10/12/2014 - 43ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Havendo número regimental, declaro aberta a 43ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 54ª Legislatura.
Submeto à apreciação do Plenário proposta de dispensa de leitura da ata da reunião anterior e aprovação da mesma.
Os Senadores e Senadoras que estiverem de acordo com a proposição permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A presente reunião, convocada na forma de audiência pública, atende aos Requerimento nºs 36, de 2014-CE, de minha autoria e do Exmº Sr. Senador Cyro Miranda, e nº 44, de 2014-CE, de minha autoria e do Exmº Sr. Senador Paulo Paim, para realização de audiência pública destinada a instruir o Projeto de Lei da Câmara nº 37, de 2013, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e para tratar do financiamento das políticas sobre drogas.
Dando início à audiência pública, solicito ao Secretário da Comissão, Júlio Linhares, que acompanhe os convidados para tomarem assento à Mesa.
Convidados: convido a Srª Clarice Salete Traversini, Diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC); convido o Sr. Alexandre Teixeira Trino, Coordenador Adjunto de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde; Elisaldo Luiz de Araújo Carlini, Diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid); Sr. Jaime César de Moura Oliveira, Diretor-Presidente Substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Bom dia a todos!
Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado e da Rádio Senado; portanto, todos os órgãos de comunicação da Casa.
A reunião contará, ainda, com os seguintes canais de interatividade com o cidadão: Alô Senado, através do telefone 0800-612211 e e-Cidadania, por meio do Portal www.senado.gov.br/e-cidadania, que transmitirá ao vivo a presente audiência e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet.
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Nós já começamos a receber algumas dessas perguntas. Os interessados poderão acessar, ainda, o Facebook e o Twitter do Senado Federal, para participarem desta audiência. A audiência também poderá ser assistida pelo site YouTube, através do endereço eletrônico http:youtube.com/tvsenado.
O Senado é a única Casa legislativa do País que transmite todas as suas sessões diariamente, em tempo real, pelo YouTube e agora, também, já faz isso nas comissões de trabalho.
Quero registrar as presenças de Diogo Soares, Adjunto de Diretor da Anvisa; Raquel Pedroso, Coordenadora do Projeto de Prevenção ao uso de Drogas nas Escolas da Coordenação de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde - o nome é grande, longo; Daniel Assis, Consultor de Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde; Marcos Paulo Dias Rodrigues, Chefe da Assessoria Parlamentar da Anvisa; Andressa Porto, Relações Governamentais da Rede Justiça; Pedro Binsfeld, Assessoria da Presidência da Anvisa; Camila Xavier Gontijo, Representante da Associação de Pacientes.
Sejam todos bem-vindos a esta reunião!
Só para esclarecimento, o requerimento para esta audiência pública foi apresentado via e-Cidadania, que é o portal de participação interativa do Senado, com o apoiamento de 10 mil assinaturas. Portanto, é uma audiência pública fruto da participação direta do cidadão no Senado Federal, para nos instruir a respeito do projeto que trata da política nacional de drogas, oriunda da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), relatada pelo Senador Antonio Carlos Valadares, e, aqui, nesta Comissão, trataremos da questão sob a ótica da sua relação com educação, passará a ser relatada por mim nesta Comissão de Educação, Cultura e Esporte.
Nós já aprovamos requerimento no sentido de dar prosseguimento a este debate e devemos, a partir do próximo ano, manter algumas audiências públicas sobre essa temática, para poder adaptar esta visão da Comissão de Educação, Cultura e Esporte a respeito da política nacional de drogas do nosso País. Portanto, esta audiência pública inaugura a nossa discussão neste tema aqui, na Comissão de Educação.
Agradeço a todos os envolvidos, a todos que estão aqui presentes, aos que estão nos acompanhando através da TV Senado, YouTube, e-Cidadania e de todas as outras formas de comunicação que o Senado mantém com o cidadão.
Vamos iniciar a nossa audiência. Antes, porém, sugerimos o tempo de 15 minutos para cada um dos expositores, tendo, claro, um pensamento de não impedir ninguém de finalizar o seu raciocínio, nós daremos o tempo necessário para que cada um possa concluir. Apenas estabelecemos um tempo para que possamos ter um planejamento do período de realização da audiência pública e permitir a todos o mesmo nível de participação igualitária. Certo? Quando o tempo se esgota, sem a minha intervenção, o relógio do Senado é programado, ele dará um aviso para solicitar a conclusão da fala.
Vamos, então, iniciar pela ordem daqueles que convidei ou pela ordem aqui da Mesa. Talvez seja melhor...
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(Intervenção fora do microfone.)
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - ... pela ordem da Mesa.
Então, aceitando a sugestão da Drª Clarisse, uma das nossas convidadas, a minha parceira nesta Mesa como mulher, eu passo a palavra ao Prof. Dr. Elisaldo Carlini.
Muito obrigada.
Estamos com uma quantidade grande de participação no e-Cidadania, provavelmente, mais de cem perguntas e opiniões a respeito.
O SR. ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI - Pois não.
Antes de começar a fazer minha explanação, por meio de eslaides, eu gostaria, em primeiro lugar, de agradecer demais a honra do convite recebido. Tenho satisfação de estar aqui presente na companhia de colegas de diferentes Ministérios.
Eu gostaria também de dizer alguma coisa a respeito do meu currículo.
Sou formado em Medicina por mais de 60 anos. Desde 1957, lido com essa área de drogas, problemas de drogas. Fui membro do INCB, que é o órgão internacional das Nações Unidas, ligado, especificamente, ao programa de drogas, durante dois mandatos, e sou, atualmente, membro da Organização Mundial de Saúde, do comitê de peritos sobre drogas. Então, é uma experiência muito antiga, e o antigo pode ter valor, às vezes, porque quem não sabe a história repete seus erros.
E, antes de eu começar a falar sobre o assunto em si, eu gostaria de dizer o seguinte: aqui, no Brasil, o problema sobre drogas passou por vários momentos importantes. O primeiro momento da atualidade foi o primeiro Programa Nacional de Políticas sobre Drogas através da Presidência da República. Então, por meio de um órgão existente na Presidência da República, foi criado o Confen, Conselho Federal de Entorpecentes, que, depois, evoluiu ao sair da Presidência da República para o Ministério da Justiça, e foi feito um grande programa nacional de consulta popular, do qual praticamente todos os membros ativos trabalhando na área participaram.
Houve, inicialmente, cinco grandes reuniões localizadas no Rio Grande do Sul, Sudoeste, Norte e Nordeste, onde cerca de 300 a 400 pessoas convidadas discutiram três ou quatro dias o que achavam que deveria ser o consenso popular sobre o problema de drogas. Depois de haver essas cinco ou seis reuniões muito grandes, reuniu-se praticamente todas essas comissões em Brasília - havia mais de mil pessoas presentes - e, depois de cerca de quatro a cinco dias -, chegou-se finalmente ao Programa Nacional de Políticas sobre Drogas.
É um programa que ainda existe, ligado ao Ministério da Justiça e ao Conad, Conselho Nacional de Política sobre Drogas, que tem uma Secretaria executiva que é a Senad, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Mas não é só isso que tem no Brasil. Eu gostaria de citar, por exemplo, na parte mais biológica, mais médica, por exemplo, evoluiu bastante o programa. Nós passamos a ter a redução de danos como algo aceito oficialmente no Brasil todo; junto ao problema de redução de danos, a maneira de se encarar o problema de drogas, abriu-se os CAPS AD, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas. Isso evoluiu para programas, agora, que estão numa briga ideológica muito importante, em São Paulo, que vou comentar algo sobre isso, que é o problema de internação ou não internação compulsória. E eu conheço pelo menos uns três outros programas de prevenção às drogas que estão indo, mas sem haver uma coordenação central, que acho que talvez seria a função do Legislativo brasileiro pedir que haja mais coordenação.
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O Ministério da Saúde tem programas nesse sentido, o Ministério da Educação tem programas nesse sentido e o Ministério da Justiça tem programas nesse sentido. E eu não vejo realmente, como veterano de muitas datas, de longa data militando nessa área, o que está havendo de muita colaboração para o entendimento mútuo em relação a esse assunto.
Outra coisa que eu acho que também deveríamos levar em conta - eu sou médico, sou professor de Medicina - é que durante muito tempo houve uma espécie de predominância do discurso médico ao se encarar o problema de drogas. Isso não está correto. O problema de drogas não é puramente de patologia, de doença. É um problema que envolve também Antropologia, Medicina, conforme eu já disse, Sociologia, religião, envolve os múltiplos aspectos do conhecimento humano. Isso deveria ser mais discutido em conjunto, para que possamos ter uma ideia mais ampla dessa amplitude enorme que é o ser humano que usa drogas. E nós ainda teimamos em estudar a droga esquecendo o ser humano.
Eu vou abordar agora, muito rapidamente, um aspecto apenas que está ocorrendo em São Paulo, que eu acho muito relevante. Não é o mais importante dos problemas de uso de drogas no País, como o de uso do crack e da cracolândia. O álcool é muitas vezes mais um problema de saúde pública do que o uso do crack, mas o que está na cabeça de todo mundo é o problema das tragédias individuais, muito mais do que a tragédia de saúde pública, que é o problema do álcool. Mas eu quero me restringir a esse aspecto, para poder comentar muito rapidamente como eu acho que deveríamos nos envolver mais. E eu acho que o nosso Legislativo tem participado, como já está fazendo.
Em São Paulo, está ocorrendo atualmente uma discussão sobre o problema das cracolândias. Como resolver esse problema? Atualmente nós temos praticamente uma guerra aberta entre duas ideologias sobre como tratar esse problema. Uma tem mais influência do Estado; outra, tem mais influência da Prefeitura de São Paulo. A do Estado é chamada "Recomeço", e o programa da Prefeitura é "Braços Abertos". A diferença grande é que o "Recomeço" permite a internação compulsória, e o "Braços Abertos" não admite a internação compulsória.
O projeto que eu recebi hoje também leva em consideração a internação compulsória, do chamado "Recomeço".
Eu vou passar muito rapidamente, porque acho que o importante é citar alguma coisa.
O problema de redução de dano desde muito tempo atrás é reconhecido como algo que deve ser feito. Já é aceito por todo mundo, então há pouca resistência, respeito, eu acho que nós não precisamos discutir mais. É saber, por exemplo, que o INCB, que é o órgão das Nações Unidas que lida com esse assunto, falou, em maio de 2003, que reconhece a importância de redução de danos em uma estratégia de prevenção terciária.
Esse reconhecimento é universal. Eu não quero comentar mais sobre ele, mas saber que isso é reconhecido no mundo inteiro. Este INCB, esse órgão, então, a intervenção que ele considera, também não quero mencionar. E aí, definir o que é redução de dano, para que todo mundo entenda isso.
