena. Isso é uma migalha. Mas se a gente pensar que nós temos um parque industrial diversificado, industrias fortes, nacionais, que poderemos ter parcerias com industrias estrangeiras - eu vou abordar esse tema também, porque foi tratado por diversos Senadores -, que a gente poderia aproveitar tudo isso para gerar uma riqueza e, aí sim, gerar renda para as populações, para que a gente não possa dizer para o caboclo lá da Amazônia que ele não pode cortar árvores, mas não dá a ele nenhuma alternativa de desenvolvimento...
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Então, eu acho que esse PL dá, sim, essa base para a gente integrar políticas sociais e permitirmos um desenvolvimento mais inclusivo dessas populações. No que se refere ao fato de as empresas estrangeiras participarem desse processo, era uma demanda da própria comunidade acadêmica. O Ministério da Ciência e Tecnologia se reuniu com eles e achou que essa era uma proposta que fazia sentido. Para nós, essa proposta veio, digamos assim, e foi vista, pelo MDIC, com bons olhos. Por quê? Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que aqui, nesse PL, não há nenhuma autorização para empresa estrangeira, ou para instituição estrangeira de pesquisa, ou para pesquisador individual, vir pesquisar livremente. Não é isso que está escrito aqui, no PL. O PL está dizendo que empresa estrangeira ou ICT estrangeiro que estiver associado a uma ICT nacional poderá fazer a pesquisa. Seria responsabilidade do ICT nacional; aí, faz-se o cadastro e desburocratiza-se o processo de pesquisa.
Os nacionais todos seguem esse procedimento. Acerca dos estrangeiros, primeiro, pessoa física estrangeira, pesquisador individual não tem acesso; o PL nega, ele não pode vir aqui pesquisar. Ele tem que estar associado a uma entidade, a um instituto de pesquisa estrangeiro, e, esse sim, terá que ter autorização do CGen, que é o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. O CGen terá, na previsão do novo PL, composição dos representantes dos setores interessados, com direito a voto, inclusive, das comunidades dos povos indígenas, que poderão obstaculizar e dizer: "Não, vocês não têm autorização". Isso está previsto no CGen. Além disso, o Conselho Nacional de Defesa deverá ser comunicado pelo CGen quando houver esse tipo de acesso. Além disso, o MCTI terá que autorizar a pesquisa. Então, não estamos sendo lenientes com a participação dos estrangeiros.
O Prof. Paulo Sérgio trouxe um dado muito importante para nós aqui hoje. Ele disse que, não só por causa da nossa legislação, mas inclusive pela nossa capacidade de geração de conhecimento, que hoje é muito grande comparada com a de outros países, está restrita a algo próximo de 5% - não é isso, professor? - do que se pesquisa em relação à biodiversidade. E foi o Senador Capiberibe, acho, que lembrou que temos também, na Amazônia, a França presente, com uma capacidade de pesquisa muito grande, e que pode ser um parceiro. Ele mesmo desenvolveu parcerias com o governo da França.
O que estamos dizendo é que podemos aproveitar todo esse potencial de maneira, digamos, criteriosa, com autorização do CGen, co MCTI, com conhecimento do Conselho Nacional de Defesa. Podemos aproveitar o potencial de conhecimento tecnológico de diversos parceiros de nações amigas, de empresas que têm interesse de ganhar dinheiro no Brasil, fazendo o uso responsável das nossas riquezas para, junto com o povo brasileiro, gerar novos produtos. Se temos 5% e eles têm os outros 95%, vamos aproveitar. O ideal seria que tivéssemos os 100% aqui, de potencial de desenvolvimento de novos produtos investidos, com centros de P&D; atraíssemos centros de P&D das multinacionais, que iriam respeitar a nossa legislação, conseguir autorização do CGen, gerar novos produtos e gerar mais repartição de benefícios. É um ponto...
