26/11/2014 - 67ª - Comissão de Educação e Cultura, Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Havendo número regimental, declaro aberta a 38ª Reunião Extraordinária da Comissão de Educação, Cultura e Esporte. em conjunto com a 67ª Reunião Extraordinária da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e com a 40ª Reunião Extraordinária da Comissão de Assuntos Sociais, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 50ª Legislatura.
Submeto à apreciação do Plenário a proposta de dispensa de leitura da ata das reuniões anteriores e a sua aprovação.
As Srªs Senadores e os Senadores que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A presente reunião, convocada na forma de audiência pública conjunta, atende ao Requerimento nº 29, de 2014, da Comissão de Educação, de minha autoria e da Senadora Ana Rita, assim como os Requerimentos 76, de 2014, da CDH, e 47, de 2014, da CAS, de autoria da Srª Senadora Ana Rita, para a realização da audiência pública destinada a debater o tema "aportes das neurociências à compreensão do desenvolvimento infantil: novas perspectivas."
A audiência está inserida na programação da VII Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, organizada pelo Senado Federal, no período de 25 a 27 de novembro.
Dando início à audiência pública, solicito ao Secretário da Comissão, Júlio Linhares, que acompanhe os nossos convidados a tomarem assento.
Convido a Srª Suzana Herculano-Houzel, neurocientista e bióloga do Rio de Janeiro; Bernardette Rogé, neuropsicóloga da França; Alfred Sholl-Franco, biofísico e neurocientista do Rio de Janeiro; Françoise Molénat, psiquiatra infantil da França.
Sejam todos muito bem-vindos!
Nos últimos seis anos, esta Comissão realizou debates sobre os cuidados necessários à primeira infância, por se tratar de um período da vida de fundamental importância para o desenvolvimento físico e psíquico do ser humano que afeta os aspectos emocionais e de aprendizagem.
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Neste ano, a audiência pública proposta abordará os temas "Os aportes da a neurociência à compreensão do desenvolvimento infantil: novas perspectivas", que será dividido em três temas: "Autismo precoce e neurociências"; "A Neuroeducação no contexto da primeira infância: prevenção, conscientização e capacitação"; "Cérebro - onde Psicologia e sociedade se encontram no desenvolvimento infantil"; "Estresse e gravidez: impacto do ambiente humano".
Informo ainda aos senhores presentes que esta audiência pública tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado e da Rádio Senado.
A reunião contará ainda com o seguintes canais de interatividade com o cidadão: Alô Senado, através do telefone 0800-612211, e e-Cidadania, por meio do portal www.senado.gov.br/ecidadania, que transmitirá ao vivo a presente audiência e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos Srs. Senadores e Senadoras e expositoras, via internet.
Os interessados poderão acessar ainda o Facebook e o Twitter do Senado Federal, para participarem desta audiência. A audiência também poderá ser assistida pelo site YouTube, através do endereço eletrônico http://www.youtube.com/TVsenado.
Eu inicialmente agradeço a presença dos Srs. Senadores Jayme Campos, Cícero Lucena, nesta audiência, que para nós é considerada da maior importância.
Agradeço também a presença de vários psicólogos e psicopedagogos e também da Drª Candy Gifford, psicopedagoga e ex-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Goiás. Tenho muita honra de recebê-la, com um olhar de felicidade, porque é muito bem casada, é minha esposa.
Seja bem-vinda!
(Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Senador Aloysio Nunes Ferreira, seja muito bem-vindo.
Inicialmente, eu convidaria, pelo tempo de 20 minutos - e, se necessidade houver, o prorrogaremos -, a Srª Bernadette Rogé, neuropsicóloga da França, para que faça a sua exposição com o tema "Autismo precoce e Neurociências".
A SRª BERNADETTE ROGÉ (Tradução simultânea.) - Eu agradeço muito a todas as pessoas que possibilitaram a organização desta audiência e vou falar dos avanços recentes em matéria de neurociência na área do autismo.
Uma pequena lembrança, para dizer que o autismo é um distúrbio que invade o desenvolvimento e que tem uma aparição precoce durante a primeira infância, mas que persiste na idade adulta, ainda que os avanços sejam possíveis.
É um distúrbio que se manifesta por alterações na capacidade de estabelecer, de manter as relações sociais e de se comunicar, que provocam também distúrbios do comportamento, que são muitas vezes vinculados à falta de comunicação.
Num primeiro momento, a abordagem para o diagnóstico era categorial, ou seja, nós diferenciamos diferentes quadros, como autismo típico, atípico, Síndrome de Asperger e outros quadros sintomáticos.
Hoje, temos uma abordagem muito mais dimensional, ou seja, os distúrbios ao longo de um espectro de desordem, que variam num continuum e que vão do mais leve até o mais severo e que são mais ou menos associados a uma deficiência intelectual ou a outras patologias.
Portanto, em vez de falar de autismo e de outros quadros, falamos hoje de distúrbios do espectro autístico. A epidemiologia mudou muito nesses últimos anos. O autismo foi, durante muito tempo, apresentado como uma patologia rara, mas os últimos estudos mostram que passamos de um nascimento em cada dois mil, em 1960, um em cada 150 , até mais recentemente, e um para cem hoje em dia.
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Então, esses números são alarmantes. Não se trata de uma epidemia de autismo - isso é uma brincadeira, digamos. Na realidade, se trata de uma coisa muito mais complexa.
Em primeiro lugar, a definição de autismo se ampliou, o que possibilitou incluir casos que são mais difíceis de serem identificados, como os das jovens crianças em que os sinais são muito leves e flutuantes, ou formas mais leves de autismo, como o que nós chamamos de Síndrome de Asperger.
Além disso, os métodos de detecção estão mais finos também. Foram divulgados amplamente, o que faz com que os profissionais sejam mais capacitados para buscar esses sinais.
Em contrapartida, a gente fica preocupado com esse aumento dos números, porque a gente acha que não é apenas um artefato. É, também, o reflexo de um aumento real, inclusive com fatores de meios e ambientes, e nós mostramos que alguns pesticidas, por exemplo, poderiam ser responsáveis por alguns distúrbios neurológicos.
Então, é preciso ter muita atenção em relação a esses fatores.
Nós sempre temos a nossa noção de que os meninos são quatro vezes mais afetados do que as meninas. É um dado constante na literatura.
Os distúrbios da comunicação estão, realmente, no cerne do problema do autismo. A linguagem é afetada. Nas formas mais severas, ela é atrasada e, às vezes, até ausente totalmente, e apresenta anomalias, como a ecolalia, o fato de repetir, sem parar, as palavras ouvidas, sem ser um parceiro de comunicação, e respondendo a perguntas, mas só com a repetição dessas perguntas; dificuldades de compreensão, que têm consequências pesadas em termos de distúrbio de comportamento.
Até nas formas mais leves, que não apresentam déficit intelectual, a linguagem pode se estabelecer e pode até ter uma forma bastante correta, com formulações extremamente complexas e até preciosas, mas é pouca adaptada a situações sociais e à parte pragmática da linguagem. O uso social dessa língua e dessa linguagem é que é difícil.
As pessoas que têm autismo apresentam especificidade de tratamento da informação e essas pessoas apresentam traços e lembram de traços do ambiente, porque elas apresentam processos de exploração diferentes. Elas são atraídas por detalhes e têm uma visão bastante fragmentária, daí uma dificuldade de compreensão, o que é vinculado ao defeito de coerência central.
Como as situações sociais são, por definição, muito complexas, é preciso ressituar, dentro de um contexto, essas situações, a sua apreensão e a sua compreensão. Então, para eles, isso é muito difícil, para essas pessoas atingidas por autismo.
Elas também têm dificuldade de acessar os significados abstratos e, por exemplo, elas não possuem, ou elas têm uma teoria do espírito, mas que se implementa tardiamente. Essa teoria do espírito é a compreensão do que os outros podem pensar ou expressar como emoção. Numa criança típica, isso se implementa, mais ou menos, na idade de 4 anos e é o que possibilita entrar em interação, porque, quando estamos em interação com uma pessoa, nós criamos hipóteses do que ela está pensando, das suas emoções. Isso nos possibilita a adaptação à interação.
As funções executivas também estão perturbadas nessa criança. Essas funções executivas nos possibilitam controlar as nossas ações, sermos flexíveis, nos adaptarmos a diferentes situações em função do contexto. Elas nos possibilitam, também, planificar as nossas ações, controlar os nossos comportamentos, e elas permitem inibir ações automáticas e conservar informações em memória de trabalho durante a execução de uma tarefa. Elas são fundamentais e, no autismo, a gente encontra uma perturbação dessas funções de execução, o que deve ser vinculado, diretamente, às dificuldades de abstração, uma tendência à perseveração, à repetição de comportamentos, uma hiperseletividade da informação e problemas de planificação e de flexibilidade cognitiva, e uma dificuldade, também, de mudar o seu modo de raciocínio ou a sua adaptação em função do contexto.
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Os aspectos neurobiológicos foram esclarecidos e interpretados e são vinculados a esses sinais clínicos. Nós mostramos que havia uma ampliação da velocidade do desenvolvimento do perímetro craniano, num período que se situa entre seis meses e dois anos.
Isso traduz, certamente, um defeito de desenvolvimento. É um período durante o qual os neurônios se diferenciam num plano funcional, ao que nós chamamos de élagage, ou seja, uma morte natural programada de neurônios, ao mesmo tempo em que eles se especializam. Nós pensamos que, no autismo, essa diferenciação se opera mal e que era o que se traduzia pelo aumento do perímetro craniano.
Na verdade, mostramos também anomalias na repartição da substância cinzenta e branca, e variações nas suas densidades respectivas, que remetem a problemas de conectividade na zona sulco temporal superior, que chamamos de cérebro social, que é o cérebro ativado quando estamos em interação social.
Os estudos em imagem de ressonância magnética mostraram que, nessas pessoas com autismo, essa zona é menos ativada em presença de estímulos sociais. E nas crianças pequenas, essa ativação é muito pequena, relativamente a sinais auditivos que são implementados pela voz humana.
Provavelmente, isso é ligado ao atraso de linguagem. Vocês têm uma ilustração aqui da hipoperfusão temporal. Vocês estão vendo essa zona verde aqui, que é a zona que se ativa quando estamos em presença de informações sociais, de natureza social. Nas crianças com autismo, 80% das crianças apresentam uma diminuição dessa ativação. E, atualmente, o interessante que encontramos nos grupos é que a detecção individual pode ser feita em 88% dos casos com uma ótima sensibilidade, uma boa especificidade, o que torna as coisas importantes para o diagnóstico.
Em termos de anatomia, na mesma zona temporal superior, observamos uma diminuição da substância cinzenta - isso dos dois lados do cérebro -, e uma diminuição das fibras da substância branca, o que indica uma menor conectividade entre os neurônios. Essas diferentes de anomalia foram colocadas em relação com a severidade do distúrbio autístico.
A imagem funcional mostrou elementos importantes, mostrando, por exemplo, que a criança autista não reage como as outras crianças à voz humana. A voz humana é tratada como qualquer outro som, até um som material.
Nós podemos ver aqui, na imagem, testemunhas em que essa parte temporal do cérebro é ativada em face de um estímulo auditivo, ao passo que embaixo essa zona é muda. Aqui a mesma coisa: em cima, com essas pequenas fontes de luz, e, embaixo, vemos casos de autismo com três pessoas, em que se é completamente mudo, e, em outros casos, em que há uma pequena ativação.