O outro órgão das Nações Unidas, em 2002, diz que redução de danos refere-se a políticas ou programas que visam diretamente reduzir o dano resultante do uso de álcool ou drogas, tanto para o indivíduo, como para a sociedade. O termo é usado particularmente para programas que evitam reduzir o dano, sem necessariamente exigir a abstinência.
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Então, essa definição oficial nós não vamos discuti-la mais, porque é uma coisa que eu acho que já está... Podemos discuti-la não agora neste local, não é?
Há exemplos vários de redução de danos. Eu quero só, por exemplo, mencionar o seguinte: ele deve atingir várias coisas... Não deve ser isso, não deve ser isso. Massacre no Carandiru, passe para frente. Este eu quero comentar. Os estudantes, em junho...
Por favor, volte ao eslaide anterior.
Eu quero mostrar o que aconteceu em junho do ano passado, em São Paulo, com os estudantes e com a Polícia do Estado de São Paulo. Esse é um quadro dramático.
Próximo eslaide, por favor.
Aí temos o Rio de Janeiro. Vocês vêm aí praticamente a figura de um gladiador; ele está massacrando, com os pés, dois estudantes que estavam envolvidos numa passeata. Esse tipo de situação está muito perigosa em São Paulo.
Próximo eslaide.
Na realidade, o que acaba ocorrendo é que se ouve falar, em torno desse tema, de estudantes com o uso de drogas, algo que está transformando a nossa opinião em opiniões puramente ideológicas, que deveríamos mudar sobre isso.
Próximo, por favor.
E aí eu queria dizer, por exemplo, que a polícia de São Paulo nem sempre praticou esse tipo de violência. Era famosíssima, em São Paulo, a dupla Cosme e Damião, que saía em cavalos à noite, uma dupla que corria a cidade socorrendo as pessoas que estavam na rua dormindo, necessitando de auxílio - coisa que poderíamos repetir.
Próximo eslaide, por favor.
A polícia nem sempre é assim. O Corpo de Bombeiros de São Paulo...
Próximo eslaide, por favor.
E também há uma coisa importante que devemos entender: como é que a polícia tem que tratar a população civil? Esse é um aspecto que eu tenho frisado muito, como médico, como professor, trabalhando no Departamento de Medicina Preventiva, dizendo: "Nós não podemos imaginar que a Polícia Civil deva ter um treinamento que seja feito por oficiais do Exército. Nós não podemos imaginar um Exército que não esteja planejando eliminar o inimigo". E esta é uma frase famosíssima que surgiu quando, lá no Chile, o Presidente Salvador Allende pediu que o Exército procurasse impedir o caos, e o Ministro do Exército daquela ocasião disse: "Presidente, o Exército, quando vai às ruas, é para matar". Então, essa é uma coisa que eu tenho muito medo de que possa vir a ocorrer no Brasil, se nós não tomarmos cuidado em relação ao que nós estamos discutindo.
Próximo eslaide, por favor.
Este daqui é um exemplo típico do projeto chamado Recomeço. Esta moça está sendo tomada à força, felizmente já por agentes da saúde, para ser levada compulsoriamente para ser tratada. Isso está causando problemas enormes em São Paulo. Eles se recusam, não querem ir.
Próximo eslaide, por favor.
Esta mulher, por exemplo, não quis se internar voluntariamente, porque era moradora de rua, usuária de crack, e tinha um cachorro que era o grande afeto da vida dela. E ela disse que não iria, que ela não iria abandonar o seu cachorro por causa da internação. Então, na realidade, eu considero esta uma foto absolutamente importante, porque mostra que o craqueiro tem personalidade, mostra que ele tem sentimentos, mostra que ele tem solidariedade e que ele é um excluído da sociedade através de programas que eu acho péssimos - são programas que tentam fazer com que a força perdure e vença ao invés do diálogo.
Próximo eslaide, por favor.
Mostro dois projetos diferentes, ambos atualmente ativos em são Paulo.
Próximo eslaide, por favor.
Existe uma alternância para isso, que é o Consultório de Rua, feito por um médico da Bahia, Dr. Antonio Nery Filho.
Próximo eslaide, por favor.
Pode pular.
Aqui mostram crianças de rua desenhando, através de instrução das pessoas desse projeto Consultório de Rua.
Próximo eslaide, por favor.
Esta é a instrutora, com sua camisa vermelha, lidando com dois meninos de rua, mais um velho, usuário de drogas.
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Isto é o que acho que nós devemos imaginar como termos absolutamente importantes para serem inseridos em quaisquer programa de recuperação para a sociedade com indivíduos que têm problemas com o uso de droga.
Próximo eslaide, por favor.
Eu queria dizer também a vocês uma coisa que acho importante: a chamada higienização da sociedade. Isso é um exemplo que vem de muito tempo atrás, de Roma antiga. Um jovem condenado à morte por...
(Soa a campainha.)
O SR. ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI - Já se passaram os 15 minutos? Então, dois minutinhos mais.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Pode prosseguir por mais cinco minutos.
O SR. ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI - E agora, recentemente, nosso Ministro do Supremo Tribunal Federal lançou mão desse conceito: "Se lançavam para a morte, do alto da Rocha Tarpeia, ao arbítrio de alguns, as crianças consideradas fracas ou debilitadas."
E eu considero os jovens que usam drogas fracos e debilitados. Eles não podem ser tratados como se tivéssemos de tirá-los do meio, porque estão, simplesmente, sujando o meio, enfeiando o meio, prejudicando nossa consciência, que fica pesada por causa disso.
Próximo eslaide, por favor.
Eu queria citar que, quando falamos de internação à força, nós não estamos sequer falando nada de novo. Isso está contido em novos projetos de lei. Em 1921, isso está escrito em livro, Gazeta Clínica, no art. 6º da Lei 4.294:
"O Poder Executivo creará no Districto Federal um estabelecimento especial, com tratamento médico e regimen de trabalho, tendo duas secções: uma de internandos judiciários e outra de internandos voluntários."
Então, nós estamos tentando repetir, em 2014-2015, algo por meio de uma lei... Sei que parece que há um projeto de lei federal que em São Paulo está sendo discutido).
Próximo eslaide, por favor.
Em 1924, foi criada a Liga da Higiene Mental no Brasil. Essa Liga perdura até hoje em campos da psiquiatria, em que esse processo em ter a raça purificada, a raça melhor, sem o problema de drogas vigendo, não é?
Próximo eslaide, por favor.
Aí, em 1938, repete-se a lei novamente. A Internação e da Interdição Civil, art. 27 do decreto de 1938: "A toxicomania ou a intoxicação habitual, por substâncias entorpecentes, é considerada doença de notificação compulsória..."
Art. 29: "Os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado ou não."
Eu vou parar por aqui, porque eu acho que o mais importante que nós temos de discutir é esse aspecto que está contido no ar, que está sendo motivo de brigas em São Paulo, atritos entre duas ideologias que se digladiam em São Paulo. Acho que o problema de internação compulsória é algo que deveria ser rediscutido. Isso aqui é um exemplo de que nós não conhecemos a história brasileira e podemos repetir o erro que nós fizemos há quase um século.
É isso o que tinha a dizer a respeito, da maneira que eu imagino a situação.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Muito obrigada. Se o senhor quiser complementar o raciocínio ou acrescentar alguma coisa, não há problema. O tempo é apenas como referência. Mas, se o senhor precisar, pode estender ou mesmo em outro momento voltar.
O SR. ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI - Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Passo, portanto, imediatamente, a palavra ao Sr. Jaime César de Moura Oliveira, representante da Anvisa, Diretor-Presidente Substituto.
O SR. JAIME CÉSAR DE MOURA OLIVEIRA - Muito obrigado, Senadora.
Bom dia a todos!
Cumprimento a todos os presentes, os companheiros de Mesa. Parabenizo a Comissão pela realização desta audiência e, especialmente, pela possibilidade de quem, não estando presente aqui, também acompanha, via YouTube, poder participar no envio de questões e comentários para cá. Esse tipo de instrumento é fundamental para que essa discussão, com muito esclarecimento, principalmente a respeito de posições institucionais, venham a ter o alcance necessário, em nível nacional, a respeito de um tema como este.
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A própria composição da Mesa já revela muito a variedade de aspectos que são tratados neste projeto de lei, como política geral, desde questões que envolvem prevenção, o amparo e a assistência aos dependentes de drogas, passando por questões que chegam até ao uso recreativo de certas substâncias, previstas em um dos artigos aqui, e chegando também a matérias que são mais afetas à competência da Anvisa. E aí eu me refiro diretamente ao art. 30-A, projeto que trata da possibilidade de importação ou possibilidade de uso de medicamentos produzidos a partir de derivados ou produtos diretos da cannabis, da maconha, para uso medicinal. Nesses produtos é que eu vou me ater mais ao final da minha apresentação.
Antes disso, é importante eu fazer algumas ponderações a respeito do papel institucional na Anvisa, quando a gente está tratando de questões relacionadas à Política Nacional sobre Drogas.
A Anvisa tem papéis indiretos, no entanto, importantes para esta política, como, por exemplo, regulamentação de condições sanitárias de operação de comunidades terapêuticas, que são instrumentos fundamentais da Política Nacional sobre Drogas, para o tratamento, para o amparo, para o acolhimento de dependentes químicos, e tem outros papéis mais diretos. Atualmente, o papel que está mais em voga, mais discutido, mais aparente em relação à Anvisa, são as discussões a respeito de aprovação de produtos, de medicamentos que utilizam, que são produzidos a partir de substâncias que hoje em dia são proscritas no País.
Vou me ater mais diretamente à cannabis, à maconha, em função de ser uma discussão que já vem ocorrendo durante esse ano todo na Anvisa e que tem despertado maior atenção a respeito do papel da instituição, a respeito do papel da Anvisa.
Muitas vezes se atribui à Agência determinados papéis em relação à possibilidade de utilização de medicamentos produzidos a partir principalmente da maconha, da cannabis, que não são papéis diretamente relacionados à competência da Anvisa. O uso medicinal dessa planta envolve muitas questões que dizem respeito à atuação da Agência. Mas envolve também muitas outras questões que dizem respeito a uma atuação de vários órgãos do Poder Público, incluindo também a produção legislativa aqui no Senado Federal e na Câmara dos Deputados.
É importante que se tenha essa dimensão bem esclarecida a respeito de qual é o alcance da competência da Anvisa nessa matéria porque, muitas vezes, determinados tipos de questionamentos ou imagina-se que determinadas decisões podem ser tomadas exclusivamente no âmbito da Anvisa enquanto não podem, elas dependem de uma série de outros órgãos públicos e, muitas vezes, dependem de atuação normativa que está fora das atribuições da Agência.