O SR. FRANCISCO GAETANI - Só para complementar uma coisa importante: o que está ocorrendo é que as empresas nossas, inclusive, estão se deslocando para a Colômbia, para o Peru, para Guiana Francesa, para Suriname, porque podem fazer essa exploração lá, com muito menos constrangimento. Então, é um imperativo de competitividade. Quem mais perde com isso somos nós, como economia, e os nosso povos em função dos benefícios a que teriam direito se essa exploração se desse aqui.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Para concluir, há mais uns pontos que o Senador Randolfe Rodrigues nos apresentou. Acho que vamos ter oportunidade de aprofundá-los, talvez eles estejam entre os seis que o Senador apresenta para o debate em que estaremos todos com pontos de vista divergentes, para discutir. Vou tratar de um deles em especial, que´é a lista de classificação de benefícios criada no PL, que foi encaminhada pela Casa Civil. A Câmara acatou essa proposta.
Bom, é preciso explicar antes de onde vem essa ideia. Um dos pontos principais de divergência na discussão desse PL quando se tratava da criação do fato gerador é que se poderia haver produtos que teriam características especiais em que não se teria uma evidência muito clara se o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional - especialmente vamos falar aqui do patrimônio genético - usado na elaboração daquele produto é ou não fator essencial para que ele seja um produto diferenciado. Vou dar dois exemplos aqui: o primeiro é a cera de carnaúba, que é usada para comprimidos na indústria farmacêutica. Se impedimos ou dificultamos o uso desse componente da biodiversidade, estamos dizendo que, na composição do remédio que está sendo vendido, essa é uma característica completamente dispensável tanto para a indústria farmacêutica quanto para o usuário, porque o que ele quer é resolver o problema com o princípio ativo que está lá dentro.
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A cera de carnaúba é usada para envolver a cápsula para que ela seja absorvida de uma maneira mais eficiente pelo organismo. É isso. Se ele tiver que substituir, como já acontece hoje, ele substituirá.
O outro exemplo é o avião. O avião pode ter uma tinta que tenha um componente da biodiversidade brasileira. Vamos colocar repartição de benefício sobre 1% do avião da Embraer, porque ele usa essa tinta? Sabe o que vai acontecer? Ele não vai usar essa tinta. Ele vai usar outra, tinta sintética - é isso que vai acontecer.
Então, nesses casos, a gente precisaria criar - essa foi uma demanda muito importante que nos trouxe especialmente a CNI - porque o pessoal que lida,os setores econômicos de cosméticos e fármacos estão mais acostumados com esse debate, com essa discussão, eles têm um conhecimento mais aprofundado e mais tranquilidade sobre o fato gerador que nós construímos ao longo desse tempo nas discussões. Mas eles tinham uma preocupação, que era esta: de em setores que não têm nenhuma familiaridade com o tema se verem, de repente, envolvidos numa legislação que não lhes diz respeito. Aí eles colocaram essa proposta. Na verdade, eles não colocaram, nós apresentamos essa proposta como uma solução para o problema dessa insegurança jurídica. A lista de classificação nasce assim: para criar uma segurança jurídica.
Aí temos os problemas colaterais dela, que foram apresentados por vários comunidades, principalmente pelos provedores. Quais seriam? Se a lista não existe, não haverá incidência porque ela hoje está proposta como uma lista positiva.
Na verdade, quando a gente fala da lista de classificação...
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Não deveria ser negativo?
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Então, isso. Vou abordar isso agora.
Entre positiva e negativa, para nossa opinião é que é uma diferença muito pequena, porque mais importante do que isso seria uma outra discussão que vou colocar aqui e que a gente pode aprofundar mais depois.
É o seguinte: a lista positiva é feita com base na lista NCM, essa proposta da lista que está aqui. É um modelo aplicado hoje ao IPI, que usa a lista NCM e trata de quase 30 mil produtos. Na incidência do fato gerador do IPI, nós temos alíquotas que são diferenciadas entre quase todos esses produtos. Uma gama enorme de alíquotas.