Esse STS é ativado quando há um movimento com valor social: gestos, expressões faciais, o olhar, os movimentos do corpo. Por exemplo, se uma pessoa boceja, essa zona do cérebro é ativada. Então, essa zona é vinculada a uma outra zona que se chama giro temporal superior e que tem um papel muito importante para as informações auditivas e na integração de várias modalidades sensoriais, o que nos possibilita estar em conexão com o mundo social.
Essas duas estruturas estão fortemente conectadas com o sistema límbico, que está implicado e engajado com as emoções e com o córtex frontal e parietal.
Portanto, os problemas nesse nível de conectividade acarretam distúrbios do comportamento afetivo e emocional ligados a essas conexões com o sistema límbico. E esses distúrbios cognitivos de raciocínio, de aprendizagem, estão relacionados às conexões para a rede frontal parietal.
A amígdala, que também é uma estrutura muito engajada e implicada nas emoções, tem um desenvolvimento anormal no autismo, o que possibilita entender os distúrbios expressos por essas crianças.
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Recentemente a gente evidenciou também os neurônios-espelhos, que são células nervosas que se ativam não só quando a gente efetua um gesto, mas também quando a gente observa esse gesto em outra pessoa. Esse sistema dos neurônios-espelho é implicado na empatia, que é a faculdade de entender as emoções dos outros. Os autistas têm uma dificuldade nesse nível, e a gente considera que é um problema no nível desses neurônios-espelho. Vocês podem ver aqui, na imagem, a localização. A gente vê novamente as mesmas zonas do cérebro envolvidas na ação e vinculadas com outras zonas do cérebro.
A genética também avançou bastante. Hoje nós temos um grande consórcio internacional mundial, que é o AGP (Autism Genome Project), de que minha equipe faz parte, aliás, e que publicou em 2010 uma publicação que foi bastante revolucionária na revista Nature, que é uma das maiores revistas no nível mundial. Eu vou passar os detalhes rapidamente. Esse estudo mostrou que as pessoas portadoras de autismo, além das variações e das multiplicações de pequenas partes de genes que induzem anomalias, algumas dessas mutações são herdadas; portanto, outras aparecem em pacientes para os quais a gente não podia identificar esse tipo de multiplicação nos pais. E a gente mostrou, então, que as pessoas autistas tinham um grande número dessas mutações.
Outra via de progresso é o eye-tracking, a traçabilidade do olhar, e, em nossa equipe, a gente usa inovações de ponta em colaboração com uma pesquisadora de Harvard e um doutorando que acaba de defender a sua tese e que mostrou que com o eye-tracker, esse aparelho que vocês podem ver aqui na tela, a criança enfrenta, vê um rosto numa tela, e a gente vai tentar traçar o olhar, como o olhar se desloca na tela. As pessoas típicas, as crianças típicas são sensíveis à forma do rosto; em contrapartida, eles apresentam uma ausência para o campo visual esquerdo. Quando a gente olha um rosto, a primeira fixação é à esquerda, ao passo que, nas crianças autistas, esse olhar é dispersado em todo o rosto. Isso não é específico para o rosto humano; a gente apresentou outros estímulos, como rostos de cachorro, e apresentam as mesmas configurações com nariz, olhos, boca, e a gente obtém exatamente os mesmos resultados.
Nós temos, hoje, um projeto de pesquisa muito ambicioso com a pesquisa de indicadores múltiplos na idade de um ano que possibilitariam, cruzando a ressonância magnética, a oculometria, o perímetro craniano e o comportamento de valiar o diagnóstico bastante precoce.
E os tratamentos agora. Nós mostramos e descobrimos mecanismos genéticos que estavam na origem de uma baixa importante de melatonina, que é o hormônio implicado nos ritmos de dia e noite, e essa descoberta é muito importante, porque ela possibilitaria abrir novos caminhos de tratamento para os distúrbios do sono, que são tão frequentes nas crianças autistas e são muito perturbantes para as famílias.
Outro caminho é o da ocitocina, que é o hormônio do vínculo, que é administrado por spray nasal, e ela aumenta a confiança nas outras pessoas, nos outros parceiros. Ela foi testada em outros adultos com autismo, e a gente observou modificações de comportamento no bom sentido, uma melhoria do comportamento social que vai junto com uma melhor ativação cerebral.
E recentemente também nós vimos um interesse de um diurético no tratamento do autismo. Esse tratamento parte de uma pesquisa que mostrou, ao mesmo tempo, no animal e no ser humano, que um pouco antes da gravidez e do parto, a mãe produz citocina no feto, e isso leva a uma baixa da taxa de cloro nas células. Esse mecanismo protege os neurônios do estresse intensivo do parto. E a gente mostrou recentemente que, para crianças autistas e com Síndrome de Asperger, entre 3 e 11 anos, que receberam durante três meses esse diurético para reduzir os níveis de cloro intracelulares ou um placebo, e a gente viu que havia uma melhoria considerável do comportamento para os três quartos dessas crianças.
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As abordagens desenvolvimentais se baseiam em um diagnóstico precoce, já receberam uma validação no plano comportamental e uma validação dos indicadores objetivos. Eu trabalho especificamente com esse modelo de Denver, Denver Model, que é uma abordagem desenvolvimental que vincula a interação emocional, as aprendizagens em todos os setores do desenvolvimento e o trabalho em estreita colaboração com a família.
Os primeiros resultados publicados mostram que no plano comportamental esse modelo traz mais no desenvolvimento das crianças, e bastante significativo, aliás. Além disso, nós temos indicações de que essa melhoria em termos de comportamento corresponde também a uma melhoria em termos de ativação das estruturas cerebrais.
Então, em resumo, é importante ter em mente que o autismo é um distúrbio neurobiológico, que existem, por enquanto, algumas pistas de tratamento médico para melhorar certos sintomas, mas não para completamente curá-lo. E o que permanece mais eficiente para o futuro das crianças é o diagnóstico precoce, a implementação de uma intervenção precoce e a implicação dos pais, o envolvimento dos pais e seu apoio, para uma melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo para as crianças e para os pais.
Muito obrigada por sua atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Quero agradecer a Srª. Bernadette Rogé pelas sua brilhante exposição e pela observância também do tempo, exatamente nos seus 20 minutos, não que isso seja fator limitante.
Em seguida vamos fazer uma alternância também, até para dar um descanso aos nossos tradutores. Eu convidaria a Srª Suzana Herculano, Neurocientista e Bióloga do Rio de Janeiro, que hoje nos falará sobre o tema "Cérebro: onde a biologia e a sociedade se encontram no desenvolvimento infantil".
Com a palavra a Srª Suzana pelo tempo de 20 minutos. Se for necessário, prorrogaremos.
A SRª SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Muito obrigada, bom dia a todos. Eu quero, antes de mais nada, agradecer e parabenizar a organização da Comissão e agradecer o convite para participar de uma iniciativa tão importante. Eu adoro fazer ciência, é claro, mas a ciência só tem sentido se os conhecimentos novos que são gerados servirem para alguma coisa, e de preferência não apenas aos cientistas na sua busca eterna por mais e mais conhecimento, e, sim, às pessoas comuns que inclusive financiam essa pesquisa.
Eu vou fazer outra apresentação ainda hoje mais tarde, onde eu vou falar sobre o desenvolvimento do cérebro durante a infância e os fatores envolvidos no aprendizado. Eu queria me concentrar agora, durante esses 20 minutos, em outra parte da história, outra parte igualmente importante para o desenvolvimento infantil de fato, mais especificamente para o bem-estar. E aqui a gente descobre justamente que é no cérebro onde biologia e sociedade se encontram.
Por muito tempo, infelizmente, mas era compreensível, existia uma verdadeira guerra entre setores diferentes de conhecimento. Aqueles que, de um lado, argumentavam que o comportamento humano e, portanto, o desenvolvimento das habilidades humanas das crianças também seria, antes de mais nada, uma questão puramente biológica, ou seja, determinados completamente pela natureza, pela genética, por fatores químicos, fisiológicos, por tudo aquilo que determina a estrutura do cérebro. Enquanto outros, por muito tempo, sobretudo psicólogos, diziam que não, que o que define o comportamento, o que define as habilidades, o que nós somos, como nós somos, o que nós fazemos não é a biologia, é a sociedade. São todos aqueles fatores culturais que são, na verdade, o resultado do próprio comportamento: as interações dentro da família, a educação que a gente recebe no âmbito da família, dentro da escola, em círculos sociais maiores, através não só de trocas, por meio de linguagem, de palavras, mas também através de contato físico na forma do extremo carinho ou o outro extremo, a violência.
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E, hoje em dia, ainda bem - talvez não muito mais do que há uns dez anos, na verdade -, essa briga não existe mais. Entendemos, graças às descobertas da neurociência, que as duas coisas são igualmente importantes.
Hoje se fala muito menos, inclusive, sobre quem é mais importante do que a outra, quantos por cento é biologia, quantos por cento é sociedade; isso é besteira! O que reconhecemos é que existe uma base biológica - é claro, todos nós nascemos com determinada carga genética que define, digamos, o plano básico biológico da estrutura, do funcionamento de cada um -, mas é por meio do resultado desse próprio funcionamento, que é o comportamento nosso e dos outros, e através dessas interações entre cérebros diferentes, através do comportamento, que cérebros diferentes, para nossos fins aqui hoje, sobretudo, o cérebro da criança, se formam, se desenvolvem e vão se definindo cada vez mais. Quer dizer, o futuro do cérebro de cada criança recém-nascida, em parte, já começou a ser definido, não apenas pela genética que ela herda, mas agora sabemos também pelo comportamento dos seus pais - não apenas mãe, mas pai e mãe também - antes de essa criança ser concebida, mas boa parte desse futuro também é refeito, digamos, conforme essa criança vive e vai interagindo com os seus familiares, com outras pessoas, no seu círculo social.
Quero mostrar um exemplo em particular para vocês de como isso funciona, que acho que é particularmente relevante no nosso País. É sabido que crianças que sofrem abusos na infância têm uma tendência a se tornarem também adultos violentos e passarem o abuso adiante. Então, receber maus-tratos na infância aumenta muito significativamente a chance de violência na vida adulta; mas também é sabido que nem toda criança que sofreu abusos na infância se torna um adulto violento, ou seja, ser vítima de comportamento abusivo coloca a criança em risco de se tornar um adulto também violento, mas isso é apenas um fator de risco, não é determinante, embora seja um fator de risco extremamente importante.
A razão para a diferença, então, como sugeri, deve estar em alguma contrapartida biológica, talvez exista algum tipo de fator que torna certas crianças especialmente suscetíveis à influência de maus-tratos na infância e faça com que aquelas crianças, em particular, de fato, respondam à ação violenta, de serem vítimas de ações violentas, tornando-se também violentas.
De fato, existem hoje já várias influências genéticas e biológicas de outras formas conhecidas sobre o comportamento, vou me concentrar em apenas uma que é central à história que quero contar aqui a vocês, que é o gene que comanda a produção de uma enzima chamada MAO-A, monoamina oxidase A, vou chamar de MAO-A só.
