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Senado Federal

Secretaria-Geral da Mesa

Secretaria de Registro e Redação Parlamentar
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Está aberta a 30ª Reunião Extraordinária da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 54ª Legislatura.
Solicito a dispensa da Ata da reunião anterior e coloco-a em votação. Aqueles que a aprovam, queiram permanecer sentados. (Pausa.)
Aprovada.

AUDIÊNCIA PÚBLICA

Nos termos do Requerimento nº 55 da CDH, deste Senador e de outros, com o objetivo de debater o Mapa da Violência: soluções e desafios.

Foram convidados para esta Audiência Pública Rosa Maria Gross de Almeida, Coordenadora Geral dos Direitos Humanos e Segurança Pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Marsal Branco, Coordenador do Curso de Jogos Digitais, Universidade FEEVALE/Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul; Ângela Alano, Assessora da Diretoria da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul - LEME; Benito Augusto Galiani Tiezzi, Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Distrito Federal - Adepol; Arthur Trindade Maranhão Costa, Sociólogo, Coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Violência da UnB; Arquicelso Bidês, Advogado Especial da Secretaria de Entorno do DF e Líder Comunitário do Valparaíso; Sandra Baccara, psicóloga; Alberto Liebling Kopittke, Diretor do Departamento de Políticas, Programas e Projetos - Depro -, em representação a senhora Regina Maria Filomena de Luca Miki, Secretária Nacional de Segurança Pública.
Esta Audiência Pública tem como objetivo que esta Comissão de Direitos Humanos debata a violência no Brasil. Todos aqueles que estão acompanhando o trabalho desta Comissão sabem a responsabilidade e o compromisso de todos nós com este tema, que tem quase como o coração, a alma e o pensamento de todos os membros desta Comissão, quando todos nós temos obrigação, na linha dos direitos humanos, de combater todo tipo de violência. Teremos aqui, com certeza, uma boa Audiência Pública que fará uma análise desse tema que tanto preocupa a sociedade. Temos aqui alguns dados, alguns números que serão atualizados, com certeza, pelos nossos debatedores, conforme a UNESCO, por exemplo. Não sei se este dado está atualizado, mas vou ter a ousadia de falar aqui, depois os convidados farão a exposição.
A cada três minutos, um brasileiro é assassinado - acho que já é mais. A cada sete horas uma pessoa é vítima de acidente com arma de fogo no Brasil, um cidadão armado tem 57% mais de chance de ser assassinado do que os que andam desarmados, os crimes com arma de fogo provocam um custo do SUS em cerca de 450 milhões de reais ao ano. No Brasil, por ano, morrem em torno de 50 mil pessoas vítimas de trânsito, e em torno de 50 mil morrem por arma de fogo. Em São Paulo, quase 60% dos homicídios são cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos fúteis; na capital federal, embora ainda considerada uma das mais calmas do País, segundo as últimas informações, a cada quatro minutos ocorre um delito, são mais de vinte crimes por hora. Enfim, todos sabemos que esse também é um dos eixos desse debate, que a violência nas escolas tem dado, além do bullying - que todos sabemos dos últimos fatos que aconteceram e não vamos repetir, neste momento, vamos permitir que os debatedores façam a sua exposição, inclusive de jovens assassinados. Tem um dado que é lamentável: de cada três jovens assassinados, dois são negros, e a quantidade aumenta a cada dia que passa, independente de ser negro ou ser branco. Tínhamos que combater essa violência.
Aqui teremos também, da FEEVALE, propostas de combater à violência junto à juventude, não somente da Universidade mas também, pelo que percebi e tive a alegria de assistir, principalmente os jogos na Internet
juventude, não somente da Universidade, mas também pelo que percebi e tive a alegria de assistir, principalmente os jogos na Internet, que sejam instrumentos de paz, harmonia, solidariedade e propositivos, e não, infelizmente, como são a maioria dos jogos: na linha da violência. Creio que os senhores irão apresentar aqui uma forma diferente, uma forma de pregar o amor, a paz, a integração e, como eu dizia, a solidariedade.
Antes mesmo de convidar os nossos painelistas, a minha querida Senadora Ana Rita, que é vice-Presidente desta Comissão, no fim de semana me ligou e disse que me mandaria, hoje pela manhã, um relato da violência acontecida no Espírito Santo, nesta semana. Estou aqui com um documento dela, farei a leitura, e passaremos em seguida, Tiago, o vídeo que ela nos mandou.
A questão social não é caso de polícia. O Estado do Espírito Santo recentemente assistiu a desocupação de 1,6 mil pessoas do Município de Aracruz, norte do Espírito Santo. Pessoas que ocupavam uma área pública municipal há mais de um ano, para fins de moradia. São famílias de baixa renda que, na ausência do poder público e por falta de opção, ocuparam a área como única alternativa para a solução do seu problema de moradia. É condenável que gestores públicos, em plena democracia, tratem demandas sociais legítimas como caso de polícia. Não é aceitável que trabalhadores, trabalhadoras e suas famílias, filhos e filhas, sejam tratados como criminosos.
A polícia entrou nessa comunidade como se fosse um verdadeiro campo de guerra, batalha, combate, tendo cidadãs e cidadãos como seus inimigos. É no mínimo chocante observar helicópteros bombardeando as famílias de forma indiscriminada, atingindo, inclusive, idosos e crianças. É um tipo de comportamento que viola os direitos humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Igualdade Racial, uma ação inadmissível num Estado Democrático de Direito. A ação truculenta e violenta do Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar do Espírito Santo demonstra o total despreparo ao lidar com esse tipo de situação. É necessário e urgente que o poder público reveja o comportamento adotado em casos semelhantes, a falta de moradias para abrigar famílias é uma questão social e não pode ser tratada como caso de polícia. Nesses momentos, os governos devem desenvolver todos os esforços necessários e se valer de todos os instrumentos de que dispõem para resolver a questão de maneira civilizada, por meio de vias democráticas, do diálogo e da negociação.
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal acompanha de perto, pela nossa vice-Presidente Ana Rita, esse episódio lamentável e, conforme me diz a Senadora, assustador, pavoroso. A Comissão atua para evitar que casos como esse não voltem a se repetir no Espírito Santo e em qualquer parte do Brasil - e eu tomaria a liberdade de dizer em qualquer parte do mundo. Queremos que haja uma apuração rigorosa de todos os fatos.
Li aqui um documento que me foi remetido pela Senadora Ana Rita, que acompanhou essa situação. Sou signatário deste documento e quero aqui mostrar toda a nossa indignação. Lamentamos que isso esteja acontecendo no Estado do Espírito Santo. Lembro-me de que, mesmo lá no Rio Grande do Sul, quando eu era Deputado Federal, há 25 anos, acompanhei uma situação como essa. O Governo não era do meu partido, mas, em nenhum momento, nem próximo do que li aqui, aconteceu há 25 anos. Vamos ver o vídeo, peço que passe aí. É cachorro, é helicóptero, é bomba jogada sobre as pessoas comuns, que estavam lá protestando e lutando pelo direito de ter uma moradia.
peço que passe aí. É cachorro, é helicóptero, é bomba jogada sobre as pessoas comuns, que estavam lá protestando e lutando pelo direito de ter uma moradia.
(Exibição do vídeo.)
Vejam, quem está falando é um repórter da TV Record, não tem nada a ver com militantes.


(Continuação de exibição do vídeo.)

Eu já havia anunciado, a vice-Presidente desta Comissão, Senadora Ana Rita, do Partido dos Trabalhadores do Espírito Santo, é que me remeteu o documento que já li. O vídeo ela pediu que eu visse pela Internet, naturalmente peguei e coloquei para que todos ficassem sabendo.
Recebi aqui também um documento do Conselho Estadual dos Direitos Humanos do Estado do Espírito Santo, só vou ler as considerações finais. O documento é assinado por Gilmar Ferreira de Oliveira, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos; Arthur de Souza Moreira, Conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos Humanos; e Luiz Inácio Silva da Rocha, Secretário Executivo do Conselho Estadual dos Direitos Humanos. Esse documento foi encaminhado ao senhor Governador do Estado
do Conselho Estadual de Direitos Humanos e esse documento foi encaminhado ao Sr. Governador do Estado e ex-Senador José Renato Casagrande.
Eu vou para as considerações finais.

Os representantes da CDH puderam constatar que a operação contou com um farto aparato repressivo. Os policiais estavam fortemente armados e com o auxílio de helicópteros e de atiradores de elite posicionados em pontos estratégicos no sentido de intimidar e reprimir qualquer esboço de reação. Constataram também que, no momento que estiveram lá, nenhum outro órgão do Estado ou do Município esteve presente, a não ser a própria polícia.
Os moradores que conseguiram resgatar os seus móveis e demais utensílios domésticos o fizeram por conta própria.
O clima era de muita indignação por parte dos moradores, pois relataram que a Prefeitura não havia dado alternativa para as pessoas que não tinham outro lugar para ir e tampouco acompanhou a operação para apoiar a remoção das pessoas para lugares seguros. [E, naturalmente, com os seus utensílios.] Percebeu-se também que havia crianças e idosos no meio dos moradores, despejados sem qualquer tipo de amparo.
A operação foi conduzida de forma a negar qualquer tipo de controle externo e transparência. Além do incidente ocorrido com o Conselho, alguns membros da imprensa relataram dificuldades para desenvolver o seu trabalho e colher informações sobre os fatos.
Por fim [diz o documento], a truculência da operação por parte da Polícia foi flagrante, ao ponto de o próprio conselheiro estadual de direitos humanos ser recebido como o foi, mesmo com o amparo legal de investigar qualquer violação de direitos humanos em território estadual.
É o relatório.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Nós apresentamos e lemos, é claro, com tristeza. Ninguém está lendo este documento aqui, de um governo dito popular, do Estado do Espírito Santo...
Eu, particularmente, tenho grande carinho e respeito pelo ex-Senador e hoje Governador Casagrande. Nós mandaremos, naturalmente, uma nota também da Comissão, na mesma linha de documentos que a Senadora Ana Rita nos remeteu, ao Governador do Estado.
Mas o nosso objetivo também aqui, ao ler o documento e mostrar o vídeo para todo o Brasil, ao vivo, pela TV Senado, é tentar mostrar que isso não pode acontecer em hipótese alguma, em cidade alguma, em Estado algum, independente de quem seja o governo.
Posso dizer, Alberto, que mesmo lá em Canoas, como eu relatei, há cerca de 25 anos, quando houve aquela Operação Guajuviras, não houve essa truculência, porque eu estava lá. Nós ocupamos, naquela época, seis mil residências. É claro que houve um embate, mas não houve nem a metade do que vimos aqui 25 anos depois.
Guajuviras hoje é uma cidade muito bem administrada pelo Prefeito Jairo Jorge. V. Exª foi parceiro nosso lá, na busca da segurança.
Então, lamento muito. Vamos remeter o documento. Pode ter certeza de que, se fatos como este voltarem a acontecer, não importa o Estado ou o Município ou qual seja o partido que esteja no governo, nós mostraremos aqui, da mesma forma que mostramos neste momento, com a nossa indignação. Senão não há por que existir comissão de direitos humanos, enfim, existir em todo o mundo tantos homens e mulheres que dão a sua vida em defesa dos direitos humanos. Por isso, peço à assessoria que prepare o documento que eu remeterei ao Governador do Estado e ao Prefeito da cidade também.
Vamos desenvolver a nossa audiência pública. Já fiz toda a introdução, já registrei inclusive o nome de todos os convidados. De todos os convidados, até o momento, só não está presente, pelo que percebi aqui, o Sr. Arquicelso Bidês, que é aqui do DF. Ele é Assessor Especial da Secretaria de Combate à Violência.
Vamos fazer como temos feito, convidando sempre dois para virem à Mesa, de dois em dois, vamos trocando, da primeira fila para a nossa mesa aqui.
Eu convidaria de imediato a Srª Rosa Maria Gross de Almeida, que já está aqui conosco. Ela é Coordenadora Geral de Direitos Humanos e Segurança Pública...
a nossa Mesa.
Então, eu convidaria de imediato a Srª Rosa Maria Gross de Almeida, que já se encontra aqui conosco, Coordenadora Geral de Direitos Humanos e Segurança Pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Convido, também, o Alberto Liebling Kopittke, Diretor do Departamento de Políticas, Programas e Projetos (Depro), representando a Srª Regina Maria Filomena de Luca Miki, Secretária Nacional de Segurança Pública.
O objetivo da reunião já detalhei aqui na abertura da reunião. Trata-se do mapa da violência no Brasil. Falamos, inclusive, da violência da polícia do Espírito Santo, numa contribuição que nos mandou, no dia de hoje, a Vice-Presidente desta Comissão, a Senadora Ana Rita, do Partido dos Trabalhadores.
Concedo a palavra à Srª Rosa Maria Gross de Almeida, Coordenadora Geral de Direitos Humanos e Segurança Pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Aqui, como eu havia dito, nós vamos discutir toda a violência, desde a sala de aula, nas ruas, a repressão. Enfim, nós queremos combater a violência e eu dei alguns dados aqui que vocês, naturalmente, de forma muito mais atualizada poderão apresentar os números ao plenário e pela TV Senado para todo o Brasil durante a sua exposição.
Tem a palavra a Drª Rosa.
A SRª ROSA MARIA GROSS DE ALMEIDA - Bom dia, Senador; bom dia, Alberto; bom dia, senhoras e senhores.
Em primeiro lugar, quero agradecer o convite feito à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Quero lhe dizer, Senador, que com muita tristeza vejo esse vídeo, porque a Coordenação de Direitos Humanos e Segurança Pública trabalha diretamente com esses temas. Nós temos três pontos importantes na nossa Coordenação.
O primeiro deles é o controle externo, porque no Estado que é democrático e está submetido ao Direito, o controle externo é fundamental.
O segundo é a capacitação, o preparo dos operadores e operadoras de segurança pública.
E o terceiro é a qualidade de vida, a saúde desses profissionais, as condições que eles têm de trabalho, que nós sabemos serem muito precárias.
Agora, quando eu assisto uma cena como esta, eu fico me perguntando que tipo de polícia se quer. Porque a responsabilidade, no meu entendimento, é muito mais do maior comandante da polícia militar no Estado, porque, reparem, se a polícia é preparada para uma ação como essa e se ela é a representação do Estado ali, alguma coisa precisa estar muito errada.
Por que somente a polícia. A polícia vai chegar, vai retirar essas pessoas de lá e vai colocá-las na rua? E depois, quando isso causar novos problemas, vai ser a polícia de novo chamada para resolver? Então, que tipo de polícia se quer e de quem é essa responsabilidade.
Nós temos trabalhado com os operadores e operadoras de segurança pública no sentido do entendimento de que os operadores e operadoras de segurança pública, no Estado democrático de direito, são antes de qualquer coisa garantidores de direitos. Que polícia é essa que está sendo mandada para lá? Está garantindo que direitos? Nós até somos capazes de entender que muitas vezes os direitos entram em conflito. Existe o direito à moradia, mas também existe o direito à propriedade. Isso acaba entrando numa convergência, e que na incapacidade, na incompetência do Estado em resolver isso, a polícia é chamada para resolver. Sim, a polícia deve resolver quando chamada a isso. Mas, resolver junto com outros órgãos da Administração Pública, e de forma a, ainda que tendo que refazer um direito, como o direito à propriedade, respeitar os direitos daqueles que estão lá.