No nosso caso, a gente trata de uma alíquota, de 1%. E seria razoável... Aí fica uma outra questão que discutimos muitas vezes entre os próprios Ministérios que é: temos dilemas legais, mas que podem ser resolvidos com regulamentação infralegal.
Eu não vou tratar de todos os detalhes, são 25 remissões à regulamentação nesse PL. Não posso tratar de tudo isso em uma lei e fazer aqui uma lei de 200 páginas. Então, qual é a ideia por trás da lista? Nós não faríamos uma lista de 30 mil NCMs; não é uma lista inacabável. Eu até imprimi para poder mostrar, é uma lista que dá um calhamaço assim, de 30 mil produtos. No nosso caso, nós vamos estar falando de uma lista que não define a incidência. Isso é um outro equívoco. Acho que foi o Senador Telmário que disse que a lista é um problema para poder dizer qual é a incidência, onde se terá ou não incidência. Não é a lista que define a incidência. A legislação é muito clara: quem define incidência é o art. 17, que delimita qual é o fato gerador.
A lista de classificação dá uma lista de possibilidades de incidência. E nessa lista pode-se muito bem aproveitar a organização da lista NCM que trata de capítulos, seções e NCMs propriamente ditos.
NCM é uma nomenclatura comum do Mercosul, é uma estrutura, um sistema harmonizado que foi criado entre os países para que a gente possa identificar de forma clara cada produto a ser comercializado entre os países. Para isto que ela serve: para identificar os produtos. E eles estão colocados dentro de grupos.
Então, não faria sentido a gente tratar, já que é uma alíquota só de 1%, fazendo a listinha de onde tem, onde não tem. Então, o que a gente faria? Vamos pegar as seções, vamos dizer, seja de forma negativa ou positiva, o importante... Por isso que a gente, a princípio, colocou positivo, porque faria mais sentido técnico, só por isso. Diz o seguinte: os capítulos tais, tais e tais são passíveis de incidência. Os capítulos que tratam de produtos siderúrgicos, produtos que vão ser fornecidos para a indústria nuclear, produtos minerais, minérios, uma série de produtos, avião, máquinas e equipamentos, etc. Uma série de produtos em que não haveria essa incidência. E a gente não precisa mencionar isso.
E quando for o caso, a gente pode colocar tais capítulos - cada um deles com mil ou mil e quinhentas NCMs - são passíveis de incidência, e podemos criar as exceções. Podemos dizer que, no capítulo tal, que não é um capítulo que está definido inteiro como incidência, aquele pequeno grupo de NCMs lá tem incidência.
Na verdade, a lista não é nem positiva nem negativa, ela é as duas coisas ao mesmo tempo. Ela vai ter que ser tecnicamente construída com critérios que tenhamos lista positiva de capítulos; negativa de subitens dos capítulos ou de NCMs.
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Então, essa discussão não faz muito sentido, se é negativa ou positiva.
O que vem agora? O que faz sentido? Foi a principal pergunta que o senhor retornou no meio da minha fala, que é a possibilidade de não se haver incidência caso a lista não seja publicada. Isso é outra história. Se a lista não for publicada, realmente, temos um problema para efetivação da legislação.
O nosso entendimento é o seguinte..
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - E como corrige isso? Como se ajusta?
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Como se evita o problema do vacatio legis, no caso da não publicação?
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Isso.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Temos uma proposta que é, no nosso entendimento, inicialmente, quando se discutiu isso, éramos três Ministérios os que estariam ali elencados para a decisão dessa lista. Por que só três? Os outros não têm direito? Tem, mas é porque a lista nasceu com aquele objetivo que mencionei lá atrás de se definir a não incidência em alguns casos críticos onde não se sabe se tem ou não elemento principal agregador de valor, como está previsto na legislação. Aí seriam, sim, o Ministério da Indústria, o MCTI e o MMA, que poderiam contribuir nesse processo, mas, democraticamente, acabamos acatando a proposta de que entrassem novos Ministérios, e criou-se um fato que complexou um pouco o encaminhamento. Mas, a princípio, continuou-se com a mesma estratégia, que é: estamos no âmbito do Governo, e o Governo tem a capacidade de se entender. O que facilitaria esse processo? Talvez uma emenda de texto que transforme esse acordo que é de governo para o formato de decreto, porque, afinal, estamos falando do Governo. Se a Presidenta disser para os Ministros que eles têm que se entender, eles vão se entender.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Nesse aspecto, o senhor aponta que poderia ser possível...