A MAO-A é uma enzima que impede que a serotonina se acumule em concentrações elevadas demais no cérebro. Só um pequeno parênteses: se vocês lembram do Prozac, que é um antidepressivo, o primeiro antidepressivo realmente famoso, uma das ações dele é aumentar a concentração de serotonina no cérebro, que fez muita gente, incorretamente, dizer: "Ah, a serotonina é o hormônio da felicidade; quanto mais serotonina tivermos no cérebro, melhor a gente fica, mais feliz a gente fica". Essa é uma versão extremamente simplificada da história, a serotonina tem ações diferentes sobre circuitos diferentes. No cérebro, o que importa é onde ela age; e, nesse caso em particular, a serotonina em excesso facilita a violência, promove o comportamento violento, promove a agressividade. Isso é sabido de várias maneiras, mas, por exemplo, animais cujo genoma foi modificado de maneira a eliminar essa enzima que degrada a serotonina, portanto esses animais têm um excesso anormal de serotonina, esses animais se tornam extremamente agressivos. São camundongos que, se você chegar perto da caixa onde eles vivem, eles pulam em você para agredi-lo.
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E esse comportamento pode ser corrigido se você simplesmente introduzir o gene de volta no genoma desses animais.
Existe a versão humana dessa ausência de MAO-A. Tem uma família dinamarquesa conhecida, por exemplo, cujos homens que herdaram essa disfunção da enzima têm uma quantidade anormal de serotonina no cérebro e todos eles são agressivos, inclusive com registro de passagem na polícia por causa de comportamento agressivo.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB - SP. Fora do microfone.) - ...comprometimento nesse tipo de evento?
A SRª SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Sim, sim. Tem uma série de fármacos conhecidos que alteram essa quantidade de serotonina, o que é todo um outro vespeiro: qual é a ética ao usar manipulação farmacológica à revelia de pessoas?
Mas, enfim, voltando à história, quero expressar aqui a importância da combinação entre a genética herdada e o aspecto social. O que eu vou mostrar para vocês é um de vários resultados de um estudo extraordinário feito na Nova Zelândia por essa psicóloga americana Terrie Moffitt, de Duke. Na cidade de Dunedin, eles puderam registrar e acompanhar, ao longo de um ano inteiro, de abril de 1972 a abril de 1973, absolutamente todos os nascimentos na cidade e, até o dia de hoje, eles continuam acompanhando essa coorte de pessoas nascidas nesse período, o seu histórico de vida, a sua biologia, fizeram estudos genéticos.
Uma das características que eles puderam testar foi justamente observar qual era, na vida adulta, a incidência de comportamento agressivo entre adultos que na infância sofreram agressões físicas e morais, verbais, e adultos que tiveram, ao contrário, uma infância tranquila. Dependendo da sua genética, aqueles que tinham uma predisposição ao comportamento agressivo, violento, por causa de uma baixa expressão do gene da MAO-A, em contraste com adultos independentes da história de agressão na infância que tinham, digamos, uma proteção natural com altos níveis dessa enzima que levam a uma redução da serotonina no cérebro, que promove a agressão...
Os resultados foram muito impressionantes. O que eles mostram é a incidência de comportamento violento na vida adulta entre pessoas que tinham ou a versão boa ou a versão ruim do gene para MAO-A que predispõe a violência. Entre aqueles adultos que passaram uma infância tranquila, sem violência, a incidência de comportamento violento na vida adulta era a mesma: cerca de 20%. Agora, entre os adultos que sofreram abusos na infância, aqueles que tinham a versão boa de MAO-A, que leva a serotonina baixa, a incidência de comportamento violento dobra para 40%. Mas entre aqueles que sofreram violência na infância e que, além disso, tinham a genética que predispõe à agressão, a incidência era de 80% de comportamento violento. Ou seja, o que a gente tem aqui é uma combinação explosiva entre genética, as nossas características herdadas e aquelas que dependem dos outros, do comportamento dos outros sobre o nosso futuro.
O que a gente tem aqui é um exemplo daqueles casos em que violência gera violência.
Eu quero mostrar para vocês um vídeo curtinho. Não sei se a gente está com... Tem som? Se não tiver som não será muito importante. Importante é o que vocês vão ver nesse vídeo.
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Tudo que a gente vê a princípio são crianças seguindo os seus pais em comportamentos que parecem, a princípio, absolutamente inócuos e que aos poucos vão se revelando cada vez mais chocantes. (Pausa.)
Este é um vídeo do governo australiano. Eles têm um problema grave de comportamento agressivo, sobretudo com a população aborígene do país. E a mensagem ali é uma brincadeira com o "monkey see, monkey do", do inglês "children see, children do" - o que as crianças veem é o que elas fazem. Eu cresci ouvindo minha mãe dizer que o exemplo é uma pregação silenciosa. É exatamente isso, razão pela qual eu faço questão de mencionar o quão eu me envergonho de morar num País onde a maioria da população se sente no direito de abusar fisicamente de seus filhos, a ponto de repelir tentativas de legislação contra palmadas.
O que que são palmadas senão agressões perpetradas pelos próprios pais contra seus filhos? São exemplos de dominação de comportamento violento e agressivo, e, ao fazerem isso, o que os pais estão fazendo é exatamente passar a mensagem adiante, passar o exemplo adiante de dizer a seus filhos o seguinte: "Olha, conflitos não precisam ser decididos na base da conversa, do entendimento, de tentar se colocar no lugar do outro; quando a gente tem um conflito, quando o outro não concorda com a gente, a gente senta a mão, a gente dá um tapa, porque é isso que eu fiz com você hoje quando você não me obedeceu".
É uma lástima, é vexaminoso. Mais vexaminoso ainda é a gente aceitar que adultos inteligentes se achem no direito de agredir os seus filhos como bem quiserem, sobretudo acharem que se ensina através de violência. Isso não é ensinar, é simplesmente dar o exemplo e fazer os seus filhos terem medo de você - o que, no meu caso, por exemplo, é a última coisa que eu quero.
Mas ainda bem que o contrário existe, e, assim como violência gera violência, a gente sabe que carinho gera carinho, gentileza gera gentileza, exatamente da mesma maneira, através da modificação dos mesmos circuitos no cérebro, que incluem, como mencionou a Profª Bernadette Rogé, passam por uma dessas estruturas do controle emocional do cérebro, que é a amígdala - do cérebro, por favor; não é a amígdala da garganta; a amígdala da garganta não se chama mais amígdala justamente para evitar confusões; chama-se tonsila. Quem perdeu a amígdala - eu também não tenho mais as minhas amígdalas - não tem problema algum de controle emocional, estamos todos bem.
O que a gente tem aqui é uma estrutura que é fundamental na detecção de sinais que informam sobre o estado emocional dos outros e que permitem que a gente organize nosso comportamento de acordo. Assim como essas estruturas da amígdala do cérebro reagem a agressões, a ameaças e consideram como uma das alternativas organizar comportamento violento em resposta a essas ameaças, as mesmas estruturas são ativadas de outra maneira quando recebem interações sociais positivas. E a evidência mais óbvia de interação social positiva de interagir com alguém que se preocupa com você, que gosta de você, que quer o seu bem é receber carinho. A coisa talvez mais importante neste caso aqui é que o cérebro do animal, que não precisa nem ser humano - funciona também em camundongos -, o cérebro do animal que recebe carinho se modifica de maneira tal que aquele animal aprende a reagir a ameaças de maneira mais tranquila, mais controlada muito menos agressiva também.
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E, muito mais do que isso, aquele animal que recebe carinho se torna cada vez mais propenso a ser carinhoso, por sua vez, também, quando a ocasião aparecer. E o animal que a gente espera que seja carinhoso, por definição, com a gente é a nossa própria mãe, antes de qualquer outra pessoa no mundo.
Não quero me alongar muito, mas quero mencionar para vocês estudos que, talvez, hoje em dia, não fossem mais permitidos pelos comitês de ética, mas que são estudos absolutamente fundamentais para o que a gente hoje conhece sobre o que é ser mãe. São estudos que mostraram o tratamento de macacos reso recém-nascidos que foram separados da mãe e criados ou alimentado artificialmente - deixe-me achar aqui a foto para vocês - por um esqueleto de metal, que a gente vê ali do lado esquerdo, aquecido, que dava suporte e tinha uma mamadeira acoplada. Então, o animal podia recorrer àquela mãe de arame para se alimentar ou podia recorrer também a uma mãe que não o alimentava, mas que era quentinha, macia, mais próxima daquele aconchego da mãe.
E o que esses estudos mostraram - ali a gente vê, essa era a imagem que eu queria - foi a diferença entre a mãe adotada que alimenta...
(Soa a campainha.)
A SRª SUZANA HERCULANO-HOUZEL - ... e a mãe que oferece o suporte, o calor, o aconchego.
Enfim, a descoberta mais importante de todas aqui é que os animais, claramente, não só preferem a mãe que não alimenta, mas que dá aconchego; eles também têm o desenvolvimento completamente diferente. Eles correm para essa mãe, e não para a que os alimenta, quando bonequinhos que se mexem estranhamente aparecem do nada no lugar onde eles vivem.
A gente vê ali, do lado esquerdo, nas duas imagens do lado esquerdo, a mãe macia. Os macaquinhos que foram criados na presença dessa mãe têm um comportamento mais tranquilo em ambientes novos. Eles exploram o ambiente, eles são mais abertos, digamos, a novas experiências, enquanto o macaquinho, que recebeu a alimentação, que recebeu os cuidados, digamos, que a gente acha que são os cuidados fundamentais, é um animal absolutamente retraído, com uma série de - o nome só pode ser este - neuroses, e se torna um animal completamente anormal, cheios de problemas relacionados à ansiedade.
Vou passar três minutinhos só.
Isso tudo, recentemente, ganhou um suporte incrível através de estudos da pediatra americana Tiffany Field, que descobriu... A equipe dela, na verdade, descobriu; foi uma enfermeira - eu adoro essa história! A prática, na época, era que o bebê recém-nascido prematuro fosse colocado em uma incubadora, com todos os cuidados médicos, mas longe da mãe. Mãe e pai não podiam tocar na criança, que estava sob cuidados médicos. Em alguns dias, as crianças, os bebês recém-nascidos, nos incubadores, tinham uma recuperação, um desenvolvimento maravilhoso, ao contrário de todos os outros dias da semana, em que era uma norma essas crianças definharem ou ficarem empacadas, digamos, naquele estado prematuro de desenvolvimento, apesar de todos os cuidados médicos. E a diferença, eles descobriram, era que as crianças se desenvolviam em seguida aos dias de plantão de uma determinada enfermeira, que tinha pena daqueles bebezinhos e ia lá, colocava as mãos dentro da incubadora e acariciava as crianças. Foi graças a essa boa alma que essa pediatra, Tiffany Field, criou todo um programa de pesquisa que nos mostrou a importância do carinho, a importância de ser tocado, de ser acariciado pela mãe no começo da vida.
E hoje isso existe no Brasil, é aplicado no Brasil como um dos programas mais bacanas que a gente tem aqui, motivo de orgulho. Eu estava aqui dizendo que tenho vergonha de ser brasileira na questão do repúdio à Lei da Palmada. Mas eu tenho orgulho de ser brasileira quando vejo esse programa do Ministério da Saúde que promove, que faz com que as mães fiquem no hospital com os seus filhos recém-nascidos.
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Enfim, eu não quero me alongar muito, eu quero só mostrar a vocês que a gente, hoje, conhece os meios pelos quais o cérebro muda, tanto funcionalmente como estruturalmente, até a expressão de genes muda no cérebro, dependendo, simplesmente, de o filhote receber carinho.
Como eu falei, isso funciona até com ratos e camundongos. Os ratinhos que são criados por mães, não precisa ser a mãe biológica, ratinhos criados por uma mãe adotiva carinhosa - e carinho, para um rato, quer dizer você recolher a sua ninhada, deitar em cima dela e ficar lambendo, literalmente, a sua cria -, os ratinhos que são criados por essas mães se tornam animais saudáveis, e as ratas, por sua vez, que receberam carinho se tornam, também, animais carinhosos com a sua própria prole depois.
