03/12/2014 - 41ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Havendo número regimental, declaro aberta a 41ª Reunião Extraordinária da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 54ª Legislatura.
Submeto à apreciação do Plenário proposta de dispensa da leitura da ata da reunião anterior e aprovação da mesma.
As Srªs e os Srs. Senadores que estiverem de acordo com a proposição permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A presente reunião, convocada na forma de audiência pública, atende ao Requerimento nº 31, de 2014, de autoria da Exma Srª Senadora Ana Amélia, Vice-Presidente desta Comissão; do Exmo Sr. Senador Cristovam Buarque e deste Presidente, Cyro Miranda, e ao Requerimento nº 43, de 2014, da Comissão de Educação, também de autoria da Senadora Ana Amélia e de minha autoria para realização de audiência pública destinada a debater "A Construção de uma Base Curricular Nacional Comum".
Dando início à audiência pública, solicito ao Secretário da Comissão, Júlio Linhares que acompanhe os nossos convidados a tomarem assento à Mesa. (Pausa.)
Convido a Srª Alice Casimiro Lopes, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade do Estado o Rio de Janeiro; Denis Mizne, Diretor Executivo da Fundação Lemann; Eduardo Deschamps, 1º Vice-Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed; Paula Louzano, Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - USP e Maria Beatriz Luce, Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação - MEC.
A todos os senhores, meu muito bom dia e meu muito obrigado. (Pausa.)
Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal Senado e da Rádio Senado.
A reunião contará ainda com os seguintes canais de interatividade com o cidadão: Alô Senado, através do telefone 0800-612211, e e-Cidadania, por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente audiência e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos Senadores e expositores via internet. Os interessados poderão acessar ainda o Facebook e o Twitter do Senado Federal para participarem desta audiência. A audiência também poderá ser assistida pelo site Youtube, através do endereço eletrônico youtube.com/tvsenado.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Informo também às Srªs e Srs. Senadores e aos presentes que hoje temos uma sessão do Congresso marcada ontem, por volta das 21h. Quando do início da votação, por determinação do Regimento Interno, somos obrigados a suspender toda e qualquer sessão que estiver em andamento aqui no Senado. As Comissões já tiveram as suas paralisações, a audiência pública poderá continuar até o momento da sua votação.
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ela poderá continuar até o momento da sua votação. Agradeço a presença da minha Vice-Presidente, Ana Amélia, e concedo a ela a palavra.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Quero primeiramente agradecer, Presidente, a presença dos convidados que aquiesceram ao convite da Comissão de Educação, Cultura e Esporte. Renovo, até porque a abertura da Comissão se dá em respeito ao sacrifício das agendas, porque as pessoas vieram de fora de Brasília para comparecerem a esta audiência. Então, economizando tempo, em dez minutos de exposição, poderemos tirar proveito, sem anular a realização desta audiência, que é muito relevante. E é um trabalho que imagino conclusivo desta Comissão de Educação num ano de tantos desafios que tivemos.
Então, apenas faço a sugestão para que, quando começar a votação já tenhamos, pelo menos, dado andamento e adiantado a audiência pública.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Muito obrigado, Senadora, muito bem pontuado.
Então, para sermos bastante objetivos, vamos iniciar com o 1º Vice-Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, Consed, Sr. Eduardo Deschamps. Com a palavra para as suas exposições.
O SR. EDUARDO DESCHAMPS - Senador Cyro Miranda, muito bom dia. Bom dia à Senadora Ana Amélia Lemos, todos os que nos acompanham a respeito desse assunto, em especial da Base Nacional Comum.
Vou tentar, então, fazer uma síntese muito breve do que já tem sido discutido no Conselho Nacional de Secretários Estaduais acerca disso. Primeiro, gostaria de ressaltar - e acho que todos nesta Mesa vão fazer esse mesmo registro, pelo menos semelhante - que, na verdade, a melhoria da qualidade da educação passa, sim, por uma clara definição de currículo no âmbito das escolas. De maneira geral, quando você avalia que os sistemas educacionais têm os melhores resultados de avaliação e até de atuação, você observa que há três grandes eixos permeando esse trabalho: o primeiro deles é, sim, uma base curricular bem definida, que possa gerar equidade; o segundo deles, bons professores, motivados e que possam desempenhar bem o seu trabalho, e, nesse aspecto, o currículo tem reflexos sobre a formação desses professores; e o terceiro, a gestão das escolas.
Obviamente, há vários outros aspectos que precisam ser levados em consideração, mas esses três são três itens comuns a cada um deles.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO DESCHAMPS - O terceiro é a gestão escolar, em especial as lideranças dos diretores no processo.
Começo ressaltando que, mais uma vez, os países com maior sucesso na aprendizagem dos seus alunos têm currículos básicos: República da Coreia, Austrália, Canadá, Reino Unido, França, Finlândia, entre outros, e recentemente os próprios Estados Unidos começaram a desenvolver a sua base comum, que é o Common Core. E a existência desses programas nacionais de estudo tem alguns aspectos que são importantes colocar, que são aspectos fundamentais nessa definição: o primeiro deles é que não há restrição à autonomia pedagógica da escola...
Estou passando ali, pode ir passando. Desculpe, acabei não falando.
Não há restrição em cada um desses países em relação a sua base curricular, à autonomia pedagógica da escola.
O segundo deles é a oferta de condições para assegurar a equidade no ensino aos estudantes. Um país com dimensões continentais como o Brasil tem diversas experiências curriculares nos seus Estados, nos seus Municípios, nas suas redes. Entretanto, ainda que tenhamos diretrizes curriculares nacionais, não há uma base comum que identifique e que possa permear a formação dos nossos jovens do Oiapoque ao Chuí. Então, essa definição mais básica pode nos ajudar a garantir equidade na formação de cada um dos brasileiros.
O terceiro é uma consequência decorrente desse processo da definição da base comum, que é a orientação para a formação de professores. Essa linha pode permitir, ainda que respeitada a autonomia também das universidades e dos centros de formação em relação à formação que será dada aos professores, mas certamente age como eixo norteador para essa atuação, para que a gente também possa ter professores formados de maneira mais semelhante, digamos assim, em todos os cantos do Brasil, em todos os Estados e Municípios.
E o quarto, ainda que o Brasil tenha um robusto sistema de avaliação da sua educação básica e superior, você, através dela, define melhor, oferece melhores bases para que essa avaliação e melhoria da qualidade do ensino possa ser atingida. A legislação brasileira já trata dessa questão há algum tempo.
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Nós temos, por exemplo, na própria Constituição Federal de 1988, a garantia do padrão de qualidade, no seu art. 210, utilizando para isso a fixação de conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental. E a LDB, no art. 26, dispõe que os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter Base Nacional Comum, a ser complementada em cada sistema de ensino. Ou seja, nossa Legislação Maior já prevê isso. O que nos cabe agora é a correspondência de realizar a implementação disso que já está previsto em legislação. O conceito de uma Base Nacional Comum tem sido recorrentemente entendido como um elemento nuclear de disciplinas ou componentes curriculares, sem deixar, entretanto, de considerar que cada escola ou cada rede de ensino possa definir melhor outras partes além dessa parte mais nuclear.
As estratégias do novo Plano Nacional de Educação propõem uma visão ampliada disso, mais abrangente. Por exemplo: para o MEC cabe como papel articular com os entes federados para pactuar propostas de direitos e objetivos de aprendizagem que constituirão a Base Nacional Comum. E, certamente, a secretária Maria Beatriz Luce vai fazer muita referência a isso, porque, nas reuniões que tivemos no próprio conselho dos secretários estaduais de educação, ela já fez toda uma explanação acerca disso.
Finalmente, a própria lei do Plano Nacional de Educação determina que sejam estabelecidas e implantadas, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica e a Base Nacional Comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos ou das alunas, para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local.
Então, podemos observar, nesse aspecto, que a Base Nacional não é apenas um elenco de matérias ou disciplinas. E temos, a partir daí, uma referência acerca do que se espera que, ao longo e ao fim do processo escolar, os estudantes alcancem. Isso é um ponto central. Não é apenas definir um elenco de disciplinas, não é apenas definir um rol de conteúdos, mas, principalmente, tornar mais claro o ponto a que o aluno vai chegar com aquele conhecimento ao qual vai estar exposto naquele período.
Nesse caso, a definição de programas mínimos, com ênfase no principal, especialmente Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e a formação humanística e social, é indispensável para o exercício pleno e consciente da cidadania e, assim, pode constituir um poderoso instrumento de equidade e elevação da qualidade da educação brasileira. Aqui cumpre, então, fazer uma observação de que a grande maioria dos Estados já conta com referenciais curriculares que orientam, de modo detalhado ou não, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio - em alguns casos, discriminados por ciclos ou até mesmo por cada ano escolar -, sobre os conteúdos e os resultados de aprendizagem esperados.
Acabei de fazer a entrega à secretária Maria Beatriz de um trabalho desenvolvido em Santa Catarina, ao longo de todo o ano de 2014, com a participação de mais de oito mil educadores - criamos uma plataforma para isso -, que se constitui na proposta curricular de Santa Catarina e que, na verdade, estabelece, através de três grandes eixos, a filosofia a ser aplicada no Estado - a proposta anterior já completou 26 anos; aqui nós fizemos uma atualização. Nela estão definidos: o percurso formativo para o aluno; os princípios da educação integral do estudante, e não apenas a educação em tempo integral; e, finalmente, conteúdos de temas transversais, em especial os temas relacionados a diversidade, usos de tecnologia e até educação profissional.
Cada Estado ou a maioria dos Estados já tem algum modelo dessa natureza. O que cumpre para nós agora é, efetivamente, realizar a organização disso como um documento básico comum a todos os Estados. Nós temos isso de maneira muito espalhada no Brasil. O trabalho é tornar isso um documento comum, não necessariamente nessa linha, porque aqui é o princípio do processo, do currículo de Santa Carina. Nós, inclusive, para as próximas etapas, precisamos, urgentemente, que se defina a Base Nacional Comum, sob pena de avançarmos em Santa Catarina, em um processo que tenha que ser imediatamente revisado, caso a Base Nacional Comum seja definida com alguns aspectos diferentes daquilo que o Estado de Santa Catarina tem utilizado. Então, aqui quero fazer também a colocação da urgência que esse tema tem, até porque os prazos dados pelo PNE também já ensejam essa urgência, para que possamos atingir esse resultado.