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Uma lista positiva feita por decreto, por exemplo.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - E tivesse uma alteração de texto que pudesse apontar para isso.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Exato. Essa eu acho que seria a mudança de fundo, digamos, de consenso.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Só por último, Dr. Rafael, o senhor poderia... não sei se passou despercebido, me falar sobre a questão da moratória, prevista no art. 17,inciso X.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Não é moratória. Seria daquilo que está regido pela legislação anterior a 2000.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Sim.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Antes de o Rafael responder, deixe-me só dar uma informação.
O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Socialismo e Democracia/PSOL - AP) - Pode, inclusive, ser o Dr. Gaetani.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Não, ele vai complementar, mas quero começar dando uma informação.
Até hoje, foram autuados, do ponto de vista de multas, alguma coisa em torno de 240 milhões. Desses, foram pagos efetivamente 0,098%. Não chega a 0,1% o que foi pago. Por quê? Porque, dadas as imperfeições da legislação, a judicialização praticamente inviabilizou a arquitetura construída nesses 15 anos.
O que estamos criando? Estamos criando uma situação de migração dos passivos do passado para todos virem para dentro do sistema. Vão entrar no sistema; é feito um acerto; abate-se uma parte; negocia-se; propõe-se um acordo, para que todos possam começar, daqui para a frente, dentro do sistema. Por que achamos isso importante? Porque, do ponto de vista da reputação, o risco da reputação das empresas que estão explorando patrimônio genético brasileiro, hoje, vai incentivá-las a aderir ao sistema. Agora, não temos como resolver o que aconteceu no passado e o que gerou essa judicialização. Esse é um ponto de partida da situação que propusemos de uma possibilidade de abatimento de multa, que não se confunde com anistia, onde eles têm que vir para dentro, têm que acertar, têm que fazer as contas, têm que fazer acordo em termos de conhecimento, quando houver conhecimento tradicional, para que possamos começar um sistema novo em que todos estejam alinhados e pactuados dentro de uma nova realidade regulatória em benefício da produção e da repartição.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Muito obrigado.
Eu só iria complementar que existe também a possibilidade da insegurança jurídica, quando se quer impor a qualquer cidadão o respeito a uma regra que não existia na época. Não havia essa obrigação. Hoje, o fato gerador é um fato complexo e diferente do que havia naquela época. Antigamente, o fato gerador da repartição de benefícios se dava em diversas etapas, inclusive no acesso, na pesquisa, por exemplo, o que não fazia sentido. Hoje, temos um fato gerador claro, que permite ao Estado que faça a fiscalização.
Outra coisa que se diz do PL é que não vai fiscalizar, que não vai ter rastreabilidade. Muito pelo contrário, nós estamos criando todas as condições para que, sim, possamos focar e, digamos, estreitar o fato gerador em um ponto, que é o ponto chave, que agrega toda a cadeia produtiva até aquela ali. Então, reduz-se o âmbito de ação do Estado, o tamanho do ambiente em que o Estado vai atuar, mas aumenta-se muito a capacidade do Estado de ser efetivo naquilo que está fazendo.
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Então, sim, o nosso entendimento é de que hoje estamos criando um ambiente para que as empresas entrem no modelo, participem do sistema, respeitem a legislação, e criando as ferramentas para que quem fugir ao sistema seja fiscalizado e receba as punições da legislação. Hoje, as condições são dadas para isso, no PL. Atualmente, o que está na MP de 2001 é o contrário, é justamente a bagunça que impede qualquer efetivação de multa, de aplicação de fiscalização e, inclusive, de rastreabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Eu queria passar ao Dr. Hélcio Botelho um questionamento do Dr. Eduardo Romano, para que o senhor o responda. É do Ministério da Agricultura.