Na Agência, hoje em dia - e isso vou tratar com mais detalhes, comentando especificamente o art. 30-A do Projeto de Lei nº 37, de 2013, porque algumas coisas a gente pode extrair de lá a título de contribuição para a própria discussão do PL - discute-se atualmente a reclassificação de um dos canabinoides presente na maconha, que é o canabidiol. Atualmente, tem-se isolado cerca de 85 canabinoides, cada um com propriedades específicas, os mais conhecidos são o canabidiol, o THC e o canabinol, que, hoje em dia, por conta da forma como a legislação é construída, todos eles acabam sendo incluídos dentro de um anexo da Portaria nº 344, que é a portaria que elenca todas as substâncias que podem causar dependência física ou psíquica, por conta de como essa legislação é construída, acabam entrando em listagens da Portaria nº 344, que resultam na proibição, na proscrição desse tipo de substância no País.
Próxima, por favor.
Vejam que a apresentação é longa. Por isso vou pular alguns eslaides para ir direto ao ponto.
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Como eu estava dizendo, a discussão que hoje em dia existe na Anvisa a respeito de uso medicinal da maconha ou de derivados da maconha diz respeito ao canabidiol, um dos canabinoides presentes na planta, e que está acompanhado de outros três canabinoides, em termos de composição da planta e dos canabinoides que hoje em dia são conhecidos, são isolados na maior quantidade, o THC, o canabinol e o próprio canabidiol. Estamos tratando de uma substância, portanto, da maconha.
O canabidiol pode ser extraído da maconha através de um determinado processo, que está descrito nesse eslaide, mas, hoje em dia, você não tem esse produto isolado, pelo menos disponível no mercado, existem iniciativas para se isolar esse produto ou pelo menos para produzi-lo de forma sintética, mas os produtos que hoje em dia estão disponíveis em outros países possuem canabidiol juntamente com, na maior parte das vezes, quantidade residual de outros canabinoides, principalmente o THC.
O canabidiol tem um potencial terapêutico identificado pela literatura que compreende todas essas doenças que vocês podem ver aí descritas no eslaide. O levantamento de literatura foi feito através de uma pesquisa PubMed, com mais de 500 artigos científicos, há referências. Logicamente que o grau de comprovação de benefícios terapêuticos do canabidiol, em relação a qualquer uma dessas doenças, variam de acordo com o grau e a profundidade de pesquisas que foram feitas a respeito dela. Nesse eslaide seguinte, vocês podem verificar onde está com o maior número de estrelinhas é o maior nível de literatura, tratando do potencial terapêutico do canabidiol. Então, vocês veem que esquizofrenia tem um grau de evidência superior, por exemplo, à utilização do canabidiol para tratamento de transtornos do humor ou de transtornos de ansiedade.
Essa apresentação estará disponível, então vocês podem pegar detalhes, porque alguns trechos podem estar difíceis de enxergar.
Isso aqui também é o levantamento feito por profissionais, por pesquisadores da USP de Ribeirão Preto, a respeito de potencial terapêutico do canabidiol para várias doenças - na verdade, não é sobre o canabidiol, são de alguns canabinoides, exceto THC, em que há pesquisas científicas indicando potencial terapêutico.
O que se discute, hoje em dia, em relação ao canabidiol quanto a potenciais riscos e benefícios que ele pode oferecer? Quais são as principais questões que são tratados hoje em dia? Bom, primeiro que não há evidências na literatura de que o canabidiol causa qualquer tipo de dependência; as evidências que existem, inclusive, levam a crer que ele tem o efeito antagônico em relação ao THC, que é o principal componente psicoativo da maconha. O segundo ponto é que - é um detalhamento do primeiro, na verdade - as referências científicas indicam que o canabidiol não possui não possui esse efeito psicoativo que é encontrado no THC. Existem carências de informação a respeito do mecanismo de ação, dose, indicações terapêuticas, segurança e eficácia desse produto.
Então, apesar de existirem indícios, indicativos, do potencial terapêutico dele e da inexistência de efeitos negativos ou pelo menos de efeitos psicoativos semelhantes ao THC, mecanismos de ação, doses e indicações terapêuticas ainda faltam detalhamentos na literatura a respeito desse tipo de aspecto relativo ao uso de canabidiol.
Existem deficiências em relação à prescrição, a orientações técnicas para prescrição, muito embora sobre o tema, o uso medicinal do canabidiol, estejam crescendo as discussões em termos de intensidade dentro de conselhos médicos; o Cremesp, em São Paulo, já tem uma resolução com orientação para prescrição do canabidiol, e o Conselho Federal de Medicina está em discussão e com previsão de, em breve, também, soltar uma resolução a respeito.
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E existem também evidências de que o uso a curto prazo não gera riscos significativos, e quanto ao uso a longo prazo, não há conclusões exatas a respeito do potencial impacto negativo que possa ser gerado.
Existem estudos clínicos sendo desenvolvidos a respeito do uso do canabidiol. Do total desses estudos, foram identificados 51 estudos no banco de dados do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Desse total de estudos, 39%, 20 estudos entre estes 51, dizem respeito ao produto Sativex, um produto registrado, um medicamento registrado já aprovado na Agência Europeia, na EMA, com a principal indicação no tratamento da dor, analgésico, portanto. É um produto que possui 50% de canabidiol, 50% de THC. Esse produto, o Sativex, muito recentemente, em novembro, houve pedido de registro dele na Anvisa. Anteriormente, tinha havido um pedido de inspeção na planta produtora desse produto e mais recentemente houve um pedido de registro dele, no mês passado, na Anvisa. Então, toda discussão a respeito de eficácia e segurança desse produto terá início para verificar se será registrado também no Brasil. É um produto registrado na EMA, na Agência Europeia.
Vocês vêm que há uma concentração muito grande de estudos clínicos sendo realizados na Europa, 31; Estados Unidos, 8 estudos; Canadá, 5 estudos; Israel, África do Sul, México, Chile, também existem estudos sendo desenvolvidos a respeito do canabidiol especificamente. No Brasil, a USP Ribeirão Preto desenvolve estudo clínico para avaliar os efeitos terapêuticos do canabidiol no tratamento da doença de Parkinson.
Existem produtos comerciais contendo canabidiol que já estão disponíveis no mercado. Alguns desses produtos hoje em dia têm sido objeto de autorização excepcional da Anvisa para importação no Brasil, para servir como apoio no tratamento de sintomas de algumas doenças, principalmente doenças que geram convulsão. O Sativex, esse produto que acabei de mencionar, 50% THC, 50% canabidiol, que está registrado na EMA, e que existe um pedido recente de registro feito no País. Epidiolex é um outro produto que está me fase de estudos clínicos. RSHO, Real Scientific Hemp Oil, que não tem registro para uso medicinal, é um produto que, nos Estados Unidos, é comercializado como um suplemento alimentar e que existem importações em caráter excepcional para o Brasil por autorização excepcional da Anvisa. E dois produtos sintéticos com registro para uso medicinal tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, que é o Dronabinol e o Nabilone.
Aqui também informações a respeito dos produtos que já estão disponíveis no mercado em relação à concentração de canabidiol e de THC em cada um deles.
Estes são os países em que existe uso lícito de canabidiol para fins terapêuticos. Vocês vêm que há uma gama grande de países em que há algum tipo de regime, seja autorização do produto, seja algum outro tipo de esquema de acompanhamento do uso do produto por pacientes: Israel, Itália, Holanda, Dinamarca, Alemanha, República Tcheca, Espanha.
Tratados internacionais, eu vou pular.
A situação regulatória no Brasil. Hoje em dia o canabidiol, no Brasil, não consta nominalmente na lista da Portaria nº 344. Considera-se o uso dele vedado, proscrito, porque ele é considerado um dos extratos da cannabis, um dos extratos da maconha. Então, ele está incluído ou na lista E ou na lista F2. A lista E trata de plantas proibidas e na Lista F, todo sistema F de listas, F2 entre elas, é de substâncias de uso proscrito no Brasil, porque podem gerar efeitos entorpecentes ou psicotrópicos. Essa classificação atual do canabidiol está sendo discutida na Anvisa desde maio deste ano, que foi a primeira vez que foi pautado na diretoria colegiada, e deve ser concluída ainda neste ano a discussão a respeito da reclassificação do canabidiol.
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O que está sendo discutido é a retirada do canabidiol especificamente das listas em que hoje em dia ele está incluso para classificação na lista C-1, que é uma lista de não proibição, mas de uso controlado.
A Anvisa, durante esse período, para viabilizar acesso aos medicamentos que contêm canabidiol, vem conferindo autorizações excepcionais de uso desse produto, basicamente mediante a apresentação de prescrição médica. Já foram quase 300 pedidos feitos, 238 foram autorizados, alguns estão em análise e outros foram arquivados por circunstâncias variadas, e o prazo médio de análise dessas liberações são de nove dias. Então não existe, por parte da Anvisa, prazos não razoáveis para a apreciação desse pedido. Muito pelo contrário. Esse prazo que existe hoje em dia, inclusive, é resultado de uma simplificação grande de procedimentos feitos. Logicamente que o paciente - e isso é indesejável, estamos trabalhando no sentido de melhorar - não consegue receber hoje em dia o medicamento em casa. Ele tem que retirá-lo em um aeroporto ou um porto por onde ele for importado. A maioria dos produtos, ou quase a sua totalidade, é importado via aeroporto. Isso não é por questões regulatórias da Anvisa; isso é por questões regulatórias na área tributária. Tem havido, por coordenação do Ministério da Justiça, conversas entre Ministério da Fazenda e a Anvisa para eliminar essa restrição.
Esse é o procedimento, hoje em dia, para liberações excepcionais da Anvisa.
Paralelamente à discussão a respeito do uso de canabidiol, existem ações da Anvisa para se estabelecer um monitoramento sobre os pacientes que estão utilizando esse tipo de produto. É um protocolo de cooperação em curso entre a Anvisa e a Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, USP.
O uso medicinal do canabidiol já vem sendo tratado, como falei anteriormente, por conselhos na área de prescrição médica, conselhos de médicos. O Conselho Federal de Medicina está em discussão; o Cremesp já soldou uma resolução a respeito do assunto - essa é a resolução do Cremesp.
E pontos em debate na Agência a respeito da reclassificação do canabidiol. Quais são as questões que estão sendo tratadas? A primeira questão é de evidências científicas quanto ao perfil farmacológico, ou seja, riscos benefícios relacionados ao uso do produto. Isomeria com THC é uma questão técnica referente aonde o canabidiol está classificado hoje na Portaria nº 344. Efeitos práticos da reclassificação do canabidiol - isso é importante destacar - não é a reclassificação do canabidiol ou mesmo a reclassificação de qualquer outro canabinoide, entre eles o THC, que vai viabilizar a importação direta do produto. O que viabiliza a importação direta do produto, a disponibilidade do produto no mercado nacional é o registro de produto na Anvisa. Muitas vezes existem confusões a respeito de onde se vai levar, onde se vai chegar com a reclassificação do canabidiol e THC e não vai se chegar à disponibilidade do produto no mercado nacional.