O que se tem, aqui, então, é uma dessas situações onde violência leva a mais violência, porque ela muda o cérebro, mas, ao mesmo tempo, carinho leva a mais carinho e a um cérebro saudável, também, porque essa interação social muda o cérebro. Tudo isso porque o cérebro da gente é susceptível a esse tipo de interação, ou seja, faz diferença para o desenvolvimento do cérebro da gente o que acontece com a gente ao longo da vida. Não só como a gente usa o cérebro que tem - eu vou falar sobre isso à tarde -, mas também que tipo de interação a gente tem com outras pessoas.
E o mais importante de tudo: criar uma criança saudável é muito mais do que simplesmente prover sustento. Hoje, sabe-se, inclusive, que crianças criadas em instituições são doentes de uma série de maneiras que poderiam ser facilmente evitadas se essas crianças fossem adotadas imediatamente, o mais rapidamente possível, por famílias que pudessem lhes dar carinho e atenção direta. Mas o mais importante de tudo é que a gente sabe que nunca é tarde.
Deixem-me acrescentar. Talvez o que eu disse dê a entender que é preciso intervir ou promover o desenvolvimento saudável de crianças a partir do momento em que elas nascem. A gente precisa lembrar que essas crianças estarão sob o cuidado de adultos. É preciso promover a educação dos adultos, também, para que se possa, de fato, promover o crescimento e o desenvolvimento saudável dessas crianças.
Por fim, eu queria acrescentar uma última coisa. Não sei se vocês notaram - absolutamente, todos os achados e descobertas e conhecimentos novos que eu mostrei para vocês são estrangeiros; nada disso foi feito no Brasil, por uma razão muito simples: falta de investimento, falta de salários dignos que atraiam pesquisadores de maior calibre e competência, para gerar esse tipo de pesquisa e de conhecimento, também, no nosso País, para que a gente, entre outras coisas, não fique mais dependente do avanço da ciência dos outros países.
Muito obrigada e bom dia. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Agradeço à Drª Suzana Herculano por...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Pela ordem.
A SRª CANDY GIFFORD - Queria só fazer um comentário que eu acho importante. De tudo o que você disse, duas coisas: eu vejo, hoje, crianças sofisticadamente abandonadas, mães burocráticas, elas têm de tudo, mas faltam o afeto, o olhar e o escutar. O segundo ponto que me assusta: os pais ainda acham, de maneira geral, que bater, que um tapinha é amor; eles não entendem ainda que é desamor.
E só para fechar, eu recebi uma criança de seis anos, contando que os pais batiam nela. Ela disse para mim: "Tia Candy, minha mãe bateu em mim hoje." A mãe na sala de espera. E eu disse: "Não se preocupe. Eu vou conversar com a sua mãe. Adulto não pode bater em criança, tem que conversar." Ela pegou a minha mão, Suzana, e disse: "Vamos lá falar para a minha mãe." (Risos.)
A SRª CANDY GIFFORD - Só para fechar.
Brilhante.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Obrigado pela intervenção. Aqui, estamos em uma reunião bem informal.
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Quero, mais uma vez, agradecer pelo tema abordado pela Drª Suzana e quero registrar, com muito prazer, a presença da jornalista e amiga Gisele Sayeg Nunes Ferreira, esposa do nosso Líder do Senado pelo PSDB, Aloysio Nunes. Agradecer também a presença da Candy. Hoje nós estamos sendo brindados pelas esposas. E a Senadora Marta Suplicy, que reingressa, volta a esta Casa. Seja muito bem-vinda, é uma área muito afim também, entre outras áreas em que V. Exª milita. Mas é um prazer muito grande tê-las aqui.
Quero também agradecer a presença do Dr. Laurista Corrêa, pediatra, que também nos abrilhanta com sua presença, e dos meus pares, Flexa e Cícero, que já foram citados. Depois vou fazer novos agradecimentos.
Passo agora, com muito prazer, a palavra à Drª Françoise Molénat, psiquiatra infantil, que nos falará sobre o tema "Estresse e Gravidez - Impacto do Ambiente Humano".
Com a palavra, a Drª Françoise.
A SRª FRANÇOISE MOLÉNAT (Tradução simultânea.) - Obrigada.
Srªs e Srs. Senadores, muito obrigada pela acolhida. É uma ocasião rara para nós poder falar na frente de decididores políticos e especialistas da Psicologia do Desenvolvimento. Eu já aprendi muito, desde que cheguei, sobre as energias que já existem ao mesmo tempo no campo, dentro da comunidade e em termos políticos, o que faz com que estejamos reunidos aqui hoje. O Senado nos acolhe, portanto, e vou começar a minha fala contando um episódio de 2012.
O Senado francês organizou um grande colóquio sobre maus-tratos e fui convidada a falar da prevenção. Havia 30 intervenções, cinco ministros, jornalistas de todos os lustres, muita gente e eu era a única a falar de prevenção. Todos os outros conferencistas, que fizeram apresentações de grande qualidade, falaram de detecção, de repressão, de educação. Eu comecei falando que é fácil, finalmente, falar de maus-tratos. A gente tem um culpado: os pais. Mas pela prevenção nós todos somos responsáveis. O que a gente implementou? O que nós implementamos para que os pais recebam o que eles têm que dar para as crianças? Toda a questão da prevenção está aí.
Muito obrigada, portanto, por abrir este espaço para mim e lembrar esse episódio que me afetou muito, e a minha fala foi escutada. E, durante a pausa, um jovem senhor veio me ver e me disse: "Eu gostei do que você falou". "E você vem de que profissão?" Ele falou: "Eu sou policial". E esse policial entendeu que, quando ele bota um pai ou uma mãe na cadeia, ele sabe quanto sofrimento há por trás dessa mãe e desse pai, que tocaram ou maltrataram seus filhos, mas que tiveram eles próprios uma história traumática.
Então, Suzana Herculano, você introduziu de forma magnífica a questão, assim como a Bernadette, portanto, vou falar rapidamente dos dados científicos, já que temos pouco tempo e vou colocar a questão do que fazer. Vou falar rapidamente do que conheço na França, que não é um modelo, mas que é uma experiência, para tentar identificar princípios de ação e de eficiência, ainda que seja cedo para avaliar, como dizia ontem a senhora, de forma longitudinal e de forma longa, os efeitos dos programas, que é um dos problemas dessas políticas de prevenção.
Lembro também que todos os programas de intervenção junto aos adolescentes são ineficientes; é tarde demais. Então, é preciso agir cedo, e todos os dados científicos demonstram isto: a ação deve ser implementada durante o nascimento e não só com os bebês mas com as mulheres grávidas e os futuros pais. Portanto, é uma transformação das nossas mentalidades e das nossas práticas.
Então, sair da impotência, evitar os distúrbios graves dos adolescentes e adultos e como se constrói um bebê. Nós temos vários dados científicos neurofisiológicos que mostram e nos ajudam a entender as interações, como a gente acaba de falar, entre a biologia e o ambiente familiar, como se constroem os vínculos familiares, como diminuir os problemas anteriores.
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Então, trata-se de deslocar as energias para cima, oferecer o apoio adequado para os pais, para que eles possam responder às suas crianças e às suas necessidades específicas.
Portanto, trata-se de melhorar o ambiente do feto, da criança dentro do útero, através de uma melhor segurança da mulher grávida. Portanto, melhorar o ambiente materno durante a gravidez, melhorar o ambiente familiar em volta da mãe e da criança e melhorar o ambiente profissional, sensibilizando a todos desses desafios de qualidade de relação desses profissionais, que vão encontrar os futuros pais durante a gravidez e o nascimento, já que o interesse da medicalização do nascimento é oferecer às famílias, aos futuros pais, um ambiente que os sensibilize aos desafios da qualidade de acolhimento, dos vínculos, do respeito. Ou seja, quando a gente diz que é preciso tratar bem uma criança, vamos começar tratando bem os pais também.
E como acolher uma adolescente de 13 ou 15 anos, ou uma senhora um pouco desequilibrada, que "não está bem nos seus sapatos", como se diz em francês, como acolhê-la nas consultas? Como acolhê-la na clínica? Como olhar na sociedade? Esse olhar vai atingir profundamente a imagem que ela tem de si própria e a confiança que ela tem. Então, o ganho dessa melhoria do ambiente vai ser obstétrico. A gente vai ver como a diminuição da angústia, do estresse melhora muito as condições de acompanhamento obstétrico, do parto, e as condições de bem-estar da criança. Um vínculo pediátrico, mas também um ganho social e psiquiátrico.
Portanto, os desafios são gigantescos. Nós temos evidências difíceis de implementar para organizar uma verdadeira política de prevenção. Então, na França, observamos que há uma estagnação dos indicadores de mortalidade perinatal, apesar dos avanços técnicos da Medicina. E essa observação foi feita de que a gente não integrava no acompanhamento da gravidez os fatores de insegurança da mulher grávida, que tinham impacto na qualidade do desenvolvimento obstétrico. Então, era preciso organizar - isso foi dito em 2005 -, o tratamento e o acompanhamento das gravidezes em contexto de precariedade; organizar para integrar todos os fatores de segurança e de insegurança. E Dominique Mahieu-Caputo, que era professor de ginecologia obstétrica em Paris, e que infelizmente morreu muito jovem, em 2008 publicou um artigo muito importante, dizendo que a obstetrícia deve levar em consideração a precariedade, mesmo título que o diabetes ou um câncer durante a gravidez. Portanto, é preciso integrar no rigor médico os fatores sociais.
Criamos em Paris uma rede de coordenação para situações de grande precariedade, nas famílias imigrantes principalmente.
Por que se interessar pelo estresse durante a gravidez? Não vamos esquecer que o estresse é uma reação de adaptação positiva, vital, necessária frente ao imprevisto, ao perigo etc. É um fator positivo de organização e que vai ser acompanhado com emoções negativas, que vão acarretar, na criança ou no adulto, uma busca de segurança. Mas se o estresse não se beneficia de uma regulação suficiente, ele vai ter consequências na organização cerebral da criança e vai ter consequências até na mãe, na própria mãe. Ou seja, uma dose de estresse que ultrapassa as capacidades de regulação vai ter efeitos neurológicos. Então, o primeiro tratamento - vocês sabem, acaba de ser dito, os trabalhos de Tiffany Field são muito interessantes -, da emoção negativa do estresse no bebê é o tocar, o toque, pele a pele. Na criança, no adolescente e no adulto, o que é o tratamento do estresse? É não ficar sozinho, não deixar essa pessoa sozinha. Portanto, um sentimento de insegurança, a acolhida por um terceiro diminui o estresse.
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Estresse demais se traduz por angústias, manifestações somáticas, distúrbios do comportamento, consequências múltiplas tanto na mãe e no futuro da criança. Então, os trabalhos científicos são muito documentados sobre os efeitos de longo prazo de um estresse antenatal, pré-natal, pós-natal e durante a gravidez. Então, há uma quantidade grande de conhecimentos científicos que chovem, cada dia, com novos trabalhos.
Eu não vou desenvolver isso aqui, porque não é sua preocupação essencial talvez, e a gente não tem tanto tempo, já que as primeiras preocupações eram muito ricas, mas, se a gente se preocupar com a angústia, o estresse e o mal-estar durante a gravidez, a gente abre grandes esperanças para a prevenção dos distúrbios...
Há um problema?