respeitando os direitos daqueles que estão lá. Ou seja, cuidando para que essas pessoas que teriam direito mas não tem essa moradia não tenham mais um direito violado, que é o direito à integridade, que é o direito aos seus pertences, que é o direito a ser respeitado. São cidadãos e cidadãs tratados com absoluto desrespeito e a polícia usada para isso. Então, quando eu mando policiais para uma ação como esta, eu estou dizendo a esses policiais que eles estão a serviço de um tipo de direito, de um tipo de classe social neste País. Ele não estão sendo tratados como garantidor de direitos que são. E garantidor de direitos de todos os cidadãos e cidadãs.
Então, a nós fere profundamente uma visão como esta. Isso coloca a baixo um trabalho de muito tempo que vem sendo feito inclusive pela Secretaria Nacional de Segurança no sentido de que tenhamos uma segurança pública que atue efetivamente como garantidora de direitos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Meus cumprimentos a Coordenadora Geral de Direitos Humanos e Segurança Pública da Presidência da República, Drª Rosa Maria Brás de Almeida. Eu, de fato, não esperava outra posição de V. Exª que não fosse essa. Por isso meus cumprimentos pela forma como colocou a questão. É inadmissível que nós, que brigamos tanto para estarmos neste momento em tantos governos nos Estados e em nível nacional, termos que constatar um fato como este. E o depoimento só pode ser aqui de crítica mesmo. É inadmissível que isso ainda acontece a nós todos que somos amantes, apaixonados pela democracia, pela liberdade e pelo direito de todos.
Sr. Alberto, por favor. Diretor do Departamento de Políticas, Programas e Projetos. V. Exª tem dez minutos mais cinco, se necessário, sem problema nenhum. Nós deixamos claro que todos falarão sobre o combate à violência, o mapa da violência no Brasil em todos os sentidos.
O SR. ALBERTO KOPITTKE - Muito bem. Bom dia a todos e a todas.
Nosso ilustre Presidente Paulo Paim, que tanto orgulha o povo do meu Estado do Rio Grande do Sul, na sua representação. Saúdo também a Rosa, em nome de quem quero saudar a todos aqui presentes e a todos lutadores de direitos humanos em nosso País.
Trago aqui também a saudação da Srª Regina Miki, Secretária Nacional de Segurança Pública, que se encontra neste momento com o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo em São Paulo, fazendo a abertura da campanha do desarmamento.
Agradeço muito a oportunidade de fazermos uma reflexão sobre o tema da violência no País nos últimos anos e eu tive a oportunidade de já estar no Ministério por quatro anos, depois fui a Secretário no Município de Canoas, Município de origem de V. Exª, da sua história política no Rio Grande do Sul, junto com o Prefeito Jairo Jorge, quando pudemos vivenciar uma experiência que tem sido bastante discutida - e espero que de maneira positiva. Os resultados que nós estamos conseguindo lá na cidade de reduzir em torno de 40% os homicídios no último ano e todos os indicadores de violência têm se reduzido.
Agora, estou de volta à Senasp e é um prazer fazer o debate hoje.
Tendo em vista a proposta de discutir o mapa da violência publicado este ano, é sempre bom lembrar - e vou falar um pouco sobre isto - que nós estamos falando do mapa da violência de 2011, mas os dados que estão dentro dele são de 2008, o que é o principal problema que eu vou abordar logo em seguida, que nós precisamos superar a questão dos dados.
O que mostram esses dados que nós temos acompanhado nas últimas duas décadas especialmente no País? Eu sempre gosto de registrar que, durante o período da ditadura, nós não temos dados sobre segurança confiáveis em que nos basear - número de homicídios, número de mortos, número de mortos pela ação policial, pelo próprio Estado. Acho que sempre é importante destacar que a nossa contagem realmente confiável se inicia
Sempre é importante destacar que a nossa contagem realmente confiável se inicia a partir da democracia, quando temos essa abertura e começamos a debater os dados com transparência.
Nosso País tem passado, não de maneira isolada no mundo, por uma epidemia da violência, que já dura, pelo menos, vinte anos, em que temos mantido um patamar de aproximadamente 50 mil homicídios ao ano, o que é um número extremamente alto, inaceitável, pois está acima do padrão de muitos países que não têm o nosso nível de desenvolvimento econômico e institucional. Somos um dos países com o maior número de homicídios da América. Esta é a realidade: mais ou menos um milhão de mortos nos últimos vinte anos, e a maioria desses mortos é composta por jovens.
Acabei usando uma rede social na Internet, Senador, no dia daquela tragédia de Realengo, que nos entristece, quando doze crianças foram chacinadas. Mas é importante lembrar que, em média, 120 brasileiros são mortos por arma de fogo todos os dias. São dez chacinas de Realengo todos os dias, em sua maioria com o envolvimento de jovens. São, em média, 120 mortes por dia por arma de fogo. E há outras formas de violência, como a relacionada à questão do trânsito, que não me cabe abordar aqui, pois não são da nossa área.
Nos últimos anos, até 2003, houve uma aceleração permanente, um crescimento permanente do número de homicídios. E, desde 2003, temos visto uma estabilização desse número num patamar ainda muito alto. Em 2004, houve uma redução de aproximadamente 4 mil a 5 mil homicídios. Os especialistas denotam a razão disso: a campanha do desarmamento daquele ano, em que se recolheram quinhentas mil armas de fogo. Foi o único grande motivo naquele ano em nível nacional.
É possível, sim, fazer uma comparação. Houve uma redução forte no Sudeste, mas, por outro lado, houve uma aceleração do número de homicídios no Nordeste. Esse índice de homicídios tem reduzido a uma taxa média de 1% ao ano nas capitais, mas tem crescido, nessa mesma proporção, nos Municípios de médio e pequeno porte do País. Eu diria que os homicídios têm se interiorizado e ido para o Nordeste. Esse é o sentido dos últimos anos. Sempre destaco - isto é fundamental - que se trata de dados de 2008. Por que é fundamental vermos isso? Porque, no Brasil, não conseguimos medir, em termos científicos e técnicos, nos últimos três anos, o resultado, seja positivo ou negativo - tenho minha avaliação -, do impacto, por exemplo, do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que foi aprovado, por unanimidade, por esta Casa em 2007 e que injetou R$1,4 bilhão na segurança pública do País ao ano.
Sempre digo que as políticas de segurança no nosso País são muito jovens em nível federal. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) surge apenas em 1997, e o Fundo Nacional de Segurança Pública surge em 2001. Após aquela tragédia do ônibus 174, surge, então, o Fundo Nacional de Segurança Pública, com recursos da ordem de R$250 milhões a R$300 milhões ao ano. E, a partir de 2007, além do Fundo, somamos a isso o Pronasci, que injeta R$1,4 bilhão, que é um volume insuficiente, com certeza - vou abordar isto -, mas muito significativo. Hoje, nesta Comissão, no Senado e no País, não podemos discutir e não sabemos exatamente o impacto desse recurso, desse programa, extremamente transformador e inovador, no nosso País, porque nós não...
...exatamente o impacto desse recurso, desse programa extremamente transformador, inovador no nosso País. Porque nós não temos hoje no Brasil uma base de dados sobre segurança pública.
E esse aqui para entrar, feito aqui para entrar, esse panorama esse diagnóstico gostaria de abordar alguns temas que nós estamos discutindo no Ministério da Justiça, na Secretária que ainda são preliminares, estão sob análise do Ministro, da nossa Presidenta ainda não estão fechados, não são temas, projetos que nós possamos anunciar. Mas eu vou aqui tratar o que é que tem sido discutido pela nossa equipe e tem sido o objeto de discussão que nós estamos elaborando, traçando os novos projetos que a Presidenta virá nos próximos dias a apresentar para o País.
E o primeiro problema, sempre tendo como foco a questão da redução dos homicídios e, isso eu gostaria de destacar Senador, porque a violência tem múltiplas formas, desde a violência familiar, violência contra a mulher que infelizmente o que os dados indicam é a violência mais disseminada do nosso País, a violência na escola, a violência nas ruas, homofobia, racismo, tantas e tantas formas de violência. Os crimes contra o patrimônio, mas é preciso que a nossa política nacional de segurança pública tenha um foco. E a experiência internacional nos mostra nos ensina que esse foco precisa ser a redução de homicídios. Nós temos inúmeros problemas, o tráfico de drogas, tráfico de armas, crime organizado, crime organizado. Mas o nosso país ainda precisa incorporar na sua agenda política a questão da redução dos homicídios. Porque apenas quando a classe dirigente do País, de todos os partidos, de todas as colorações assumem a questão dos homicídios nós começamos a reduzir esse terrível indicador. E com ele nós reduzimos as outras violências, nós deixamos a nossa polícia mais capacitada, mais atenta para o cuidado da vida, para promoção dos direitos humanos.
Então esse tema dos homicídios, e aqui é possível citar inúmeras experiências internacionais, vários países já passaram por epidemias de violência - cito aqui o exemplo dos Estados Unidos na década de 70 e 80, teve uma aceleração tremenda do número de homicídios - e tem conseguido por várias formas reduzir esses indicadores. Mas com uma coisa em comum, a prioridade na redução de homicídios. Então vários Estados, com várias metodologias tem conseguido ao longo da década de 90 os Estados Unidos reduziu em mais 60% o seu número de homicídios, que segue caindo até hoje.
Nós temos por outro lado a Colômbia, uma experiência mais próxima, que chegou a ter índices de homicídio seis, sete vezes maior do que nós temos no País hoje, ou já tivemos, e conseguiu. Também através de um conjunto de políticas reduzir drásticamente esses indicadores, para números hoje até menores que o do Brasil.
E experiências no País também, nós temos algumas cidades no país, alguns Estados que tem reduzido de maneira sólida o número de homicídios. E é possível identificar que isso só acontece quando o dirigente político assume a bandeira da redução de homicídios. Assisti a semana passada o Governador Eduardo Campos, de Pernambuco, que hoje dirige uma das experiências mais exitosas do país, que assumiu como tarefa sua como governante, e ele relatava que a sua assessoria dizia: Governador não assuma essa pauta que ela é muito espinhosa, ela é muito complexa. E ele disse: Não, eu vou assumir. Esse é o tema que mais preocupa o cidadão de Pernambuco naquele momento, e ele assumiu a direção e cobra todo dia, recebe todo dia os indicadores de homicídio. E o Estado passou a construir um conjunto de políticas que vou abordar, e tem conseguido superar a sua própria meta de redução de homicídios...

junto de políticas que eu vou abordar, daí tem conseguido superar sua própria meta de redução de homicídios, de 12% ao ano. O Estado tem conseguido ultrapassar essa meta, graças a essa mobilização da sociedade. Isso é só para usar um dos casos de sucesso do nosso País.
Nesse sentido, estamos estudando e formulando a nossa política nacional de segurança com foco na redução de homicídios. Vou deixar um tema aqui, que é um tema polêmico: em todas essas experiências nos Estados - ou cidades - que abordei aqui, em que tem havido redução de homicídio, infelizmente, não se tem conseguido reduzir o consumo de drogas, Senador. Infelizmente, porque este é um tema de extrema gravidade. Mas tem se conseguido reduzir o número de homicídios.
Acho que isso é um elemento muito importante, não que não haja uma relação entre os dois, porque há, sem dúvida alguma, especialmente o crack. Há uma relação entre o tráfico dessa droga, o consumo dela e alguns indicadores de violência. Mas é importante, fundamental que nós possamos separar essas discussões por alguns instantes para pensarmos como reduzir a violência e o número de homicídios especificamente, porque é possível. É possível, sim, nós reduzirmos, porque, algumas vezes, as drogas também são usadas para, dentro das instituições, nós não fazermos a discussão sobre a redução de violência. Há um discurso simplista que diz: -Isso é culpa do tráfico de drogas. E não temos nada o que fazer-. Não é verdade.
Na nossa cidade de Canoas, assim que eu cheguei, era muito comum o seguinte discurso, Senador: -Não, isso é o tráfico de drogas. Quem morreu era um traficante-. Como se aquela vida valesse menos, como se pudesse avaliar o valor da vida: de uns vale mais; de outros vale menos. E aí, nessa roda, morriam 80 jovens por ano, 100 jovens por ano, 140 jovens por ano, numa cidade de 340 mil habitantes. Nós fomos trabalhando em conjunto e quebrando esse discurso, desbanalizando o homicídio. Não interessa; se alguém comete algum crime, esse crime tem que ser remetido à Justiça. O homicídio, de maneira alguma, é a forma para resolver problemas sociais; pelo contrário, é a pior das chagas de uma sociedade. Então, nesse sentido, nós temos trabalhado na Senasp. E o primeiro elemento, como eu já disse, que nós temos colocado como nossa tarefa prioritária é o problema dos dados da segurança pública.
O Ministro tem falado, e já falou aqui nesta Casa, que nós não podemos mais seguir, no País, sem indicadores de qualidade na área da segurança pública. E que não sejam indicadores de três anos atrás. Esses indicadores que trabalhamos hoje não são do Ministério da Justiça; são do Datasus. É um grande mérito da política pública do País ter um grande banco de dados, o Datasus, com qualidade, com precisão, que tem o reconhecimento científico de todos. Graças a isso, o País tem conseguido reduzir, diminuir ou melhorar os indicadores na saúde pública; independente dos problemas que tenha, o nosso País tem conseguido melhorar as questões de saúde, mortalidade, mortalidade infantil e assim por diante. E entre outros elementos, com certeza, graças ao Datasus. Cito como exemplo, sempre, aquela gripe H1N1, quando o País acompanhou cada caso da doença, e as autoridades de saúde foram fazendo um trabalho preventivo ali, para que a epidemia não se espalhasse. E o País conseguiu, rapidamente, debelar uma situação de emergência, porque tinha dados para saber por onde aquela epidemia estava se espalhando. Assim, nós podíamos citar tantos e tantos casos.
Na área da segurança, nós não temos esse trabalho de dados. Por muito tempo, os dados de segurança pública foram trabalhados com uma concepção equivocada, que eram dados secretos. Dados da segurança são dados de segurança nacional; não podem ser
...dado de segurança nacional; não pode ser aberto, não pode ser mostrado. E isso, infelizmente, não é uma realidade distante ainda. Isso nos trouxe, como legado, em muitos Estados, a nível nacional, uma baixíssima qualidade dos indicadores de segurança.
Nós não temos, hoje, para oferecer ao Ministro, nas nossas discussões, um dado do mês passado, da semana passada, sobre os homicídios no Brasil, a fim de que ele possa acompanhar, em tempo real, a evolução, onde é que está aumentando, onde é que está reduzindo, oferecer ajuda para o governador, analisar o impacto da política pública e decidir para onde seguir, enviando recurso público.
Então, nesse sentido, o Ministro tem colocado para a secretária e para nós a prioridade de criarmos um sistema nacional de estatísticas de segurança pública, para que possamos reunir os dados dos Estados e qualificar esses dados - porque temos Estados que já estão no décimo degrau na qualidade dos dados. Mas nós temos Estados, também, no primeiro degrau, com boletim sendo preenchido ainda à máquina de datilografia, ou escrito à mão. Na maioria do Estado, talvez com a exceção da capital, é um nível muito baixo na qualidade do preenchimento do Boletim de Ocorrência.
Acho que o BO é o primeiro marco que nós temos que analisar, para termos um dado com qualidade, e que não seja aquele dado escrito ali, naquele campo da descrição da ocorrência, muito grande, onde o escrivão vai descrevendo fatos. Esse dado nós não temos como puxar ele; nós precisamos de um Boletim de Ocorrência cada vez mais qualificado, com campos fixos, especialmente - e quero registrar esse elemento -, georreferenciados, para que nós possamos conhecer onde os eventos estão ocorrendo e, assim, nós possamos fazer o acompanhamento em nível nacional.
É uma tarefa hercúlea, muito grande, e que o Ministro tem nos colocado para analisar.
O segundo elemento que nós temos discutido é um pacto nacional pela redução de homicídios, que ainda não posso aqui levantar todos os detalhes, porque ainda estão sendo analisados, mas é uma estratégia para que nós possamos mobilizar todos os governadores, prefeitos e traçarmos diretrizes comuns com base naquilo que tem dado certo no país, e construirmos em cada um dos Estados um pacto pela redução de homicídios. E o Ministério da Justiça e o Governo Federal investirem nos Estados nesses elementos que dão certo.
Cito aqui apenas um elemento fundamental, que é capacitar as polícias, especialmente a Polícia Civil, na investigação de homicídios. Nós temos, hoje, uma taxa de resolução de homicídios extremamente baixa e preocupante, que não passa de 4% a 5% dos homicídios do país que têm o seu autor preso, ao final do inquérito, depois da denúncia e do processo judicial. E é exatamente a impunidade um dos maiores motivadores para que o homicídio se alastre. Então, nós precisamos capacitar as equipes de investigação, nós precisamos ter um número de equipes especializadas em homicídio suficiente para resolver esse problema.
Senador, nós temos hoje uma média nacional de 140 homicídios por equipe de investigadores de homicídios no país. Em países de excelência, como a Inglaterra, por exemplo, onde nós temos um índice de homicídio de dois homicídios a cada 100 mil - e aqui, no Brasil, nós temos uma média de 25, 26; mas em alguns centros, 70, 80 homicídios por 100 mil -, na Inglaterra, o número de homicídios é de 14 homicídios por equipe, ao ano. No Brasil, nesses Estados que têm obtido êxito na redução, eles conseguiram fortalecer as equipes e ter uma média de 30, 40 homicídios por equipe, ao ano.