Discute-se também a adequação da lista C-1 para a reclassificação e esses dois outros pontos que dizem respeito ao aprimoramento ao processo de importação e monitoramento de produtos e pacientes que estão atualmente utilizando o canabidiol.
Especificamente em relação a um artigo que diz respeito ao uso medicinal de produtos derivados da maconha, que está em discussão no PL. Refiro-me ao art. 30-A: "É permitido a pacientes ou seus representantes legais importar derivados e produtos de cannabis para uso medicinal."
Nessa primeira parte do dispositivo é importante que se tenha clareza de que essa importação já é possível. Ela é possível mediante autorização excepcional da Anvisa quando estamos falando de um medicamento. Nessa parte inicial do dispositivo pode se estar querendo - e é legítimo para determinados tipos de uso - que a importação não de medicamentos, mas a importação de outros produtos com muito menos nível de processamento, como, por exemplo, a própria folha da maconha com algum nível de processamento, pode estar querendo pretender a importação desse tipo de produto, logicamente que vai depender de regulamentação por parte do órgão federal da área de saúde, de Anvisa, ou de outro órgão na forma de regulamento. Portanto, não é um dispositivo autoaplicável. Muitas vezes se espera que essas medidas tragam resultados imediatos para quem quer ter acesso a esse tipo de produto. Essa medida não é autoaplicável, ela vai precisar de regulamentação, seja por parte da Anvisa, seja por parte de outro órgão, exigindo-se a apresentação de receita médica e autorização do órgão federal da área da saúde.
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Isso já ocorre. O principal elemento que existe para a Anvisa fazer liberações excepcionais dos produtos contendo canabidiol é a receita médica, é a prescrição médica. Então, em termos de alteração, na situação atual que hoje é verificada e que já é admitida pela legislação, esse dispositivo tem um alcance limitado, tanto por não ser autoaplicável, porque depende de regulamentação, quanto porque a matéria principal de que ele trata já é uma matéria que a legislação atual autoriza, que a legislação atual permite.
Eu creio que são esses dois pontos principais que eu gostaria de comentar a respeito do 30-A, e fico à disposição para outros questionamentos.
Obrigado.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Muito obrigada.
Enquanto o Sr. Jaime falava já chegaram algumas muitas perguntas direcionadas à Anvisa. Eu vou separando e vou passando para ele.
Quanto ao número de perguntas, eu quero agradecer a todos aqueles que estão nos acompanhando pelo e-Cidadania e participando nessa interatividade, já passa muito de cem perguntas, são 170 agora, quase 200 perguntas, não apenas perguntas, comentários que nos chegam através do Portal e-Cidadania. Já estou tentando, aqui na Mesa, separar algumas perguntas para as distribuir, mas não está fácil face ao grande número delas. De qualquer forma, as que eu identifiquei claramente com a expressão Anvisa eu já vou passando ao Dr. Jaime, para que ele possa lê-las e, em uma segunda rodada, dar algum tratamento à questão.
Agora vou passar a palavra à Profª Clarisse Salete Traversini, Diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação.
A sua fala é muito importante porque ela se dirige justamente à essência, digamos assim, da relação que nós temos que tratar nesta Comissão, que é essa relação drogas/educação/ escola e a forma como é tratada nas nossas escolas públicas. E depois nós vamos também tratar das escolas privadas.
A SRª CLARICE SALETE TRAVERSINI - Bom dia!
Em primeiro lugar, eu também gostaria de agradecer à Senadora Lídice da Mata pelo convite. Agradecer também a oportunidade de ouvir os colegas da Mesa, porque sempre é um aprendizado, e informações que a gente tem sobre isso. Agradeço também a colega que vai passar o eslaide porque ajuda muito.
Antes de iniciar, eu gostaria de dizer duas coisas com relação a isso que a Senadora acabou de comentar. Nós tivemos aqui na semana passada com a nossa Secretária de Educação Básica, Profª Maria Beatriz Luce, em que tratamos da Base Nacional Comum Curricular, que é, então, um processo que nós estamos iniciando e que o Plano Nacional de Educação nos instiga, nos exige, que tenhamos pronto até 24 de junho de 2016.
E o que significa a Base Nacional Comum? É um conjunto de conhecimentos para que todos os estudantes brasileiros possam aprender em todas as regiões do País. Seriam os conhecimentos essenciais para aprendizagem. Junto com a Base Nacional Comum nós temos a parte diversificada porque, como o Prof.Carlini também comentou quando estávamos aguardando a reunião, o nosso País é muito grande e o que nós entendemos por conhecimento em um lugar não necessariamente em outro contexto ele vai ser trabalhado, ensinado e aprendido daquele jeito.
Então, nós estamos trabalhando com esse processo onde se rediscutirão os conhecimentos fundamentais para serem aprendidos por todos os estudantes.
Próximo, por favor.
Então, no projeto de lei, nós temos dois ou três aspectos que já estavam contemplados e passamos a acrescentar um que é muito importante, que vai na direção do que esta Mesa já apontou.
Inicialmente ter uma mobilização para a Semana Nacional da Política sobre Drogas, a intensificação do debate, da informação e as ações educativas, então justamente para trabalhar na prevenção. E a prevenção tem a ver muito com o nosso estudante.
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Vejam: nós estamos hoje com a exigência da educação pública de não mais sete a quatorze, mas quatro a dezessete anos. Então, o ensino médio entra como educação obrigatória. Isso nos compromete muito mais com esse processo de conscientização e prevenção.
O estudante precisa encontrar na escola um lugar de desenvolver seu projeto de vida. Se ele não encontrar isso na escola dificilmente temos como trabalhar a questão da prevenção. Então, isso é algo muito importante para nós e justamente é o que a gente está acrescentando nesse projeto, que é a divulgação de informações, a atenção também a algum dos nossos alunos dependentes, mas dentro dessa ideia da reinserção e de não trabalhar como estigma, porque é muito forte na escola o estigma com um familiar desse aluno e com um próprio aluno que tem isso. Essa ideia de trabalhar o processo de inclusão escolar não é só do deficiente, mas também é do estudante que está passando por algum momento em si e na sua família que precisa desse acolhimento, dessa atenção para poder trabalhá-lo.
Pode passar, por favor.
Nós tivemos avanços importantes na nossa legislação brasileira, principalmente naquela frase que tem a menor na prevenção, na educação, é a nossa frase importante. A prevenção não pode ser um tema transversal. Ela precisa integrar a formação do sujeito dentro do ambiente integral. E a prevenção não só a questão das drogas, mas a de um processo de trabalhar a prevenção no sentido do não preconceito, do não estigma, daquilo que não fortalece a formação do sujeito como um sujeito plural. Isso é fundamental para a gente. E como que a gente trabalha isso? Com a noção de direitos. A noção de direitos, para nós na educação, é a noção do direito a aprender e a desenvolver-se - isso também é outra coisa importante. E no direito de aprender e desenvolver-se não é só o aluno que é responsabilizado pela sua aprendizagem, mas as instituições públicas precisam que essas condições sejam ofertadas.
Próximo.
Temos, na questão legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a nossa LDB, que trata do direito da proteção à vida, à saúde, do desenvolvimento do educando do seu preparo para a cidadania, a qualificação para o trabalho. Então, temos legislações que nos amparam fortemente para trabalhar essa questão.
Pode passar.
Eu deixo disponível e vocês podem ver.
A principal legislação, que nos ajuda bastante nesse processo, são as diretrizes curriculares nacionais para a educação básica. E eu trouxe aqui uma delas que integra as diretrizes curriculares que é a do ensino médio, que é um dos nossos pontos importantes dado, pois uma das maiores incidências que se tem é com jovens; e é onde nós precisamos atingir. E é no ensino médio onde temos um fortalecimento maior da construção da identidade entre a escola e o território. Isso vai desde a educação infantil, mas é no ensino médio em que o sujeito tenha mais forte o reconhecimento a pertencer a um território, a pertencer a um grupo, a construir a sua identidade.
Nos parece que aqui temos um locus para poder ter uma maior atenção a esse sujeito que está construindo a sua identidade.
Pode passar, por favor.
Dentro disso, temos, nas diretrizes, um artigo específico que nos exige que no projeto pedagógico das unidades escolares nós trabalhemos com ações intersetoriais para ter claramente a prevenção do uso de drogas. Então, nesse processo temos ações concretas em que a gente consegue, junto aos estudantes, desenvolver esse processo de prevenção, de valorização da vida, de protagonista que é por via da ação indutiva chamada Programa Mais Educação, que vocês devem ter ouvido falar e devem conhecer e, no ensino médio, Ensino Médio Inovador, em que temos uma extensão do tempo e de atividades com esses alunos.
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No ensino fundamental, o Programa Mais Educação passa de quatro para sete horas, tendo no contraturno oficinas. E nós estamos em um processo, no desenvolvimento do PNE, que é passar não para turno e contraturno, mas para um turno único, que não tenha matérias exigentes de manhã e o lazer à tarde, como temos visto, mas poder mesclar isso.
E, no ensino médio inovador, cinco ou sete horas, conforme a possibilidade da escola.
Pode passar, por favor.
Então, dentro disso que eu estava comentando com vocês, o conceito que nós trabalhamos e que tem muita relação com o Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social é a ideia de integralidade.
Então, nós temos: educação integral, como a educação, o desenvolvimento, não só cognitivo do sujeito, mas também social. Por isso, as oficinas do contraturno escolar têm todo um processo de desenvolvimento: esporte, arte, agroecologia, para a educação do campo.
Então, uma série de aspectos que o tempo da aula de quatro horas não dá conta.
Então, nós temos um território de responsabilidade; a intersetorialidade, que é algo muito novo para nós, historicamente, no País e difícil de fazer. É bonito teoricamente, mas é difícil de fazer, porque envolve conversas de ambos os lados.
A proteção integral. Isso precisa ser vivência cotidiana.
Por isso, na nossa concepção, o tema transversal não dá conta, pois é abordado esporadicamente. A gente precisa trabalhar o pertencimento desse nosso aluno e a possibilidade de ele ter um protagonismo dentro da escola diariamente; de tempos em tempos, isso não ajuda. É preciso que ele se confronte todos os dias com situações que o façam perceber-se pertencente àquele local.
Pode passar, por favor.
Aí, nós trouxemos alguns conceitos em que a gente trabalha: educação integral, que se aproxima do cuidado integral, dessa ideia de integralidade; e o segundo conceito, que nos ajuda na proximidade da intersetorialidade: ações no território.