Então, o período da gravidez reativa um certo número de estresse, quando a infância dos pais foi complicada, mas esses pais ou futuros pais têm a sorte de encontrar profissionais...
Aqui eu vou passar.
Aqui são todos os dados científicos.
Então, o estresse materno exagerado, uma angústia materna exagerada vai estar correlacionada com depressões maternas. A gente conhece bem os dados vinculados a isso, distúrbios do vínculo, separações conjugais, desordens somáticas, adições e dependências, e é uma perda de confiança. Então, é imperativo levar em consideração levar todos esses fatores durante a gravidez.
Então, que fazer? Chegamos ao pragmatismo agora: o que fazer? É necessário organizar intervenções protetoras perinatais, botar os pais em confiança desde o primeiro contato, durante a gravidez, um olhar positivo, ainda que seja uma situação complicada. Uma criança tem que ter os mesmos valores de uma adolescente, de uma mulher na rua ou do filho do Presidente da República. Tem que ter a criança o mesmo valor, seja qual for a categoria social, então é preciso organizar a confiabilidade dos sistemas de cuidado em torno do nascimento e da gravidez. É preciso levar em consideração o que a mulher sente, escutá-la, levar em conta os seus fatores de risco e de proteção: Quem está em volta dela? Quem vai estar perto dela quando ela vai voltar para casa? Explorar essas questões desde o início da gravidez, trazer as respostas àquilo que ela expressa, criar uma aliança com a mulher grávida, para que ela não se sinta sozinha, para que ela aceite ajuda. Quanto mais as pessoas estão vulneráveis, mais elas têm medo dos novos encontros, mais elas se fecham, porque elas têm medo de que tirem a criança delas, têm medo de tudo. Então, eles não experimentaram o sentimento de confiança em relação ao outro, por conta da sua história afetiva. Então, criar uma primeira aliança, abrir uma relação aos outros participantes e integrar o conjunto dos componentes ao acompanhamento perinatal.
Esse período perinatal nos dá a ocasião de dar aos pais mais frágeis uma nova experiência das relações em um momento em que eles estão permeáveis ao ambiente. Nunca mais a gente vai encontrar esse momento tão sensível na sua trajetória, a gente não vai mais dar um abraço a uma mãe que acaba de ter um bebê e um chá para ela de noite, já que a gente faz isso na maternidade. Depois isso acabou. Quando ela voltar para casa, a gente vai olhar de forma negativa para essa mulher e dizer: que ela fez com a criança? Então, o que fazer? Identificar os fatores de estresse rapidamente, com diagnósticos ampliados, sem estigmatização, e levar em conta o que a mulher expressa. Não é botar um questionário na frente dela, mas é realmente perguntar para ela quais são as suas angústias, trazer respostas de acordo com a origem do estresse. As respostas são múltiplas: pode ser uma presença humana, pode ser cuidado corporal. Tiffany Field mostrou que a massagem pré-natal modificava a qualidade do despertar da criança depois do nascimento. Oferecer uma proteção, oferecer confiança, levar em consideração o pai, o conjunto da família, mobilizar a comunidade. Se a gente não tem muitos meios profissionalmente, nesse caso, mais uma vez, eu cito o seu grande psiquiatra Salvador Célia, que demonstrou a possibilidade de mobilizar toda uma comunidade e as famílias em torno dos pais vulneráveis e dos bebês vulneráveis.
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Portanto, é preciso capacitar os profissionais da gravidez. É melhor introduzir no ato médico a intersubjetividade, para que cada encontro entre uma mulher e um futuro pai, que estão muito frágeis, seja positivo e eles se sintam acolhidos, protegidos, escutados. É uma base para que eles possam oferecer isso à sua criança depois.
Deve-se informar também aos pais os efeitos do estresse e oferecer respostas ajustadas que podem ser não só um acompanhamento, mas também um tratamento, se houver angústia demais. Isso também pode ser o estreitamento de um acompanhamento médico apropriado.
É preciso aprender a trabalhar junto. Um profissional não pode ficar sozinho em situações muito complexas no plano da comunicação e do comportamento. É preciso oferecer coerência e continuidade desde o início da gravidez até a primeira infância.
A gente fala do acompanhamento no caso das gravidezes complicadas. É preciso que haja um profissional que guie a mãe grávida para ter certeza de que ela não vai perder nenhuma consulta e aceitou bem a ajuda proposta, porque o esconderijo, a fuga é primeira reação das pessoas que vão se trancar dentro delas próprias. Isso a gente tem que evitar e antecipar as necessidades de ajuda em casa. Não é só quando a criança não vai bem que é preciso trazer ajuda. É preciso prever a ajuda quando a mãe volta para casa.
É preciso também que os profissionais tenham um acompanhamento, além de ser necessário organizar uma presença psicológica junto aos profissionais da perinatalidade para que eles não fiquem sozinhos, para que eles consigam suportar as histórias complicadas e transformem seus olhares negativos em olhares positivos.
É preciso implementar capacitações inovadoras e interdisciplinares prospectivas, longitudinais para que a gente consiga colocar, paralelamente, a sucessão de todas as intervenções médicas, sociais, psicológicas: o que os pais expressaram em cada etapa; como se constroem os primeiros vínculos; a evolução do estado psicológico dos pais; e os efeitos de todo o trabalho sobre o desenvolvimento da criança. Portanto, é necessário colocar, paralelamente, as formações e as capacitações clínicas e ver quais são os efeitos das nossas atitudes sobre o desenvolvimento da criança em vários estágios - um mês, dois anos, etc.
Então, essas capacitações existem, e já identificamos uma metodologia, implementamos uma metodologia original para reunir todos os fatores da perinatalidade. Apresentamos casos longitudinalmente e convidamos o público a saber dos fatos. "Se estivessem no lugar da enfermeira, da assistente social, o que vocês fariam?". Assim, aprendemos, paulatinamente, a pensar juntos, a oferecer mais coerência para situações complicadas.
Portanto, o método e a animação são bem codificados, com um referencial que já existe e que vocês podem encontrar facilmente nos sites da nossa associação.
Trata-se de identificar as descontinuidades na rede profissional. Vocês sabem que uma divergência de opinião médica sempre acarreta estresse nas mães e nos pais, um estresse, às vezes, até violento quando se trata de um diagnóstico, mas também quando se trata de uma proposta de proteção da infância. Se dois profissionais não estiverem de acordo, não concordarem, os pais vão perder a confiança na rede de profissionais. Então, essa coerência e essa aprendizagem de pensar juntos, todos os profissionais juntos, são fundamentais.
Trata-se de avaliar as nossas hipóteses - no início da gravidez, do que os pais vão precisar? -, medir os efeitos do coletivo e olhar o impacto no desenvolvimento da criança. Tudo isso dá muito rigor às nossas maneiras de trabalhar e às ferramentas que utilizamos.
Então, por que se interessar por essa abordagem integrada? Porque um coletivo coerente é o primeiro fator de segurança para pais que construíram, em contextos que não eram coerentes, sua afetividade. Nós temos uma oportunidade, em torno do nascimento porque há muita gente, de oferecer uma experiência a esses pais de estarem no centro de uma atenção fundada e baseada na coerência e na continuidade.
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Outro aspecto extremamente importante: nós falamos muito em educação, em educar os pais, em aconselhá-los, mas o que é a primeira educação implícita e que nos escapa? É a maneira como nós próprios encontramos essas pessoas. Nós nos respeitamos uns aos outros. E é verdade que os pais depois dizem: "A gente nunca tinha visto isto: profissionais que falam uns com os outros da gente. E nós não somos mais nós mesmos. A gente se reconstruiu, graças a essa sucessão de interações dentro de um ambiente estruturado e, portanto, estruturante".
Então, a gente tem uma oportunidade que potencializa as possibilidades de reorganização dos pais. Além disso, os pais são muito permeáveis a esse período, e a gente cuida do corpo da mulher.
Portanto, a medicina perinatal e todas as ações são centradas no bem-estar materno, e isso passa pelo corpo. E, como se sabe que a emoção e o pensamento têm uma ancoragem biológica, tudo o que acontece no corpo pode mobilizar e reorganizar os traumas do passado. Nós falamos desse tema ontem, e não vamos retomar isso agora, mas é uma observação que vem de uma intuição, e isso já está provado por todos os trabalhos científicos que vêm trazer provas biológicas e neurofisiológicas dessa intuição.
Então, a nossa maneira de trabalhar é o primeiro apoio à parentalidade. E isso passa por sentimentos e não por conselhos. Para que pais aceitem conselhos, eles precisam sentir que são ouvidos. Então, vamos começar por isso, para que eles também possam ouvir seus filhos depois.
Aqui rapidamente, na França, muitos obstetras, pediatras, trabalhadores sociais, psiquiatras pensaram juntos numa melhor prevenção. O Ministério nos acompanhou, e conseguimos implantar um plano de perinatalidade em 2005 - isso é uma minirrevolução - que colocou a segurança emocional das mulheres grávidas no mesmo nível ou com a mesma importância da segurança somática. Isso significa que o médico obstetra é responsável pela segurança emocional das mulheres grávidas durante todo o processo, junto com o pediatra e junto com as colaborações sociais e psicológicas.
Então, é uma mudança de cultura importante, fácil de implementar e de colocar nos textos, mas muito mais difícil de operar na realidade, porque é preciso mudar a cultura, as mentalidades, aprender a trabalhar juntos, aprender a respeitar as nossas diferenças mútuas, as nossas complementaridades. Então, é toda uma mudança em curso, que não é fácil. Portanto, o Estado, o Governo francês implementou, financiou a possibilidade de uma entrevista pré-natal para todas as mulheres grávidas que o aceitarem, o que possibilita uma escuta dos pais. E aí a gente pergunta "quais são sua necessidades, seus medos, suas expectativas?", para que a gente possa ajustar o acompanhamento obstétrico, para fazer com que esses pais possam encontrar um especialista, se estiverem viciados, ou terem uma medicina a domicílio.
São pequenos financiamentos. O Ministério organizou redes perinatais regionais, ou seja, cada região, cada localidade beneficia-se de uma coordenação para ajudar os profissionais a trabalharem juntos, a se conhecerem para elaborar protocolos interdisciplinares com o intuito de melhorar os acompanhamentos psicopediátricos, para capacitar, capacitar e capacitar ao trabalho em rede.
Então, nesse trabalho todo, as associações de pais têm papel extremamente importante, e eles sempre são convidados agora em todos os comitês científicos, nos colóquios. O seu testemunho, a sua participação ajuda muito para a evolução das práticas.
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Há economias imediatas, através de uma melhor distribuição das tarefas recíprocas: menos problemas de comunicação, menos descompensações imprevistas, sejam elas psicológicas, médicas, psiquiátricas ou comportamentais; menos dias de hospitalização e de internação, por uma melhor coordenação das redes comunitárias. Há condição de que o conjunto das intervenções seja ligado ao acompanhamento médico, porque ele é o mesmo para todas as mulheres, é positivo, e é baseado no objetivo comum para os pais e para os profissionais, que é o de dar todas as chances à criança.
E a cereja em cima do bolo, como se diz na França, o prazer e a segurança que nós temos de trabalhar juntos, é ter um impacto maior sobre a imagem de si, dos pais. Os pais dizem: "É extraordinário sentir que vocês estão trabalhando juntos e que vocês estão felizes em trabalhar juntos em torno da gente." Então, há um efeito geral de satisfação.