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Finalmente, eu queria apenas fazer a observação das agendas que o Consed já tem realizado acerca da Base Nacional Comum. Aqui nós temos um elenco de ações, realizamos alguns seminários tais como o seminário Construindo uma Base Nacional Comum, em conjunto com a Fundação Lemann; o outro, Colóquio: Base Curricular Nacional, com a Bett Brasil, num evento realizado em 23 de maio deste ano, em São Paulo. Houve também a participação no evento do CNE de uma mesa em que foi discutido o currículo para construir o conhecimento, em setembro. Em agosto, fizemos uma reunião em Mato Grosso do Sul, ordinária, do Consed, que teve a participação de Secretaria da Educação Básica do MEC, cujo principal tema da reunião com os secretários foi a questão da base nacional comum; participamos de uma mesa redonda no stand de Abrelivros, também em agosto, sobre a Base Curricular Nacional, e participamos de um evento que a Undime realizou no dia 9 de agosto em Brasília.
Esses são os temas que a gente tem discutido.
Quero colocar aqui e deixar, mais uma vez, Senador, o Consed à disposição para continuar realizando esse debate, mas quero reiterar a importância, pelos benefícios que nós vislumbramos, da implantação de uma Base Nacional Comum, a colocação de que isso já está previsto em legislação brasileira desde 1988. Portanto, de certa maneira, estamos atrasados na realização desse trabalho. Precisamos realizar isso da maneira mais rápida possível, porque isso urge. Assim. poderemos ter efetivamente melhorias nos sistemas educacionais e nos resultados educacionais brasileiros com a definição dessa Base Nacional Curricular Comum.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Agradeço, Prof. Eduardo.
Em seguida, passo a palavra à Srª Alice Casimiro Lopes, Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A SRª ALICE CASIMIRO LOPES - Muito obrigada pela oportunidade de estar aqui. Começo cumprimentando todos os presentes aqui, meus colegas da Mesa, as autoridades presentes e também todos aqueles que nos estão assistindo pela internet.
Como eu estava falando, cumprimento todos, agradeço a oportunidade de estar neste debate sobre a Base Nacional Curricular Comum ou Base Curricular Comum Nacional, como queiram estabelecer. Trata-se de uma temática que vem merecendo um destaque, uma visibilidade maior no momento atual, mas ela não está presente na discussão apenas nos últimos anos; faz parte da história da educação. Estarmos pensando e refletindo sobre a base nacional e sobre o currículo de uma maneira geral.
Quero pontuar que muito do que vou aqui falar... Não vou entrar nos meandros das discussões teóricas, do campo do currículo, das investigações que tenho sobre políticas de currículo porque me parece que não é este o momento além do que necessitamos de uma fala mais breve, mais direta e objetiva. No entanto, eu gostaria de chamar a atenção de todos os presentes para o fato de que tudo de que vou falar aqui é decorrente de um conjunto de pesquisas tanto no campo do currículo no Brasil quanto no campo do currículo no exterior.
E, nesse sentido, quero começar colocando a posição bastante clara de que defendo que não precisamos organizar uma base nacional comum. Então, vou agora fazer um bom debate aqui, um contraponto para discussão. E vou tentar deixar claro por que considero isso, por que considero que não precisamos.
Em primeiro lugar, porque considero que temos diretrizes curriculares já definidas, isso ao longo da história da educação, mas mais localizadamente podemos iniciar esse processo com a LDB de 1996. Após a LDB de 1996, tivemos a Organização de Diretrizes Curriculares Nacionais, para os diferentes níveis da educação básica; tivemos a elaboração, no período do governo Fernando Henrique, dos parâmetros curriculares nacionais e os parâmetros em ação; depois, no governo Lula, no Governo Dilma, tivemos a organização das orientações curriculares e também de diretrizes curriculares da educação básica, que são documentos gerais que orientam a elaboração de documentos nos Municípios e nos Estados, como, aliás, já foi mencionado.
Além disso, temos que sempre lembrar que currículo não é definido nas escolas exclusivamente por orientações que sejam emanadas de Ministério da Educação e de Secretarias. Há um conjunto de registros na sociedade, como livros didáticos, formação continuada de professores, relação entre universidades e escolas, que estão garantindo aquilo que vem sendo, do ponto de vista teórico, genericamente chamado de tradições curriculares.
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Em nenhum momento, por favor, leiam nesta palavra "tradições" qualquer sentido de conservadorismo ou de alguma coisa negativa e, sim, de tradições de como é que se pensa e que se concebe que a escola deve ser organizada.
E, nesse sentido, essas orientações vêm estabelecendo um parâmetro geral, uma indicação geral para as escolas. Muitas vezes, o que vai sendo feito nas escolas é a leitura dessas orientações no âmbito das Secretarias Municipais e Estaduais com propostas locais e, a meu ver, isso é muito mais produtivo para a produção de um currículo. Por todas as pesquisas no campo do currículo, as conclusões são de que currículo é uma produção que exige uma relação muito próxima com o contexto local. Nós temos, é claro, orientações gerais que estão relacionadas, por exemplo, com a ideia mais comum de que todo mundo tem que aprender a língua materna, tem que aprender matemática, aprender ciências, aprender estudos sociais, por exemplo, para citar algumas disciplinas mais clássicas, mas nada disso pode ser aprendido ou pode fazer sentido na vida de alunos, professores e suas famílias se não estiver relacionado com os contextos locais. Ensinar tudo isso para comunidades indígenas, por exemplo, não é a mesma coisa que ensinar nas escolas da zona sul do Rio de Janeiro.
É claro que todos os que defendem a ideia de algo mais definido, algo mais especificado em relação ao currículo em âmbito nacional, muitas vezes afirmam que essa proposta de base pode ser uma maneira de combatermos desigualdades no sistema, combatermos a possibilidade de que, se não tenho orientações mais definidas, eu correria o risco de desigualdades no sistema.
Bom, em primeiro lugar, quero chamar a atenção de que não necessariamente nós temos desigualdades do ponto de vista curricular. As desigualdades são muito mais decorrentes de questões relativas a financiamento, salário dos professores, condições de trabalho e mesmo condições de vida dos alunos, porque, por vezes, a problemática educacional, as dificuldades que existem do ponto de vista educacional não são decorrentes de uma questão pedagógica; são decorrentes de problemas sociais, que podem ir do saneamento à violência, que levam ao problema curricular, e isso é gerador de desigualdade.
As diferenças curriculares não são geradoras de desigualdade. As diferenças curriculares são, inclusive, necessárias para garantir justamente a inclusão que estamos procurando defender, porque não é possível produzir inclusão curricular em um país como o Brasil se partirmos da ideia de que existe um padrão único de currículo e de concepção de educação para todos. Ou seja, não precisamos - é o ponto de vista no qual quero insistir muito aqui -, que todas as escolas ensinem o mesmo currículo. Os currículos precisam atender demandas e necessidades distintas que não são homogêneas; os saberes mobilizados pelas pessoas não são homogêneos e precisam fazer sentido na vida de cada um.
Eu gosto sempre de dar um exemplo bem prático, que talvez ajude a compreender. Estamos aqui numa sala, pessoas com formações as mais distintas, que podem ser consideradas nos seus respectivos contextos como pessoas bem-sucedidas ao longo de uma determinada concepção educacional, e nem por isso nós mobilizamos os mesmos saberes e precisamos dos mesmos saberes para a atual situação de vida e carreira que temos hoje. Mais ainda do que afirmar que não é necessário que tenhamos uma base curricular nacional com a pretensão de produzir algo que seja comum e homogêneo, digo que já temos algo que é comum e homogêneo relacionado às nossas tradições curriculares. Mas, mais do que não ser necessário, vou insistir com todos os presentes de que não é possível. Na prática, esta homogeneidade, que muitas vezes temos relacionado à qualidade da educação e que pretendemos alcançar, nunca é alcançada.
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Qualquer base, qualquer listagem de conteúdos, de expectativa de aprendizagem, de proposta curricular, qualquer forma de organização em um documento de orientações curriculares leva obrigatoriamente a uma leitura contextual diferenciada nas escolas, em função das condições de trabalho, das visões de mundo, das leituras dos professores das diferentes disciplinas. Então, acabamos investindo recursos humanos, financeiros, pessoais num projeto que é de início impossível.
É claro que, ainda assim, muitas vezes se insiste nessa ideia da base curricular comum com a pretensão de que ela é garantidora da qualidade da educação.
Esse é um ponto também que acho que merece debate. Certamente, em função do tempo, não tenho a possibilidade de aqui desenvolver todos os aspectos relativos a isso, mas quero chamar a atenção de que qualidade da educação é muito mais do que ensinar conteúdos e obter resultados nas avaliações. Educação remete a valores, a cultura, a formação de identidade, a projetos sociais e, portanto, não podemos relacionar qualidade de educação exclusivamente ao atendimento de determinadas métricas relativas a conteúdo. E infelizmente, socialmente, temos tendido a reduzir qualidade da educação a resultados nos exames. E aí avaliamos a qualidade da educação no Brasil em função daqueles resultados que surgem, seja em exames nacionais, seja em exames internacionais. E eu acho que essa conexão também precisa ser questionada e avaliada de outra maneira, analisada de outra maneira, como entendemos os resultados das avaliações centralizadas.
Em resumo, defendo que também precisamos reconfigurar essa noção de qualidade da educação e não aceitar inclusive a ideia de que a nossa qualidade de educação é ruim porque existe, por exemplo, um determinado resultado no Pisa, porque existem determinados resultados de avaliação.
Eu estou dizendo que esses resultados de avaliação não significam nada? Não, não estou dizendo isso. Eles têm o seu significado, porém eles têm que ser compreendidos à luz de uma teoria pedagógica que vai nos fazer entender, por exemplo, a possibilidade de questionar qual é a chance de termos exames internacionais para avaliar diferenças culturais tão profundas nos diferentes países.
Matemática não é universalmente um conteúdo que possa ser avaliado da mesma maneira nos diferentes países sem considerar as diferenças contextuais relativas aos saberes. Portanto, não podemos nos submeter a esses resultados como se eles fossem a expressão da educação no Brasil.
A educação no Brasil tem problemas? Tem. Precisamos enfrentar esses problemas? Precisamos, mas, a meu ver, a qualidade da educação não vai ser alcançada se continuarmos investindo recursos financeiros, pessoais e humanos de uma maneira geral nessa ideia de construir homogeneidade curricular.
Qual seria, portanto, uma possibilidade de caminho? A meu ver, defender cada vez mais a ideia de que a educação básica é de responsabilidade de Estados e Municípios e de que cabe ao Governo Federal, cabe ao Ministério da Educação, por exemplo, fomentar a formação pedagógica no nível das secretarias, fomentar a possibilidade de construção de propostas curriculares nos Estados e nos Municípios, de maneira a garantir essa contextualização radical do currículo, porque, aí sim, todas as pesquisas brasileiras e estrangeiras, nacionais e internacionais hoje veem apontando para o campo curricular.