Isso é importante, porque o território é o lugar ao qual esse sujeito pertence, seja do seu cotidiano da vida, da instituição escola, onde ele trabalha. E, no território, ele tem, no mínimo, capilarizadas no Município duas instituições de apoio, que é a escola e a unidade básica de saúde.
Então, é essa relação intersetorial que precisamos estreitar neste processo. E isso chega a todos os Municípios, a todos os bairros e que podemos aproximar.
Hoje, nós temos também o centro de referência da assistência social com o fortalecimento de vínculos, o que nos tem auxiliado muito, principalmente com os programas. O Peti, por exemplo, nosso Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, tem nos ajudado muito nesse processo.
Pode passar, por favor.
Qual é o locus para esse favor de prevenção? Então, é a ação nesse território escolar e o território como o lugar de pertencer. Eu faço parte dali. Eu faço parte. Eu vejo ali um lugar onde eu posso desenvolver um projeto de vida.
Eu friso muito, de novo, o que eu disse no início: se o território escolar não for um lugar em que o nosso estudante perceba que, ali, ele tem uma possibilidade de construir um projeto de vida, ele não vai permanecer e acreditar nesse potencial de desenvolvimento.
Então, esta é uma das nossas preocupações para agir: o território como um lugar de promoção de saúde e prevenção ao uso de drogas.
Pode passar, por favor.
Para a ideia de se ter um escola republicana nesse sentido, é preciso, primeiro, de todo um esforço de ações cotidianas para despertar o estudante a fazer a gestão cotidiana do seu destino.
Esse despertar não é feito por meio de palestra, ele não é feito por meio de exposição de conteúdos. Ele é feito por meio de ações que interessem a ele desenvolver; que ele possa encontrar sentido naquilo.
Eu não digo que toda exposição, que aula expositiva não seja importante, mas, se ele não se sentir mobilizado para isso, nada vai acontecer. Ele simplesmente vai fazer um trabalho escolar.
Então, a criação desse espaço para ele encontrar o seu espaço de vida. Aí, entra a ideia de autoria e de autonomia.
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Eu recomendo a vocês, se tiverem oportunidade de ver, um vídeo feito há poucos dias do nosso projeto chamado Trajetórias Criativas. Foi tema do Profissão Repórter, na semana passada, em que há todo um trabalho com jovens de 15 a 17 anos que ainda estão na escola. Esse projeto foge totalmente à organização da escola e faz uma outra proposição, justamente tentando fazer com que o sujeito, o estudante, perceba que vale a pena ele ver na escola, construir na escola, um projeto de vida.
Onde nós percebemos metodologias muito produtivas que estão mobilizando nossos estudantes, em especial de 15 a 17 anos?
Em arte e em esportes. São duas áreas extremamente importantes. Quando eu falo em arte, eu me refiro à produção de conteúdo por meio de tecnologias (filmes, pequenos vídeos que contem do cotidiano, que contem da vida), representações teatrais, a elaboração de pautas para serem representadas, a elaboração de pautas para que se vá a campo fazer pequenos filmes.
Por que eu trago isso para esta audiência?
Porque isso nos instiga a repensar metodologias de trabalho com os jovens.
Hoje se diz que o jovem não escreve mais. Ele escreve muito quando é algo por que ele tem interesse. Então, no Trajetórias Criativas, nós tivemos alunos programando páginas e páginas de uma peça de teatro, por exemplo. Quer dizer: a escrita é uma escrita...
(Soa a campainha.)
A SRª CLARICE SALETE TRAVERSINI - ... para aquilo que interessa. Então, acho que isso é uma metodologia importante para a gente ver.
Pode passar para mim, por favor. Eu já estou finalizando.
Aqui é a ideia, então, dos programas, na educação integral; no ensino médio, o Ensino Médio Inovador; a relação escola-comunidade, que está dentro do Programa Mais Educação; e o Programa Saúde na Escola, que é uma articulação com o Ministério da Saúde.
Pode passar, por favor. Passa o final, que eu acho que é importante.
Nós temos, então, uma parceria com a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas). Atualmente, temos um curso de prevenção ao uso de drogas para educadores da educação básica, em que já se chegou a um grande número de vagas ofertadas. Nós temos 17 universidades trabalhando conosco, sendo que a UnB é uma das universidades que mais tem atingido o número de vagas.
Passe o próximo, por favor.
Aqui, uma síntese disso. Então, agora, em 2014, nós temos ofertadas 106 mil vagas em educação presencial e a distância nesse curso, o que representa... Então, aí há o montante de recursos investidos, que é um montante significativo. E essa segunda linha, que é o total enviado a custeio dos projeto da LOA, são as universidades federais que estão em parceria conosco desenvolvendo esses projetos.
Então, do total de metas da Senad, que eram 212 mil, mais ou menos, hoje, em 2014, nós já conseguimos atingir praticamente 80% desse número de vagas. Algumas não estão contabilizadas aí, por conta de alguns procedimentos em andamento que nós temos.
Pode passar o final.
Aí, nós temos, então, nesse curso, uma meta do Programa Crack, É Possível Vencer. Há um erro: possível é com dois esses; depois eu conserto para deixar aí para vocês; foi um erro de grafia.
A meta é 210 mil educadores até 2014, e nós conseguimos chegar a 177 mil vagas. Então, é um esforço intersetorial que se está fazendo, justamente para que possamos ter professores e educadores sociais de outros ministérios e que estão no território, para que possam ter essas informações trabalhadas.
Então, pode finalizar, por favor.
Acho que esta é uma imagem importante, porque a gente não consegue fazer esse processo na escola se a gente não trabalhar a ideia de retirar o estigma; de não estigmatizar. A ideia de ter um mundo onde todos nós caibamos é essa ideia de trabalhar na escola para que não se tenha estigma de nenhum tipo, e isso não tem sido fácil. Algumas instituições não nos têm ajudado, em especial quando a gente tem algumas posições bastante unilaterais de composição do que é a família, por exemplo, ou de algumas críticas em relação à valorização da diversidade. Esse tipo de trabalho não nos ajuda nesse processo de retirada dos estigmas.
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Então, é muito importante que vocês possam nos ajudar nesse processo, os legisladores, para que a gente possa trabalhar essa ideia de um mundo onde todos nós possamos conviver com a diversidade, sem preconceito e sem estigma.
Muito obrigada.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Vou passar a palavra para o Sr. Alexandre Teixeira, que é Coordenador Adjunto de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, como última intervenção.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Bom dia a todas e a todos. Quero cumprimentar a Mesa, inicialmente, por intermédio da Senadora Lídice da Mata, agradecer pelo convite.,
Nós, da Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, temos um enorme prazer de estar aqui debatendo sobre o assunto, sobre o PLC nº 37, que nós é muito caro em termos de interesses, em termos de pautarmos induções e diretrizes dentro do projeto de lei que sejam sinérgicos com a Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Eu queria cumprimentar o Professor Carlini, o Dr. Jaime, companheiro lá da Anvisa; a Drª Clarice Salete, do Ministério da Educação; também saudar o plenário e lembrar que hoje estamos comemorando o Dia Internacional dos Direitos Humanos, uma data muito auspiciosa para nós debatermos aqui, nesta Casa, a partir do eixo da educação, e alinharmos o tema dos direitos humanos com o tema das drogas. Eu acho que é muito auspicioso lembrar isso.
Eu vou começar colocando as nossas diretrizes basilares da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, que vai muito no processo de desconstruir - a partir de uma política de qualificação do cuidado - estigmas e rótulos, que estão bem incrustados, ainda, na sociedade como um todo, em torno não só da questão da loucura, mas também da dependência química, do uso indevido de álcool e outras drogas. A política, nas suas diretrizes basilares, vem produzindo, de alguma forma, concretude, na capilaridade dos territórios, Municípios e Estados, uma rede de atenção psicossocial que legitima essas diretrizes.
Por falar em redes de atenção psicossocial que legitimem essa construção de um cuidado mais qualificado para usuários que fazem uso indevido de álcool e outras drogas, é importante citar os avanços que a gente vem constituindo com a política na implementação de pontos de atenção e equipamentos nesses territórios, principalmente territórios prioritários, em que existem nichos de concentração de usuários. Cito, principalmente territórios onde existem cenas de uso, nos quais, de alguma forma, vimos produzindo uma indução forte de implantação de vários equipamentos - o Professor Carlini citou o consultório na rua como um equipamento emblemático.
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Ali, há equipes atuando nesses territórios, de uma forma bem qualificada e entendendo a realidade desses usuários, usuários esses que têm toda uma complexidade de demandas e necessidades que vão muito além do tema das drogas - é bom que se diga isso.
E, aí, lembro mais uma vez a questão dos direitos humanos e o grau de vulnerabilidade social que esses usuários, por várias pesquisas já realizadas, mostram no seu escopo de demandas e necessidades, da importância de encararmos esse projeto de lei como uma oportunidade de adensarmos esse contexto. E aí, falando um pouco da educação, o que a gente pode inserir de propostas e perspectivas de aprofundamento nesse campo da educação, levando principalmente em consideração pontos dentro do projeto de lei que são muito importantes para nós no que diz repeito principalmente à prevenção às drogas e que, considero eu, dialogam fundamentalmente com o eixo educação?
Acho que a Clarice Salete, do Ministério da Educação, MEC, foi muito feliz na sua apresentação quando trouxe perspectivas de, a partir de uma educação integral, a partir da escola, a gente conseguir produzir resultados efetivos de um trabalho junto à comunidade escolar. E, aí, eu quero citar uma experiência exitosa que nós, do Ministério da Saúde, dentro da Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, temos experienciado com um projeto baseado na prevenção ao álcool e outras drogas nas escolas, mas que não tem como foco trabalhar essa comunidade escolar eminentemente centrada na substância ou na droga em si.
Esse projeto está disseminado em mais de 15 cidades como um projeto piloto que já atende mais de 15 mil alunos e mais de 250 famílias. Ele tem uma metodologia bastante inovadora, justamente por não estar centrada na droga em si, e sim na produção de possibilidades junto a esse aluno e junto à comunidade escolar. Tem como foco principal a formação do professor, para que ele dissemine essa metodologia junto a alunos, a partir das metodologias colocadas, muito para potencializar habilidades e competências junto a essa comunidade escolar, para mediar conflitos, para o aluno ter uma percepção mais abrangente de certas conduções que, às vezes, nas relações afetivas e nas relações sociais, repercutem em processos de vulnerabilidade que fazem com que esse aluno, com que essa criança ou com que esse adolescente vá buscar a droga às vezes muito cedo.