O SR. HÉLCIO BOTELHO - Bom, Sr. Presidente, Eduardo Romano pergunta: "O PL acaba com as atribuições da CTNBio, colocando todas as decisões da CTNBio sob tutela do CGen, dessa forma modificando significativamente os fundamentos da Lei de Biossegurança?"
Eu diria que não, porque a CTNBio tem legislação específica sobre o assunto; e também não está em pauta acabar com o CGen, que vai continuar e apenas vai mudar a sua forma de trabalho.
Outro questionamento - se me permitem - feito pelo Senador Randolfe diz respeito à inclusão das duas leis, tanto a lei de proteção de cultivares quanto a de sementes e mudas. São duas leis de ações afetas ao Ministério da Agricultura, o qual não poderia de forma nenhuma deixar que se discuta o ponto de usar ou vender produtos que contenham patrimônio genético deixando de fora duas leis que regem especificamente o termo de comercialização e assegurando o direito da propriedade intelectual da semente. Apenas isso.
O Ministério não se sentiu confortável em deixar de fora essas duas leis, até por um excesso de zelo, porque, em algum momento, lá na frente, essas pessoas que trabalham no caso que está sendo discutido aqui, que é a definição da variedade tradicional local crioula, poderiam estar inclusive entrando de alguma forma na clandestinidade, já que estão desrespeitando a lei. Nós só estamos pedindo para observar essas duas leis, que existem e fazem parte da normativa dentro do Ministério da Agricultura. Apenas isso.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Pois não.
Passo aqui para o Dr. Francisco um questionamento feito pela Drª Tânia Maria de Almeida Alves, para que ele responda.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Vou começar a responder e depois passarei a palavra para o Dr. Paulo Beirão, que pode complementar a resposta.
A pesquisa científica sobre determinados organismos deveria ser estimulada quando realizada por instituições públicas com recursos públicos; no entanto, os processos burocráticos iniciantes para pesquisa têm desestimulado os pesquisadores. Para se ter uma ideia, caso decida investigar cem espécies de plantas apenas para se ter alguma noção de seus constituintes químicos, gastando-se duas horas para fazer o projeto, duas horas para fazer o relatório parcial e duas horas para o relatório final são mais de 600 horas e 75 dias de trabalho. O objetivo do projeto é exatamente desobstruir a bioprospecção. Nós pavimentamos o caminho, desburocratizamos, simplificamos, de modo que seja feito apenas o registro para que a rastreabilidade seja assegurada posteriormente, mas todos os incentivos para que seja simplificada a bioprospecção foram proporcionados ao projeto.
Quanto à questão do financiamento, nós estamos justamente criando o fundo para fazer com que ele retorne para a atividade de bioprospecção, naturalmente com primazia da atividade de pesquisa e desenvolvimento, sob o comando do Ministério da Ciência e Tecnologia. Além disso, estamos também propondo, numa outra iniciativa paralela que não está no projeto ainda, que a possibilidade de pesquisa em unidade de conservação seja favorecida em projetos de compensação ambiental. É uma iniciativa que estamos explorando e vamos começar a discutir com o Prof. Beirão justamente porque as unidades de conservação são os maiores depositários dessa biodiversidade que nós queremos transformar em riqueza nacional e repartição de benefícios.
Mas passo a palavra ao Professor Beirão para complementar.
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O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Prof. Beirão.
O SR. PAULO SÉRGIO LACERDA BEIRÃO - Muito obrigado.