E o mais deixo para o debate, para as questões de um processo que, a meu ver, estamos apenas iniciando hoje.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Obrigado, Professora Alice Casimiro.
Quero também agradecer a presença do Senador Cristovam, como já agradeci a da nossa Vice-Presidente Ana Amélia. Agradeço a presença do ilustre Deputado que muito nos honra, Raul Henry, e do Senador Inácio Arruda, sempre presente nesta Comissão.
Em seguida, passo a palavra ao Diretor Executivo da Fundação Lemann, Sr. Denis Mizne.
O SR. DENIS MIZNE - Bom dia a todos.
Cumprimento o Senador Cyro Miranda, Presidente da Comissão, a Senadora Ana Amélia, o Deputado Raul Henry, o Senador Cristovam, o Senador Inácio. É um prazer participar desta audiência na manhã de hoje, uma manhã conturbada aqui no Congresso. Então, vamos ser breves para dar tempo a todos para fazerem as suas colocações.
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Eu acho que o início de qualquer debate educacional, Senador, de qualquer discussão sobre educação no Brasil deve partir da questão: os nossos alunos estão aprendendo ou não? Os nossos alunos saem da escola preparados para contribuir com a sociedade, serem bons cidadãos e seguirem os seus projetos de vida ou eles não saem dessa maneira?
As métricas para a gente olhar para isso são variadas. A professora que me antecedeu discute se o Pisa é uma boa métrica, dadas as divergências regionais, se o Ideb é uma boa métrica, mas eu acho que a gente pode olhar para uma série dessas métricas. No Pisa, o Brasil se coloca, na última década, praticamente estagnado e, lá, numa posição baixa na comparação internacional, 57º de 65 países.
Mas, tudo bem, talvez seja uma métrica que não é válida para comparar vários países. Pode ser.
No Brasil, olhando para nosso dado, construído aqui, na nossa lógica, dentro da nossa cultura, pelo Ministério da Educação, construído no Brasil, amplamente aceito pelos Estados e Municípios, uma métrica que passou a fazer parte do dia a dia das escolas, a gente também vê um resultado, uma melhora no ensino fundamental I, que é positiva, mas ainda muito longe do que deveria ser, e uma estagnação no fundamental II e um pequeno recuo no ensino médio. O que isso significa para quem não está no mundo dos números ou dos indicadores, mas para o mundo real dos pais, das mães e dos alunos no Brasil? Significa dizer o seguinte: de todas as crianças que entraram na escola, 12 anos atrás, em 2002, e se formaram agora, em 2014, só 10% terminaram o ensino médio sabendo aquilo que deles era esperado pela normativa brasileira, pelo que convencionamos como país, só 10%. E o mais grave, mais de 50% abandonaram a escola nesse processo. Então, a educação brasileira conseguiu dar um salto fundamental na questão da inclusão - e esse não é um salto trivial. É um salto que alguns países desenvolvidos, com que muitas vezes comparam o Brasil, deram 100 anos antes. Então, temos que dar tempo ao tempo ao Brasil. Mas, ao mesmo tempo que temos que dar tempo ao tempo ao Brasil, as crianças não esperam. A coisa mais impressionante da educação é a urgência. Porque a criança que está hoje no primeiro ano, no ano que vem está no segundo, no terceiro, no quarto, no quinto. Ela não pode esperar os nossos debates, as nossas concepções. Claro que eles têm de ser feitos, claro que temos que tomar muito cuidado, porque uma decisão em educação afeta a vida de 56 milhões de crianças, determina os rumos do País para gerações.
Então, a gente tem que combinar - e talvez este seja um desafio peculiar e importante da educação: o senso de urgência e o senso de responsabilidade, a responsabilidade que nos obriga a pensar, a analisar, a aprender nas evidências do Brasil, na robusta Academia Brasileira, mas também na experiência prática dos Municípios, dos Estados, das escolas, daquilo que vem acontecendo no dia a dia da educação brasileira e na experiência internacional. O Brasil não é um país isolado no mundo, há muita coisa que se pode aprender.
Começamos a olhar a experiência internacional sobre esse tema de base nacional comum e olhamos 25 países muito diversos, de Cuba a Estados Unidos, da Austrália à Finlândia, Portugal, Canadá, países federativos, não federativos, países de tradição mais autoritária, menos autoritária...
Em todos eles, encontramos um documento com grau maior ou menor de especificação, mas muito mais claro do que qualquer documento curricular brasileiro. Claro em que sentido? Claro no sentido de que ele consegue comunicar à sociedade, aos professores, em primeiro lugar, mas também aos pais, aquilo que é esperado que cada aluno aprenda a cada ano, a cada fase de sua aprendizagem. Por que isso é importante? Porque se formos buscar a razão pela qual temos esses resultados em educação, resultados que não são positivos, e se não gostamos dos dados de exames, vamos olhar para o indicador de analfabetismo funcional, que se mantém estável. A gente tem 75% da população brasileira incapaz de ler um parágrafo e compreender, explicar esse parágrafo. Esse número é igual ao que era no início da década: 75%. Imaginávamos que a escolaridade, que mais tempo de escola produziria um resultado, que a saída da amostra dos mais velhos, que não tiveram essa oportunidade, melhoraria a base. Não aconteceu: 43% dos alunos que estão hoje no ensino superior têm dificuldades de alfabetização. No ensino superior! Eu posso buscar qualquer indicador, mas acho que há duas coisas que não estão muito em debate no Brasil: uma é que a qualidade da nossa educação não é aquela que se espera, não é como deveria ser, temos que estar melhor; e a segunda coisa que não está em debate é a enorme desigualdade da educação brasileira
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Cada vez que formos discutir o contexto da educação brasileira, devemos olhar para fora, olhar para o que acontece nas famílias, olhar para o que acontece nas regiões em que essas escolas estão localizadas, para o alto nível de desigualdade social. Mas, se olharmos para isso, para explicar a desigualdade social das escolas, estamos assumindo que a educação pública não está realizando talvez aquela que seja a sua maior missão, que é contribuir para a igualdade de oportunidades, que é diminuir as desigualdades.
A escola não pode ter o seu desempenho justificado pela condição socioeconômica em que está. A condição socioeconômica em que está inserida tem que servir para que o Estado, o Poder Público dê mais condições, trate desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade, e invista mais naquelas escolas em que a família ou o acervo cultural do entorno da escola é menor do que aquele que tem. E por que trazer isso para a discussão da Base Nacional Comum? - e eu tenho três minutos, vou tentar ser o mais objetivo possível.
Primeira coisa, se não temos clareza de onde queremos chegar, é muito difícil chegar lá. Hoje isso é difícil para um professor. E como que o professor pode lidar com isso hoje?
Ele pode ter orientação curricular ou não do seu Município - são 5,7 mil Municípios brasileiros, e poucos têm as condições técnicas e financeiras de criar um currículo total pronto para aquela sua rede. Ele pode ter ou não orientação curricular do Estado, se ele tiver num dos Estados que tenha um documento curricular. Ele tem o livro didático, que é comprado pelo MEC, dentro do Programa Nacional do Livro Didático, cujo índice, muitas vezes, serve de referência para o professor, e não necessariamente dialoga com a base curricular daquele Município ou daquele Estado. Ele tem professores que foram formados com orientações segundo a autonomia das universidades, com orientações observadas pela Capes, e assim por diante, que necessariamente não estão dialogando, necessariamente são incapazes de dialogar com 5,7 mil sistemas educacionais diferentes, com 27 Estado diferentes, para tentar formar esse professor para isso.
Então, temos o professor com certa formação; o livro didático, os materiais didáticos, respondendo a outro desafio; as avaliações que acabam também fazendo parte do dia a dia, criadas por outro órgão, com outra matriz, com outra lógica; e as nossas orientações lá no alto, como um grande guarda-chuva, o que foi muito importante para o avanço educacional brasileiro, mas novamente não é suficiente para deixar claro até onde podemos chegar. E uma boa base nacional, então, deveria servir para orientar a formação de professores, servir para orientar a formação básica dos professores, e não só, a partir da base, acharmos que com um documento resolvemos todos os problemas. A base tem que servir, como disse a Presidenta Dilma na abertura da Conae, há duas semanas...
A Presidenta foi muito enfática sobre a questão da Base Nacional Comum, dizendo - aqui eu leio o texto dela:
Esperamos que a conferência trate da construção da Base Nacional Comum prevista no PNE [como já foi dito pelo Secretário Deschamps] e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, com a explicitação dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento a cada ano da educação básica. [E, depois, mais para frente, ela fala:] que isso sirva de referência para a formação dos professores.
É muito importante essa conexão. Ao definir uma base, o País se coloca num grande debate, porque esse debate não pode ser um debate de especialistas de disciplinas, ele tem que ser um debate sobre o que o País espera da sua educação.
(Soa a campainha.)
O SR. DENIS MIZNE - Obrigado.
A partir desse debate, que deve mobilizar a sociedade, mobilizar os professores... Muitos países falharam ao construir suas bases nacionais comuns, na hora da implementação, porque não ouviram seus professores no processo. Se isso chega para os Estados e Municípios e para os professores, nas salas de aula, como um documento imposto, que veio de algum lugar que não se sabe bem de qual é, que foi construído num pequeno grupo, isso é rejeitado pela base, e aí simplesmente não vai haver efeito nenhum, vai ser um grande esforço sem o efeito que se pretende.
Então, a primeira grande condição é haver um grande debate. A segunda condição é construir uma base que parta daquilo que é o essencial, e não tentar resolver tudo. O Brasil é uma Federação, a base tem que ter um núcleo - um núcleo! - comum, mas tem que dar espaço aos Estados, aos Municípios, à própria escola.
Elas que vão detalhar como isso vai acontecer, elas vão trazer outros conteúdos, outras habilidades, outros valores para dentro disso. Isso não deve ser..., mas há um núcleo: por alguma razão, somos todos brasileiros, moramos todos no mesmo País, votamos no mesmo sistema, respeitamos as mesmas regras. Isso nos dá um núcleo, e esse núcleo comum é que a base deve achar.
E ele não pode ser grande a ponto de impedir os Estados e Municípios e as escolas de trazerem as suas contribuições. Mas, se ele não for claro...