É importante citar que vários estudos comprovam que, quanto mais tarde essa criança ou esse adolescente tiver contato com a droga, mais fácil vai ser. Ele vai ter muito mais ferramentas e referências para saber mediar essa questão de uma forma que não produza sequelas e problemas de uso indevido junto a essa criança, esse adolescente.
Daí a importância de a gente investir fundamentalmente em um projeto como esse , que dialogue não somente com a comunidade escolar, mas que dialogue com um projeto de vida desse aluno, dessas famílias. É importante que se diga que essa metodologia tem um caráter de abrangência dentro das famílias.
Mais do que isso, esse projeto tem uma abrangência dentro do território onde essa criança e essa escola estão atuando, e tem uma abrangência dentro da rede de atenção psicossocial onde está a escola.
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Quando eu digo rede de atenção psicossocial, eu cito todos os pontos de atenção que giram em torno, basicamente, dessa rede: as unidades básicas de saúde, que são os pontos de atenção, e têm maior capilaridade dentro das comunidades.
Essas unidades básicas de saúde têm aí a estratégia de saúde da família como um vetor fundamental de modelo de atenção que já estão, de alguma forma, sendo qualificados na dimensão de álcool e outras drogas.
Nós temos os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) como pontos e equipamentos emblemáticos para nós, da rede de atenção psicossocial, no sentido de atender a usuários, principalmente os CAPS AD, os centros de atenção psicossocial focados em álcool e outras drogas.
A partir dessa promoção do cuidado, no que tange à prevenção às drogas, nas escolas, com a dimensão de um comprometimento desse projeto com a rede que está posta no território, consideramos fundamental também citar aqui a importância de se investir na qualificação de profissionais e gestores da rede de atenção à saúde, da Rede Suas (Sistema Único de Assistência Social) e também da rede de educação, como estávamos falando anteriormente, no sentido de produzir mais massa crítica e qualificação das atividades para esses profissionais.
Vamos combinar que, dentro do campo da saúde mental, o eixo álcool e drogas vem avançando de forma bastante intensa nos últimos anos. Mas entendemos que essa qualificação dos profissionais, dos gestores que estão lá na ponta, recebendo essas demandas, é fundamental. E aí citar várias estratégias, dentro do Ministério da Saúde, de qualificar esses profissionais.
Existe hoje, a partir de um termo de cooperação com a Universidade Federal de Santa Catarina, um curso já em andamento em álcool e drogas, que já tem 3,5 mil alunos, no caso, profissionais e gestores de saúde, que estão sendo qualificados em álcool e outras drogas, com esse vetor de trabalho, que vai desde todo um processo de orientação da promoção do cuidado, junto ao usuário de álcool e outras drogas, como também o processo de prevenção nesse contexto.
Quero citar também uma outra estratégia importante no campo da formação, que é o Projeto Caminhos do Cuidado. Esse projeto é da Secretaria de Gestão, Trabalho e Saúde, do Ministério da Saúde, em cooperação com a Coordenação Nacional de Saúde Mental, que visa à qualificação de agentes comunitários de saúde e técnicos de enfermagem das equipes de saúde da família.
É um projeto muito ambicioso, pois tem uma meta de qualificar 295 mil agentes comunitários de saúde no País. Ele começou no início de 2014, e, hoje, nós já temos 200 mil agentes comunitários da saúde qualificados em álcool e outras drogas, no sentido de espraiarmos, de ampliarmos o nosso escopo de atenção a usuários de álcool e outras drogas, eminentemente focados na estratégia de saúde da família.
Como eu disse, anteriormente, é o modelo de atenção que mais chega próximo da população e que tem, por excelência, a partir do modelo de atenção primária em saúde, um foco importante nas principais demandas e necessidades que surgem do território.
(Soa a campainha.)
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O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - E, a partir disso, essa prioridade de atenção ao álcool e outras drogas vai - e a gente não tem a menor dúvida de que isso vai acontecer a partir de uma qualificação como essa - ter seu processo de qualificação do cuidado muito aquecido, na medida em que esses agentes comunitários de saúde, junto às equipes de saúde da família, tenham um protagonismo de cuidado junto a esse usuário.
Outros pontos eu gostaria de citar em relação ao eixo educação, por nós considerado um eixo importante - e acho que estratégico - para refletirmos e produzirmos mais imersão no que diz respeito à formação de conselheiros. Dentro dessa perspectiva do projeto de lei, há todo um contexto de estratégias, de ampliação da participação social na formulação, implementação e avaliação da política sobre drogas no País; e de como podemos investir na qualificação desses conselheiros a partir dessas diretrizes, no sentido de produzirmos mais massa crítica junto a essa reflexão sobre drogas, num contexto mais ampliado, que dê efetivamente uma legitimidade maior junto a essa questão para, como disse o Prof. Carlini - o próprio Jaime colocou isso, e também a Salete -, darmos a dimensão ampliada que esse tema merece para a sociedade.
Por fim, eu só queria salientar também que é importante a gente ter a atenção de promover investimentos e estudos que digam respeito à avaliação dos resultados de políticas sobre drogas no País. As universidades, nesse processo, têm um papel fundamental na ampliação de estudos que, para nós, do Ministério da Saúde e da Coordenação Nacional de Saúde Mental, têm um valor de uso importantíssimo, como o Jaime já trouxe vários estudos a respeito do canabidiol, estudos acadêmicos. Para nós, o avanço no processo de investimentos relacionados a estudos acadêmicos nesse contexto é importante e estratégico.
Por ora, vou ficar por aqui e a gente, agora, acho que vai partir para a plenária, para as perguntas.
Obrigado pela atenção.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Muito obrigada, Dr. Alexandre.
Vou fazer o seguinte. Todos os painelistas já se pronunciaram. E nós temos aqui um número... Nem sei mais dizer quantas manifestações houve aqui; eu dei um pouquinho a cada um - provavelmente são muito mais de 200. Mas muitas delas não são perguntas, a maioria esmagadora não são perguntas; são comentários a respeito do tema.
E a presença da Anvisa na Mesa provocou, sem dúvida alguma, um debate à parte, que é o posicionamento da Anvisa nesta discussão da liberação das substâncias derivadas da maconha. Há muitas manifestações a respeito disso, muitas manifestações se posicionando contra ou a favor da legalização da maconha e da descriminalização de outras drogas; há muitas manifestações a favor e algumas outras contra. Há manifestações a favor do uso como medicamento e contrárias ao uso recreativo. São manifestações as mais diversas.
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Algumas manifestações feitas sobre a questão mais propriamente dita, algumas poucas sobre internação ou não internação, liberação, principalmente, que foi a discussão colocada pelo Prof. Elisaldo, e algumas últimas manifestações a respeito da discussão sobre a questão das drogas nas escolas.
No entanto, vou sugerir que nenhum dos senhores se manifeste especificamente sobre uma resposta ou outra, porque o número é muito grande, e nós não vamos poder dar todas as respostas, até pelo funcionamento do Senado. Nós temos um tempo previsto para finalizar esta reunião.
Eu tenho um contato pessoal com esse assunto, pois também estou me debruçando sobre o projeto. É claro que a temática da política de drogas se insere em muitas áreas, desde a área, digamos assim, da doença, do tratamento daquele que é hoje considerado uma pessoa com uso abusivo da droga até à situação da questão da segurança pública - libera ou não libera? Quais as quantidades?
Esse tipo de coisa está, também, refletida no projeto de lei. Há a discussão com a Anvisa, sobre o funcionamento da Anvisa; sobre a liberação dos derivados da cannabis ou da maconha; sobre a política de prevenção e o seu tratamento dentro das escolas. Eu sei da posição do MEC de não permitir nenhum tipo de, digamos assim, caracterização, de bullying, de exclusão do jovem usuário de droga na escola, mas, sim, de uma reinserção dentro do projeto escolar e, portanto, de reintegração a uma ideia de reencontrar um projeto de vida.
Pessoalmente, conheço casos - sei e todos nós que trabalhamos com educação sabemos disso -, especialmente em muitas escolas privadas, de jovens que tenham sido identificados, flagrados no uso da droga que, muitas vezes, são até expulsos da escola. Não sei que tipo de relação o MEC tem de estabelecer com essas instituições.
Há também a questão que envolve posicionamentos religiosos, tudo isso. Para a Coordenação de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, até mesmo a distribuição dos recursos da saúde: deve-se concentrar a sua disputa pelas comunidades terapêuticas, de um lado, ou pelos programas de políticas públicas dos Estados e dos Municípios, centrados na política de construção dos CAPS AD? Ou mesmo projetos ressaltados aqui de atuação junto às comunidades de rua, com a população de rua, destacadamente os Consultórios de Rua, desenvolvidos na Bahia pelo Dr. Antonio Nery e pela Drª Ana Pitta em dois projetos diferentes.
É muito largo. A discussão envolve muitos aspectos. Por isso, estou sugerido que a gente possa fazer uma fala final, diante do que vocês conseguirem ler. O único para quem eu não passei ainda foi o Dr. Alexandre, que falou por último, mas vou dar oportunidade de ele ler algumas dessas manifestações. Assim, podem ter ideia do que as pessoas estão falando e fazer uma fala final a respeito do tema. Tudo o que vocês disseram foi gravado, foi transmitido e vai constar de alguma forma.
Eu vou tentar incorporar isso nessa discussão do nosso relatório e levar adiante com outras audiências públicas que vamos ter.
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Pessoalmente, acompanho essa discussão há cerca de 20 anos. Quando prefeita de Salvador, eu fui procurada por duas áreas. Uma, o Dr. Fábio, vindo da cidade de Santos, meu ex-companheiro de movimento estudantil, ele de Londrina e eu da Bahia. Todos conhecem muito o Dr. Fábio, à época na Secretaria de Saúde de Santos tratando da Aids, iniciando o debate sobre prevenção à Aids no Brasil, procurou-me para, em nome desse projeto, projeto que ele desenvolvia na prefeitura de Santos, discutir a política de distribuição de seringas para usuários de drogas que se contaminavam com Aids pela utilização da seringa em comum.
E, logo depois, também pelo professor, doutor e grande conhecedor do assunto, um precursor também, como o Dr. Elisaldo, de toda essa política de drogas no Brasil, o Dr. Antonio Nery, que me procurava pelo vezo da abordagem da prevenção às drogas e do tratamento das drogas em adolescentes nas ruas, propôs uma política também de redução de danos, com distribuição de seringas e de nós conseguirmos montar um posto de atendimento volante, constituindo um carro que pudesse atuar na cidade.
Confesso a vocês que, naquele momento, apesar de ter debatido muito com duas pessoas, todos dois de grande confiança pessoal minha e técnica em reconhecimento na sociedade, em função das nossas condições específicas na cidade, eu não adotei essa política. Mas, a partir dali, no centro de saúde do Município existente no Pelourinho, uma região com muita população de rua, passamos a atuar com uma ação voltada para o atendimento ao usuário de droga, antecipando uma política que hoje é desenvolvida pelos CAPS AD.