Essa iniciativa, esse PL, realmente, simplifica muito a burocracia em relação ao marco legal que existe hoje - e de uma forma extraordinária. Foi mencionada a média de tempo para autorizações, que ultrapassa os 500 dias. Quer dizer, agora, o registro poderá ser feito on-line se se utilizar a estrutura, como estou oferecendo aqui, do CNPq, da forma mais simplificada possível. Aliás, o CNPq, nos últimos anos, vem fazendo um esforço junto ao CGen para acelerar as autorizações que são feitas à pesquisa básica, e isso tem sido muito bem sucedido e reduzido muito a burocracia.
É claro que são necessários projetos para serem avaliados, que são necessários relatórios - isso é um padrão mundial. Você tem que ter alguma coisa a ser avaliada, mas o que eu queria enfatizar é que a estrutura que nós criamos no País, em termos de desburocratização dos processos de apresentação de projetos de pesquisa, tem sido referência mundial, tanto assim que a gente vê países da Europa e mesmo os Estados Unidos buscando conhecer os mecanismos que nós aprimoramos.
Então, a gente pode chamar de burocracia a necessidade de realizar relatórios, mas isso, obviamente, tem que ser reportado. O esforço que a gente está fazendo é para que seja o mais objetivo, o mais simplificado possível e on-line. A pessoa, da sua casa ou do seu escritório na universidade, pode fazer isso tudo usando a estrutura que hoje nós temos no CNPq.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Com a palavra o Senador Jorge Viana.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu só queria, além de agradecer a todos e cumprimentar V. Exª por esta audiência, dizer que nós ainda temos uma missão enorme amanhã, qual seja, ouvir uma série de entidades, de instituições e também as populações que, de certa forma, são o sentido maior de nós estarmos trabalhando esse projeto: um benefício a elas, um melhor uso dessa riqueza.
Eu esqueci algo e gostaria que o Gaetani pudesse dar um encaminhamento final. Trata-se de algo, para mim, fundamental: desse PL, quantos artigos nós vamos necessitar de uma legislação que vá fazer com que ele possa ser melhor detalhado?
Isso mostra bem um ponto de convergência. Nós estamos fazendo um regramento básico e, depois, nós teremos de ter um trabalho ainda intenso, garantindo a participação tanto do governo quando da sociedade, para fazer a regulamentação de muitos dos dispositivos desse PL. Para mim, como disse, esse é um ponto que pode ser fundamental para encontrarmos o consenso mínimo necessário e apreciarmos a matéria.
Então, em uma matéria complexa como essa, que necessita de tanta regulamentação, eu queria o número, porque é um número realmente robusto a quantidade de dispositivos que nós vamos ter que regulamentar depois, o que mostra que nós estamos fazendo uma regra básica, que estabelece princípios básicos, garantias fundamentais, mas que, depois, nós teremos, sim, que fazer os ajustes necessários - e podemos fazer isso conjuntamente.
Eu gostaria de um comentário a mais, porque penso que, assim, dá para termos uma ideia do que é... Porque, senão, fica parecendo que nós já estamos aqui tomando uma decisão que vai prejudicar populações tradicionais, o meio ambiente ou que vai criar regras que vão dificultar ainda mais a competitividade do Brasil e a possibilidade de o Brasil se modernizar, de o Brasil fazer uso de uma vantagem comparativa que tem diante do mundo e que, teimosamente... Aliás, essa sua observação, Secretário, foi muito importante: as empresas só mudam de endereço, os propósitos, às vezes, se mantêm. E o Brasil está perdendo muito com isso, uma vez que as empresas estão indo para a Colômbia, estão indo para o Peru, enfim, estão indo trabalhar com os vizinhos que são parte da nossa Amazônia, por conta da falta de regras básicas, de garantias mínimas em nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Francisco Gaetani) - Senador, obrigado pela pergunta, que é muito oportuna.
Nós já fizemos um levantamento: são 25 os artigos que nós teremos de detalhar na regulamentação.