Então, onde investir os meios e os recursos, quando há poucos recursos? Nas capacitações interdisciplinares, nas funções de coordenação, numa presença psicológica para os casos muito difíceis, na valorização de uma enfermeira em complementaridade ao médico, para melhorar o acompanhamento intensivo em torno da gravidez e do nascimento - há muitos trabalhos que foram validados a esse respeito - e na mobilização da comunidade e das associações de pais.
Vocês conhecem lugares que não são ricos ou países que não têm dinheiro e que conseguiram modificar as práticas. Eu queria dar o exemplo de uma pequena cidade, na França, com uma pequena maternidade, com quatrocentos partos por ano e que estava ameaçada de fechar. O ginecologista obstetra foi fazer uma capacitação interdisciplinar. Ele teve um choque, porque ele descobriu o interesse de trabalhar em conjunto e os efeitos sobre as famílias desse trabalho coordenado. Ele voltou ao seu vilarejo e não teve recursos a mais, mas ele mobilizou todas as equipes. Ele foi falar com o médico clínico geral; ele falou com os pais para que eles participem em todas as etapas da gravidez e do parto; ele foi falar com o Município; ele mobilizou grupos de pais; ele melhorou o acolhimento das mulheres grávidas em todas as etapas, na clínica; eles criaram vínculos com os trabalhadores sociais; e eles organizaram a proteção da criança e dos pais, através da confiança estabelecida dentro dessa rede. O resultado: o número de partos foi multiplicado por dois em dois anos, ou seja, a maternidade não teve de fechar. Eles não tiveram um centavo a mais, mas eles transformaram completamente a mentalidade de trabalho.
Quando temos um pouquinho de dinheiro, isso acelera a mudança, é claro, mas a mudança a ser operada é um estado de espírito, uma cultura que é preciso transformar.
Muito obrigada pela sua atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Agradeço à Drª Françoise Molénat, pelo tema "Estresse e gravidez: impacto do ambiente humano." Muito obrigado pela sua palestra.
Teremos, agora, para o final, o último palestrante, o Sr. Alfred Sholl-Franco, biofísico e neurocientista, do Rio de Janeiro, que discursará sobre o tema: "A neuroeducação no contexto da primeira infância: prevenção, conscientização e capacitação."
Com a palavra, o Dr. Alfred.
O SR. ALFRED SHOLL-FRANCO - Obrigado. Obrigado a todos e obrigado à equipe organizadora pelo convite. É um prazer estar aqui, falando um pouco sobre o que fazemos e sobre o que é feito também, e interagir com um grupo fantástico que está aqui, desde ontem. A iniciativa é maravilhosa, em sua já sétima edição. Ontem, pude presenciar a qualidade inquestionável de todas as palestras e, aqui mesmo, a continuidade de pensamento e integração entre os conteúdos abordados.
Então, como comentado pela Profª. Herculano-Houzel, há um grande problema entre as questões biológicas e epigenéticas, ou genéticas e epigenéticas, assim como há também a questão sobre áreas e quem é responsável por atuar ou por responder por essas áreas.
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As neurociências são relativamente recentes, ou, pelo menos, têm essa definição, e abordam, na verdade, as várias áreas que visam estudar o sistema nervoso sob diferentes pontos de vista, desde a morfologia - o mais clássico -, a fisiologia, física, química, biologia, psicologia, teoria dos sistemas, teoria das informações, filosofia e assim por diante. E cada vez abre-se mais o leque e amplia-se bastante. Então, neurocientista é um termo bem geral também, porque há formação e visão. Esta é a mais importante, cada um vai dar uma visão diferente, uma contribuição diferente.
Se falamos em neurociências, como está a educação e a sociedade atualmente? Busca-se enriquecer o ambiente, busca-se melhorar, modernizar, usar novas tecnologias. O mundo está em transformação contínua. O Brasil é um país que consegue, assim que se disponha a fazer mudanças, fazer rapidamente, implementá-las e crescer rapidamente. Nós temos essa política aqui. É lógico que sempre há falhas e sempre há o aprendizado. Não modelos, mas experiências servem para nós transformarmos e melhorarmos a nossa sociedade.
Nessa sociedade, então, eu acho que muitos se identificam com esse tipo de imagem, tentando realizar dez mil coisas ao mesmo tempo, desde atuar no computador... Quem está aqui com seu celular, teclando ou recebendo mensagens? Creio que há uma grande maioria aqui. Há demanda de familiares, animais de estimação, colegas, alimentação, divertimento, trabalho, tudo ao mesmo tempo. Isso sobrecarrega, e independe se é num ambiente rural. Nós só vamos fazer diferentes leituras em cima de um mesmo quadro, mas nós temos uma diversidade muito grande - é uma busca do humano a curiosidade e sempre mais coisas para fazer, mais ações.
Então, como é que o conhecimento neurocientífico pode ajudar? Novos horizontes podem ser vistos a partir daí? Será que esse conhecimento será utilizado corretamente ou ele irá ser transformado apenas em conteúdo? Isso é um grande problema quando nós avaliamos a formação dos nossos profissionais, que é extremamente conteudista. Ou seja, será que a neurociência vai se transformar apenas em conteúdo, curiosidade, divertimento ou será um conteúdo utilizado realmente para aplicação? E será bem utilizado? Então, isso cria um paradigma muito importante e, desde o final da década de 80, basicamente, e 90 e 2000, principalmente, começou-se a trabalhar com a interação entre áreas. Então, busca-se a interação entre a educação. Atualmente, dizemos educação, mente e cérebro, mas já houve, no início, uma outra nomenclatura como educação, psicologia e neurociências. Então, sempre evitamos usar determinados nomes.
Mas o que buscamos aqui na neuroeducação é basicamente essa interseção. É lógico que, se nós falarmos aqui em psicopedagogia, em psicologia, em formações outras, nós vamos ter as várias capacidades de interagir entre esses círculos aqui. O mais difícil é o centro. Porém, ninguém pode esperar saber tudo, ou trabalhar com tudo, ou aplicar tudo. Por isso, nós temos que analisar o uso de gestão e de organização multidisciplinar, ou seja, profissionais que trabalhem com a interdisciplinaridade. Bem, o problema, nesse caso, é agregar esses profissionais e promover essa interação.
Como é um campo emergente, também está sujeito a apropriações indevidas e oportunistas.
Aproveito aqui para fazer um aviso de que neuroeducação não cura nada e neurociência também não vai curar nada. Não é, Suzana? É um grande problema quando vemos divulgando e tendo cursos que prometem que a neuroeducação vai curar desde distúrbios de aprendizagem e dificuldade de aprender língua estrangeira a bloqueios de aprendizagem, timidez, preguiça, baixa autoestima, vai curar de tudo, e que se baseia em neurotécnicas, neurocapacidades. Então, bota-se "neuro" na frente e passa a ser popular, passa a ser apropriado, passa a ter um aval científico? Temos que tomar muito cuidado com isso. E isso tem apoio até de entidades sérias, como sindicatos, porque falta o conhecimento e falta que esse conhecimento seja bem utilizado pelo público-alvo, seja entendido e bem interpretado.
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Então, temos que tomar cuidado com neurotecnologias, "neuroisso", "neuroaquilo", porque também vira "neurofraude". E como a gente costuma falar, e também o antigo presidente da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento, Ubaldo: "O problema é simples: precisa de um "neurocassetete", precisa de uma "neurovigilância" e precisa também de "neuroalguma coisa" que facilite isso." Assim, precisamos tomar muito cuidado.
Existe seriedade. Houve a emergência desse campo multidisciplinar, transdisciplinar, que visa agregar a pesquisa, o campo de pesquisa básico, clinico ao educacional.
Hoje se fala tanto e investe-se tanto em pesquisa translacional. Bem, a pesquisa em neurociência e outras ciências com educação também é translacional, e não apenas aquela que vai da pesquisa básica, vulgarmente chamada de ciência pesada, hard cience, com a clínica. Temos que pensar também na educação como algo importante para se investir em pesquisa. Temos pouco de ponta no Brasil em pesquisa básica e pouco da academia em relação à educação.
Então, surgiu a neuroeducação não como geração espontânea, imediata, e sim como um trabalho contínuo entre grupos de pesquisadores da Europa, Estados Unidos, agregando neurocientistas, pedagogos, psicólogos, equipes multidisciplinares, pensando sobre como as neurociências podem contribuir e dialogar em duas vias, ou seja, nos dois lados, com a educação.
Vários livros surgiram, portanto é muito difícil peneirar o que é bobagem, o que é técnicas de dez maneiras de aprender mais rápido, dez maneiras de tirar a timidez, dez maneiras de estimular o aluno, e o que tem base neurocientífica. No Brasil, ainda há pouca literatura, mas destaco aqui, como eu falei, que, a partir da década de 80, foi criado, nos Estados Unidos, um grupo de interesse especial - cérebro, neurociência e educação -, e isso foi reaplicado na Europa. Aqui, desde 2002, nós temos vários centros de pesquisa criando cursos. E curso não é palestra, isso é outro problema sobre o qual vou falar.
Fala-se em capacitação, que é o tópico que estou abordando mais aqui. Capacitar não é só expor a informação. Ela tem que ser trabalhada, senão ela não gera conhecimento, ela não é transformada por aquilo que o indivíduo já tem e que é próprio de cada um. Assim, em 2004, criou-se a Sociedade Mente, Cérebro e Educação, que juntou Rita Levi-Montalcini, premiada com o Prêmio Nobel, e, na parte de biologia de fatores de crescimento, Bardo, Gardner e vários outros pesquisadores multidisciplinares, para pensar sobre o tema, com o lançamento, lógico, de revistas.
Aqui no Brasil, em 2010, houve a primeira reunião, quando se decidiu criar uma sociedade brasileira. Acho que temos que ter academia auxiliando e, na verdade, fazendo interlocução com a escola, com os profissionais de educação. E profissional de educação não é só professor, mas também o coordenador pedagógico, o diretor da escola, até a merendeira, o vigia, enfim, todo mundo que trabalha e está vinculado ao processo educacional.
Então, muito investimento foi feito a partir da década de 90, que foi chamada de Década do Cérebro, que acabou refletindo em muito conhecimento sendo gerado, que depois foi costurado nos anos 2000. Agora, na década de 2010, e estamos nela, está sendo trabalhado na forma da mente.
Novos paradigmas começam a surgir quando pensamos na formação do indivíduo e no crescimento do ser social, da criança, do jovem, do adulto, do idoso, em todas as idades. Quando se fala em aprender não se fala apenas na criança. Momentos plásticos são diferentes, mas temos que pensar no processo ensino-aprendizagem e não só na aprendizagem. Muito se preocupa com a criança, com o jovem, com o adulto, com o aprendiz, mas tem que se pensar em quem está ensinando, e isso é muito importante para a gente.
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Atualmente, nessa década, nós temos dois grandes projetos - um europeu e um americano - de investimentos nas cifras de bilhões, e, agregadas a esses projetos, ações de divulgação, de conscientização, que é um grande problema, e de integração com a escola.
Então, o acesso ao conhecimento não é garantia de que ele será bem usado. Nós temos que pensar nisso. Basta fornecer? Isso é um desafio. Será que o conhecimento sobre o sistema nervoso ajuda a sociedade, a escola e o aprendiz?