Sobre a política de CAPS AD, também tenho muitos questionamentos. Não pela política, mas principalmente, em se tratando de uma política de atenção básica, portanto dependente dos Municípios, da dificuldade que temos na implantação de ADs. Portanto, CAPS Álcool e Drogas funcionando 24 horas; é um momento em que a população de rua, especialmente crianças e adolescentes submetidos a um nível de vulnerabilidade total precisam de um atendimento e, em geral, não o têm.
Então, se puderem dar umas palavrinhas sobre essas questões, mas visando principalmente a que a gente se dirigisse para o relatório.
Aos nossos acompanhantes na internet e participantes desta reunião, agradeço, desde já, a grande contribuição.
E quero chamá-los à participação do debate em torno até do conjunto das questões e do debate do projeto em si, para que a gente não se limite apenas à discussão da liberação dos derivados de maconha ou outro aspecto menor.
E, principalmente, uma grande pergunta que sei que foi feita, mas que é o outro vetor desse debate, que é a relação drogas versus pobreza, ou a relação socioeconômica da droga no nosso País.
Estamos discutindo uma política de prevenção enquanto muitas crianças e muitos adolescentes estão fora da escola e que, portanto, não serão alcançados por essa política de prevenção dentro das escolas.
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Estou absolutamente convencida, como uma agente pública, como uma política que acompanha essa questão há muitos anos, que, se não tratarmos da pobreza e, especialmente, da inclusão de crianças e adolescentes em faixa de pobreza, não teremos uma política vitoriosa, nem na prevenção e nem, portanto, depois, na possibilidade de até pensarmos na droga para o seu uso recreativo, como se costuma falar no que diz respeito às chamadas drogas lícitas. Aliás, as drogas lícitas não apenas são lícitas. A sua propaganda é livre e, recentemente, muito vinculada aos esportes.
Em todo o período da Copa do Mundo vimos a produção de cerveja no mundo e no Brasil também vinculada ao futebol e a outras práticas desportivas, por mais contraditório que possa ser. Então, esse é também um grande debate.
Muito obrigada.
Vou, portanto, reiniciar com o Professor Elisaldo, para que ele faça uma fala final. Quero perguntar se essa fala final pode ser de cinco minutos. Pode ser maior?
O SR. ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI - Não tenho ideia ainda. Mas eu acho que em torno de cinco minutos.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Em torno de cinco minutos, com tolerância, é claro.
Obrigada.
O SR. ELISALDO LUIZ DE ARAÚJO CARLINI - Inicialmente, queria tomar as palavras da Senadora, porque foi com uma alegria enorme que vi o nome do Fábio Mesquita e do Antonio Nery, bons baianos que são e grandes amigos de muito tempo. Ambos têm um papel muito importante no problema de dependência de drogas e tratamento humanitário também das pessoas que sofrem essa doença, segundo a classificação da ONU. Então, é uma alegria muito grande poder comentar.
Queria comentar, rapidamente, dois aspectos de que V. Exª falou também e que acho que merecem consideração. V. Exª falou do problema de ter que trabalhar à noite, porque, muitas vezes, as pessoas que estão em vulnerabilidade à noite têm dificuldade de obter socorro, auxílio. A quem elas podem procurar?
É uma briga antiga nossa, e estamos procurando fazer com que as farmácias passem a fazer parte do grupo de saúde que lida com esses problemas.
As farmácias têm plantões com muita frequência. É um número muito grande de farmácias no Brasil. Se conseguirmos fazer com que o farmacêutico participe nesses programas educacionais de prevenção a respeito do abuso de drogas, estaremos fazendo uma contribuição enorme.
Acho, por exemplo, que o que se faz hoje em dia é acusar o farmacêutico como um contribuidor para o uso de medicamento por baixo do pano. Acho que o papel deles é muito maior do que esse que nem existe, na opinião.
A segunda coisa é a respeito da legalização da pobreza. Trabalhei muito com crianças em São Paulo, de rua e também crianças em favelas. Uma coisa curiosa é que o tráfico para essas crianças tem um função social que não podemos ignorar.
Conheci um menino, por exemplo, que, quando chegava o fim de semana e ele ia visitar a sua casa, era recebido pela mãe e pelos irmãos mais novos, porque era o provedor da casa. E era imenso o respeito que a família tinha por esse menino, porque era ele que trazia o meio de sobrevivência da família. E é até uma carreira para esse menino, porque ele começa como o empinador de papagaio, quer dizer, o que avisa. Quando sobe, por exemplo, um tráfico ou a polícia, ele avisa. Depois, ele passa a ser o "endolador". Ele pode começar a preparar as trouxinhas de maconha ou de crack, embrulhando, até chegar finalmente à posição de soldado, quando ele cuida, em São Paulo, de uma "bocada". E são centenas de milhares.
Tenho sempre essa pergunta a respeito da legalização. Como médico, tenho dificuldade em aceitar a legalização e também rejeitá-la. Mas, como cidadão, tenho uma pergunta que me deixa profundamente preocupado: o que farão centenas de milhares de jovens que encontraram no tráfico sua maneira de sobrevivência? É acabar com o tráfico e simplesmente deixar esses meninos todos soltos na rua? O que eles irão fazer? Vamos dar uma carteira de trabalho para todo mundo, se é possível isso? Eles vão aceitar? Então, essa é a pergunta básica e fundamental. Devemos discutir quando formos falar a respeito do tráfico.
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Nós temos que levar em consideração que está sendo uma fonte de trabalho para centenas de milhares de pessoas, e o Estado, até hoje, sequer pensou no que fazer com essas pessoas.
Agora, quanto às perguntas, eu vou ser rápido também. Tenho aqui uma pergunta, da Luana Cristini: Quem ganha com a proibição? Deixar um remédio/planta nas mãos do tráfico e da polícia? É caso de saúde e de agricultura. Auto cultivo e Clubes Cannabicos são direitos constitucionais privados? Senadores,pedimos a regulamentação já., de São Paulo.
Ela diz o seguinte:
O problema da internação é que não há o diálogo entre quem interna e quem é internado.Talvez aquela mulher com o cachorro [que eu mostrei] queira ser tratada, mas não vai abandonar o seu companheiro, pois é humana. Com certeza fim do internamento compulsório e mais diálogo com viciado e família".
Ela disse exatamente o que é importante: quer dizer, não é para colocar e separar da sociedade uma pessoa com esse problema.
Existem várias outras perguntas que se referem à mesma coisa. Vou ler todas elas e dar uma resposta única, uma opinião muito rápida.
Fernando Casa Grande, de Santa Catarina, comenta uma coisa:
Proibição do ópio: criminalizar imigrantes chineses na década de 1880. Proibição da cocaína: criminalizar negros na década de 1920. Tudo isso, é claro, nos EUA, o país com o maior fracasso na política de combate às drogas. Contudo, a ficha está caindo pra eles, e pra nós?
Acho que começou a cair muito recentemente. Essa reunião aqui, o envolvimento pesado do Congresso brasileiro.
Estive aqui já várias vezes, já vi os Senadores, já vi os Deputados Federais falando. Isso é um sinal de que realmente a ficha caiu. Espero que tenha continuidade. Esta reunião aqui é um exemplo disso, para ver.
E eu gostaria de repetir aqui a frase que acho que nós não falamos suficientemente: "Quem não conhece a história repete os seus erros".
Nós estamos fazendo exatamente o mesmo erro agora, na tentativa de criar uma lei de internação compulsória. Não aprendemos leis de quase um século passado, aqui no Brasil, que não funcionaram.
Laura Freitas, de Minas Gerais: "Quem ganha com a proibição? Deixar um remédio/planta nas mãos do tráfico e da polícia? [...]"
Isso cabe dentro dessa informação comum.
Leandro Pereira Rodrigues, não informou de onde é: "É tão difícil entender que a criminalização do usuário só prejudica ainda mais o sistema penitenciário, pois as cadeias estão cheias de presos POBRES E NEGROS![...]".
Essa é uma outra verdade também, que eu acho que está voltando, vindo à tona agora para a gente discutir. E quando eu falo isso, falo porque eu vejo com uma frequência enorme que se estuda a droga que o homem usa. O grande problema é estudar o homem que usa a droga. O problema está nele e não na droga, que é uma coisa inanimada. Não prestar atenção nisso. Quem é a vítima da perseguição oficial? Não é tudo - tratamento, atendimento. A perseguição oficial é aos pobres e negros mesmo no Brasil.
Marco Antônio Mendes, de São Paulo: "Precisamos parar com essa hipocrisia em dizer que maconha é droga e penalizar a população por isso".
Ele falou umas palavrinhas não muito gentis a respeito de todos nós, mas eu pulo isso aqui, e depois diz: "Os usuários precisam ser acolhidos e conscientizados pelo Estado".
O que é verdade, mas é importante também dizer o seguinte, pela definição da Organização Mundial de Saúde, o uso de drogas é uma doença, e droga não tem nenhum sentido pejorativo em Medicina ou mesmo em farmácias. Droga significa, simplesmente, uma substância impura. Um extrato de uma planta é uma droga; a própria planta em si é uma droga também.
"A proibição da planta cannabis foi um equívoco da história que precisa ser revisto o quanto antes". A Laura Freitas fez essa pergunta.
Bom, não sei se vocês sabem, mas quem foi responsável, em parte, em 1924, por transformar a maconha em uma droga criminosa foi um brasileiro que participou da Liga das Nações, de uma reunião famosa que houve em 1924, em Genebra, Liga das Nações, na qual ele disse que no Brasil, ele e um egípcio, a maconha era mais perigosa do que o ópio. Não tem sentido nenhum o que esse brasileiro falou, e os quarenta e tantos países lá presentes aceitaram isso como uma verdade.
E, portanto, nós tínhamos, também, até, a obrigação de tentar...
Aliás, Senadora, foi feita uma reunião aqui no Brasil, no Ministério da Saúde, em 1995, e foi pedido oficialmente nessa reunião que o Brasil procurasse consertar esse erro histórico.
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O Brasil foi, então, responsável perante a OMS e, depois, perante a ONU, por colocar a maconha como uma droga perigosa. Portanto, deveria o Governo brasileiro solicitar que a maconha fosse retirada dessa pecha. Foi aprovado por mais de 100 pessoas presentes, desde 1995, e não houve resposta ainda.
É isso que eu tenho a responder.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Muito obrigada pela sua grande contribuição a este debate, para o Senado Federal. Foi uma honra tê-lo entre nós, e quem sabe o senhor não pode voltar numa outra audiência pública para aprofundarmos mais essa discussão.
Concedo a palavra agora ao Dr. Jaime César, da Anvisa.