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O que quer dizer "claro"? "Claro" é que ele possa ser compreendido por qualquer professor do País, possa ser compreendido pelos pais; que consigam ler e falar: "puxa, entendi". É isso que é esperado que o meu filho saiba no final desse ano. Eu posso ajudar. O professor lê e fala: "puxa, é isso". Agora, como ele vai ensinar, qual o contexto, que estratégia pedagógica, didática; isso tem que estar na mão do professor, tem que estar na mão da escola, da rede; isso tem que ser preservado. A gente não pode ter uma coisa diretiva, mas a gente tem que ser claro quanto ao ponto de chegada.
Por último, é essencial que a gente consiga trazer para dentro da Base Nacional Comum e para este debate a experiência do chão da escola. Quando a gente debate isso nos círculos da academia, no Brasil, há realmente um debate ferrenho sobre a Base, com posições muito fortes contrárias, posições fortes a favor, mas um sentimento e um debate muito grande. Quando a gente sai do círculo da academia, parece que esse debate vai se esvaindo.
A Undime fez uma consulta pública, no seu último Fórum Nacional Extraordinário, que aconteceu em Florianópolis, e 87% dos dirigentes municipais do Brasil concordam que todas as escolas deveriam ter uma base comum; 98% dos dirigentes ouvidos dizem que isso facilita o trabalho do professor; e 74% deles dizem que, hoje, há variação de um Município para o outro. Se um menino sai de um Município e vai para o Município vizinho, às vezes, há variação dentro da mesma rede. Então, um professor que dá aula em duas redes, um professor que dá aula em duas escolas, muitas vezes, tem que aprender um jeito aqui e outro ali. Não é viável, não é razoável esperar que isso aconteça no Brasil.
E nós ouvimos - esta é uma pesquisa que ainda não foi lançada, mas que eu abro em primeira mão para os senhores e para as senhoras. O Ibope fez uma pesquisa com professores do Brasil, uma amostra representativa de todos os professores de Fundamental I e II do Brasil. Há uma série de perguntas, e há um pequeno bloco sobre a Base Nacional Comum. Nesse bloco, 93% dos professores concordam que saber o que é esperado que os alunos aprendam a cada ano ajuda, deveria ser colocado; e 82% concordam que todas as escolas brasileiras deveriam ter uma base comum.
Então, é muito importante, nesta Casa, que é a Casa do Povo, onde os grandes processos são discutidos; na Comissão de Educação, que é tão importante; a Casa que criou o PNE, que colocou agora a mais recente disposição legal, que prevê a Base Nacional Comum para 2016; é importante saber que o debate no chão da escola, nas redes, nos Estados é muito menor. É algo dizendo assim: nós precisamos disso para conseguir dar o próximo salto. Acho que é isso que nós temos que ter em mente quando estamos conduzindo esse debate.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Obrigado, Denis Mizne, pela sua exposição.
Em seguida, passo a palavra à Profª Paula Louzano, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, a nossa querida USP.
A SRª PAULA LOUZANO - Bom dia. Eu queria pedir desculpas pelo atraso. Eu fiquei parada na entrada, entrei pelo Congresso; errei.
Eu queria agradecer o convite do Senador Cyro Miranda e saudar aqui todos os Senadores presentes e os demais presentes, do MEC e da sociedade, de maneira geral.
Vou trazer, vou tentar resumir aqui, em dez minutos, uma pesquisa que eu fiz sobre uma análise comparada de políticas curriculares de alguns países. A Beatriz está aqui, e ela já ouviu. Vou tentar resumir rapidamente aqui.
O que tentei responder nessa pesquisa - vou falar só da primeira pergunta da pesquisa - foi como diferentes países têm tratado a questão do currículo como política pública. A minha área de pesquisa é a da política pública, então, foquei na discussão curricular, diferentemente da Profª Alice, somente do ponto de vista da política pública, e tentei analisar como os países tratam ou lidam com a autonomia das escolas versus a centralização do Estado na decisão do currículo. Também olhei como ela varia, dependendo do tamanho, natureza, diversidade cultural do país, e o que a gente podia aprender das reformas curriculares desses países. Essa seria a pesquisa completa. Vou falar só da primeira parte da pesquisa.
Eu analisei profundamente os documentos curriculares desses oito países que estão aí no eslaide - Austrália, Cuba, Chile, Estados Unidos, Finlândia, Portugal, México, Nova Zelândia -, tentando manter a diversidade de países federativos, países mais próximos ao Brasil e países menores, maiores unitários e federativos, como já falei.
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O que eu tentei analisar, a partir desses documentos, foi como esses documentos legais, que têm força de lei - portanto, só olhei aqueles documentos que têm força de lei, não olhei o currículo das escolas -, como que eles especificam os conhecimentos, as habilidades e os valores que devem ser ensinados aos alunos. Coloquei várias nomenclaturas, competências, porque cada currículo lida ou trata de uma maneira. Mas como que ele especifica o que se ensina e como ele especifica, e se especifica, como que esses conhecimentos, esses valores, essas habilidades têm que ser ensinados? Então, o meu interesse aqui é onde a decisão sobre o currículo é tomada: no nível central, do governo central, ou no nível da escola. Quando a gente olha para o que se ensina nesse conjunto de países que falei para vocês, a gente observa que nenhum país outorga à escola a autonomia total com respeito ao que se ensina, e o Brasil também não, como vários aqui presentes falaram. A gente também, quando definiu na Constituição que nós devemos ter uma base nacional comum, de certa maneira, está dizendo que a escola não tem autonomia total na definição do que ensina.
A diferença de onde essa centralização ocorre, já que a escola não está sendo autônoma, vai ocorrer no nível nacional ou no nível estadual e municipal, e aí depende muito se o país é federativo unitário, e isso faz a diferença.
O que observamos, e a Austrália e os Estados Unidos são dois exemplos disto, é que nos últimos anos, a partir de meados dos anos 2000, os países federativos têm buscado centralizar nacionalmente essa decisão. Tanto na Austrália quanto nos Estados Unidos, a decisão curricular era tomada no âmbito dos Estados e das províncias. Recentemente, esses dois países decidiram fazer com que essa decisão sobre o currículo escolar fosse tomada no âmbito do governo central, tirando importância aí, na decisão curricular, das províncias e dos Estados, sob o argumento da equidade. A Profª Alice falou sobre isso, que esse é um argumento usado e, nesses dois países, esse foi o argumento, o de que a educação de um menino do Alabama não podia ser diferente da educação de um menino de Massachusetts, por exemplo. Esse é um argumento usado nos Estados Unidos e, portanto, os Estados Unidos tomaram a decisão de criar uma base comum, o que eles chamam de Common Core.
A outra diferença é sobre o grau de centralização. Então, dado que a escola não toma essa decisão e essa decisão fica na mão do Estado, governo central ou província, Estado, qual é o grau de centralização? O quanto de fato se centraliza e se define nesse nível central de seu currículo? A diferença é tão sutil que eu precisei analisar os currículos desses países - e vou trazer um exemplo aqui para vocês. Criei uma tipologia de grau de centralização, três tipos, três níveis de centralização, peguei três países como exemplo - Portugal, Finlândia e Cuba -, para mostrar claramente do que estou falando quando digo que o grau de centralização é alto ou baixo.
Portugal é o exemplo onde a decisão do que se ensina é tomada no nível central e aí o governo português criou um conjunto de documentos que foram garantindo essa centralização. Então, há o currículo nacional, que centraliza pouco, e foi criando programas de disciplinas e mais recentemente as metas curriculares onde se especifica muito o que se ensina.
Aqui há um exemplo: pequei matemática, primeiro ano, para todos os países, só para a gente poder comparar o grau de especificação. Então, é a meta curricular... O último documento, no limite, é aquele documento que os professores vão olhar para pensar ou planejar o currículo da escola. Então, no primeiro ano, as metas curriculares de matemática são divididas por tópicos, depois eixos, e dentro de cada meta, por exemplo, de cada objetivo, contar até cem, existe o caminho que o professor tem que percorrer para que o aluno possa contar até cem. Para ele contar até cem, primeiro tem que ensinar o aluno a verificar que dois conjuntos têm o mesmo número de elementos ou determinar qual dos dois é o mais numeroso, utilizando uma correspondência um a um. Então, podemos dizer que aqui estamos falando de um grau de centralização do que se ensina bastante alto, quase que está entrando ou poder-se-ia argumentar que o como está vindo junto com o que, aqui no caso de Portugal.
A Finlândia, nesse espectro que analisei, e quando a gente olha as políticas curriculares no mundo, e Nova Zelândia são considerados os dois países de maior autonomia docente. Acho que isso também é público e notório, tivemos a visita de pessoas da Finlândia, e ela é conhecida por ser um país que outorga um grande grau de autonomia aos seus professores e a gente observa isso através de seu currículo.
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Mas a Finlândia tem um documento curricular nacional que especifica o que deve ser ensinado nas escolas finlandesas. Isso é considerado, no contexto mundial, um alto grau de autonomia.
O índice do currículo finlandês tem 330 páginas mais ou menos, e ele já teve 700. Então, a Finlândia acredita que ela outorga mais autonomia hoje aos seus professores do que ela outorgava até o ano de 2004, quando eles fizeram a reforma curricular porque o currículo tinha 700 páginas.
Então, como que é o grau de especificação, que é o que estou olhando, do currículo finlandês? Ele tem uma visão geral da área e poucos objetivos, e objetivos muito mais genéricos quando a gente compara com o currículo português. Nós estamos falando aqui que, quando ele vai falar sobre aprender a contar, ele não vai dizer até quanto que a criança tem que contar no primeiro ano, mas ele vai falar de coisas mais genéricas, como o conceito de número e numeral e aprender as habilidades de cálculo apropriadas no mesmo objetivo. Então, de certa maneira, está colocando dois conteúdos juntos.
E ela especifica os seus conteúdos centrais que todo professor finlandês, no final - aqui, no caso, o currículo é feito de dois em dois anos, porque o professor acompanha o aluno -, todos os conhecimentos que todos os finlandeses têm que saber no final do segundo ano, independente de onde ele está. E aí você tem o número, numeral e algarismo, mas você não tem uma especificação de contar até cem como, por exemplo, você tem no caso de Portugal.
É interessante - só uma nota de rodapé - quando falam que na Finlândia não há avaliação, é padronizada. De fato, você não tem um sistema de avaliação. Por quê? Porque cada professor avalia seus alunos a partir de uma descrição de bom desempenho que está presente no currículo finlandês e que diz claramente o que o aluno tem que saber fazer e o professor certificar de que ele faz isso no final daquele período escolar.
Vou entrar no terceiro modelo de alta centralização, tanto do que se ensina como de como se ensina.
(Soa a campainha.)