Bem, é lógico que eu posso colocar figuras aqui como colocadas ontem abordando fases, começar a discutir a questão relacionando Piaget, relacionando Wallon, relacionando Ausubel, relacionando os teóricos todos com as bases neurocientíficas a que hoje temos acesso, desde o sensório-motor até a parte pré-operacional e assim por diante, e relacionar o estágio de desenvolvimento, como intervir. Mas será que esse conhecimento que nós podemos informar vai ser transformado em conhecimento bem utilizado? Será que saber que as informações sensoriais são primordiais para o desenvolvimento sensório-motor, em fase inicial da primeira infância, e atuar num progressivo para o operacional, será que saber que tenho vias, que chega ao sistema nervoso, integra-se em circuitos, será que conhecer essa massa, em suas mais diferentes divisões, lateral, superior, etc., será que conhecer essa massa simplesmente dá suporte ao educador, ao mediador, ao cuidador, aos pais de como lidar? Nós podemos fazer relação entre inteligências, entre o potencial que essa massa apresenta para o crescimento e a formação do indivíduo e do cidadão, quer tenha ele algum distúrbio, algum déficit, algum problema ou seja dito normal. Nós temos que pensar que o conhecimento neurocientífico é importante para sabermos os pilares de uma aprendizagem - sistemas motores, sensoriais, atenção, motivação, emoção -, que vão ser úteis para que eu construa, mantenha conhecimentos e possa aplicá-los, melhorando a performance do jovem, da criança, do bebê, do idoso e de todas as idades, a começar pela primeira infância.
Então, as neurociências educadoras: há uma relação? Como eu posso trabalhar isso? Bem, um problema é a questão de conhecimento. Nós temos grades curriculares engessadas, nós temos disparidades entre cursos, criação de cursos, uma população cada vez mais crescente na universidade como uma saída para a formação. Como bem dito, não adianta pegar só adolescentes, tem que pegar a infância. Trabalho também com escolas, mas sou um professor universitário - então, eu pego aquele final da adolescência -, e vejo que não adianta intervir nesse para a maior parte das coisas, porque já está consolidado. Você pode, sim, se for receptivo, criar modificações, gerar alterações. O cérebro é plástico, mas nós temos que intervir desde cedo, e daí vem um ciclo vicioso. Bem, o educador já foi um adolescente, já foi uma criança. Então, na verdade, é um ciclo onde o educador, o pai, a sociedade têm que ser modificados. Não é só pensar na criança, no infante, mas é pensar no cuidador, é pensar nos pais, é pensar na sociedade. Quando se fala em inclusão, não se pode pensar que eu tenho que fornecer libras ou braile para todos os professores porque eles têm que saber, porque, se o porteiro não sabe ou não conhece a dificuldade, se o jornaleiro não sabe, você cria ilusões, e nós temos que pensar numa mudança na sociedade. E a educação, a escola faz parte da sociedade, a família faz parte da sociedade, nós fazemos parte.
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A década de 90 foi um marco nas neurociências por causa do investimento e da quantidade de informações agregadas. E, pegando um dado da própria Suzana Herculano, ela aproveitou, depois dessa década, e fez, aqui no Brasil, algo pioneiro, que foi questionar o que se absorveu, o que se sabia, como é que esse conhecimento estava sendo aproveitado de forma a gerar ou não novos conhecimentos, mas no sentido de que: "Estou desvirtuando isso? Estou propagando mais mitos? Expor a população, ter acesso à informação tira mitos, esclarece dúvidas?". Bem, ela mostrou que, é lógico, o nível educacional e se está na academia ou não influenciam. Mitos têm sido algo explorado a respeito não só das neurociências, mas do nosso cotidiano. E a neurociência não é para ser educada na escola, ela até faz parte do PCN e do PCN+, ou seja, leituras podem ser feitas no programa curricular, mas temos que pensar em como ela pode contribuir para os processos de ensino e aprendizagem.
E um problema é: não adianta simplesmente dar mais informações. Pesquisas realizadas, por exemplo, pelo grupo do Howard Jones e do Joules, na Inglaterra e na Holanda, mostraram que professores que têm mais acesso à literatura, a fontes de conhecimento erram mais a questão de mitos, ou seja, não é só uma questão de educar mais ou de estar no outro extrato da academia ou da escola ou de nível de escolaridade. Erros acontecem, porque as informações são deturpadas. Como bem disse a Suzana com relação à questão da serotonina, não vai se achar que, agora, vamos injetar serotonina em todo mundo, vamos dar Prozac para todo mundo, que isso vai curar tudo. Mas, quando se passa uma informação, a leitura que a população faz é problemática, porque essa leitura e a interpretação dessa leitura vão depender de como está o conhecimento dessa população, de como ela digere essa informação.
Fizemos uma pesquisa no Rio de Janeiro, que é minha casa. Trabalho aqui na Ilha do Fundão - é essa estrelinha aqui, e aqui está o Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro possui 16 milhões de habitantes aproximadamente. Só na cidade do Rio, são mais de seis milhões; se pegarmos o Grande Rio, são mais quatro milhões. Então, numa área bem pequena, se comparada ao Brasil - e não coloquei o mapa do Brasil aqui -, temos dez milhões de habitantes com condições sociais, econômicas, culturais, educacionais, bem distintas. Fizemos uma pesquisa em vários bairros do Rio de Janeiro, em várias cidades - são 12 cidades da periferia do Rio de Janeiro, que compõem o que chamamos de Grande Rio - em nível de conscientização.
Aqui está a quantidade de público.
A primeira pergunta que fizemos foi "Você sabe o que é neurociência?", para o público geral, aqui embaixo; para os alunos, alunos de ensino básico só; e para profissionais de educação, incluindo coordenadores pedagógicos e diretores de escola, e o que obtivemos foi que 60% diziam que sabiam, pelo menos de professores, tanto no Rio como no Grande Rio - aqui é sempre Rio e aqui Grande Rio. Só que, quando pedimos para explicar, escrever sobre isso, só 35%, aproximadamente, dos profissionais de educação sabe; se falarmos em aluno, menos de 20%. Esses dados são do tira-teima: não basta dizer "sei", tem que escrever alguma coisa, tem que falar alguma coisa, tem que ser coerente na sua resposta. Do público em geral, chega a 35%. São bem equivalentes. Sempre o Grande Rio, apesar de ser a região metropolitana, tem o desempenho de expressão de coerência muito melhor, ou seja, não é uma questão de estar no centro urbano, maior agregador de cultura de conhecimento, ou estar numa região periférica.
Se perguntamos para a sociedade, a importância para a sociedade, apenas 17% dos educadores do Rio de Janeiro sabem responder, coerentemente, como as neurociências podem contribuir para a sociedade; ou quase 40%, quando se fala do Grande Rio. O público geral tem o desempenho melhor do que só de educadores. Alunos sabem dizer melhor como as neurociências podem contribuir para a sociedade. E, se perguntamos para a educação, o Grande Rio foi uma grande surpresa para a gente, uma grande coerência. Mas quero lembrar que isso é daqueles que sabem o que é neurociências. Então, a porcentagem cai mais ainda. Isso é a porcentagem dos que sabiam o que responder sobre neurociências, passada a década do céu, passada mais uma década e já estamos na terceira década.
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Eles têm interesse? Têm. Os professores são aqueles que falam mais. Eu gostaria de saber sobre neurociência aplicada à educação ou sobre aprendizagem e memória, tanto no Rio quando no Grande Rio. Já aluno, lógico, gosta de sonhos, gosta de drogas, outros assuntos. E o mais impressionante: fonte de consulta. Esses professores - aqui peguei só os dados dos professores - usam principalmente a internet, mas, quando são do Grande Rio, ainda utilizam atividades de ensino e material impresso, ou seja, há uma constância sempre de internet.
Aprofundando mais esse tópico para o ensino infantil, nós pegamos um município em que tínhamos bastante entrada com a prefeitura, que é a Prefeitura de Belford Roxo - agradeço à Secretária de Educação de lá -, e permeabilidade nas escolas. Mapeando as escolas que têm ação no ensino infantil, perguntamos sobre a formação: 88% dos professores têm formação superior, cursaram uma universidade. Noventa e quatro por cento já trabalharam em alguma classe com crianças com dificuldade de aprendizagem e 82% trabalham com alguma criança em sala de aula com dificuldade de aprendizagem, mas eles têm grande dificuldade até em identificar, não foram preparados porque a universidade, a escola não preparam. Os currículos são muito conteudistas apenas para as áreas específicas. Se formos falar em licenciaturas, piora mais ainda. Aqui estou falando de pedagogia.
Se nós perguntarmos a natureza das dificuldades de aprendizagem, a maior parte não sabe - 71% não sabem. "Se sente preparado para trabalhar com crianças?" Também não se sente. É subjetivo, eu sei.
Quanto à percepção do professor ao pai do aluno que tem uma dificuldade ou um distúrbio ou simplesmente algum problema com o aprender, a maior parte dos professores sabe que os pais deveriam atuar firmemente no processo educacional, não é algo para ser delegado à escola, a ser delegado para o Governo ou para a área privada, mas, na opinião, a maior parte dos pais não aceita que o filho tenha algum distúrbio ou que tenha algum problema ou alguma dificuldade, usando os vários termos. Esse profissional não sabe quem faz diagnóstico. Ele acha que o professor pode fazer diagnóstico, que o pedagogo pode fazer diagnóstico, que o fisioterapeuta pode fazer diagnóstico. É lógico que 22% acha que é médico; e 22%, fonoaudiólogo. Eles ainda acham que o pedagogo ou, por exemplo, o professor pode fazer tratamento. Então, há uma desinformação muito grande.
O nível de conscientização, de conhecimento e o trabalho desse conhecimento é muito baixo. A maior parte continua utilizando a internet. A internet tem o seu favor e possibilita o acesso a muita informação, mas também é um perigo. Se nós falarmos em alunos e público em geral, a segunda maior fonte é o Wikipédia. Então, complica mais ainda. Dar informação não é o suficiente. Temos que lidar com essa realidade, tanto para o ensino básico, como para todo o ensino, mas o ensino básico vai construir, vai possibilitar a formação da base daquele indivíduo que, depois, vai ser trabalhada mais.
À tarde, teremos outras palestras em relação ao desenvolvimento do sistema nervoso e à própria parte da neurociência na educação. Então, temos que pensar em formação continuada porque temos muitos profissionais trabalhando no mercado que precisam ser capacitados. Temos iniciativas - e acho que devem ser mais ainda incentivadas - como, por exemplo, os novos talentos da CAPS, que trabalha a questão de formações continuadas, trabalha com escola, trabalha com professores. Existem editais específicos. O que peço é que esses editais sejam aumentados, reforçados, com ou sem crise, porque a base da educação, a base da formação do indivíduo é a primeira infância. Então, precisamos investir na formação de quem está lidando diretamente com essas crianças. A desinformação e a informação interpretada erradamente são problemáticas.
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Temos três iniciativas pioneiras no Brasil: na Federal do Rio Grande, no Rio de Janeiro e em São Paulo, na USP. São cursos que abordam diferentes aspectos que devem ser valorizados, não só quanto ao normal, quanto ao patológico...
Não basta apenas fazer palestras. Palestras são importantes se a pessoa tem como trabalhar corretamente aquela informação. Nós temos que intervir mais profundamente na formação dos nossos cidadãos. Para isso, a universidade é um ponto importantíssimo, porque ela junta quem produz ciência, que é um problema no Brasil, por causa dos financiamentos, mas a gente ainda faz; o ensino, porque nós formamos os licenciados, formamos os pedagogos, formamos quem irá principalmente trabalhar com isso; e a extensão, que faz o diálogo com a sociedade.
Então, é preciso valorizar com editais, com fomento, com pesquisa básica, pesquisa translacional que envolva educação, que envolva infância, que envolva desenvolvimento.