... ter uma média de 40, 30 homicídios por equipe ao ano. Mas, em média, no País, temos 140 homicídios por equipe. Normalmente, as equipes que resolvem os homicídios são aquelas equipes dos bairros, das delegacias dos bairros, que têm que atender furto, roubo de veículo, roubo à residência e homicídio também. Isso não é mais possível. Precisamos especializar a nossa polícia.
E, por fim, seguir esse trabalho que tem sido feito, que o Pronasci deu um grande salto, que é exatamente a polícia comunitária. Por muitos anos, quando se falava em polícia comunitária, se ouvia alguns deboches; que era uma visão romântica, uma visão de defensores de bandidos. E hoje, graças ao Pronasci, ao empenho de alguns governos, em especial do Rio de Janeiro, cito aqui como referência, o policiamento comunitário em áreas de vulnerabilidade social já é uma realidade. O País já sabe que esse é o caminho para uma segurança pública eficiente, não mais aquela polícia que passa com a arma para fora do carro, em alta velocidade, não. Uma polícia que fica no bairro, que convive com a comunidade, que faz parte e estimula a vida comunitária. Essa é a política que traz resultados e reduz indicadores, não aquela do discurso, que esbraveja, que pede altíssima punição para qualquer um. Mas, sim, um polícia presente no dia a dia, que cumprimenta, que convive com aquela comunidade.
Por fim, o último elemento é o papel do Município. Os nossos Municípios têm descoberto um grande papel na redução da violência, através de uma ferramenta que se iniciou no governo do Presidente Lula, se consolidou com o Pronasci, que são os Gabinetes de Gestão Integrada, os GGIs. Assim como temos o Conselho Escolar, o Conselho de Saúde, chegou a hora de consolidarmos os GGIs, que são os espaços de integração entre as polícias. Existem os GGIs estaduais e os GGIs municipais, em que o prefeito convida o comandante da polícia militar, o delegado, o promotor, o juiz e as áreas de fiscalização da prefeitura e, juntos, fazem um trabalho permanente de acompanhamento da situação da violência. Quantos melhores dados nós tivermos, melhor esse trabalho integrado vai ser.
Então, esses são alguns elementos que temos discutido. Não são uma invenção, mas, sim, elementos que têm sido construídos por vários governos, de várias colorações, mas no sentido de fortalecermos uma polícia no Estado democrático de direito. Acho que o grande desafio que ainda temos no nosso País, nós vimos as imagens aqui, é que nem sempre as leis e o Estado democrático são as regras seguidas pelas instituições da força do Estado. Esse é o grande desafio que temos, para que possamos efetivamente reduzir os indicadores de violência do nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem. Agradeço ao Dr. Alberto pela sua exposição, que mostra que fizemos muito. Há bons exemplos, há muito por fazer, mas ele terminou citando também o mau exemplo, o que vimos aqui infelizmente. Claro que o Dr. Alberto vai ter a oportunidade de usar a palavra no momento adequado.
A Drª Rosa Maria comentava comigo que ficou impactada com o vídeo, fez um comentário sobre o vídeo, não usou todo o tempo, então tem agora direito a mais cinco minutos para suas considerações, com a devida tolerância da Mesa, a mesma que teve com o Dr. Alberto.
A SRª ROSA MARIA GROSS DE ALMEIDA - Repare, foi muito bom lhe ouvir, Alberto. Eu fico muito estarrecida não só com esse tipo de ação, mas também pela forma como nós, sociedade brasileira, temos tendência de normalizar esses dados, que são atrozes.
Na Secretaria de Direitos Humanos, mais especificamente na Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, nós temos, por exemplo, o PPCAAM,...
...promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes, nós temos, por exemplo, o Ppcaam, que é o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados. O Ppcaam, em 2008, fez uma parceria com o Observatório de Favelas, com a Unicef e com o Laboratório de Análise da Criminalidade do Rio de Janeiro e criaram um Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens. E como um dos objetivos desse programa é buscar construir conhecimento, fazer pesquisas da situação, criaram o Índice de Homicídios na Adolescência, o IHA. O IHA, em 2007, preconizava que, se as condições não mudassem, dos jovens que tinham 12 anos em 2006, 33 mil deles seriam mortos antes dos 19 anos. E seriam mortos, numa probabilidade seis vezes maior, por arma de fogo. E seriam mortos, doze vezes mais do que meninos, meninas. Desculpe, o contrário: doze vezes mais do que meninas, meninos. E seriam mortos quatro vezes mais negros do que brancos. E nas periferias. Então, nós tínhamos ali uma visão de onde isso ia acontecer, com quem e como. Então, um dos objetivos desse Programa de Redução da Violência Letal é exatamente construir esses dados.
Hoje, onze cidades são monitoradas por esse programa. Em 2010, muitos Municípios aderiram, e inclusive receberam planilhas que lhes permitissem acompanhar esses índices de uma forma muito rápida e que permitisse, portanto, incidir sobre eles também de uma forma rápida. Então, percebemos que essas ações se coadunam, essas ações vão na mesma direção.
E quando eu via esse índice de 33 mil jovens mortos num período de sete anos, eu ficava muito impressionada com a passividade nossa como sociedade. Eu também sou do Rio Grande do Sul e cresci ouvindo dizer que somos um povo pacífico. Nós não somos um povo pacífico, mas nós somos um povo passivo. Nós entendemos que a responsabilidade é sempre de outros. Nós queremos muito que o mundo mude, desde que não precisemos mudar. Nós queremos muito que as coisas aconteçam, mas colocamos a responsabilidade, de preferência, bem longe de nós. Nós somos passivos, por exemplo, em perceber... Eu tenho muito cuidado com a questão das propagandas. Há algum tempo, eu via uma propaganda na televisão que mostrava um rapaz chegando em um carro em uma festa. Na porta dessa festa, tinha uma moça e com ela conversavam dois rapazes. Quando esse terceiro chegou com o carro, aqueles dois rapazes que estavam conversando com ela diminuíram, transformaram-se em alguma coisa muito pequena e foram parar em uma lata de lixo. Lixo! Esse tipo de situação dentro da nossa sociedade induz a que uma criança e um jovem, vendo uma situação dessas, chega a que conclusão? -Se eu não tenho algumas coisas, se eu não pareço algumas coisas, eu sou o quê? Eu sou um lixo-.
Essas são as mesmas pessoas que se queixam, às vezes, muito da questão da violência, que acham que tem que colocar mais policial na rua, que têm uma visão para -resolver- - entre aspas - a questão da violência que é absolutamente simplificadora, que é absolutamente tendenciosa, virada para um lado só. Então, quando nós, sociedade brasileira, ouvimos que 33 mil jovens vão morrer, no período de sete anos, assassinados, e quando continuamos indiferentes, passivos diante disso, no máximo dizendo: -Oh, que horror!-, -Mas isso deve ser coisa lá- - como disse o Alberto - -do tráfico de drogas-. A gente ouve muito, até nas notícias, dizer: -Acerto de contas-. Acerto de contas explica tudo, não é?...
Acerto de contas explica tudo; acerto de contas minimiza o problema; e acerto de contas nos desresponsabiliza. E nós esquecemos que tipo de exemplo de sociedade nós estamos passando para as nossas crianças e os nossos jovens.
Outra coisa que me chama muito a atenção é como estamos ensinando às nossas crianças e jovens a resolverem os seus problemas. Tem uma pesquisa americana que tem mostrado que as crianças e jovens não são mais ensinados a resolver problemas. Assim é nos Estados Unidos, assim é aqui.
Onde os nossos jovens minimamente aprendem a resolver os seus problemas? Nos filmes, nos programas de televisão. E como é que eles aprendem? Eles aprendem que os problemas se resolvem pela eliminação. Naquele documentário americano -Tiros sobre Columbine-, na entrevista dos colegas dos meninos que mataram outros colegas e professores, era perguntado: -O que você acha que aconteceu?- E a resposta, em geral, era a mesma: -Eles tinham problemas com esses colegas. Eles tinha problemas com esses professores.- E problemas se resolvem pela eliminação.
Então, eu penso que existe uma questão muito importante aliada a todo esse esforço do governo na redução dos homicídios, mas que é um tema que diz respeito à sociedade como um todo, que é uma reflexão sobre qual é o nosso papel individual e coletivo na produção dessa violência. Eu tenho dito que, nesse tema, nenhum de nós, é inocente, seja por ações, seja por omissões. De alguma forma, todos nós temos a nossa parte na produção dessa violência. E eu penso que, se nós não fizermos esse olhar sobre nós mesmos, nós, sociedade brasileira, nós não vamos talvez conseguir muitas coisas. Nós vamos continuar produzindo muita violência, seja de que ordem for e vamos continuar vendo os nossos jovens morrerem.
Nessa pesquisa do IHRA de 2006 estava colocado: se as condições continuarem as mesmas. Então, eu fico com muita esperança de que, quando nós fizermos uma próxima pesquisa, nós possamos verificar que as condições mudaram e que, por isso, os índices mudaram, que nós conseguimos proteger essas crianças e adolescentes. Fiquei até muito privilegiada de poder falar depois da fala do Alberto porque me remeteu a esse tema que para nós, da Secretaria de Direitos Humanos é tão cara.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Meus cumprimentos a Drª Rosa.
Convidaria, agora, tanto o Alberto quanto a Drª Rosa a que se deslocassem aqui para a primeira fila, porque o debate vai continuar - claro que com a participação deles também - e convido também para a Mesa dois outros painelistas: Dr. Benito Augusto Galiani Tiezzi, Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Distrito Federal e o Dr. Arthur Trindade Maranhão Costa, sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Violência da UnB. Sejam bem-vindos.
De imediato, passamos a palavra ao Sr. Benito Augusto Galiani Tiezzi, Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Distrito Federal, que está aqui representando também o Sr. Carlos Eduardo Benito Jorge, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol).
O SR. BENITO AUGUSTO GALIANI TIEZZI - Bom dia, Senador. Bom dia, senhoras e senhores. Como o Senador disse, eu estou apenas representando o Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Policia, como participante, inclusive, da diretoria daquela associação.
Foi muito interessante a oitiva dos dois palestrantes que me antecederam, principalmente por trazerem à tona duas premissas que eu acho que devem nortear todo o mapa
as premissas que eu acho devem nortear todo o mapa não só da violência mas do combate à violência. Dr. Alberto falou sobre a prevenção, embora aqui nós, em hipótese alguma, nenhum viés corporativista; apenas despidos de qualquer sentimento de classe, vamos trazer a sensação como delegado de polícia e também como operador da segurança pública.
Bom, prevenção acho que é tudo. Nenhuma mãe quer ver o homicida identificado. Ela prefere que não haja o homicídio do seu filho. Então, nós partimos da premissa que a prevenção é o ponto principal.
A Drª Rosa também trouxe uma outra premissa muito interessante que fala do policial como garantidor do direito. A gente discute muito isso dentro da nova e moderna polícia que deve ser lançada e discutida. Aquela polícia repressora, aquela polícia de jogar no chão e trazer à tona a investigação por violência, isso está sendo rechaçado, é um modelo ultrapassado e a figura do delegado de polícia nesse sistema inicial de combate ao crime, que seria da própria atividade policial, é a figura do garantidor de direito, não só para que se combata o crime perpetrado, mas para que se evite o crime pelo próprio Estado, ou seja, a violência policial.
Então, nós batemos muito nessa tecla da valorização de um gestor da segurança pública como um garantidor do direito, para todos os lados. E que a prova dessa investigação não seja carreada para a condenação ou para a defesa. E sim a prova, naquele velho adágio, da busca da verdade real. É essa a roupagem que se pretende da polícia judiciária, como se fosse aquele primeiro juiz da causa, inclusive no próprio CPP, aprovado aqui nesta Casa, aqueles -suspeição e impedimento- trazidos à colação para o delegado de polícia.
Se falou aqui em estatísticas. Estatística é o que se espera sempre que a polícia traga; a polícia sempre vem com a estatística na mão. Nós não trazemos estatística aqui, até porque aqui não vale a pena levantar essa mazela, mas estatística é manipulável, absolutamente manipulável, depende da comparação de dados, depende do lançamento dos dados. Temos estatísticas de determinado Estado onde em -homicídio- aparece como delito -bala perdida-. Deveria ser -bala achada- e não perdida, porque matou alguém. Estatística é muito manipulável.
Então, nós preferimos trazer para cá a sensação da segurança pública e não estatísticas com relação à segurança pública.
Aí nós temos aqui o momento como policial. Como policial nós vamos retransmitir a sensação do delinquente, do infrator: simplesmente vale a pena delinquir. Sim. Hoje, o sistema, por várias causas, foi falado aqui que não deve ser atribuído a alguém. É muito fácil falar que a culpa é da polícia e é normalmente o que se fala: a violência é culpa da polícia. E se esquecem do governante, do Poder Judiciário, do Ministério Público e até do próprio Poder Legislativo. As causas que geram a violência têm que ser divididas por todos os atores desse cenário. A sensação que eu transmito do delinquente é de impunidade: posso delinquir que nada acontece, em especial naqueles delitos de menor monta. E quando falo dos delitos de menor monta, podem dizer: -Mas é um delito pequeno, temos que combater os homicídios.- Temos, sim, Dr. Alberto, muito. Mas não podemos esquecer da progressão criminosa: começa no pequeno delito, nada acontece; vai para um maior, nada acontece; até chegar ao crime que acaba ceifando a vida, seja ele um latrocínio, contra o patrimônio, seja pelo próprio homicídio.
Como policial, a situação está se tornando caótica, porque há um desestímulo na atividade policial, seja do policial militar, até o delegado de polícia. Prende-se, procede-se e, dias depois, repetem-se os mesmos atos contra aquele mesmo indivíduo. Não é só menor não, o maior também. Na realidade, todo o sistema tem levado quase que imediatamente à rua, devolvido quase que imediatamente à rua o delinquente.
...devolvido quase imediatamente à rua o deliquente, por vários fatores, desde o tratamento inicial brando até as benesses durante o cumprimento da pena.
Há pouco trato com relação à ressocialização, e, nesse trato, há aquela vontade de esvaziar o presídio. E, mesmo aqui, em Brasília, há casos em que o sujeito, no saidão, já assalta o taxista. Houve até uma situação grave em que um sujeito que desfrutava do benefício da saída natalina matou um casal, o pai e a mãe, e deixou uma criança no banco de trás do veículo.
O cidadão tem a absoluta sensação de insegurança. Aqui, somos privilegiados, temos uma condição muito boa de vida, podemos, inclusive, ter segurança privada, com cerca elétrica, porteiro. Mas, no meio do povo, a sensação de insegurança é absoluta, ao ponto de o pobre, ao sacar algum dinheiro, escondê-lo nas suas roupas íntimas, e é quase certo que ele não chegará à sua casa com o seu salário.
Essas são causas das sensações. Não são causas do crime. Vou falar de causas das sensações.