A SRª PAULA LOUZANO - Vou tentar concluir aqui em dois minutos.
Poucos países prescrevem ou dizem explicitamente que prescrevem como os professores têm que ensinar. No geral, eles fazem questão de dizer que esta é uma seara do profissional da educação, do professor, ainda que a gente possa discutir se Portugal está entrando no que se ensina. O que vários países da região fazem é sugerir maneiras de ensinar, nos seus documentos.
Bom, Cuba é um país de alta centralização, tanto do que se ensina como de como se ensina. Então, a gente tem tanto documentos que especificam o currículo como documentos que especificam o que o professor tem que fazer na sala de aula.
Então, está aqui o currículo também de primeiro ano de matemática, olhando também para o mesmo conhecimento, que é o de contar até cem. E aqui ele é muito mais claro sobre, além de contar até cem, o que o aluno tem que fazer: indicar o antecessor e o sucessor, etc. - está ali no eslaide.
Além disso, e isso diferencia Cuba, por exemplo, de Portugal, Cuba tem um plano temático por disciplina, onde aparece o que o professor tem que ensinar e como ele tem que dividir seu tempo. Então, vamos lembrar que lá uma das coisas que o professor tem que ensinar para o aluno no primeiro ano é contar até cem, mas na unidade um ele vai ensinar somente a contar até dez. Então, aqui, o professor vem junto, uma metodologia de como que ele vai chegar no cem; o aluno não pode começar do oitenta, ele tem que começar do um ao dez primeiro.
Essa unidade é especificada, porque você tem um conjunto de materiais que são feitos a partir dela. Então, aqui, se eu abrir a unidade um, vou entrar dentro dela, que é contar até dez. Dentro dela, o professor também tem uma subdivisão: antes de ele ensinar o aluno a contar de um a dez, ele vai ensinar ele a contar de um a cinco; e, antes de ele ensinar o seis, ele tem que treinar como se faz a caligrafia do número. Então, tudo isso é altamente especificado no currículo cubano, que o diferencia da maioria dos currículos.
Portanto, só para resumir aqui, os modelos de política curricular que a gente encontra: Cuba fica sozinho no alta centralização do que ensina e alta centralização de como se ensina. Temos Portugal, Chile e México com alta centralização do que ensina e baixa centralização do como se ensina; e a Finlândia, Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos como exemplos de baixa centralização. Ou seja, dizer que o aluno tem que aprender o conceito de número e numeral é considerado uma baixa especificação no contexto internacional e nenhuma centralização de como se ensina.
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Isso é totalmente definido pela escola, inclusive como ele combina o número de horas, se ele vai fazer interdisciplinar etc.
Então, só trazendo isso para o debate nacional, lembrando, como vários aqui já falaram, o Brasil já definiu legalmente a necessidade de uma base nacional comum. Não é isso que está em discussão. A gente acredita que tem que ter algum nível de centralização da política. A questão é o quanto a gente já centralizou essa política por meio das nossas diretrizes curriculares é suficiente para garantir essa base comum? Essa é a pergunta.
Quando a gente faz essa comparação do ponto de vista internacional, a gente observa que ela é extremamente baixa. Ela fica totalmente fora desse espectro internacional.
O nosso documento legal... Estou entendendo que os PCNs não são documento legal, eles não têm força de lei, eles não são obrigatórios. Estou considerando as diretrizes curriculares como o documento legal curricular do Brasil, mesmo quando a gente compara com aqueles países que mais outorgam autonomia aos seus professores, como é o caso da Finlândia e da Nova Zelândia. Só um exemplo: como a base nacional comum se configura ou aparece nas nossas diretrizes curriculares. Ela aparece traduzida como disciplinas ou áreas do conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática... Ou seja, ela termina onde começam os documentos curriculares de qualquer outro país, que é especificando, dentro dessa área do conhecimento, algum tipo de conhecimento, mais centralizado ou menos centralizado.
Então qual é o problema da situação atual? É que nós temos, a partir desse documento curricular nacional, alguns Estados e Municípios que investiram nessa especificação parecida com a da Finlândia, alguns mais parecidos com Portugal, outros poderemos até dizer mais parecidos com Cuba, que tem material didático, enfim, estruturado, acoplado ao seu currículo, mas eles não se baseiam num documento curricular claro. Já vimos que estamos falando de um documento que só diz que tem que aprender Matemática, como é o caso dos países analisados, onde se especifica o que da Matemática se ensina.
Além disso, a diferença na capacidade dos entes federados, dos Estados e dos Municípios em produzir esse tipo de orientação curricular tem gerado desigualdade no sistema. Então não é à toa que quem tem no geral tem mais recursos técnicos e capacidade instalada para conseguir fazer isso.
Na minha opinião, essa falta de especificação e essa baixa capacidade técnica de algumas redes escolas em desenvolver essa especificação têm colocado o livro didático - e isso não é nenhuma novidade para ninguém, pois já faz bastante tempo... Mais recentemente, a avaliação externa como responsável indireta pela decisão.
Então, na minha opinião, a decisão curricular é privada, ela está na mão das editoras, ela está na mão das empresas de avaliação. Eu acho que o PNE traz para a gente - acho que a Beatriz vai falar um pouco sobre o trabalho do MEC nesse sentido - a oportunidade de transformar essa decisão numa decisão pública. Então eu espero que a pesquisa que eu trouxer aqui nos ajude a escolher aonde o Brasil vai se colocar nesse cenário mundial.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Agradeço à Professora Paula Louzano.
Quero agradecer e registrar a presença do ilustre Deputado Tiago Peixoto, ex-Secretário de Educação do meu Estado, que, com muito orgulho, transformou a nossa educação quase que num modelo já, tirando-a do quinto lugar no ensino médio para o primeiro lugar e o segundo no ensino fundamental, se não me falha a memória. Parabéns.
Estamos recebendo o comunicado de que dentro de mais ou menos uns dez a quinze minutos vamos ter que forçosamente encerrar a nossa reunião, porque estamos com o Congresso Nacional. Quando começar a votação, inevitavelmente nós teremos que encerrar. Mas eu acho que nós temos tempo ainda para algumas considerações dos requerentes.
Com muito prazer, eu passo a palavra para a Secretária da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), a Professora Maria Beatriz Luce.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Bom dia, Senadora Ana Amélia, do meu Estado, Srs. Senadores, Deputado.
Presidente, Senador Cyro Miranda, é com enorme satisfação que nós recebemos o convite para estar aqui, hoje.
Trago uma saudação muito especial do Ministro Henrique Paim, agradecendo, como faço, a oportunidade de colocarmos esta Comissão de Educação do Senado, que é tão importante para nós e nos permite também, ao mesmo tempo, uma comunicação com um público mais amplo a par do andamento do trabalho de construção da base nacional comum como uma política pública.
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Os parceiros desta Mesa - e eu me permito usar este termo "parceiros" - já fizeram, acho, um quadro muito importante de referências, inclusive, situando as diferentes contribuições da prática, do trabalho nos Estados. Faltou a nós aqui hoje, acho que de forma importante, a Undime, mas, nos estudos acadêmicos, estão representados pelo debate que nós vimos fazendo sobre política nacional de educação e política curricular de longa data.
Eu frequento esta sala, no mínimo, desde o tempo pré-constituinte, quando se inauguraram essas práticas de audiências públicas para discutirmos o texto da lei, as políticas públicas, não é, Senadores que têm essa memória? Então, é com enorme prazer que nós o fazemos.
Eu trouxe aqui, de uma forma resumida hoje, só para situar, toda a fundamentação que nós usamos, mostrando que todo o caminho de construção de uma política pública é um caminho de debates, de conflitos, e que é a tensão entre o dever de educar e o direito à educação que nos leva a esta discussão, e que a legislação produzida no Congresso Nacional tem sido muito importante, mas ela necessariamente precisa dialogar, orientar e ser tensionada nos instrumentos de planejamento da gestão dos sistemas de ensino estaduais e municipais e das escolas, na constituição não apenas das instituições de educação básica, mas das universidades, porque é a educação superior a produtora de conhecimentos e da formação e do material intelectual que também vai estar presentes nas nossas escolas.
Bem, as nossas guias orientadoras, em termos de democratização da educação - respeito à diversidade, a equidade e a gestão democrática - já foram aqui pontuadas de diferentes maneiras. Eu vou passar adiante para mostrar que nós estamos trabalhando nessa construção da base nacional comum num momento histórico muito importante para a educação brasileira.
É claro que este assunto de que nós devemos ter uma base nacional comum e uma parte diversificada em cada Estado, em cada Município e no currículo nas escolas... Porque o que se tem é que currículo só existe na escola, como uma prática vivenciada. O que nós temos nas outras instâncias de centralização organizada do sistema educacional são orientações, são diretrizes, não é? O currículo, pela própria definição, é isso.
Mas nós estamos fazendo isso, então, no momento em que se torna obrigatória e universal a educação infantil na pré-escola, a partir dos quatro anos de idade já no ensino fundamental e no ensino médio - então, essa é uma diretriz importante - e no momento também em que nós somos desafiados a fazer uma integração de noções do mundo do trabalho, de educação profissional no currículo escolar, porque já se provou a importância disso. E estamos vivendo uma fase, nos últimos dois anos, notoriamente, de maior presença pelas políticas adotadas para a educação continuada de professores, com o pacto da alfabetização, o pacto do ensino médio, uma política completamente diferente.
Houve uma inflexão na relação das universidades com as escolas. Nós hoje estamos atendendo universalmente já e gostaríamos de ter recursos para, no cenário do próximo ano e daí para adiante, ampliar a universalização da educação continuada na escola com a força intelectual e de trabalho das universidades também para o quarto e quinto ano do ensino fundamental e também para os anos finais do ensino fundamental.
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Então, esse é um cenário, sabendo que ao Ministério da Educação cumpre representar a União na coordenação da Polícia Nacional de Educação, mas que ela se realiza nos Estados e Municípios e se concretiza na escola.
Nós também estamos trabalhando sempre com uma perspectiva de institucionalização de um sistema nacional de educação, finalmente, coisa que não temos ainda na legislação da LDB, mas já temos pelo PNE. Então, isso foi um avanço. E essa política precisa estar sempre em permanente articulação entre currículo, formação dos profissionais, conteúdos educacionais, ou seja, materiais didáticos, infraestrutura escolar, política de avaliação e de financiamento.
Então, para nós, estar construindo a base nacional comum é estar ao mesmo tempo dialogando, colocando exigências da política curricular para a formação de professores, para a política de material didático, para os prédios escolares, equipamentos, para a avaliação e o financiamento, e não ao contrário, porque estamos saindo de uma era em que a política curricular é que ficou submissa ou ocultada e até pouco tratada diante das demais.