Termino por aqui e agradeço, mais uma vez, o convite e a participação. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Agradeço muitíssimo ao Dr. Alfred Sholl, pelo tema abordado da maior importância.
Abro para perguntas. Tenho uma ou duas para serem feitas.
Antes eu gostaria de agradecer e registrar a presença de Marilene Flores Martins, presidente da associação internacional das crianças pelo direito de brincar; Cristina, consultora da embaixada do Canadá; Profª Cristina Werner, Presidente do Instituto de Pesquisas Heloisa Marinho; Prof. Jairo Werner, chefe da cadeira de neuropsiquiatria da Universidade Federal Fluminense; Simone Maria Loureiro Cabral de Melo Guimarães, Diretora-Geral do COMPP; Danielle Silva Araújo, coordenadora e professora do CIEE Distrito Federal; Crisley Maria de Morais, supervisora em pedagogia do CIEE especial; Bárbara Diniz, pesquisadora do Núcleo de Estudo para a Paz; Jorge Roberto dos Santos, dirigente de ONG; Ana Cláudia Reis de Magalhães, terapeuta organizacional; e Jacqueline Wendland, professora da psicopatologia da primeira infância da Universidade de Paris, Descartes.
Faço uma pergunta para os nossos expositores.
Há uma discussão muito intensa na área da educação sobre a medicalização da infância. Alguns críticos afirmam que comportamentos e dificuldades de aprendizado têm sido precipitadamente diagnosticados como patologias e, em seguida, tratados com medicamentos. O exemplo mais citado é de diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção, o famoso TDAH, para o qual, em geral, prescreve-se o medicamento conhecido como Ritalina. O tema é tão polêmico que a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo resolveu restringir a distribuição do medicamento. Nesse sentido, perguntamos às senhoras e aos senhores: concordam com a tese de que há uma medicalização da infância no tratamento desses transtornos? Como a neurociência pode contribuir para o melhor entendimento das dificuldades de aprendizado?
Coloco à Mesa.
Suzana, por gentileza.
A SRª SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Essa é uma questão muito importante, que toca a vida de muitas pessoas e que tem tudo a ver com o que o Alfred estava falando agora sobre o mal-uso da informação.
A minha posição nesse sentido é muito clara e acho que bastante simples. As pessoas que advogam contra a medicalização de distúrbios reais não têm noção do que esses distúrbios são. Poder usar um tratamento, quando realmente se tem um distúrbio real de déficit de atenção, porque isso existe, é transformador, é o que devolve a possibilidade à criança, ao jovem e mesmo ao adulto, porque é um transtorno que permanece ao longo de toda a vida, de ter uma vida normal, de ter um desempenho cognitivo comparável ao das outras crianças normais dentro da sala de aula.
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Na minha opinião, não existe medicalização, existem maus médicos, existem maus psicólogos, existem profissionais e pais também preguiçosos, que preferem não pensar no assunto.
Mas é igualmente importante reconhecer que transtornos reais existem de fato, e, quando eles existem, a coisa mais importante de todas, o que abre portas para a criança ganhar a oportunidade de se integrar na sociedade, de aprender como os colegas, de ter relações saudáveis com os outros, de ter uma boa qualidade de vida, é o diagnóstico.
Há pessoas que têm medo de rótulo e que acham que diagnosticar uma criança como tendo um distúrbio de atenção é colocar um rótulo nessa criança. Se isso é colocar um rótulo, então que seja, porque a melhor coisa que pode acontecer com essas crianças é terem o seu problema real diagnosticado como um problema que não depende delas. Não é porque elas são pirracentas, preguiçosas ou porque os pais não tratam direito ou não deram atenção direito, não cuidaram direito. Não! Às vezes, existe um transtorno real, independentemente de tudo isso, e esse transtorno precisa de atenção e, sim, de cuidados médicos.
Então, não, não concordo que existe uma medicalização: existem maus médicos e existem maus psicólogos.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Muito obrigado, Drª Suzana.
O Dr. Alfred gostaria de fazer um comentário.
Eu só vou restringir um pouquinho aqui as perguntas, em função de que nós temos reunião do Congresso Nacional. Quando começar a sessão do Congresso Nacional, prevista para 12h15 - ainda não nos avisaram -, nós somos obrigados a interromper todos os trabalhos das Comissões. Então, vamos andar um pouquinho mais rápido.
O SR. ALFRED SHOLL-FRANCO - Serei breve.
Primeiro, gostaria de reforçar o que a Suzana falou - corretíssimo. A questão de nomear também como medicalização é problemática, porque é algo necessário. Existe o distúrbio, assim como existem causas genéticas ou causas ambientais ou outras causas, por exemplo, para o autismo.
Então, temos de pensar: os vários distúrbios, os vários problemas que existem, quando há uma causa e existe um medicamento que pode, ele deve ser usado. Eu conheço vários adultos que passaram a tomar medicamento somente quando adultos, porque justamente não queriam ter o rótulo, como a Suzana falou, de ser uma pessoa-problema, de ter uma doença, porque é logo tachada. Então, isso é um problema sério.
O que nós temos, sim, realmente, é a falta de equipes multidisciplinares. Colocar tudo apenas na cabeça do médico, nas costas do médico, é problemático. O tratamento e o diagnóstico dependem da escola, da família, do profissional da área de saúde, e esse profissional não é só o médico, mas sim uma equipe de profissionais, que têm de trabalhar juntos também.
Nós temos de pensar na formação, capacitação e melhora, porque é muito fácil passar um Concerta, uma Ritalina, um medicamento, simplesmente, para as crianças-problema. Agora temos de saber também se precisa da medicação, ou seja, se é um caso para medicação. Então, isso tem de ser analisado caso a caso. Isso dá trabalho. Isso dá custo e trabalho.
Então, se tem de pensar bastante: equipes multidisciplinares, uma visão multidisciplinar. E não é só o TDAH, são vários distúrbios.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Muito obrigado, Dr. Alfred.
Eu tenho uma pergunta que acho que cabe à Drª Bernadette Rogé: "Os estudos do cérebro têm um grau de complexidade muito grande e não podem ser levados para a sala de aula automaticamente. É necessário que haja uma inter-relação entre a Neurociência e a Pedagogia, para tornar aplicáveis esses conhecimentos. Nesse sentido, perguntamos: existem estudos que fazem este trabalho de unir Neurociência e Pedagogia? Que exemplos podem ser citados em relação a esse aspecto?"
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A SRª BERNADETTE ROGÉ (Tradução simultânea.) - Muito obrigada pela pergunta.
A pergunta é muito interessante, porque, de fato, até nos países que desenvolvem muitas pesquisas na área de neurociências, observa-se que há uma grande diferença entre o que se sabe sobre o cérebro e o que a gente pode de fato aplicar em termos de educação especial para as crianças. No entanto, os avanços no conhecimento do autismo, por exemplo, possibilitaram saber identificar precisamente quais eram os pontos fortes e fracos dessas crianças. Por exemplo, conhecemos bem as dificuldades em termos sensoriais, e o fato de conhecer melhor, graças à neurociência, esses aspectos, possibilita a modificação das atitudes educacionais, de pensar em estratégias melhores e mais apropriadas para aprender o que deve ser aprendido pelas crianças.
Portanto, há esforços nesse sentido, mas muita coisa resta ser feita para transformar o que é alta tecnologia, com todas essas novas tecnologias que temos em mãos, e chegar a transpor no campo, para os educadores, esses conhecimentos. Mas as coisas estão andando, e é preciso insistir nessa necessidade de aplicar esse conhecimento.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Obrigado, Drª Rogé.
Eu tenho uma última pergunta, que vou fazê-la em nome aqui da nossa plateia: "A intervenção preventiva não deveria ter como base o planejamento familiar?" Eu coloco para a Mesa, não sei a quem mais está afeto, acho que...
A SRª FRANÇOISE MOLÉNAT (Tradução simultânea.) - Obrigada pela pergunta.
Sabe-se há muito tempo que a melhor contracepção é permitir que uma mulher grávida seja corretamente acompanhada durante a sua gravidez e durante o nascimento, que ela não tenha a necessidade de novamente ter crianças novas para se sentir viva e para ter um valor. Então, é o valor que você atribui a essa criança que está chegando, através da atenção que vocês trazem, que a mulher, a mãe pode conter essa tendência a fazer novos bebês para ter um estatuto. Isso não tira nada do interesse da planificação familiar, claro; mas, quando a gente começa a cuidar de outra forma das mulheres grávidas e para de dizer "Você não pensou em contracepção?" e "Mais uma criança?", mas, ao contrário, diz que "Bom, é o quarto filho; então, vamos fazer tudo para que essa criança seja bem cuidada, bem tratada", a gente começou a evitar as gravidezes. Mas isso não responde a todas as perguntas.
Só queria acrescentar também que, para a história do remédio, é exatamente a mesma coisa durante a gravidez: quando uma mulher está com muita angústia, a gente geralmente pede para ela parar os ansiolíticos, porque a gente tem medo pelo bebê. Ora, foi demonstrado que o estresse maior tem mais efeito neurológico do que o remédio. E mais uma vez é preciso trabalhar em interdisciplinaridade. O remédio sozinho não basta. É preciso também ver como a gente apoia essa mãe, etc., etc., e todos os pontos de apoio que vão acompanhar o efeito do remédio. São os mesmos debates, exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Cyro Miranda. Bloco Minoria/PSDB - GO) - Eu agradeço a todos. Acho que esta Comissão contribuiu para que a 7ª Semana da Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz do Senado Federal, que está sendo realizada a partir de hoje, do dia 25 ao 27, tenha o apoio desta Comissão.
Eu quero dizer ao Dr. Alfred, à Drª Françoise, à Drª Suzana, à Drª Bernadette do prazer imenso que tivemos em recebê-los aqui.
Eu tenho feito várias audiências públicas nesses dois anos em que presido esta Comissão, mas esta foi uma das mais importantes, uma das que mais contribuíram para um tema de tamanha relevância que está iniciando esta discussão, hoje, no País, um tema ainda em que nós temos muito que nos aprofundar. Essa contribuição, eu tenho certeza, vai servir para que nós possamos ter uma política de neurociência, pois ainda estamos muito distantes hoje.
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Assim, o meu profundo agradecimento, em nome de todos desta Comissão, pelo brilhantismo de cada um dos senhores aqui presentes. E quero ter o prazer de, no próximo ano, ainda marcarmos um novo encontro para termos mais tempo de debater este tema.
Convoco também a todos, se possível, para a audiência pública às 14h, que será feita nesta Comissão para debater a importância da realização da WorldSkills no Brasil e a contribuição do Sistema S para a educação profissional. Contamos com a presença do Presidente da WorldSkills Mundial, Simon Bartley; David Hoey, Diretor-Executivo; Rafael Lucchesi, da CNI; Marcelo Machado, do Ministério da Educação; Fátima Aparecida Antonio, da Secretaria Municipal de São Paulo; e Rafael Wenderson, medalhista de ouro da WorldSkills.
Também gostaria de ressaltar as ações realizadas pela Comissão da Valorização da Primeira Infância, do Senado Federal, que tem à frente a Srª Lisle Lucena, e o excelente trabalho que vem sendo desenvolvido nesses últimos oito anos. A senhora pode continuar contando com a parceria desta Comissão... (Palmas.)
Nosso profundo agradecimento.
Declaro encerrada a presente audiência pública, agradecendo a todos os senhores nesta Comissão pela presença.
Muito obrigado. Que tenhamos todos uma boa tarde!
(Iniciada às 10 horas e 29 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 36 minutos.)