Aqui, sem viés corporativista, a Polícia Militar é fundamental na segurança pública, para prevenir, Dr. Alberto. A Polícia Militar tem de estar fardada, de forma ostensiva, para inibir a prática do delito. Está acontecendo hoje um absurdo! Até há um viés da própria Senasp nessa linha de ciclo completo. Não, gente, não é para reprimir! É para prevenir! A Polícia Militar tem de estar fardada, na rua. Se há um policial na rua, o cidadão tem, primeiro, a sensação de segurança, e o infrator é levado a pensar que ali será mais difícil a prática do crime, porque ele vê o policial.
Mas vem aí a saga da Polícia Militar, dos militares, no País todo, que se travestem de investigadores. Eles retiram suas fardas, deixam o crime ocorrer. Se eles estão homiziados, escondidos, o crime ocorre; depois, eles vão prender o criminoso. A sociedade não quer isso. A sociedade quer que não ocorra o crime. Se ocorrer o crime, aí, sim, vem a Polícia Judiciária, a polícia de repressão. Esta é a integração: evita-se o crime; ocorrido o crime, atua a outra Polícia. Isso deve ser feito até para que haja um sistema de freios e contrapesos.
Há uma faixa cinzenta? Sim. Qual é a faixa cinzenta? Aquele momento do crime e o dito flagrante impróprio, ainda no flagrare. Deve a Polícia Militar atuar? Deve! Está na situação de flagrante ainda, naquele desdobramento da conduta. Mas, encerrado isso, entra em atuação a Polícia Judiciária. Não se pode, sob o argumento de que é a inteligência da Polícia Militar, retirar a farda do policial, escondê-lo, para o crime ocorrer, e para, depois, prender. Não queremos isso. A sociedade não quer isso.
O Estado tem investido cada vez mais em contratações, e fica aquela coisa de um se sobrepor ao outro. Existem conflitos graves, senhores. Já houve até tiroteio aqui, no Distrito Federal, que é um quadradinho. Este é um oásis, graças a Deus! O Distrito Federal é um oásis dentro do País. Mas aqui há conflitos. A gente pode se deparar com um Fiat Uno com uma placa que nem vinculada é, com uma placa descaracterizada ou que não existe. Um policial civil que, velado, está em deslocamento e que se depara com um carro desse tipo com três indivíduos faz a abordagem, e dali sai tiro, e um não sabe quem é o outro. O policial, que deveria estar fardado, posicionando-se de forma ostensiva, para evitar o crime, está velado, para exercer um flagrante após o cometimento de um delito. Não é isso que queremos.
Nessa questão da sensação de insegurança, entra também o desestímulo do policial, o que causado pelo próprio salário. Esse é um fato sobre o qual nem é preciso discorrer mais.
Dentro dessa linha, houve um viés desse ciclo completo. Isso é um absurdo, é uma injuridicidade! Leva-se o cidadão que cometeu um pequeno delito para dentro de um quartel. Cartoriza-se a Polícia Militar. E se tem de cartorizar, porque, se houve...
...cartorizar a polícia militar porque tem que cartorizar, porque se houve a retenção da liberdade na rua e se levou para algum lugar tem que justificar, tem que escrever. Então leva para dentro do quartel, o militar da policia militar leva o cidadão tem que assinar o BO, o termo de ocorrência, porque senão vai ter que lavrar flagrante e não tem competência para isso, então tem que assinar ou assinar. Quer dizer, são inversões que vem ocorrendo, eu não sei preocupação de espaço, não sei qual é a finalidade que é o adágio... Vamos combater de pronto, vamos liberar rápido as partes. Não é isso, não é isso. Até a liberação rápida da parte tem sido um grave problema para a sensação de segurança.
Veja bem, 9099/95, Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas. Hoje, leva-se, conduz-se à delegacia - não estou nem falando de quartel, porque isso é um absurdo jurídico, lá no Rio Grande do Sul esta acontecendo isso. Isso é um absurdo jurídico. Não tem garantia nenhuma dos direitos do cidadão. É cubículo da viatura e quartel. O que é isso? A figura do garantidor do direito é o delegado, a análise jurídica daquela conduta e o trato correto dos seus direitos. Seja para quem for. Se houve abuso, tomam-se providências, se há que se imputar a conduta àquele cidadão detido que se impute. Porque senhores, a voz de prisão é dada lá na rua. Não é dada a voz de prisão na delegacia não. O senhor está na rua, na sua liberdade, no seu segundo direito mais tutelado que é a liberdade individual ela é ceifada quando você é conduzido à delegacia. Não é? Ou ao quartel da Policia Militar nesses casos esdrúxulos. Então há que se ter a figura do garantidor do direito.
Então na realidade essas inversões, essa cartorização da PM para lavrar o BO, lavrar o termo substanciado isso tudo é inversão de valor que traz a grave sensação de insegurança, por não se ter o policiamento ostensivo. É isso mesmo! Ostensivo na rua, para a população sentir que existe a presença da policia e o infrator sentir um pouco mais de dificuldades de atuar. Correto?
Ai vamos aqui vamos para outra sensação causada e, agora, esses dias - desculpe eu ficar citando aqui o DF, porque a gente tem mais contato - mas agora o próprio Ministério Público com esse lado de controle externo, passa a pinçar investigações em que dão manchetes para atuar. Olha, isso tem causado vários problemas. Primeiro, o procedimento instaurado de investigação criminal que não seja inquérito policial ele não tem controle - olha o que eu estou falando - inquérito policial... E o inquérito policial não vale nada. O inquérito policial hoje como investigação criminal é o único instrumento que tem controle. Por quê? Porque quando o delegado instaura, gera o início de um prazo para que ele conclua o feito. Certo? Nessa tramitação do inquérito ele vai para o Juiz, ai sim, o Juiz nesse momento ele aquele controle jurisdicional, embora, não o processo, mas inquérito. O Ministério Publico tem acesso aos autos... Quer dizer, está pelo menos três pessoas controlando, o Delegado, o sistema da policia, a Corregedoria, Juiz e Promotor. Outro instrumento não tem controle. Não me venham dizer que tem resolução - resolução não é lei -, o nosso controle é legal, por lei. Resolução se faz a hora que quer e tira, porque é dentro de um ambiente e dentro de um ambiente muitas vezes até corporativista.
Está dentro desse arvor pelo poder da investigação, está se tendo uma discussão hoje no Brasil terrível. Existem alguns membros do Ministério Público, trazendo à colação teses acadêmicas, no que se diz respeito a capacidade postulatória do Delegado de Polícia, onde essas teses tem favorecido somente à defesa. Desculpe somente ao infrator. Não se fala em defesa, somente em infrator. Teve um caso recente aqui no Distrito Federal que essas discussões acadêmicas acerca da capacidade postulatória, soltaram oito integrantes de uma quadrilha de furto, roubo e adulteração de veículos. Não é por ai. Volto a dizer: mais uma questão que influi na sensação de insegurança. Não estou dizendo que é causa e sim sensação.
Bom, Policia Judiciária. A Policia Judiciária não é e nem a Polícia Militar, instrumento de governante. Aquela cena, aquele filme que foi tratado aqui, aquilo é um instrumento de governante. Não é culpa da policia não. Ali a ordem - nós, tanto a Policia Judiciária quanto a Policia Militar nós trabalhamos dentro do sistema de hierarquia e disciplina. O chefe máximo da policia não é o diretor geral, nem o Comandante. É sim o Senhor Governador. Então impute ao político que determinou, seja que for, não falo nem de Estado aqui... O Senador Casagrande é um tremendo de um político, inclusive...
Senador Casagrande é um tremendo de um político, inclusive foi o relator do Código de Processo Penal, que, na sua aprovação, ficou muito interessante.
Na realidade, esse trato com a polícia é do governante - polícia judiciária. Não queremos que o governante imponha à polícia judiciária o fardamento e a atuação repressiva, nem vice-versa com a polícia militar. Há um desestímulo enorme no âmbito da polícia judiciária - enorme. Agora, recentemente - não sei se foi no Piauí, não me recordo -, houve uma história de que um governante estava estudando extinguir a polícia judiciária do Estado. Quer dizer, ele esquece até que existe a Constituição Federal. Se ele encaminhar uma minuta de um PEC e alguém quiser comprar essa ideia, pode ser. Mas, constitucionalmente, ele não pode fazer isso; ele pode, sim, fazer de outra forma: acabando com o investimento, eliminando a polícia pelo próprio investimento. Não se investe na formação do policial, e cobra-se do policial o tempo todo, do policial militar, do policial civil, do policial federal. Mas não se investe nele, principalmente na atividade de investigação criminal.
O senhor falou muito bem aqui. As pessoas, de vez em quando, assistem CSI e vêm aqui tratar do assunto de que tudo se resolve com a independência da perícia. Não; a perícia integra a polícia; não é por aí. Tudo se resolve com o bom trato com o operador da segurança pública. Está se preferindo pagar fortunas com a segurança privada e não se paga quem deve estar lá pelo Estado, garantindo, aí sim, o direito do cidadão, em todos os seus níveis. Invista-se no policial. Não se investe.
Há um desnivelamento salarial absurdo no País. Absurdo! Absurdo! Nós somos operadores do direito. Aí vou falar um pouquinho da figura do delegado. A figura do delegado de polícia como garantidor do direito e integrante do sistema que realiza justiça está achatado. O Estado de São Paulo, o Estado mais rico do País, é o que pior paga. Paga um salário miserável, que obriga, às vezes, aquele operador a ter outra fonte de renda. Deus queira que essa fonte de renda seja lícita, porque pode não ser lícita. Aí sim, pode virar uma bola de neve.
Há PECs aqui dentro que trazem um nivelamento salarial, mas se rechaça; parece que não interessa remunerar bem aquele que investiga. Que medo é esse? Aí trago aqui para o Poder Legislativo. Que medo é esse? Os instrumentos para repressão. Volto a dizer, prioridade: prevenção. Ocorreu o crime: instrumentos para repressão. Está lá o crime organizado, nós trabalhamos aqui dentro. O projeto aprovado no Senado está parado lá. Isso é instrumento, acesso a dados cadastrais. Que medo é esse? Na Câmara parou por conta disso; está parado por conta disso. Que medo é esse de acesso aos dados cadastrais?
Se os senhores forem à feira do rolo aqui, os senhores compram um CD com todos os seus dados. Que medo é esse de deixar que a polícia tenha acesso aos seus dados cadastrais? Dados fixos; não se trata de conversa telefônica, não é conteúdo de correspondência. São dados fixos, que todos têm. Aquele telemarketing que liga para você de manhã tem os seus dados cadastrais. Nós não conseguimos não sei por quê.
Na realidade, é necessário que se tragam para cá instrumentos da repressão. E mais: não é só isso, não. O senhor falou com relação a drogas. Realmente, é mais fácil falar: -É culpa da droga-. Não é culpa da droga, mas ela impulsiona demais a projeção no que diz respeito aos crimes, impulsiona demais.
Esse abrandamento da Lei nº 11.343, a antidrogas, trouxe problemas gravíssimos.
Somos absolutamente favoráveis ao tratamento do usuário. Acontece que temos um problema aqui neste País: a criatividade do nosso brasileiro. Temos três níveis: o usuário, o traficante para manutenção do tráfico e o traficante mesmo. Hoje só se prende o usuário e o segundo. Não se prende mais o grande. Por quê? O próprio traficante manipula a sua forma de agir para que sempre caia no uso ou no traficante de sustentação, de manutenção.
Então, temos que estudar isso com mais cautela. É fundamental o tratamento do usuário, mas não podemos banalizar a conduta. Hoje é absolutamente banalizada. É uma mazela. Mas nós ouvimos de todos os policiais: -Não vale nem a pena-. Por quê? É levar para a delegacia, fazer assinar o termo de compromisso e comparecimento, atravessar a pista e ele já se senta na mureta do outro lado, com a pedra de crack na mão, fumando o tal do crack. Então, temos que achar esse meio termo,
...temos que achar esse meio termo, esse equilíbrio.
Outra é a questão da maioridade idade penal. Ou seja, menor idade e maioridade penal. Nós temos que realmente tratar desse assunto. Ninguém aguenta mais esperar. A postura daquele que ainda não completou os 18 anos, perante a Lei, é brincadeira. Pode - e vou usar até um jargão policial - cair para dentro que não dá nada! É isso, a sensação dele para com o sistema legal nosso é este: pode cair para dentro que não dá nada. E aí mata, rouba, furta e etc.
Para encerrar, na realidade, nós não temos muito que falar. Acho que a condição de policial, na lida com a segurança pública, tem nos mostrado o seguinte: que o policial que continua no exercício da sua atividade - e não vou falar nem do Distrito Federal, mas do país todo - ele só é movido pelo altruísmo e amor à sua atividade profissional, porque se dependesse das condições que lhe são entregues para trabalhar, ele simplesmente teria abandonado, há muito tempo, a condição de policial.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem.
Ouvimos aqui o Sr. Benito Augusto Galiani Tiezzi, que colocou aqui o seu ponto de vista, como Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do DF, mas representando o Sr. Carlos Eduardo Benito Jorge, Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil. E fala com muita tranquilidade, num linguajar bem fácil, e sei que a população que está assistindo a TV Senado entendeu a sua mensagem.
Passamos, de imediato, a palavra ao Dr. Arthur Trindade Maranhão Costa. É sociólogo; Coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Violência, da UnB.
O SR. ARTHUR TRINDADE MARANHÃO COSTA - Bom-dia a todos e a todas!
Quero cumprimentar o Senador Paim pela iniciativa de discutir esse tema na Comissão de Direitos Humanos. E, diga-se de passagem, o tema da violência e dos homicídios, via de regra, tem sido discutido em outros espaços, mas é certamente na Comissão de Direitos Humanos o espaço mais adequado - e vou tentar explicar por que eu acho isso.
Mas, eu gostaria de dizer, também, que vou fazer uma apresentação, espero que seja breve, mas que vocês tomem essa minha apresentação com um viés totalmente corporativista; ao contrário do doutor que me antecedeu, eu tenho um viés corporativista, pois estou falando do ponto de vista da Universidade e das pesquisas que eu faço.
Bom, eu acho que o grande desafio hoje na área de segurança pública é a redução da taxa de homicídios. O Dr. Alberto, que estava aqui na Mesa, antes de mim, e a Drª Rosa já falaram disso, mas é pouco... O que nos impressiona no Brasil, nos últimos 20 anos, 30 anos é este número assustador de homicídios: 50 mil homicídios dolosos por ano; e se somarmos mais outras 50 mil mortes violentas no trânsito, nós teremos quase 100 mil, dependendo do ano, ou um pouco mais de 100 mil mortes violentas por ano. Ou seja, um tsunami por ano.
Na minha visão, certamente, esse é o maior desafio da segurança pública de hoje.
Agora, é curioso pensar: por que até hoje, 30 anos já se passaram, com tanta discussão sobre isso, o tema dos homicídios e da violência já é um tema que faz parte do discurso da mídia, já é um tema que faz parte do discurso eleitoral, das campanhas eleitorais, mas até hoje a gente não conseguiu avançar muito além daí? Talvez porque a gente constate, de forma geral, que são os bairros mais pobres, com deficiências de serviços públicos, precária infraestrutura etc., os mais atingidos pela violência, pelos homicídios.
Constatamos que são os homens, jovens e negros, os mais vitimados, mas é também esse grupo o que concentra o maior número de agressores.
Talvez, por isso, falar de homicídios seja um tema com grande apelo político-eleitoral, mas na hora da política pública acontecer, da escolha das prioridades,...