Bem, já foi dita toda essa base legal. Vou passar diretamente, para aproveitar bem o tempo, a mostrar como é que nós nos organizamos. E aqui alguns dos presentes à Mesa já tiveram oportunidade de ver um pouco deste material, mas eu tenho novidades a cada semana.
Nós estamos considerando que são instrumentos de origem não só a legislação, mas o Brasil tem sim, já, mais de 500 páginas de orientações curriculares. Com as características que a Paula colocou, eu acho que a gente pode mostrar que, em alguns aspectos, em alguns temas, há, sim, indicação de conteúdo e de método; não é só aquilo que está transposto da LDB para dentro das diretrizes. Então, há diretrizes para todas as etapas da educação infantil, do ensino fundamental, do ensino médio e para todas as modalidades: como isso vai ser tratado na educação indígena, dos quilombolas, na educação do campo, na educação profissional, etc. e tal. Então, há bastante detalhamento e para isso eu acho que a Professora Casimira tem razão de chamar a atenção. Mas a decisão de uma base nacional comum já está na LDB, está no PNE.
Então, nós precisamos articular isto com as normas dos Estados e Municípios, as orientações e o projeto político-pedagógico das escolas. Esse é o ponto mais importante, junto com a atualização das diretrizes curriculares da formação de professores da educação básica que está sendo retrabalhada no Conselho Nacional de Educação. Neste momento, ainda na segunda-feira à tarde, nós passamos a tarde trabalhando nisso. E nós estamos trabalhando para inserir uma orientação de base curricular comum a todas as licenciaturas.
Nós estamos trabalhando, na interpretação da legislação e do PNE, com mapas conceituais, que são um recurso mais didático de organização, interpretando o papel dos diferentes atores. E aí, a cada oportunidade a partir de hoje, eu queria ter autorização para inserir o diálogo com o Senado, com o Congresso Nacional, aqui representado, como um dos atores da articulação e colaboração na discussão desta base. E nós estamos usando os termos da legislação para isso.
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Já temos um conjunto de elementos conceituais tirado das diretrizes curriculares para chamar a atenção, que são, digamos, a base conceitual e metodológica. Estamos trabalhando com um processo participativo, eminentemente participativo, como já foi bem frisado aqui. Se for para ter mais orientações curriculares representadas pelo que se denomina uma base nacional comum de currículo, ela precisará fazer sentido para as pessoas que trabalham nas escolas, para os profissionais da educação. Portanto, essa legitimidade de conceitos, de metodologia precisa alcançar uma legitimidade política. Eles precisam ser, e como são, reconhecemos, legítimos sujeitos produtores dessa proposta nacional, precisam se ver para, depois, poderem continuar usando a base nacional comum, colocá-la em permanente discussão, em permanente aperfeiçoamento.
Primeira coisa que fizemos foi tomar uma decisão política de que política curricular é política central na Política Nacional de Educação Básica. Essa é uma área, reconhecemos, em que o Ministério da Educação, historicamente, trabalhou mais nos últimos anos, com a construção das condições de infraestrutura, do sistema de avaliação, do sistema de estatísticas e informação. Estruturou a política do livro didático, e quero frisar que, cada vez mais, batalhamos para que as escolas tenham opções de escolha para o livro didático, que ele não seja único, mas é difícil porque o mercado editorial é muito estreito e há forças comerciais que levam, que vão contra o fomento á diversidade da produção. Estamos trabalhando em políticas para fomentar isso.
Então, fizemos da seguinte forma. Primeiro, vamos ver, a partir dessa decisão política, o que nos orienta o PNE e fazer uma consulta com Estados e Municípios. Supreendentemente para todos, eu acho, obtivemos, em curto espaço de tempo, uma resposta muito significativa. Abrimos, pelo sistema de informações do MEC, com o qual conseguimos dialogar com todas as secretarias municipais e estaduais de educação, e convidamos a responderem um questionário direto para informar se tinham projeto curricular, documento curricular orientador ou não tinham. A resposta foi a seguinte, inclusive surpreendentemente - o "sim" é representado pelo azul -, mas não temos tempo de examinar em detalhes: para a área estadual, surpreendentemente menos atendida, porque há Estados que também não atendem, mas mesmo os Estados que atendem têm para o ensino fundamental e médio e não tem para a educação infantil.
Adiante.
Temos o ensino fundamental já bem presente.
Então, vocês vejam que não é por ausência de orientação. O que está em questão também é a forma, o conteúdo, a apropriação e, portanto, o processo que precisa ser eminentemente político pedagógico e pedagógico político. Esses dados nos mostram que o ensino médio, sim, está muito mais desprovido de orientações, mas, assim mesmo... (Pausa.)
É desprovido mesmo no nível estadual.
Assim, tomamos o PNE no seu texto e passamos a fazer um trabalho metódico de planejamento, tirando exatamente as orientações e transformando cada meta em subações estratégicas no planejamento do MEC.
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O MEC hoje tem um plano de ações muito minucioso neste sentido. Obviamente a realizar-se em regime de colaboração com Estados e Municípios, em diálogo com a academia, com as entidades organizadas interessadas da sociedade civil, com o Parlamento. Estamos sempre à disposição.
Então, vai adiante nessas estratégias, porque o prazo é de dois anos, esgotando-se no dia 24 de junho de 2016. Temos esta condição que, ao mesmo tempo, nos pressiona, é difícil, mas nos leva a trabalhar.
Esta é a parte, digamos, que já evolui, em uma apropriação do que já estava feito, para propormos neste momento a discussão sistematizada por uma comissão de especialistas, de tudo que nos veio até o momento, de 14 direitos à aprendizagem, ao desenvolvimento, que sintetizariam ou estruturariam esta base, com esta noção de direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento.
Não temos tempo para abordar, mas, pela natureza disso, vocês podem ver que são diretrizes que podem ser cumpridas da educação infantil ao ensino médio e à formação de professores.
Então, temos que nos qualificar para reconhecimento das práticas culturais, para valorização dos saberes, para apropriação de diversas formas de linguagem, para preservação dos patrimônios, para formação e atuação política, porque é o desenvolvimento da pessoa, formação para a cidadania e preparação para o mundo do trabalho - é o que a LDB nos orienta - para integração entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, para apropriação de conceitos e procedimentos, para historicidade, para reflexão crítica, para cuidado de si, para autonomia frente a situações-problema, para atuação consciente, para integração de interesses e motivações, para compreensão da centralidade do trabalho.
Se permite, Senador Cyro Miranda, já vou mostrar aqui um desses elementos trabalhado no conteúdo com o tipo de orientação que estamos fazendo hoje. É só um minuto.
Quero mostrar que temos a possibilidade de, por exemplo, com relação à noção de clima, sistemas e relações, que interessa a toda cidadania, componentes do sistema climático, que vai desde a educação infantil ao ensino médio, relações entre vegetação, clima, florestas, etc., apresentar experiências escolares sugeridas e a relação com outras áreas de conhecimento. Essa seria uma matriz, por exemplo, passando, nos anos finais do ensino fundamental, a estudar os seres vivos como componentes do sistema climático e suas relações e, no ensino médio, a dinâmica climática do Planeta e os impactos socioambientais locais, regionais e globais, os estados físicos da água, etc.
É só para mostrar que realmente estamos conseguindo avançar com exemplos, porque achamos que a contribuição das escolas produzindo mais exemplos é o que nos permitirá constituir uma base nacional comum. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Muito obrigado, Srª Secretária da Educação Maria Beatriz.
Peço sempre desculpas por estar espremendo em relação ao tempo, mas é alheio a nossa vontade.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Faz parte.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Temos, agora, exatamente sete minutos, e gostaria que fosse muito rápido, porque vamos ter que encerrar de qualquer maneira a reunião em sete ou oito minutos.
Passo, então, à primeira requerente, Senadora Ana Amélia, para que faça as suas considerações e perguntas; posteriormente, ao Senador Cristovam; e, se tivermos tempo, ainda, aos Deputados.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Caro Presidente Cyro Miranda, queria primeiro agradecer muito a todos os expositores. Foi uma primeira iniciativa desta Comissão neste tema, que é absolutamente relevante e inadiável.
Segundo, penso que foi o Denis que falou sobre a questão do debate. Precisamos ampliar muito e trazer aqui o chão de fábrica, no termo usado, na verdade, os secretários municipais que não estão presentes, que é o Undime. Acho relevante. Teremos que fazer isso novamente.
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À exceção da Alice, e a trato assim por ser jovem, que detonou o currículo nacional, há um entendimento, digamos, de consenso, com variáveis, sobre o processo da questão do currículo nacional, o currículo básico nacional, e a prova dos resultados que foram averiguados pelo próprio MEC em relação à participação. Vejam o comprometimento, até pela necessidade, dos Municípios com essa questão, o que me anima muito porque acho que a base está aí, no ensino fundamental infantil. É essa a questão.
O Prefeito de Sarandi, um Município de 30 mil habitantes no Rio Grande do Sul - a querida Secretária Maria Beatriz, que é gaúcha, sabe disso -, mantém creche para as crianças de seis meses a seis anos, doze meses por ano. A mãe entrega lá às 6h e apanha às 18h, com qualidade. É a mãe que é operária. Eu fui visitar a escola. Essa criança é diferente. Ela nem se importava com as visitas que chegavam. Ela estava concentrada, fazendo os seus trabalhos de desenvolvimento motor, vendo televisão ou ouvindo história das monitoras. Fiquei impressionada.
A vontade política, a decisão de fazer é fundamental, e o debate para que aqui possamos construir tem que continuar.
Queria, sinceramente, ao Secretário Estadual de Santa Catarina, que é uma referência, a Profª Paula, ao Denis e à Alice, porque é uma contribuição, mesmo que contraditória... É claro que o MEC está fazendo um trabalho. É importante que vejamos isso. Claro que não dá para comparar o nosso País com a Finlândia. Temos que comparar por que fizeram e por que dá certo e ajustar para a nossa realidade.
Foi maravilhoso. Aprendi muito hoje aqui. Fiz curso normal. Sou normalista. No segundo ano, segundo o currículo municipal, era para ensinar a comunidade local. Na época, o currículo era esse. No terceiro ano do ensino fundamental, era o Estado, a realidade do Estado. Então, eu levava os meus alunos, no estágio. Levei para conhecer o prefeito da cidade - marquei audiência - e o gerente do banco, para eles saberem e terem a noção da formação da comunidade. No segundo, eu fazia cartas dos meus alunos para outros Municípios do Estado para contarem a história das Missões ou da região da serra, que era minha. Isso dava uma coisa diferente. As crianças tinham uma participação incrível. Isso em 1968. Essa área me encanta.