O SR. JAIME CÉSAR DE MOURA OLIVEIRA - Obrigado, Senadora. Só queria comentar inicialmente como é sensacional o nível de alcance que tem um debate como este, pelo número de perguntas que toda a Mesa recebeu aqui.
Eu tenho muitas perguntas que foram feitas. Procurei identificar um denominador comum entre elas aqui, para tentar, nesse tempo de comentário, fazer alguns comentários que elucidem, esclareçam pontos levantados aqui pelo maior número de pessoas possível.
A primeira questão é o uso recreativo e o uso medicinal. A Anvisa não trata de uso recreativo da maconha. A Anvisa é uma instituição que analisa e aprova ou não produtos destinados ao uso terapêutico. Portanto, se discutem produtos, medicamentos fabricados a partir de canabinoides, seja THC, seja canabidiol, mas não do uso recreativo. Logicamente a Anvisa, como uma instituição ligada à saúde pública, como outras instituições do País, pode e vê com muito bons olhos que seja trazida para dentro da discussão a respeito de uso recreativo, mas não é uma competência legal da Anvisa. É uma discussão paralela à questão do uso medicinal.
Planta in natura e medicamentos. A Anvisa não trata, não tem competência legal para regular cultivo da maconha, seja ele para uso medicinal ou não. A Anvisa não tem competência para regular o uso fumado da maconha. Não é atribuição da Anvisa. A Anvisa trata de produtos produzidos a partir da maconha ou produzidos a partir de qualquer outra substância que tenha finalidade terapêutica.
Então, as questões que dizem respeito a: "Ah, como é que fica a minha situação, porque eu quero cultivar em casa?" "Como é que fica a minha situação, porque eu uso, ou existe a possibilidade de usar, com benefícios para mim?" A maconha in natura, fumada etc., isso não é uma atribuição da Anvisa.
Logicamente, daí surgem questões sobre onde afinal vão ficar concentrados os produtos que podem ser destinados a esses pacientes que podem utilizá-los. Eles vão ter possibilidade de produzir por eles mesmos ou de ter acesso por uma fonte mais doméstica, mais tradicional, ou eles vão ter que depender da produção industrial?
De acordo com a legislação que nós temos hoje para a produção de medicamentos, a Anvisa trata isso como uma atividade industrial, uma atividade empresarial, porque existe uma série de outras legislações associadas a essa questão. O próprio registro do medicamento com estudos clínicos, boas práticas de fabricação etc. Então, não tem alcance a decisão da Anvisa, qualquer que ela seja, na produção artesanal, na produção em casa, no fumar a maconha etc.
Tratamento técnico e preconceito. De fato, o preconceito é o maior inimigo que a gente tem, pelo menos nessa vertente que a Anvisa trata, a respeito da possibilidade de uso medicinal - não tenha dúvida. Se a gente aplicar, muitas vezes, a mesma lógica preconceituosa que existe em relação ao aproveitamento de canabinoides ou de outros produtos derivados da maconha para uso medicinal, nós teríamos que questionar hoje em dia, por exemplo, o uso da morfina, produzida a partir da papoula, que é também de onde se extrai o ópio, que é uma droga ilícita, vedada etc.
Não é disso que nós estamos falando. Se aquela planta ou qualquer outra substância pode ser utilizada com ganhos terapêuticos, a discussão tem que ser feita como vem sendo feita na Anvisa, em termos técnico-científicos, e não com preconceitos em relação à droga, de forma alguma.
E, por fim, é importante dizer que também não pode ser tratada a questão do uso medicinal como porta de entrada ou como abertura para a legalização geral. Essa perspectiva é ruim, porque contamina uma ação necessária, importante, porque há pessoas que podem..
(Soa a campainha.)
O SR. JAIME CÉSAR DE MOURA OLIVEIRA - ... ser beneficiadas com esse tipo de produto. Ela contamina com uma outra discussão que envolve muitos outros aspectos do uso de drogas. E a segregação, a divisão dessas duas questões de forma bem estanque, é a melhor forma se pode ter para chegar a resultados bons em ambas, seja aqui no Senado, seja em outras instituições que tratam da matéria.
Muito obrigado.
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A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Muito obrigada.
Drª Clarice.
A SRª CLARICE SALETE TRAVERSINI - Os questionamentos, então, são de praticamente duas ordens. A primeira, que é bastante comum e de que nós recebemos uma avalanche de pedidos, é criar uma disciplina para tratar da prevenção do uso de drogas.
Então, quando há um assunto em pauta, recebemos sempre esta proposição: "Vamos criar uma disciplina". Temos um levantamento de que, até o ano passado, nós tínhamos mais de 100 sugestões de criação de disciplinas. Então, não se trata de criar uma nova disciplina de prevenção, nem de temas transversais. Trata-se de podermos trabalhar, no conhecimento escolar, seja comum, seja diversificado, conhecimentos imprescindíveis para que possamos fazer esse processo de prevenção.
O segundo ponto das perguntas é justamente como fazer com aqueles alunos que abandonaram a escola em idade escolar para vender droga, para sobreviver. E as perguntas são bem claras neste sentido: "Como é que trazemos de volta?", ou "Como é que se lida com a prevenção, que não é 100% efetiva?".
Bem, gostaríamos muito de ter uma resposta única e dizer: "Faça assim", mas não temos. Uma das saídas que temos visto é justamente a de ações intersetoriais: podermos agir com vários setores que estão atuantes, lá no território da escola, para que possamos pensar maneiras, e que as pessoas pertencentes àquele lugar o enxerguem como um lugar seu, um lugar em que possam desenvolver e, talvez na própria escola, pensar em processos de reinserção, se for o caso, em ensinos médios - ensinos médios, porque temos mais do que uma modalidade - integrados com educação e trabalho. Talvez, nesse meio, possa a reinserção do aluno que saiu enxergar uma perspectiva de trabalho aí dentro. Mas são possibilidades em que se vai trabalhando, e, certamente, não são 100% efetivas sempre as ações que pensamos.
Agradeço à Senadora pelo convite e nos colocamos à disposição para a continuidade do diálogo.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Muitíssimo obrigada por sua participação.
Dr. Alexandre.
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - Eu vou começar por uma pergunta que o Robson Ramos dos Santos Brandão, da Bahia, me faz: se o correto não seria informar em vez de prevenir.
Robson, eu acho que, informando, prevenimos. Agora, precisamos tratar dessa informação, fazer um tratamento adequado dessa informação, que tenha convergência com uma perspectiva de trazer para a sociedade e para o usuário uma perspectiva de um conceito citado pelo Professor Carlini, que, para nós é muito caro, o conceito de redução de danos. E o conceito de redução de danos, visto como uma ética do cuidado, que produza, a partir desse conceito, sujeitos de direitos mais conscientes dos seus atos, com mais corresponsabilização desses sujeitos em torno da questão de drogas. E essa ética do cuidado de redução de danos tem uma oferta de possibilidades enorme, no que diz respeito à informação e à comunicação sobre drogas, sobre prevenção às drogas.
Pela fala da Senadora Lídice, ficamos contentes de saber que há todo um lastro de bagagem nesse processo de ter convivido com pessoas tão referenciais para nós, como o Fábio Mesquita, que hoje é o atual Coordenador Nacional do Programa de Aids do Ministério da Saúde, e também o Professor Nery, da Bahia, que foi o baluarte da introdução do Consultório de Rua. E, a partir dessa experiência, podemos, no Ministério da Saúde, implantar os consultórios na rua. Hoje são mais de 134 consultórios na rua em funcionamento no País, justamente por conta dessa experiência da Bahia.
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Falando do conceito de redução de danos e de Consultório de Rua, para não falar do CAPS AD III, que eu também vou citar aqui, eu gostaria só de descrever e falar um pouco sobre a experiência que está acontecendo em São Paulo, que é o Programa de Braços Abertos, uma experiência extremamente revolucionária no campo de atenção ao álcool e a outras drogas; extremamente bem sucedida no que diz respeito a uma qualificação do cuidado mais ampliada dos usuários lá na região da Sé, na região da cena de uso lá da Sé. Foi feito um amplo processo de atuação intersetorial naquele território da Sé, congregando estratégias de atenção à saúde desses indivíduos, com todo um processo de oferta de moradia social, ofertando hotéis sociais no mesmo lugar onde as pessoas estão, sem higienizá-las, sem tirá-las do local onde elas estão. É coisa normal que aconteça, nas políticas municipais, querer tirar as pessoas dos nichos de concentração onde elas ficam nas cenas de uso. E, a partir desse movimento de ofertar os hotéis sociais no mesmo lugar onde estão,...
(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE TEIXEIRA TRINO - ... de alguma forma, a partir daquelas relações afetivas e sociais que ali estão, você pode ofertar também um processo de geração de trabalho e renda para essas pessoas, que é o que está acontecendo em São Paulo. É digno de a gente louvar aqui e de a gente produzir, a partir de leis e políticas como essa, replicações, e visibilizar mais esse tipo de política, para que outros Municípios possam aderir a estratégias como essa, que são estratégias que tiram o foco das drogas e colocam o foco onde ele deve estar, que é na redução das vulnerabilidades sociais que esses indivíduos apresentam e de que o Estado, de uma forma geral, precisa dar conta. Ele precisa assumir o seu papel de qualificar a atenção a esses indivíduos, não só no que diz respeito à saúde, mas fundamentalmente no que diz respeito à proteção social desses indivíduos. O Programa de Braços Abertos vem cumprindo esse papel de forma relevante.
Acho que é isso. A gente fica por aqui.
Obrigado pela atenção.
A SRª PRESIDENTE (Lídice da Mata. PSB - BA) - Obrigada pela contribuição. Nós teremos oportunidade de trazê-lo, certamente, em outros momentos, para continuarmos essa discussão em 2015.
Eu quero só dizer que agradeço também a participação da Drª Luciana Boiteux - não sei se é assim a pronúncia do seu nome -, professora de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que acompanhou a nossa discussão e que fez uma pergunta que eu proponho que os senhores respondam através do e-mail dela, que ela nos dá aqui, que foi ao Prof. Carlini e ao Dr. Jaime, que respondeu em parte: "Qual é a posição sobre o disposto no art. 2º, parágrafo único, da Lei de Drogas, que é a questão do cultivo pessoal da cannabis para fins medicinais?".
O Dr. Jaime já respondeu, do ponto de vista da Anvisa, mas ele pode detalhar depois neste e-mail, que também vai repassar ao Prof. Carlini, para que ele possa fazer o mesmo.
Muito obrigada.
Declaro, portanto, encerrada a presente audiência pública, agradecendo a atenção de todos os internautas e participantes aqui nesta reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 10 horas e 40 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 43 minutos.)
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(Em execução.)