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Então, já estamos preparando para, tão logo o projeto conclua a tramitação, começarmos esse esforço de regulamentação. E, nesse esforço de regulamentação, de preparar um decreto, assumimos o compromisso, inclusive com os movimentos sociais, as comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombolas, de fazermos um esforço de discussão, de escuta mais qualificada, para que a gente possa, no detalhamento, também ter uma participação mais ampla e que dê mais robustez ao processo de implementação da legislação.
O Senador Otto mencionou aqui, em algum momento - não me recordo se ele falou informalmente ou se falou depois, ou falou no microfone -, que provavelmente essa lei vai precisar de aprimoramentos. Teremos que testar muita coisa, e o senhor falou também sobre testar. Temos que testar uma legislação melhor e temos que assegurar o clima de confiança e de construção que houve nesse processo, para que, se houver necessidade, aprimoremos imediatamente.
Então, o esforço de regulamentação vai começar imediatamente, a partir desses 25 dispositivos. E essa proposta vai ser trabalhada junto aos nossos interlocutores que auxiliaram na construção desse processo e àqueles que não se sentiram contemplados na escuta necessária, para que a gente possa ter um processo mais robusto e mais aderente à realidade.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Apoio Governo/PT - AC) - Eu só queria, antes de V. Sª concluir, ver se era possível termos um compromisso público aqui, porque são muito importantes as audiências que vamos ter amanhã. E qual é o compromisso público? Há um problema: os movimentos sociais têm líderes, e esses líderes não têm autonomia de simplesmente deliberar, de tomar uma posição sobre uma coisa ou outra. Quando criamos um mecanismo de audiências públicas no País, ele passou a ser algo fundamental para a vida dessas próprias organizações.
Queria considerar aqui também, na busca, se é possível haver o compromisso do Governo, do Ministério do Meio Ambiente, de capitanear, de conduzir, de ser o condutor junto aos outros órgãos de audiências públicas formais, no momento da regulamentação desses 26 dispositivos da lei. Se houver isso, passaremos a ter elementos, para assumirmos, aqui no Senado, o Presidente da Comissão e eu, como Relator, com as populações e dizer: está garantindo que na regulamentação, em que vamos ter o regramento que deixa muito bem claro, ele será precedido de audiências públicas, suprindo algumas deficiências desse ajuste, porque a Câmara mudou, e não deu tempo de constar como deveria... E muitas reclamações vêm nesse sentido, e eu queria ouvir V. Sª sobre esse aspecto.
O SR. FRANCISCO GAETANI - Senador, obrigado pela intervenção.
Houve da nossa parte, inclusive assumimos junto às negociações, falha em relação a promover esse processo de audiências públicas estruturadas. E esse compromisso nós assumimos na reunião que tivemos com os povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, no processo de regulamentação. Não podemos falar pelo Governo, mas pelo Ministério do Meio Ambiente, afirmamos que faremos esse processo de forma a que todas essas críticas e sugestões sejam incorporadas à discussão. Não podemos corrigir o passado, mas podemos assumir o compromisso de que, doravante, o Ministério, nesse processo de regulamentação, vai fazer essas audiências de forma estruturada e qualificada.
O SR. RAFAEL DE SÁ MARQUES - Só para complementar, o próprio MDIC já defendeu que devemos - ou a Casa Civil, ou o próprio MMA, que foi quem coordenou e está mais próximo desse tema - promover as consultas públicas não apenas em audiências públicas, mas de forma estruturada por ferramentas de consultas públicas, de modo que até quem estiver lá no Acre, e não puder vir à reunião aqui, poderá, por via eletrônica, mandar a sua contribuição; ler o que está sendo proposto e mandar a sua contribuição. Já temos reunião com o Ministério da Justiça que dispõe dessas ferramentas. Está marcado para eles cederem para que a gente possa usar e fazer isso da forma mais democrática possível.
O SR. PRESIDENTE (Otto Alencar. Bloco Maioria/PSD - BA) - Como não há nenhum orador inscrito, declaro encerrada a audiência pública, convocando reunião para amanhã às 8h e, depois, reunião às 10h.
(Iniciada às 9 horas e 18 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 31 minutos.)