Parabéns pelas explicações. Não vamos ter um debate, o que seria necessário, mas vamos continuar na segunda etapa, meu caro Presidente Cyro Miranda, trazendo aqui os outros protagonistas desse processo.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Muito obrigado, Senadora.
Estamos começando um ciclo de debates. O que nós temos que tirar dessa lição é a importância de estarmos começando. No ano que vem, acho que temos que exaurir em muitas audiências públicas.
Com muito prazer, por três minutos, Senador Cristovam. Infelizmente, vamos encurtando o tempo.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Sou tentado a fazer apenas a pergunta, mas, antes, vou, por um minuto talvez, dizer o seguinte. Creio que temos um programa de complexidade nacional que faz com que respeitemos as especificidades, mas temos um problema de desigualdade, que é outra coisa e que nos obriga intervenção forte. A própria Professora Maria Beatriz disse que, do ponto de vista de orientação, já temos tudo, mas ela não chega lá. Não tem como! É muito desigual Americana, em São Paulo, e Axixá, em Pernambuco.
A pergunta: o que a gente quer ao dar educação? Queremos que cada aluno vire um ser humano pleno, capaz de deslumbrar com as belezas e se indignar com as injustiças, entender a lógica, ter um ofício, não importando onde ele está. Agora, tem que respeitar as vocações. Temos que dar absoluta liberdade, quase, à vocação. O indivíduo aluno tem que ter liberdade; a escola não! A escola tem que ter liberdade para dar liberdade ao aluno, mas, do ponto de vista da sua estrutura, tem que ser igual. Tirando certas especificidades, como a Profª Alice falou, de grupos indígenas, certas especificidades étnicas, para o restante as condições têm que ser as mesmas e o conteúdo básico. Agora, a partir daí, respeita-se, sim, as vocações.
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Mas a minha pergunta é... Para isso, exige um currículo comum, tolerando as vocações. Daí, a pergunta: é possível um currículo comum num país com a complexidade e a desigualdade brasileira, mantendo a educação municipal?
Só essa pergunta.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - O. K.
Já já nós passamos.
Primeiro, pergunto ao Deputado Raul Henry se quer também fazer uma colocação.
O SR. RAUL HENRY (PMDB - PE) - Eu quero, Senador.
Vou fazer uma breve pergunta, aqui, à Professora Alice.
Primeiro, parabenizo a Comissão por esta audiência pública. Lamentavelmente, no próximo ano, não estarei aqui para debater este assunto, mas me impressionou muito, na fala dela, citar, por exemplo, que o ensino da matemática depende de contextualização cultural.
Aí, a minha pergunta: a regra de três que se ensina em São Paulo é diferente da regra de três que se ensina no interior do Piauí ou de Pernambuco?
Pontuação, acentuação, concordância verbal, concordância nominal, isso é diferente para o aluno que está em Porto Alegre ou que está no Sertão de Pernambuco?
Para mim, é muito difícil essa compreensão.
O conceito de fração é diferente? Dois mais dois é diferente em São Paulo e no Piauí?
Realmente, fiquei muito impressionado com essa fala dela. Se possível, gostaria de ouvir dela essa explicação.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Vai ouvi-la, sim.
Deputado Thiago, para fazer uma colocação.
O SR. THIAGO PEIXOTO (PSD - GO) - Sr. Presidente, antes de mais nada, queria parabenizá-lo pela audiência, pelo fato de a Comissão do Senado promover este importante encontro. Entendo que nós debatemos muito os temas educacionais, tanto na Câmara quanto no Senado, mas eu diria que não existe hoje, na agenda educacional do País, nada mais importante do que essa base nacional curricular.
Falo isso pela minha experiência como secretário em Goiás. Fizemos lá muitas mudanças, mas talvez nada tenha gerado tanto impacto como o fato de ter um currículo.
E uma coisa me chama a atenção: quando começamos a desenhar isso lá - a Paula participou desse processo também lá com a gente -, parecia que as resistências iam ser muito grandes. A academia, contrária; parecia ser uma missão impossível. E me surpreendeu, pois não foi nem um pouco impossível; muito pelo contrário. Foi muito mais simples do que eu imaginava. Acho que se criou um conceito de uma complexidade disso que, lá na escola, não é real. Ou seja: a escola participou, a escola discutiu, a escola cooperou para a construção desse currículo; não houve resistências grandes, e o resultado mais importante é que - com muita certeza falo isso aqui - os nossos alunos que passaram a ter acesso a esse currículo tiveram acesso a educação de melhor qualidade.
Uma outra coisa importante que o Senador disse aqui muito bem: nós temos uma meta de gerar equidade no País, e o currículo é uma forma de se gerar equidade, de se reduzir a desigualdade educacional da nossa Nação.
Obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Eu que agradeço.
Passo a palavra a quem deseje responder a pergunta do Senador Cristovam e, depois, à Professora Alice, para resposta à indagação do Deputado Henry.
Quer responder? (Pausa.)
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Senador Cristovam, nós todos reconhecemos, nessa pergunta, a sua visão, que acompanho há algum tempo a respeito da organização do Sistema Nacional de Educação.
Queria lhe dizer que, na República Federativa, a Assembleia Nacional Constituinte atribuiu aos Municípios uma organicidade e competências muito maiores do que - e inclusive de autonomia, de participação - em qualquer outro modelo federativo que conheçamos.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Então, a senhora acha que está na hora de mudar essa Constituição?
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Pois é. Então, no momento, nós estamos trabalhando com esse sentido.
A organização de um sistema municipal de educação é uma tarefa complexa. É difícil, mas eu acho que já temos alguns exemplos muito interessantes no nosso País, que mereceriam, inclusive - acho este tema, se me permitem a sugestão... -, alguns estudos, uma própria audiência com especialistas, com estudiosos, no País.
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Então, eu diria o seguinte: que o fato de nós termos uma descentralização de gestão com a institucionalização de sistemas de ensino nos Municípios me parece não vai retirar o problema de que precisamos trabalhar as políticas nacionais de educação em todas as unidades de ensino. Quer dizer, as escolas continuarão a existir. E me preocupa muito que as escolas não tenham um ponto de referência de coordenação política e administrativa mais próxima delas.
Então, acho que o que está em questão seria discutirmos exatamente o nível de detalhamento, de atenção, de apoio ao desenvolvimento do trabalho da unidade escolar como um elemento mais bem estruturado na articulação União, Estados e Municípios.
Eu diria que precisamos urgentemente fortalecer as condições de materialidade, de corpo profissional instituído e qualificado em cada unidade escolar.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - E tudo isso é possível mesmo com a pobreza e a desigualdade dos Municípios? Ter um professor no interior de Pernambuco igual ao de Brasília? A gente consegue? Mesmo que a responsabilidade seja municipal.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - As desigualdades...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Aliás, tiremos Brasília, porque, aqui em Brasília, quem paga a educação é o Governo Federal.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - O nosso trabalho é combater as desigualdades, é diminuir as desigualdades, e esse é o horizonte de trabalho.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Desculpe. No caso de educação, não. No caso da educação, é eliminar as desigualdades.
No caso da renda, é diminuir...
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Sim.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - No caso da saúde e da educação, é eliminar o acesso.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Combatendo.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Sim, combatendo para eliminar. A meta tem que ser eliminar.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Concordo.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Concorda.
É possível eliminar...
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Igualdade de condições...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Isso. De acesso.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - ... de acesso e continuidade nos estudos.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Aí, alguns vão ser melhores, outros vão ser piores, pelo esforço próprio, pela vocação.
Agora, é possível, com a desigualdade dos Municípios, conseguir essa igualdade, mantendo a municipalização que a Constituição prevê? Ou está na hora de mudar esse artigo da Constituição?
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Eu creio que é difícil, mas eu também temo que não seria fácil só com sistemas estaduais ou só com o sistema federalizado, Senador. Essa é a minha opinião. Eu creio que, ao mesmo tempo em que temos esse compromisso de superação da desigualdade, temos também um compromisso com a relevância da diversidade.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Desculpe, mas a proposta que eu faço é respeitar...
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Que não são antagônicos.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu tanto respeito as diversidades que eu defendo que cada escola se autoadministre. Não precisa nem do Município, mas a carreira do professor tem de ser a mesma; o salário tem de ser equivalente; a seleção tem de ser nacional.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Concordo.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Então, é nesse sentido.
Agora, a gestão é local, e o conteúdo, também.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Estamos trabalhando em algumas medidas. Inclusive, eu queria lhe dizer que, no Ministério da Educação, inclusive em articulação com a Undime, foram retomados os trabalhos para nós termos uma prova nacional docente, pelo menos, à disposição dos Municípios que quiserem usar.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Eu vou encerrar, mas há só uma coisa gráfica, Professora, que mostra que não é possível.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Sim.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - A senhora fez aqui um belo mapa... Como se chama?
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Mapa conceitual.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - A senhora viu a marginalidade como aparece o MEC nesse mapa?
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Não, para nós foi o ponto de partida.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Dá para mostrar o mapa? É um tiquinho de nada. É um sujeito...
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Foi o ponto de partida.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - ... de dezenas de outros. Não tem como.
A senhora, por exemplo, Secretária, deveria ser ministra da educação de base. Do contrário, não consegue.
A senhora é um pedacinho do Ministério, perdido...
Eu sei porque fui Ministro e vi que, durante um ano, só me pediam universidade, universidade, universidade, universidade ou escola técnica.
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Não; mas mudou.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - Será?
A SRª MARIA BEATRIZ LUCE - Eu que acompanho - permita-me -, e o senhor tem outras evidências... Esse é um bom debate. Como cidadã, como professora, Senador...
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Apoio Governo/PDT - DF) - É verdade.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Enquanto selecionam o eslaide, gostaria que a Professora Alice respondesse ao Deputado Raul. Por favor.
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A SRª ALICE CASIMIRO LOPES - Bom, Deputado, eu tenho que, enfaticamente, dizer que ensinar Matemática tem realmente uma relação contextual fortíssima. Talvez seja uma das áreas onde mais existam trabalhos para expressar essa relação contextual, mesmo porque a Matemática, no nível superior, como dimensão, como conhecimento relacionado à produção de pesquisa, ela, sim, está no nível do abstrato e de se afastar do cotidiano. A Matemática que se ensina na escola, Matemática para fazer sentido para os alunos, essa razão e proporção não é ensinada como conhecimento meramente abstrato. Ela tem que ter a solução de um problema, uma questão que vai ser pensada a partir da razão e proporção, por exemplo. Mas vale para todos os outros exemplos que o senhor apresentou.