... político-eleitoral, mas na hora da política pública acontecer, da escolha, das prioridades de governo, os homicídios acabam ficando de lado, tendo uma prioridade secundária, porque homicídio fundamentalmente atinge a população pobre deste País; pobre e negra. Por isso que eu acho que esta Comissão tem o papel fundamental de fazer com que governos estaduais, municipais e Governo Federal - que agora está com uma iniciativa muito interessante nessa área -, de fato, encarem de frente a questão dos homicídios.
Bom, para fazer um breve relato, nós sabemos que a violência tem feito parte da história, do cotidiano dos cidadãos brasileiros, especialmente daqueles grupos mais -desempoderados-, menos privilegiados, como as mulheres, as crianças, os jovens, os idosos, os grupos étnicos, os negros, os trabalhadores rurais e homossexuais. Isso sempre foi assim no Brasil. O que chama atenção nas últimas duas, três décadas é o crescimento da mortalidade por homicídios e da criminalidade nas áreas urbanas. Talvez a gente possa, para pensar o problema e as políticas, descrever analiticamente três grandes tendências: o aumento dos crimes contra o patrimônio - especialmente roubos, furtos, extorsão mediante sequestro -, novas dinâmicas da criminalidade organizada e o aumento dos conflitos intersubjetivos violentos.
Sobre os crimes contra o patrimônio, é interessante notar que, embora tenha aumentado o número de roubos e furtos à residência, é o comércio o principal alvo dos crimes contra o patrimônio. Também sabemos, as pesquisas mostram, que os crimes contra o patrimônio não se distribuem de maneira homogênea no espaço urbano; ao contrário, existe uma concentração espacial desse tipo de crime, obviamente influenciada pelas condições socioeconômicas e demográficas das áreas urbanas. Resumindo, alguns locais concentram uma enorme proporção de crimes contra o patrimônio.
Em função do aumento da criminalidade contra o patrimônio, alguns grupos, os grupos mais atingidos, têm adotado estratégias, têm adotado dinâmicas para lidar com o problema. As estratégias fundamentalmente dizem respeito, primeiro, ao aumento das demandas locais sobre as instituições policiais. Demandas locais: associação de comerciantes do bairro procuram o comandante da polícia militar, o delegado, enfim, e pressionam para mais policiamento ali. Cobrança por contratação de maiores efetivos policiais. Adoção de programas especiais de policiamento em áreas comerciais e em áreas residenciais. Crescimento e sofisticação do sistema de vigilância privada, a despeito da precária condição que o Estado brasileiro tem de fiscalização dessas firmas de vigilância privada e surgimento de novos padrões de moradia, condomínios verticais, condomínios horizontais. Isso é uma realidade em quase todas as médias e grandes cidades brasileiras. Tudo isso diz respeito aos problemas, à sensação de insegurança causada pelo aumento dos crimes contra o patrimônio.
Agora é importante notar que as áreas comerciais dos bairros de classe alta e classe média não são as únicas áreas afetadas por esse tipo de criminalidade. Ao contrário, outras regiões menos nobres, bairros pobres, também concentram grande número de crimes contra o patrimônio. As vítimas são principalmente pequenos comerciantes: donos de bares, açougues, padarias. Esses pequenos comerciantes, e nesses bairros pobres que concentram grande número de crimes contra o patrimônio, os moradores desses lugares não têm facilidade de cobrar da polícia um tratamento diferenciado, a lotação de maiores efetivos naquelas áreas ou contratação de sofisticados sistemas de segurança privada.
...maiores efetivos naquelas áreas ou contratação de sofisticados sistemas de segurança privada. Nessas áreas, são frequentes os relatos sobre a atuação de grupos de extermínio e de justiceiros. Aqui, por exemplo, recentemente, a imprensa de Goiás noticiou a atuação de um grupo de extermínio no Município de Formosa. Bom, isso acontece em vários lugares. O Entorno do DF tem se notabilizado pela atuação desses grupos. Os grupos de justiceiros atuam à margem da lei. Frequentemente, são integrados por policiais e contam, via de regra, com o apoio financeiro de comerciantes.
É uma dinâmica, é um fenômeno sociológico. Os estudos sobre isso são estudos sobre vigilantismo. Não acontecem só no Brasil, acontecem em vários outros países: Estados Unidos, França, Inglaterra... Mas é uma dinâmica, está ligada aos crimes contra o patrimônio.
O interessante, para prosseguir, é notar que, apesar dos prejuízos grandes e do medo que a criminalidade contra o patrimônio gera, os latrocínios respondem por menos de 8% das mortes violentas no Brasil. Eu queria chamar a atenção para isso, porque boa parte das políticas de segurança pública em curso no Brasil hoje são políticas voltadas para a criminalidade contra o patrimônio. O que é um problema, de fato. É um grande problema de impacto econômico, de impacto social, não há dúvida, mas se fôssemos pensar em homicídios, os latrocínios respondem por menos de 8% das mortes violentas no Brasil. No DF, respondem por 6%.
Outra tendência observada nas últimas décadas é o surgimento de novas dinâmicas do crime organizado. Obviamente, o crime organizado não surgiu nas últimas duas décadas. Ele sempre existiu. Mas nesse período há novidades com relação ao crime organizado. Embora seja um importante setor da economia global, por exemplo, o tráfico de drogas opera a partir de organizações criminosas fundadas em bases locais e étnicas, nas quais os aspectos culturais desempenham um papel fundamental. Resumindo, a despeito de fazer parte de uma economia global, a atuação dos grupos de narcotráfico é uma atuação que só pode ser compreendida na análise da dinâmica daquele bairro, daquele grupo social, daquelas condições sociais.
No caso brasileiro, podemos perceber, nos últimos anos, a melhoria da capacidade de coordenação e articulação das diferentes facções criminosas. Essa é a grande novidade do Brasil. Não é o tráfico de drogas, é a melhoria da capacidade de coordenar e articular ações nesses grupos. E isso se deve em parte às características do sistema penitenciário brasileiro. E aí é curioso, uma das demandas feitas ao sistema de justiça criminal é aumentar seu caráter punitivo. A prisão maciça de pequenos traficantes tem tornado ainda mais caótico nosso sistema penitenciário, o que só agrava a situação do tráfico de drogas. Essa ideia de repressão, prendendo pequenos traficantes, os aviões, só agrava o sistema penitenciário e agrava a situação do tráfico de drogas. Eu não acho que seja a melhor solução, o melhor caminho, esse encarceramento em massa, tanto do ponto de vista pragmático quanto do ponto de vista dos direitos humanos. Eu estou falando só do ponto de vista da ação mesmo.
Bom, entre os efeitos desse tipo de crime organizado, sabemos que o crime organizado não afeta e não desafia apenas as autoridades estatais. Afeta fundamentalmente os bairros. Os bairros pobres. A boca de fumo, que é a expressão mais...
fundamentalmente os bairros, os bairros pobres. A boca de fumo, que é a expressão mais conhecida dessa atividade, veio a deteriorar ainda mais o frágil tecido social desses lugares. A atuação dessas quadrilhas alterou profundamente toda uma rede de sociabilidades locais, que vão das famílias aos blocos de samba.
Entretanto, os estudos apontam que de fato há um elevado número de mortes associadas ao tráfico de drogas. Essas mortes resultam, fundamentalmente, de duas ações: os conflitos entre diferentes grupos, conflitos por domínio territorial, e os acertos de contas.
Uma terceira tendência que se refere aos homicídios eu chamo de violência intersubjetiva. A literatura sobre o assunto chama de violência intersubjetiva. Esse tipo de violência faz parte, historicamente, do cotidiano dos brasileiros. Trata-se de conflitos entre pessoas conhecidas, cujo resultado muitas vezes é a morte de uma das partes. São situações que compreendem conflitos entre cônjuges, parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. Resultam de conflitos cotidianos, nos quais essas pessoas envolvidas são incapazes, às vezes, de administrar esses conflitos de forma a não produzir aquelas mortes. São conflitos e violências que freqüentemente autoridades policiais, autoridades políticas se referem como conflitos e mortes banais. Porque, de fato, é uma briga entre vizinhos, era o cachorro que estava latindo, é uma briga entre colegas de trabalho, enfim, esses conflitos têm sido descritos pelas autoridades brasileiras como mortes e conflitos banais. Entretanto, dessas três tendências descritas, a violência intersubjetiva - a essa que estou me referindo -, é a mais dramática e a que tem recebido menos atenção das autoridades brasileiras.
Estudos realizados aqui no DF - eu realizei dois -, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Porto Alegre, em Recife mostram que nessas cidades o número de homicídios resultantes desses conflitos banais responde por 50 a 70% do total de homicídios. São as mortes banais, Senador.
Bom, dito isso, vou pedir um pouco de paciência dos senhores, esse é o cenário dos homicídios, e há muito o que se falar sobre isso. Então, que tipo de política a gente está privilegiando? A gente está privilegiando práticas alternativas de resolução de conflitos? A gente está privilegiando contratação de efetivos policiais para policiar melhor as áreas comerciais? Pois isso também é importante. A gente está privilegiando um combate ao narcotráfico, visando acabar com o tráfico de drogas, sabendo que nenhum país do mundo conseguiu de fato acabar com o tráfico de drogas, mas que alguns países conseguiram acabar de fato com as mortes resultantes do tráfico de drogas ou diminuir radicalmente. Que tipo de política a gente está pensando?
Bom, no Brasil de hoje - e aí há um dado muito importante -, a despeito do aumento do efetivo policial nos últimos 15 anos, a despeito do aumento dos investimentos e dos gastos em segurança pública nos últimos 15 anos, gastos que dizem respeito ao Fundo Nacional de Segurança Pública, gastos que dizem respeito ao Pronasci, mais recentemente, mas gastos que dizem respeito aos gastos estaduais e municipais em segurança pública, a despeito disso tudo, nos últimos 10 anos a taxa de homicídios no Brasil aumentou em todas as Unidades da Federação brasileira, a exceção de quatro. Então, trago aqui um mapinha, só para apensar. Em algumas Unidades a taxa aumentou muito. Goiás, por exemplo, aumentou nos últimos 6, 7 anos, 30%
Goiás, por exemplo, aumentou, nos últimos seis, sete anos, 30% o número de homicídios. Santa Catarina, 63%. E assim por diante. Aumentou em todas as unidades da federação, com exceção de quatro: Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Nas outras, a taxa de homicídio aumentou.
Talvez por isso o Dr. Alberto tenha dito que no Sudeste caiu. Caiu, caiu em São Paulo e em Minas. No Nordeste tem aumentado; aumentou em quase todos os Estados à exceção de Pernambuco. E no Rio caiu também. Minas Gerais e São Paulo apresentam as maiores quedas. São Paulo, nos últimos dez anos, a queda é superior a 70%. Eu acho que a gente não precisa ir aos Estados Unidos; eu estudei por um bom tempo a questão norte-americana, a questão nova-iorquina, que sempre chamou muita atenção. A gente não precisa ir a Bogotá. São Paulo apresenta uma queda de 70%; Minas apresenta uma queda de 55%; Pernambuco, com os dados do ano passado, apresentou uma queda extraordinária, em quatro anos, de quase 40%; e o Rio apresenta uma queda de 17%, a menor de todas, mas é uma queda importante. Nos outros Estados os homicídios têm aumentado.
Vamos pensar - e peço a paciência de vocês - sobre essas quatro experiências e o que elas podem nos ensinar e o que a gente pode aprender sobre isso. Antes é importante entender uma coisa: a violência é um fenômeno complexo, polissêmico e de várias formas e causas. Resumindo: ele é polissêmico. Alguns comportamentos que são vistos como violentos numa sociedade não são vistos como violentos em outra. Tem uma dimensão cultural: isso aqui é violência no Brasil, mas ali no outro país não é. Isso é violência hoje no Brasil, e ontem não era.
Eu gosto sempre de citar o exemplo do assédio sexual. Na década de 50 um chefe elogiar o vestido da funcionária e convidá-la para sair era conhecido como um chefe namorador, galanteador. Hoje, isso é assédio sexual, ele está usando do seu poder para constranger a moça. A violência, então, mudou.
Mas ela tem várias causas também. E exatamente por isso, dessas várias causas e vários significados, há uma tendência nos últimos anos e nas últimas décadas de abandonar de certa forma o entendimento de quais são exatamente as causas daquele comportamento - porque são vários comportamentos -, mas passar a tratar a violência, principalmente os homicídios, a partir da análise dos principais grupos de risco, das principais situações de risco e das principais áreas de risco. Resumindo: nos últimos 20 anos, os homicídios, no mundo todo, passaram a ser tratados exatamente como os profissionais da área de saúde tratam as epidemias. O Dr. Alberto chamou a atenção e isso de fato sempre chama a atenção. Na área de epidemiologia, é assim que se trata: quais são os grupos, quais são as áreas e quais são as situações de risco. E ali é que a gente vai atuar.
Voltando aos quatro Estados, o que nós temos a aprender? Bastante. A primeira coisa que a gente tem que aprender - e aí eu falo do ponto de vista da universidade, e me sinto muito mais livre porque eu não pertenço a nenhum governo - e o curioso é que hoje, em todos os governos, há um viés ideológico quando se trata disso. Dependendo da bandeira política do governante ou dos assessores desse governante, destaca-se, por exemplo, o caso de São Paulo e se esquece de falar que também em Pernambuco caiu. Ou o contrário, dependendo da bandeira política, se diz: -Pernambuco é o grande exemplo do Brasil.-
E é curioso é que os quatro Estados
É claro! É curioso que são quatro Estados, dois dos quais são governados por partidos de oposição ao atual Governo. Então, nos dois casos, há sucesso.
O caso de São Paulo é interessante, primeiro, pela proporção da queda, que é extraordinariamente grande. Hoje, na capital de São Paulo, há menos de dez homicídios por cem mil habitantes. É uma grande metrópole, que, hoje, apresenta taxas de homicídio inferiores às taxas de Chicago, de Los Angeles e de Detroit. Isso é interessante. Mas, em São Paulo, chamam-nos a atenção outros aspectos. O Estado de São Paulo, certamente, é o Estado onde o maior número de Municípios passou a se ocupar do tema -homicídios- há mais tempo. No Rio Grande do Sul, em Canoas, há casos; em Minas, há outros casos, mas São Paulo concentra a maior proporção de Municípios com políticas efetivas para homicídios. Isso é interessante. Há algo que discutimos muito pouco: a municipalização da segurança pública, o papel do Município nessa questão. São Paulo é um grande exemplo disso, bem como Minas. Mas, em São Paulo, isso ocorre muito mais do que em Minas em termos proporcionais.
O Estado de Minas nos chama a atenção. Obviamente, em São Paulo, não há só municipalização; também há reformas importantes no aparato policial, na credibilidade do aparato policial, no controle da violência policial. Nesses aspectos, caminhou-se bastante, apesar de que muito ainda precisa ser feito no que diz respeito à violência da polícia. Minas Gerais é um exemplo interessante, que eu queria destacar: é o Estado da Federação brasileira onde há mais tempo existe uma parceria, uma integração e uma grande interação entre Estado, Polícia e universidade. Há um trabalho feito pelos colegas da UFMG e da Fundação João Pinheiro há mais de quinze anos. Eles começaram a discutir e a criar estatísticas mais confiáveis sobre os bairros, criaram sistemas de monitoramento e políticas específicas para cada bairro. Esse é o caso de Minas Gerais.
A política do Rio de Janeiro, talvez, seja a mais conhecida no Brasil hoje, por causa das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Embora, de acordo com as estatísticas, os homicídios tenham caído bastante na capital do Rio de Janeiro, tem aumento o número de homicídios em algumas cidades, principalmente, da Região dos Lagos e em São Gonçalo. Também sabemos que os lugares mais afetados pelos homicídios no Rio de Janeiro não são os lugares que concentram maior número de UPPs. Setenta por cento dos homicídios no Rio de Janeiro concentram-se na zona oeste, que é menos nobre e que tem menos visibilidade; portanto, há menos interesse em se tratar disso. O Rio de Janeiro traz essa questão.
O caso do Rio de Janeiro é interessante - depois, vou falar um pouco de Pernambuco -, porque, durante quatro anos, o Rio de Janeiro priorizou um tipo de política de segurança pública de enfrentamento, em que a Polícia subia o morro, enfrentando o narcotráfico. Isso gerou - a Drª Rosa deve saber disto muito melhor do que eu -, durante quatro anos, mais de 1,5 mil mortes de civis em confronto com as forças policiais nos autos de resistência. Esse é um número absurdamente alto até para padrões brasileiros, para não falar em padrões norte-americanos ou europeus. Exatamente nesse período de quatro anos em que o Rio de Janeiro enfatizou uma política de enfrentamento, os homicídios caíam consistentemente em Minas Gerais e em São Paulo. A partir do momento em que essa política de enfrentamento não foi abandonada de todo, mas foi perdendo a centralidade, as taxas de homicídios no Rio caíram. As UPPs são uma boa novidade, a despeito de não terem reduzido tanto os homicídios como ocorreu em Minas, em São Paulo e em Pernambuco. Mas, de fato, a possibilidade de o cidadão...
... a despeito de terem reduzido, não tanto os homicídios como em Minas, São Paulo e Pernambuco mas de fato a possibilidade do cidadão poder andar nas ruas de seu bairro com mais tranqüilidade sem ser objeto sujeito de ameaças e constrangimentos quase que cotidianos, é algo digno de nota. E a possibilidade no futuro, que ainda não acontece da policia passar a tomar medidas e políticas para lidar com aquela violência interpessoal entre vizinhos, dentro de casa que ainda não faz mas agora a presença da policia nesses bairros já permite pensar políticas desse tipo.
E Pernambuco, é o último exemplo, que é extraordinário porque, em Pernambuco foi lançado no primeiro ano do primeiro mandato do atual Governo Eduardo Campos, é pacto pela vida. É um programa que previa uma articulação enorme entre vários municípios e várias instancias do Estado para lhe dar com a taxa de homicídios. O pacto pela vida teve muita dificuldade de sair do papel nos dois, três primeiros anos. A dificuldade de articular a atuação das prefeituras com os diferentes órgãos do governo estadual, governo federal e do judiciário impediam o pacto pela vida de caminhar. A partir de uma reformulação muito importante que aconteceu no terceiro ano do funcionamento dessa política pacto pela vida, introduziu-se lá um sistema de gerenciamento e de articulação fundamentalmente das forças policiais. Sistema esse que é o governador que está a frente disso e cobra, enfim. Resumindo, em Pernambuco a despeito do pacto pela vida, a idéia original era uma política de preventiva maciça, o que tem funcionado em Pernambuco hoje é uma política repressiva. Repressiva porque ela está fundada não apenas, mas essencialmente na atuação das polícias. Mas é uma atuação qualificada, não é uma situação necessariamente violenta ou atentatório aos direitos humanos, mas é a atuação das polícias.
Isso nos leva a alguns questionamentos, e eu agradeço a paciência dos senhores e senhoras, mas nos leva a alguns questionamentos com os quais eu gostaria de concluir aqui a minha fala. Tradicionalmente no Brasil fala-se muito dos homicídios, pouco se faz. E quando se fala, quase que via de regra, aparece uma clivagem entre políticas repressivas e políticas preventivas. As políticas preventivas normalmente associadas a políticas de maior impacto social, políticas mais interessantes. E as políticas repressivas normalmente associadas a grupos conservadores, a interesse de grupos particulares e muito poderosos.
O que a gente verifica é que, em primeiro lugar, independente do tipo de política a redução da taxa de homicídios tem um impacto social enorme e é ao meu ver, deveria ser prioridade no Brasil. Reduzir os homicídios não é possível apenas com políticas repressivas, mas não é possível reduzir os homicídios apenas com políticas preventivas também. É preciso ter os dois tipos de políticas. Em Pernambuco a política é repressiva hoje, o Governador tem admitido isso, os seus assessores, mas é uma repressão qualificada. Não é aquela repressão que mencionei aqui do Rio de Janeiro, pré opp, que é a repressão da Policia subindo o morro, trocando tiros e matando 1.500 pessoas por ano, boa parte delas provavelmente sem nenhuma relação com o narcotráfico ou com relação muito periférica. É uma política muito repressiva, mas repressiva, com respeito aos direitos humanos.
Ocorre que Pernambuco tinha 80 homicídios por 100 mil habitantes, reduziu para 40. Acho pouco provável que consiga...
Ocorre que Pernambuco tinha 80 homicídios por 100 mil habitantes e reduziu para 40. Acho pouco provável que consiga reduzir para menos de 10 sem uma política preventiva adequada. Mas, na situação daquele momento, é uma grande novidade você salvar vidas. No caso de Pernambuco, essa política salvou mais de duas mil vidas nos últimos quatro anos.
Enfim, peço desculpas; sei que me alonguei bastante, mas é porque queria trazer essa ideia. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - A Presidência agradece ao Dr. Arthur Trindade Maranhão Costa.
O senhor ficou dentro do tempo dos outros, porque fui também tolerante com os outros.
Agradeço ao Dr. Benito e ao Dr. Arthur, peço que retornem à primeira fila e chamo, neste momento, a Srª Ângela Alano, assessora da Diretoria da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul - Leme, e também o Marsal Branco, coordenador do Curso de Jogos Digitais da Universidade Feevale. Vi essa experiência quando lá estive. É uma experiência muito interessante de como trabalhar pela Internet, interagindo com a nossa juventude no combate à violência.
E chamo também para a Mesa a Drª Sandra Bacara, psicóloga.
Como é a última Mesa, os três farão aqui a sua exposição e, depois, nós vamos interagir com todos os convidados. Todos terão direito a falar novamente e, se houver algum questionamento entre os senhores, poderão fazer; se não, usarão o seu tempo para as considerações finais.
Passo, de imediato, a palavra à Srª Ângela Alano, assessora da Leme - Lesados Medulares do Rio Grande do Sul.
A SRª ÂGELA ALANO - Bom dia. Agradeço em nome da Leme e da Feevale, que é participante executora desse projeto que nós queremos trazer para os senhores. Na verdade, ele entra na linha da prevenção.
Como a proposta desta audiência pública trata de questões como soluções e desafios, nós, ao longo destes últimos meses, estamos trabalhando com muito afinco justamente num projeto que está, por ora, ainda como um projeto, visando trabalhar a questão da prevenção.
Como todas as questões aqui levantadas e cada um dos senhores e senhoras que apresentaram têm o seu embasamento legal e justo, nós, de nossa parte, podemos dizer que o nosso foco é exatamente todos esses que são os protagonistas dessas questões levantadas, que são os seres humanos. E nenhum deles, em momento algum, deixa de ser criança antes de ser adulto. E nessa fase, em que todos eles estão caminhando para fazer as escolhas, para fazer a definição de caráter, de índole, de atitude, de escolhas para a sua vida, eles precisam, sim, ter um caminho. Esse caminho passa por uma educação, por uma situação tanto familiar quanto escolar. Aqui estamos com esse foco, e o projeto que os senhores poderão visualizar busca justamente o trabalho dentro das escolas. Esse projeto tem um embasamento de ser um projeto piloto, justamente para nos habilitar ao longo dele, e ir adequando-se para ser implantado em outros locais.
A Leme é uma associação de lesados medulares do Estado do Rio Grande do Sul e, por essa razão, pela inconformidade, surgiu esse projeto justamente porque nós escutamos muito mais pessoas que tiveram algum tipo de ruptura na sua vida, seja por uma questão de álcool, arma de fogo, mergulho em águas onde não tinham a noção da profundidade e, principalmente e infelizmente, a questão do trânsito, que ceifa vidas e causa sequelas significativas nessas pessoas. E todos eles, depois que isso tudo se estabeleceu, trouxeram como relato que queriam ter tido a oportunidade, assim como todos nós diríamos igual, de rever o que fizeram e poder fazer de outra forma
...acho que diríamos igual, de rever o que fizeram e poder fazer de outra forma.
Então, nessa caminhada e nessa inconformidade, esse projeto surgiu. E, a partir disso, foram buscadas as parcerias. E nesse ato, a Feevale, que é a Universidade instalada em Novo Hamburgo, se tornou nossa parceira executora desse projeto que vocês vão tomar ciência de uma forma fantástica, porque traz, nesse trabalho de prevenção, uma característica bastante diferenciada: esse projeto tem como único foco priorizar vida pela vida de todos.
Muito aqui se falou - principalmente o Dr. Benito, que falou tanto na prevenção, que é tudo; o próprio Dr. Alberto trouxe também o cuidado da vida, que é fundamental; e a Drª Rosa também fez menção a tudo isso -, que o nosso foco é salvar vidas, estimulando no indivíduo a vinculação com a vida, a partir da relação consigo, com o outro e com o meio. É só através disso que a gente entende que, de fato, nós vamos poder fazer com que eles, através da educação biocêntrica, que tem uma característica bastante diferenciada, tenham respeito à vida como centro e ponto de partida de todas as atividades curriculares, sendo colocada nas escolas.
A educação biocêntrica é a base de todo esse... é o pano de fundo desse projeto. A partir daí nós temos objetivos gerais, que são: promover o cuidado com a vida, resgatando a ética e o zelo por si e pelo outro, ensinando a todos eles olharem uns aos outros; promover o cuidado com a vida, resgatando o zelo por si e pelo outro - como eu disse -, cujo objetivo específico é capacitar adolescentes como agentes multiplicadores, através da criação de espaços pedagógicos.
Resultados esperados que, no caso, seriam a prevenção e a ação efetiva pela vida: a conscientização; mudança de atitudes; a promoção da vida saudável; e a diminuição da violência.
O foco desse trabalho está associado às crianças e adolescentes de 12 a 16 anos. É sabido que a partir dos 12 anos, toda criança começa a ter uma consciência maior quanto a sua atenção e, principalmente, a sua responsabilidade. Então é por isso que o foco começa ali.
Nós criamos, dentro desse escopo do projeto, dois laboratórios que serão colocados em 20 cidades; são 20 cidades selecionadas dentro do Estado do Rio Grande do Sul, neste formato aqui trazido para os senhores. Ele prevê que seja implantado no Rio Grande do Sul, mas a ideia é atravessar a divisa e poder estender. E dessas 20 cidades selecionadas pelo seu grau de violência, que já estão mapeadas, nós selecionamos três escolas da rede pública e privada, totalizando nesse projeto 60 escolas, que atenderão 1.800 adolescentes, porque dentro dessas 60 escolas, 30 alunos serão pinçados, daquela comunidade escolar, para serem trabalhados. Esses 30 alunos serão selecionados e definidos pela direção da escola, por eles terem perfil de liderança, dentro daquela comunidade escolar. Esses 30 alunos serão atendidos individualmente em oficinas que nós vamos... Aqui a gente também traz o número de atendimentos indiretos: seriam 7.200, multiplicando-se pelos 1.800 adolescentes trabalhados, que vão interagir com os outros dentro da sua escola.
Nesse trabalho...,






... Nesse trabalho, a gente prevê laboratórios de vivências e tem, em sua formatação, uma oficina de sensibilização. Nessas oficinas de sensibilização, eles vão fazer toda uma interação, em que se tira deles mobilidade, audição, visão, para que eles possam sentir o que é ter algum tipo de ruptura na sua vida. Também a apresentação dos números de violência que, naquelas comunidades escolares, serão feitas por eles mesmos, através de um relatório que vamos lá deixar estabelecido. O material audiovisual também faz parte desse laboratório de vivência, em que eles vão ter depoimento de pessoas adolescentes que tiveram algum tipo de ruptura. Esse material audiovisual os leva, depois, a interagirem com um game.
O importante também é que vamos, a partir daí, deixar instalado, na escola, um observatório de violência. Esse observatório de violência nada mais é do que, após essas trinta lideranças na comunidade escolar terem sido trabalhadas, uma sistematização de dados e o mapeamento de violência daquela comunidade escolar. Isso vai estar conectado a uma sistematização de dados e ao mapeamento dessas violências. Vai haver um formulário próprio para esses registros, que demonstra todos os tipos de situação que podem acontecer dentro de uma comunidade escolar, seja o bullying, que infelizmente temos tanto, o uso de substâncias diversas nas escolas, que também é muito corriqueiro, e até fatores como mortes externas. Tudo isso vamos poder mapear.
Então, esses alunos se tornam agentes multiplicadores e transformadores dentro dessas escolas, porque vão fazer o exercício de olhar para o outro, observar aquele grupo escolar, e fazer com que esses dados sejam transmitidos para um mapeamento, através de um site, que vamos criar, e de um blog. Ou seja, eles vão interagir em uma rede social a partir dessa sistematização de dados.
Mas esse trabalho todo também visa ao convite desses jovens e também podermos trabalhar com os pais deles, pois prevê o trabalho com os pais, com os alunos e com os professores afetos. Eles serão convidados a uma interação com um game, que é uma ferramenta completar. É aí que entra a Universidade Feevale, através do Curso Superior de Jogos Digitais, que é, de fato, a ferramenta com a qual todos eles se identificam, como também interagem com grande habilidade e que torna o trabalho totalmente diferenciado.
Por essa razão, o professor Marsal Branco agora faz a explanação do jogo em si, como ele vai funcionar dentro do projeto.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - A Presidência agradece a Drª Ângela Alano, assessora da Diretoria da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul. Seria bom explicar, rapidamente, qual é o objetivo da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul. Só uma síntese, no seu tempo ainda.
A SRª ÂNGELA ALANO - A Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul existe há oito anos. Atendemos, justamente, as pessoas que tiveram algum tipo de sequela de lesão medular, seja paraplégico ou tetraplégico. Nossa sede está instalada na cidade de Novo Hamburgo, região metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul.
paraplégicos ou tetraplégicos, e estamos instalados, ou seja, a nossa sede é na cidade de Novo Hamburgo, na região metropolitana do Estado do Rio Grande do Sul.
Hoje atendemos a uma média/dia de 100 a 150 pessoas. E esse trabalho é feito de socialização deles, de atendimento, acima de tudo, fisioterápico e de inclusão deles, socializando-os e trazendo-lhes a oportunidade de voltarem a ter uma atividade profissional, porque a grande maioria deles são homens. A faixa etária que mais atinge essas pessoas oscila de 10 a 29 anos. As rupturas infelizmente acontecem bastante nessa faixa etária.
E ainda um dado que é bastante alarmante. Vocês até então apresentaram dados sobre a questão de homicídios e das violências de um modo geral, mas também é importante que se veja um outro tipo de violência que faz com que essas pessoas tenham uma vida diferente depois dessa ruptura. Então, de cada 10 jovens - e se diz -jovens-, porque esses são mais afoitos e têm a possibilidade de estarem numa cachoeira, num rio e de fazerem aquele mergulho no escuro, normalmente incentivados por amigos; esses os incentivam a que se joguem, a que se vão -, de cada 10 que fazem esse ato de coragem para eles, oito se tornam tetraplégicos. Então, isso também é uma violência que talvez não tenha sido diagnosticada aqui, até então, pelo que foi apresentado, mas que existe lá.
Há as coisas mais absurdas, que podem ser evitadas, e é nisso que estamos trabalhando. Esse projeto tem o caráter de salvar vidas, justamente por esta vocação de que nós todos temos livre-arbítrio sobre a nossa vida. Nós temos, sim, quando conscientes, o poder de transformar algumas situações que, ali na frente, podem ser bastante trágicas, culminando numa ruptura ou até se ceifando vidas.
Então, a Leme existe desde então e foi criada justamente por pessoas que tiveram essa ruptura na sua vida. Elas a criaram e se uniram. Há oito anos, surgiu, então, a Leme, para ser um braço e uma casa, uma extensão da casa dessas pessoas.
Existem lá várias oficinas de profissionalização, e tenta-se interagir com eles também socialmente, porque muitas dessas pessoas infelizmente, por uma estrutura familiar - a grande maioria não tem recursos financeiros -, são deixadas nas suas casas de maneira até desumanas, pode-se dizer. Então, a Leme é uma oportunidade de as pessoas interagirem com seus semelhantes e de poderem nessa troca terem uma melhora na sua autoestima. É uma luz que se acende nessa caminhada deles, para que possam ter uma nova oportunidade de vida. E, diante dessa ruptura, que num primeiro momento pode parecer drástica e sem volta, ali se abre, sim, uma grande porta para uma nova possibilidade de enfrentar a vida com outros olhos e com uma nova postura. Então, a Leme existe para isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem.
Passamos a palavra, de imediato, agora, depois de ouvir a Drª Ângela Alano, assessora da Lema, que é a Associação dos Lesados Medulares, ao Professor Marsal Branco, Coordenador do Curso de Jogos Digitais da Feevale, Nova Hamburgo, Rio Grande do Sul.
Deixe-me só explicar por que convidei também o Marsal e a Ângela. Estive lá na Feevale, e isso foi logo após aquele caso do Rio de Janeiro, no dia, inclusive
Também o Marsal e a Ângela, eu estive lá na Fevale. E foi logo após aquele caso do Rio de Janeiro; acho que foi no dia, inclusive, 7 de abril. Estava lá um grupo de 50, 60, 70, não importa, jovens que estão fazendo esse estudo.
Naturalmente, é o Marsal quem vai explicar, eu só vou dar a introdução. Eu fiquei impressionado porque, casualmente, uma semana depois, um amigo meu do Rio de Janeiro, pessoa bem sucedida, família tranqüila, a sua filha conhece um namorado por dois meses, ele me contou a história, me ligou e me contou a história de dois meses, e ambos, pela Internet, fizeram um pacto de morte e se mataram. Dois jovens!
O que vi lá nesses jogos, naturalmente você vai aprofundar, é a força que tem a Internet, a força que tem esses jogos. Que eles passem a ser usado como instrumento do bem, da paz, do amor, da solidariedade e ser também um instrumento de combate a todo o tipo de violência. Foi essa a mensagem que os jovens me deixaram lá, e por isso que fiz questão que vocês fizessem parte, hoje, desta audiência pública.
Está com a palavra o Professor Marsal, sei que os jovens estão assistindo lá. Um abraço a todos. Saí de lá empolgado com o trabalho deles, chamei-os de heróis anônimos, que estarão trabalhando em favor do povo brasileiro. Por favor, Dr. Marsal.
O SR. MARSAL BRANCO - Bom dia a todos. Obrigado, Senador.
Na verdade, os meninos ficaram muito contentes com a sua visita, por poderem mostrar o seu trabalho. Realmente, estão lá agora todos, são 150 caras com toda a vontade e gana possíveis que um jovem que esteja motivado possa ter. É bacana estar lá com eles e acompanhá-los nesse momento.
Eu explico um pouco, rapidamente, porque estou aqui para que vocês possam entender de que lugar eu falo e quais são as minhas intenções. Eu sou coordenador de um curso de jogos. Eu participo de uma universidade, da qual tenho muito apreço e que me deu a oportunidade de fazer coisas que eu não poderia fazer em outras universidades.
Eu falo em nome da Fevale, mas, principalmente, em nome de muitos dos nossos brilhantes professores. A gente está juntando em Novo Hamburgo pessoas em quem eu tenho muito orgulho de ser considerado um companheiro.
Eu vou mostrar hoje para vocês um exemplo de um protótipo, um vertical slice, como a gente chama. Nós, os gamers gostamos, adoramos esses tipos de nomes esdrúxulos. Vou mostrar um vertical slice que nada mais é do que um protótipo de um game, um game que usa a natureza dos games , que é uma natureza essencialmente sedutora, para fazer e falar coisas que são interessantes de serem feitas e faladas. É um trabalho desses professores, os Professores Tiago Mendes, Eduardo Müller, João Mossman, que está na base disse, com os seus trabalhos de Mestrado e Doutorado. É um encontro entre as forças da universidade com muita experiência de mercado. E eu falo bem tranqüilo em relação a isso. E convido a todos a conhecerem a nossa universidade, porque vocês devem estar notando, sou muito orgulhoso de participar daquilo que estamos fazendo lá e tenho certeza de que a gente. Eu falo com muita tranqüilidade que a gente tem um dos melhores cursos que o Brasil e a América Latina já viram na formação de recursos humanos para as tecnologias, para preparar o profissional para a indústria criativa, para o século XXI. Então, convido a todos para isso.
Normalmente quando a gente fala em games, a primeira coisa que a gente tem... eu falo muito em tecnologia da linguagem; e quando eu falo em tecnologia, as pessoas normalmente se lembram desse tipo de coisa: tem um chip, tem um rádio sendo transmitindo aqui, um infravermelho, de um software, de um tablet, de um hardware, e eu não estou falando sobre isso. Estou falando em tecnologia de linguagem, o que a linguagem faz. O ser humano criou milhares de maneiras de fazer com que alguma coisa seja falada e entendida. Os games representam - e eu falo com muita convicção - a culminância de uma série de tecnologias que nos permitem falar e ser entendidos, compreendidos de uma maneira ou outra.
O maior problema que nós temos hoje - e falo de dentro de uma universidade, estou com esses meninos todo o tempo - é a gente estar transmitindo os valores, estar transmitindo os conteúdos, transmitindo as coisas que a gente precisa transmitir, porque é da obrigação de uma universidade, e não encontra resposta, não encontra algo que seja da ordem que o cara possa entender, esse pequeno cara que está lá entrando e