Por isso, todo esse conhecimento é eminentemente contextualizado. O aluno, os exemplos com os quais vão ser trabalhados, a própria construção do conceito de razão e proporção, porque um aspecto muito importante que todo mundo precisa considerar é que conhecimento não é uma coisa que se afasta de nós. Conhecimento só faz sentido no interior do sujeito, com a relação que cada um de nós tem com o conhecimento.
É isso que faz com que a gente tenha de pensar que desigualdades educacionais não se resolvem com currículo. Desigualdade educacional se soluciona resolvendo-se as desigualdades sociais, com condições de trabalho para os professores, com melhores salários, com condições de vida para os alunos. É isso que garante o fim de desigualdade educacional.
E, ao mesmo tempo, a gente tem de respeitar as diferenças, porque essas, sim, não se eliminam. Nós, aqui, não sabemos as mesmas coisas. Eu estudei, por exemplo, uma série de questões de Química, porque fui professora de Química da educação básica durante dez anos, que certamente não são do conhecimento da grande maioria aqui. E isso não é um problema.
Nós não precisamos mobilizar os mesmos saberes, e estar o tempo todo tentando definir uma base em que a gente diga, em cada ano, o que vai ser ensinado é ser diretivo, sim, e esse nível de direcionamento "desempodera" os professores, desmobiliza os professores. E, para a gente ter comprometimento com a educação, ao contrário, a gente tem de ter mobilização dos professores, cobrar responsabilidade e atuação para um comprometimento social. Se eu vou ensinar determinado conteúdo, qualquer que ele seja, se vou ensinar a língua materna, os textos que vão ser trabalhados são diferentes em cada contexto, e é isso que a gente precisa respeitar do ponto de vista curricular, a meu ver.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Obrigado, Professora Alice.
Passo, em seguida, para as considerações finais, por dois minutos, do Sr. Denis; e, posteriormente, encerro com a Professora Paula.
O SR. DENIS MIZNE - Eu queria agradecer a oportunidade de participar deste debate, que eu achei riquíssimo. Eu acho que temos de dar voz aos atores no processo. Fala-se muito dos professores no processo da educação - o que eles pensam, o que eles querem -, mas ouve-se pouco.
A pesquisa foi lá ouvir, na ponta, dentro da escola: 93% acham que saber ano a ano, como a Presidenta Dilma falou na abertura da Conae que saber ano a ano ajuda. Porque como ele vai saber? Ele é um professor do terceiro ano. O que aconteceu no segundo? Desse conteúdo aqui, o que foi dado? Para onde eu vou?
Agora, isso não elimina toda a questão importantíssima que a Professora Alice traz, do contexto. Na minha interpretação, o dois mais dois é dois mais dois em qualquer lugar; o meio é meio em qualquer lugar. Agora, como ensinar dois mais dois da maneira mais efetiva pode variar de criança para criança, de sala de aula para sala de aula.
Então, tem que ser preservada realmente a oportunidade de se dar ao professor, à escola, à rede, a melhor maneira de se pensar o como ensinar, como conseguir fazer. Agora, decidir se ele deve ou não aprender dois mais dois, ou a ler, em que momento, em que ano, e tal, isso não me parece um tema... Quer dizer, pelo menos, aos professores, aos dirigentes municipais de educação, à boa parte da sociedade civil organizada que trabalha em educação, aos secretários estaduais, secretários municipais, aos gestores de escola, a um pedaço da academia, não parece ser um grande debate mais.
E, aí, eu acho que a gente precisa conseguir andar, porque eu volto ao ponto: a educação tem pressa, e os alunos estão lá. O nosso debate está comprometendo uma série de gerações. A gente tem de dar espaço ao debate, mas tem que dar oportunidade também à ação. Acho que a gente deu muita oportunidade ao debate. Temos que dar oportunidade à ação.
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Acho muito bem-vinda a apresentação da Secretária Maria Beatriz, com quem a gente vem dialogando e cuja equipe tem tomado uma posição muito forte, o Ítalo, a Clarice, que tem envolvido um grupo grande. Devem estar trabalhando sem dormir há meses para conseguir fazer esse esforço hercúleo daquele mapa, de todo o mapa, e fazer circular... Não é fácil fazer esse negócio e colocar à nossa disposição, e acho que de muitas forças da sociedade, e contribuir para esse processo. Há muita evidência, há muita pesquisa, um grupo de organizações que está participando do debate...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO (Fora do microfone.) - (Inaudível.)
O SR. DENIS MIZNE - É, mas também de ação, de como ajudar, de onde ir. Há experiências riquíssimas. Acho que é muito bem-vinda a proposta da Comissão de Educação do Senado de seguir esse debate. Há muita gente pensando e agindo sobre esse assunto no Brasil, experiências de Municípios, experiências de Estados bem sucedidas que eu acho que podem servir.
E é preciso ouvir o professor, trazê-lo para o centro dessa conversa. Acho que o Brasil vai avançar, não por mágica. Dizem que todo problema complexo tem uma solução rápida, fácil, barata, imediata e errada. Então, a gente precisa ter coragem de tomar decisões complexas. Toda vez que a gente discute um problema tão complexo como educação e não busca uma bala de prata, os outros buscam para nós. Então, a base não vai resolver, claro, da mesma maneira que o piso não vai resolver, da mesma maneira que a estruturação em nove anos não vai resolver. É um conjunto, mas a base tem esse poder aglutinador, porque ela vai colocar o Brasil debatendo o que a gente espera que as crianças saibam ao terminar a escola. E é isso que é fundamental. O mundo hoje é diferente, requer outras coisas, e a gente tem que fazer uma escolha para dar esse essencial.
Eu gosto muito da fala do Senador Cristovam da liberdade do aluno. Vamos dar liberdade ao aluno, vamos dar a ele condições para exercer sua liberdade, para que ele seja o cidadão que todos nós esperamos que ele seja e que possa ter a liberdade de contribuir para um país ainda melhor do que o que a gente tem hoje.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - V. Sª tem toda a razão. Parabéns! É como dizem: se, no interior do Acre, nós formos dobrar o salário do professor primário, sabem o que vai acontecer? Nada. Ele só vai ter um poder aquisitivo maior. Mas nada vai acontecer para o aluno. Então, é um conjunto de ações.
Professora Paula.
A SRª PAULA LOUZANO - Eu queria agradecer o convite mais uma vez e dizer que acho que a Base Nacional Comum, esse processo que o MEC tem liderado, pode ser a materialização do que o Professor Michael Young chama de conhecimento poderoso. O que seria esse conhecimento poderoso? É aquele conhecimento que vai garantir as mesmas possibilidades para o menino de Quixadá e para o meu filho, em São Paulo. E razão e proporção, para mim, é um conhecimento poderoso, que todas as crianças brasileiras, no final do nono ano, entendam e consigam compreender o que isso significa e saibam usar, aplicar isso. Por quê? Porque é isso que vai garantir... Eu não tenho dúvida de que o meu filho, como, provavelmente, o filho de todo mundo que está aqui nesta sala, vai poder ser engenheiro se quiser ser engenheiro, porque vai ter que estudar cálculo, vai poder ser médico porque vai ter que ler um paper de estatística.
Então, eu acredito que a Base Nacional Comum vai poder ampliar a oportunidade daqueles que hoje não a estão tendo.
Então, concordo com a Alice. Eu não tenho dúvida de que o contexto importa, mas a matemática é a mesma. Todos têm que aprender razão e proporção, e isso tem que ser um direito. Eu não tenho dúvida de que tem que ser um direito. Agora, como a materialização...
O SR. RAUL HENRY (PMDB - PE) - Paula, em Pernambuco, a gente calcula bode por hectare no sertão e, em São Paulo, carro por quilômetro de avenida, mas é a mesma matemática. (Risos.)
A SRª PAULA LOUZANO - É a mesma matemática, mas o exemplo vai ser outro. E eu não tenho dúvida de que, se não for outro, não vai ter sentido. É por isso que eu acredito que o nosso modelo é muito mais do que e muito menos do como, porque esse como é o professor que vai definir, no seu contexto. Mas a garantia do direito tem que ser para todos.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Nós é que agradecemos.
Eu quero agradecer e registrar a presença da Nilce Rosa, Secretária Executiva do Conselho Nacional de Secretários de Educação, da Clarice Traversini, Diretora de Currículos e Educação do MEC, da Camila, Gerente de Fundação, do Ítalo Modesto, da Ana, do Luiz Ribeiro, do Filipe Farias e da Jussara e dizer que me sinto muito feliz porque essa iniciativa que nós estamos "estartando" agora... Provavelmente, eu não estarei no Senado e muito menos na Comissão no ano que vem, mas a minha querida Vice-Presidente vai continuar...
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco Maioria/PP - RS) - Sob nossos protestos, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Obrigado.
A ideia é fazermos um seminário, começarmos a ampliar essa discussão em março. A Senadora Ana Amélia vai capitanear. Quem sabe o Raul também venha para cá daqui a quatro anos. (Risos.)
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O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Mas o que fica patente aqui é que nós estamos saindo daquela inércia. Ou seja, tem febre? Quebra o termômetro. Não, nós estamos começando a cuidar da febre. Isto é muito importante. Sabemos que temos necessidade de melhorar esse espaço. Como venho da área empresarial e sou muito prático, o que mais me chamou a atenção foi o que o Denis me falou de tudo. Para mim, o que importa é o resultado. Como nós estamos na ponta? Nós melhoramos? Nossa escola pública melhorou? Os nossos profissionais estão melhores? Há igualdade? Precisamos continuar dando cotas? Então, como resultado final, a gente vem aqui para o começo e começa a ver que precisamos rever o fundamental. E nós estamos fazendo isto. E é obrigação desta Casa, Maria Beatriz, estarmos em consonância com o Ministério sempre nessas audiências públicas.
Agradeço imensamente a presença da Casimiro, da Maria Beatriz, do Denis, da Paula e quero dizer que isso é só o início e que nós vamos continuar, de longe, o Raul em Pernambuco e eu em Goiás, junto com os nossos Parlamentares, a municiar. E tenho certeza de que nós vamos, sim, daqui a alguns anos, sentar a esta mesa e dizer "é, realmente, as desigualdades desapareceram".
Muito obrigado.
Declaro encerrada a presente reunião e convido todos para a próxima terça-feira.
(Iniciada às 10 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 47 minutos.)