E não encontra resposta, não encontra algo que seja da ordem que o cara possa entender. Esse pequeno cara que está lá entrando e que não é incapaz, ele só não fala a língua que as outras gerações falam. Os jogos representam uma nova tentativa humana na linguagem para as novas gerações. Eu tenho convicção de que estamos diante de possivelmente a mais poderosa linguagem de sedução jamais feita até hoje.
Eu estou falando isso por carinho, por amor aos jogos também, mas a gente tem um corpo de professores que pesquisam isso há muitos anos, a gente pesquisa isso há muitos anos e a gente buscou se cercar de pedagogos, psicólogos e todo tipo de profissionais e teóricos para nos amparar no que a gente está dizendo. E eu digo isso com muita convicção. E por que eu falo isso e não mostro o game antes? Porque normalmente quando a gente fala de games, a gente costuma associar o game àquele videogame que a gente já jogou ou nunca jogou mas conhece e às vezes até associa àquele cara que na Coreia ficou seis dias seguidos jogando e acabou tendo um enfarte e morreu. Esse tipo de visibilidade negativa que a gente vê, que é a comum, não é só em relação aos games, mas em relação a várias coisas, é muito ruim para gente porque, na verdade, não espelha a realidade, são exceções - evidentemente as patologias acontecem.
E o que a gente vê em relação ao uso dos games e até mesmo em relação ao seu conteúdo é não um problema tanto de conteúdo mas, sim, um problema de não acompanhamento das famílias sobre que coisas as crianças estão fazendo, estão olhando. O fato de aparecer um soco num videogame - em alguns aparecem -, a gente costuma associar os videogames à violência imediatamente. Quando a gente tem um universo de 60% dos games no mundo são livres, tem a faixa indicativa livre, ou seja, não tem nenhum tido de violência, quando a gente coloca um game violento, é muito fácil a gente atribuir a culpa ao game e não à falta de orientação, à falta de acompanhamento dos pais e da família em todos os seus entornos e possibilidades e ecossistemas, naquelas horas em que o menino está jogando.
O que eu estou dizendo aqui é o seguinte: antes de a gente atacar tanto o conteúdo - e a gente deve falar sobre conteúdo, é evidente...
E a gente estava conversando ontem - e o Moacir Alves acabou de entrar agora - com o pessoal do Ministério da Justiça que está acabando um processo da recomendação de indicação de idade para os games - o que é fundamental, assim como para todos os conteúdos, os games precisam ser usados, como política pública. Por quê? Nós temos, na nossa mão... os games são um canhão, e um canhão apontado para a sedução das pessoas com para as quais a gente está transmitindo a mensagem.
Se a gente colocar um game, uma bolinha picando e uma tela, as pessoas podem se sentir envergonhadas, mas elas vão querer fazer alguma coisa ali, porque existe a possibilidade, existe a potência. E nós colocamos coisas ali dentro - e eu falo como desenvolvedor - que fazem com que dê vontade de fazer aquilo. O que eu estou dizendo que esta é uma mídia que, diferentemente da maior parte das mídias, ela entrega. Ela entrega coisas, entrega possibilidades. É evidente que a nossa função aqui é saber que tipo de coisa a gente está entregando. A gente tem obrigação de fazer isso.
Nós temos um problema histórico quando a gente fala de games. Especialmente a pedagogia entendeu há muitos anos, a partir do trabalho de teóricos importantíssimos, tanto nacionais como internacionais, que os games fazem parte e são uma ferramenta poderosa no aprendizado humano. Agora, isso parte de uma teoria e de muitas, milhares de tentativas de aplicação prática em sala de aula.
O problema é que os games, ao serem colocados em sala de aula, ao serem produzidos em sistema de produção para jogos de educação, normalmente ficam chatos. Ficam chatos porque, quando um professor, como eu, se preocupa em fazer um game, ele está realmente preocupado com o conteúdo porque essa é a essência do seu trabalho. Eu preciso passar, eu preciso transmitir, potencializar o conhecimento, a cognição daquelas pessoas naquele sentido.
Por outro lado, quando um game designer está projetando um jogo, ele está se preocupando com o que vai colocar ali dentro para que aquele negócio fique tão bacana de jogar que
Ele está se preocupando: -O que vou colocar ali dentro, para que aquele jogo fique tão bacana, que o cara simplesmente não queira sair de frente da tela?-.
Então, há dois mundos que não são antagônicos, mas que, historicamente, ficaram antagônicos. Em tese, diz-se que, se aumenta o conteúdo, diminui a diversão e que, se aumenta diversão, diminui o conteúdo, mas, evidentemente, não é preciso que seja assim. E há muitos exemplos de coisas acontecendo assim. Mas há um gap, um buraco muito grande, uma não articulação entre professores, psicólogos e produtores de games.
A Ângela, quando veio nos procurar, fez uma proposta: -Vocês podem imaginar um game que trabalhe na prevenção de acidentes?-. E falei, na mesma hora: -É claro!-. De fato, o que os games fazem é ensinar alguma coisa. A pessoa não sabe jogar, mas começa a aprender e não precisar achar tutorial ou ir à biblioteca. Então, fazemos isso por natureza. É o que a gente faz. Mas temos de ver o que vamos ensinar. A Ângela disse: -E como a gente faria isso?-. Não faço a menor ideia, mas vamos lá! Venha aqui, venha para a universidade, que a gente, logo, vai descobrir. Ali algumas das cabeças mais brilhantes e doentes que conheço, com as quais tenho orgulho de trabalhar, tiveram ideias sensacionais. Vou mostrar para vocês exemplos de games, na sequência.
Basicamente, pensamos o seguinte: a violência é um problema, mas mostrar a violência não é um problema, porque a maneira como a mostramos pode ser libertadora. Então, o fato de existir violência no conteúdo não significa que aquela violência pode levar a uma cognição distorcida da realidade; o que leva a isso é a maneira como a gente usa essa violência.
Vou mostrar - não se preocupem, que não vou ser teórico; vou passar rapidamente por isto e vou falar da maneira mais simples possível - que há dois sistemas, e um deles está preocupado com a diversão entregue. Sem diversão, sem elementos de sedução, não há como fazer com que qualquer pessoa ouça o que estamos dizendo. Não estou falando de games, mas, sim, de qualquer mídia. Minha formação primeira é como comunicador. E há outro sistema, que é o sistema cognitivo. O termo -cognitivo- é problemático; não vou entrar nesse assunto agora. A gente pode discutir isso a qualquer momento, em qualquer lugar; o debate vai ficar aberto.
Como os games vão funcionar? Há três níveis. Vou mostrar isso na prática, quando eu mostrar o jogo. Há o nível do discurso. O que se faz no nível do discurso? Nele, diz-se assim, por exemplo: -O nosso objetivo no jogo, como produtores, LEME e Feevale, é fazer com que o menino perceba que algumas coisas são perigosas na vida cotidiana dele-. E a gente diz isso. É a coisa mais simples. É o que acontece quando o professor entra em sala de aula. É o nível discursivo. O professor diz: -As coisas se passam assim, são desta maneira; ou as coisas não são assim e se passam dessa maneira-. Isso é discursivo, está dito, está escrito, está demonstrado na forma de qualquer linguagem, em vídeo, em animação, o que quer que seja. Quando isso acontece, colocamos um input na cabeça do menino; é o que alguns teóricos chamam de subsunçores. A palavra -subsunçor-, para mim, parece algo ligado à dor nas costas, de tão feia! Em todo caso, são subsunçores, e, quando uma informação, um input é colocado na cabeça de alguém, esses subsunçores ficam lá dentro. Sou de Bagé e não sei se eles ficam deste lado; em Bagé, somos um pouco diferentes. Essa informação fica ali, mas pode ser que, dali a vinte minutos, o cara não se lembre mais dela. Mas se, dali a um dia ou dois anos ou cinco anos, aquele tipo de informação entrar de novo, ele já não estará operando no vazio. Então, o subsunçor é como uma escada que o leva a algum lugar, para construir sua cognição, seu mapa mental. E há alguma coisa ali que ele pode esquecer ou não.
O que a gente faz num game que precisa ensinar coisas? A gente coloca discursos, degraus, que não necessariamente serão os degraus a que a gente quer chegar. Não vamos dizer ao sujeito que ele precisa cuidar da vida cotidiana, porque, se fizéssemos isso, não precisaríamos fazer games, mas o colocaríamos dentro de uma sala de aula. E não é isso que queremos. Já existe gente para fazer isso. Vamos falar outras coisas. Vou dar um exemplo prático: se o personagem do cara beber, ele não pode dirigir. Digo isso no jogo; isso está aparecendo. Como? Apareceu o cara bebendo dentro de um bar, e aí se cortou a cena, e ele apareceu dentro do carro, dirigindo. Ele está, obviamente, bêbado - é o que estou mostrando no jogo; isto é discursivo - e sofre um acidente. Meu discurso é muito direto. Estou dizendo: -Cara, se você fizer isso,...
mostrando é discursivo; estou mostrando no jogo, e ele sofre um acidente. Meu discurso é muito direto; eu estou dizendo: -Cara, se tu fizeres isso, é perigoso-. Então ficou lá; criou um subsunçor. Pode ser que ele esqueça ou não, mas está lá dentro. E eu faço isso ao longo do jogo. E eu vou fazer muitas vezes ao longo do jogo. Aí eu tenho outro nível. Então, estou operando num nível que é o discursivo. Eu tenho outro nível que vai acontecer concomitantemente.
Como acontece? Eu faço um discurso A e um discurso B, por exemplo: se beber, não dirija. Então, um personagem bebeu e dirigiu e teve um acidente. E eu coloquei, em outra parte do jogo, o cara tendo um flashback qualquer... Para quem não joga, os jogos hoje são muito parecidos com filme; convido todos vocês a olharem o que está sendo feito hoje. É impressionante e bacana! Então, já apareceu o cara tendo o acidente e, agora, apareceu também outra missão, outro momento do jogo, e o jogador descobre que, naquele dia, o cara que bebeu demais foi demitido. Eu estou fazendo dois discursos: se beber não dirija, e o outro: no dia em que aconteceu um acidente e que o cara bebeu, ele foi demitido. Eu não estou dizendo que ele bebeu porque foi demitido. Quem vai construir isso é o próprio jogador.
Bem. E quando nós não entregamos a informação, mas fazemos com que o cara construa um caminho cognitivo lá dentro, esse tipo de subsunçor criado é muito mais forte e poderoso. Em nenhum momento, eu disse: é isto. Ele liga as coisas. Então eu estou operando em outro nível.
Nós, gamedesigners, conseguimos fazer isso de uma maneira muito tranqüila. O que não conseguimos fazer? Quero saber, com os profissionais, com os professores, com os pedagogos, o que eu preciso colocar ali que é importante que ele saiba. E nós vamos cuidar de colocar da maneira que seja interessante para que esses subsunçores sejam criados.
Vou falar de um terceiro nível - e aí eu mostro o jogo, eu prometo -: o nível comunicacional.
O nível comunicacional tem, ao longo de um jogo que tem 50 horas, 100 horas, 200 horas - nós temos essas aberrações; eu, particularmente, gosto muito. Nós temos jogos de muitas horas de envolvimento, muitas mesmo, e, ao longo desse jogo, a equipe de produção só tem um objetivo: dizer para o menino, que é o nosso caso, as coisas da vida cotidiana dele, as pequenas ações cotidianas dele, como tomar banho, subir num telhado, brincar ou pegar alguma bebida alcoólica para beber, escondido dos pais, podem, e terão, impactos durante a sua vida. São potencialmente desestruturantes, não só na vida dele como na família dele. É isso que eu quero dizer no nível comunicacional, mas eu não vou dizer. Vou dizer um monte de coisas em nível discursivo, e vou relacionar essas coisas de forma que ele tenha cognições interdiscursivas. O mapa mental dele vai ficando mais abstrato e sofisticado. Isso faz com que ele não esqueça isso. E no objetivo comunicacional, eu operacionalizo todos esses mapas mentais em um sentido só. Por exemplo, que ele consiga se dar conta de que a vida cotidiana dele é tão importante e tão potencialmente rica ou perigosa conforme as coisas que acontecem no seu entorno de família e societário de uma maneira geral.
Por que eu estou mostrando esses dois sistemas? Um é um sistema que seduz e o outro é um sistema de aprendizado. Por quê? Em uma equipe, um processo de desenvolvimento de jogos, é isso que nós estamos propondo hoje na Feevale. O que nós estamos propondo, tanto em teoria, tanto em dissertações e em teses, mas também na prática; nós estamos fazendo isso e testando isso.
Quando a Ângela nos procurou - foi um feliz acaso -, vimos a oportunidade e decidimos colocar isso à prova.
E aí vou falar bem de novo da Feevale, porque a Feevale é um lugar que quer proposições. Nós buscamos problemas para nós podermos trabalhar em cima deles. E é por isso que estamos conseguindo juntar gente que não vai trazer problemas para vocês; vai trazer propostas: -Tu queres trabalhar sobre isso? Há um monte de maneiras de se fazer; tenho certeza disso. Eu estou propondo uma. E se tu não sabes como fazer, o.k. E se nós não soubermos, nós vamos descobrir isso-.
Eu vou mostrar o jogo - vou parar de falar um pouco. Mentira! Meus alunos dizem que, nem atirando em mim, eu paro de falar.
Gente, estamos numa fase de jogo - olhem o orgulho do coordenador. Vou mostrar para vocês o resultado de dois meses de trabalho de meninos que têm 17, 18, 19 anos e que entraram na universidade
Eu vou mostrar para vocês o resultado de dois meses de trabalho de meninos que têm 17, 18, 19 anos, e que entraram na universidade, no máximo, há um ano e meio - pessoal do primeiro, segundo e terceiro semestre.
Eu, que trabalho na indústria de jogos, posso dizer com tranquilidade que o que vocês vão ver agora, está praticamente no nível profissional da indústria de jogos. Só que não é o pessoal do sexto semestre, mas é o pessoal do primeiro, do segundo e do terceiro semestre. E são dois meses de trabalho apenas.
Então vamos lá:
Aqui é um protótipo, é claro. Há apenas algumas missões jogáveis, que a gente colocou aqui, só para vocês poderem ver como isso tudo que eu falei funciona na prática.
O nome do troço é Guardião. E o que é isso? A gente tem que lidar com violência, a gente quer evitar a violência, só que a gente não pode fazer apologia da violência; é justamente o contrário.
Quando tu entras no jogo, tu escolhes um Avatar, que, nesse caso, o aluno de 12 a 16 anos vai escolher entre um Anjo e outro; ele vai ter diversas opções de Anjo, mas a gente colocou um aqui para exemplificar. Mas ele vai ter lá 20 Anjos diferentes, todos customizados. E vejam como os meninos são grandiosos, eles gostam dessas coisas. E os meninos escolhem que tipo de asas, que tipo de armaduras, que tipo de outros objetos de defesa eles vão disponibilizar com a sua cara, com o seu jeito; eles escolhem lá - mas eu só tenho esta opção aqui, porque são só três meses de trabalho -, e aí a gente entra no ambiente do jogo.
Vejam que legal: O jogo está funcionando. Eu tenho lá o meu Anjo, que está numa cidade que estão construindo - tudo isto é trabalho deles. Gente eu não vou parar de falar isto: são pessoas que nunca desenharam, nunca programaram ou fizeram modelagem e, há um ano e meio atrás, eles estão fazendo isto aqui.
Deixem-me eu ir para o sol ali, que vai ficar melhor para vocês verem: ele está voando. Bom, eu vou ficar aqui para vocês verem melhor, e ele vai ficar ali paradinho voando.
Eu vou explicar agora a interface: O que é que acontece? Vocês estão vendo ali em cima aquela cidade, onde acontece um monte de coisas, há um monte de personagens. Agora está vazio, porque isto é um protótipo, um atoy, que a gente chama, para a gente ver como é que funciona a jogabilidade. E o jogador vai ficando por aí, andando e procurando missões. Essas missões são o quê? Alguém lá de cima, onde vocês quiserem, manda dizer: cara, está acontecendo alguma coisa potencialmente perigosa na escola, na rua, no bar, em qualquer lugar; e o menino vai lá e descobre. Ele tem que fazer alguma coisa, solucionar aquilo antes que aquilo aconteça.
É uma ideia brilhante do Professor Tiago Mendes.
Como é que a gente lida com a violência? O legal deste jogo é: quando a violência vai ocorrer, ele tem que ir lá rapidamente, de maneira eficiente, de maneira criativa, e evitar que a violência ocorra. Então a violência está aí, como em qualquer outro jogo, mas o papel dele é justamente impedir que ela aconteça.
Bom, neste caso aqui, vocês estão vendo ali embaixo uma interface. Naquela interface - gente, é a pura linguagem desses meninos - tem números 1 e 2 e uma série de bolinhas de círculos. O que são aquilo? Cada um daqueles círculos representa um poder diferente que esse Anjo vai ter.
No caso aqui, a gente tem dois poderes bem bacana, os dois que eu queria ter, mas não consegui ainda. O Poder 1 é colocar na cabeça das outras pessoas um pensamento positivo; fazer a pessoa repensar sobre o que está fazendo. Então ele vai lá, conversa com a pessoa e consegue passar isso. É o poder do Anjo. Embora a gente não consiga ainda, Senador Paim, mas a gente está tentando isso.
O Poder 2 é um poder físico, ninguém enxerga o Anjo, mas ele pode interferir fisicamente com alguns objetos; tem algum poder para isso.
Ao longo do jogo - e esse é um dos sistemas de sedução mais eficientes - a gente vai entregando para o menino coisas legais. O que um gamer quer? O que o jogador quer? Estou jogando e ganho mais poder. E vocês pensam em poder de qualquer maneira. Ou seja: eu posso voar mais rápido, eu posso voar ou não, eu posso entrar num prédio, eu posso isso, eu posso aquilo. E quanto mais eu vou destravando essas coisas, ganhando coisas, mais grudado na minha narrativa eu fico. Então a gente sempre vai entregando coisas.
Neste caso, agora, eu tenho só dois poderes.
Agora, vou dar uma voadinha aqui para vocês verem que tem um elemento de sedução, que a gente considera muito importante, que chamamos de Exploração. O cara pode explorar. Ele não precisa vir aqui em cima, mas ele quer vir; por quê? Porque ele pode fazer isso. Então a gente deixa ele brincar. E o que a gente faz? A gente, pelo contrário, estimula que ele faça essas coisas para que a gente possa, ao longo do jogo, colocar missões, objetivos e discursos,...







Eles façam essas coisas para que a gente possa, ao longo do jogo, colocar missões, objetivos e discursos que ele vai achar interessante. Porque, no momento em que a gente coloca um discurso que tem uma função dentro do jogo, já cai a primeira barreira dele, que é -tem alguém tentando me ensinar-. É isto que a gente não quer: a gente não quer dizer para ele que está tentando ensiná-lo, porque, para isso, já existe a escola.
Vou mostrar uma prática de jogo. Vocês veem que está meio vazio ainda. Mas são só dois meses, gente. Daqui a oito meses, eu quero mostrar isto aqui de novo para vocês.
Eu cheguei àquele cone de luz ali, e aquele cone de luz é uma informação lá de cima, dizendo: -cara, tem um...-. (Ficou ruim de ler ali, então eu vou resumir rapidamente.) Essa é uma missão; ele ganhou uma missão. Ele acabou de descobrir que, ali na escola, bem pertinho, há um cara que cuida dos meninos que está dormindo, e um dos meninos está sofrendo bullying. Então, ele tem que dar um jeito de acabar com essa situação. (Deixa eu tirar aqui a missão. Vou dar uma voada até lá, porque voar é mais legal que correr, e a gente está falando de games. Está escuro. Se desse para desligar a luz, melhoraria.)
Vocês podem ver esse menino que está aqui, que está sofrendo bullying das outras crianças, e ali está um cara dormindo, que é o cara que deve cuidar deles. Quer dizer, é uma linguagem muito simples. Esse conteúdo não é final, é só para exemplificar como a gente pode trabalhar.
O cara está dormindo, e o que o anjo tem que fazer? Tem que acordá-lo, porque ele não pode interferir diretamente. Ele tem que acordar o cara para que ele possa dar um jeito na situação. Aí os meninos vão descobrir, vão tatear, vão explorar soluções aqui dentro. Há um galho lá em cima, e ele tem, nos dois poderes disponíveis, um poder que mexe coisas físicas. E ele vai usar esse poder. Olha, quando cliquei no galho, o poder ligou, o que significa que ele pode usar. Então, eu vou usar esse poder, e o galho vai cair em cima da cabeça do cara.
Para tornar a coisa ainda mais interessante para o cara, para que o poder funcione, a gente dá para ele um -gamezinho-, que é um jogo da memória. Então, em um tempo determinado, ele tem que descobrir os pares - é um jogo de memória normal. E por que isso? Porque é importante que eu entregue para ele esse tipo de coisa para tornar o jogo muito mais sedutor. Pronto, descobri! Então, caiu o galho, o cara acordou e acabou com a situação.
É claro que isto está em produção; isto vai ser mostrado com muito mais detalhes, vai ter cut sims, imagens gravadas dos meninos saindo, do menino sofrendo bullying. Este é apenas um protótipo. (Vou para outra cena aqui.)
Ele recebe outra missão. Na verdade, gente, ao mesmo tempo, esse tipo de jogo tem dezenas de missões disponíveis ao mesmo tempo. O menino faz o que quiser, ele está livre aqui dentro para brincar à vontade.
Aí eu cheguei a outra missão e, nesse caso aqui, ele quer evitar uma tragédia. Um cara está bêbado e está indo pegar o carro dele. Ele tem que impedir o cara.
Lá está o cara saindo bêbado, com uma garrafa, e vai chegar ao carro. Eu tenho que clicar nele e descobrir como influenciá-lo, usando o poder de influência diretamente no pensamento dele. Só que eu tenho que fazer isso rápido, antes que ele chegue ao carro. Então eu tenho que resolver esse enigma rapidamente, e eu não sei se vou conseguir. Se eu não resolver, o cara vai entrar no carro e, possivelmente, sofrer um acidente. Pronto, consegui, um pouquinho antes. Então, o cara desviou e está indo embora.
O que está acontecendo aqui? O que eu tenho para mostrar com essa lógica?
As missões, o texto, a maneira, tudo que aparece está sendo desenvolvido apenas há dois meses. Isso vai ficar muito mais sofisticado, muito mais rico. Mas, basicamente, o que estamos mostrando aqui é que, ao colocar uma missão, as pessoas que estão produzindo o jogo estão dizendo: -Olha, é importante que ele tenha conhecimento disso aqui-. Esse é o primeiro nível. Ao ligar uma missão a outra, a gente o coloca num segundo nível de cognição e com subsunções mais fortes. E a gente tem o terceiro nível comunicacional que quer dizer: é a isso que esse game se presta; são esses os valores e são essas as decisões que
E a gente tem um terceiro nível comunicacional: é a isso que esse game se presta. São esses os valores, e são essas as decisões que tu tens de ter na tua vida cotidiana.
Agora, vocês podem dizer: -Mas ele vai ter uma exposição a esse game muito forte-. Sim, alguns vão ter mais ou menos exposição, e alguns vão estar mais ou menos predispostos em função da própria criação, do seu próprio meio. O importante é que, mesmo que ele ainda tenha ações que são potencialmente destrutivas, não vai tomar aquela ação, sem antes ter... Lá dentro, por causa do que foi criado, ele vai ter de ter, em algum momento, uma decisão moral e ética envolvida, mesmo que ainda decida fazer a coisa que não deve fazer.
Ele não pode, em nenhum momento, enganar a si mesmo, dizendo: -Olha, eu não sabia- ou -Eu desconhecia-, etc. É isto que viemos mostrar aqui: a possibilidade do uso de jogos efetivamente, dentro das salas de aula, nas políticas públicas, para conseguirmos comunicar-nos com gente que se comunica de uma maneira diferente conosco, que é essa nova geração.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Meu cumprimentos ao Professor Marsal, Coordenador do Jogos Digitais, da Feevale, e também à Drª Ângela, por suas exposições, que mostram que os jogos podem efetivamente contribuir para o combate à violência, se forem bem construídos.
Passo a palavra de imediato à Psicóloga Sandra Barakat, que vai fazer agora seus comentários, para depois irmos paras as nossas considerações finais.
A SRª SANDRA BARAKAT - Obrigada, Senador.
Bom-dia a todos. É uma alegria grande poder estar aqui hoje. E queria particularmente parabenizar a Feevale pelo trabalho, e a Leme. Sou professora universitária aposentada e, em grande parte da minha vida universitária, trabalhei com psicologia do desenvolvimento, assim como fui terapeuta infantil e de adolescentes. Sou terapeuta familiar e de adultos hoje.
Sempre tive uma grande preocupação com a questão dos games, exatamente por eles não mostrarem a consequência dos atos. Tive um colega, professor no CEUB, que dizia que o grande problema é que os meninos faziam, faziam, faziam, deletavam, e nada acontecia. Podiam começar novamente, sem que houvesse nenhuma punição, nenhuma consequência pelos atos que estavam vivendo. E é muito bonito vê-los desenvolvendo esse trabalho hoje.
O que eu queria comentar sobre a violência, sobre a questão da violência, é um estudo de um psicanalista inglês, Donald Winnicott - pediatra e psicanalista inglês -, que tem um conceito que trabalhei na minha tese de doutorado. Ele fala que a violência é um sintoma da desesperança; que se transgride de uma forma violenta, quando se perde a esperança de encontrar o afeto, o amor, o limite, as conseqüências. Seriam essas as grandes causas, embora tenhamos de pensar que existem múltiplas causas, como já foi falado. Às vezes, ser o último é fácil, porque as coisas já foram muito ditas.
Quero lembrar, exemplificar. Trata-se de um exemplo que foi dado aqui, que foi a questão do Sandro, do ônibus 174, como ficou conhecido.
Quem assistiu à cena no dia ou quem viu o documentário percebe que o filme tem um dado muito interessante. Ele, em momento algum, esconde-se; em momento algum, fecha as cortinas. Ao contrário, ele está visível todo o tempo; o tempo inteiro, ele busca que lhe digam: -Você existe, pode ser respeitado, pode manter a esperança de encontrar o que busca-.
Aquele rapaz foi um sobrevivente da famosa chacina da Candelária e acabou sendo chacinado, a gente viu.
Então, é importante pensar na violência como um pedido de visibilidade social. O documentário feito pelo MV Bill, que ficou muito famoso, -Falcão - Meninos do Tráfico-, tem duas cenas que me marcam muito - duas cenas de transgressão, sem dúvida. Mas, em uma delas, um garoto está em cima de uma moto, com uma arma, com um fuzil na mão, e diz: -Olha, aqui no morro, as meninas só olham
Sem dúvida. Mas, em uma delas, um garoto está em cima de uma moto com uma arma, com um fuzil na mão e ele diz: -Olha, aqui no morro, as mina só olha prá nós se nós tiver uma motinha e uma arma-. E ele sorri.
Uma outra cena é um garoto mais ou menos da idade dele, que foi assassinado pouco tempo depois daquele documentário, e a minha sensação é de que ele está dentro de um buraco. E ele é entrevistado; perguntam a ele: -E se você morrer?-. Ele diz: -Se eu morrer, vem outro igual, vem outro pior, vem outro melhor. Não faz a menor diferença.- O garoto da moto, ele tem esperança, embora ele esteja transgredindo, ele está dirigindo sem ter a idade, ele está usando uma arma e ele é um falcão do tráfico. Mas naquele menino a gente pode ainda acreditar ser possível um resgate. O outro não, como a realidade mostrou, ele foi assassinado pouco tempo depois.
Então, esse pedido de visibilidade social, um pedido de limite. E quando a gente fala de limite, nós não estamos falando de repressão, nós não estamos falando necessariamente de punição, mas de afeto.
Na minha tese eu pesquisei juízes e promotores ligados à Vara da Infância, se eles se viam exercendo a função paterna. Eu criei a figura do pai jurídico. E uma promotora, à época, da Promotoria da Infância, me contou a seguinte cena: um garoto, mais ou menos de uns treze, catorze anos, chegou à presença dela algemado e perguntou a ela: -Doutora, a senhora vai me mandar para o Cage?-. O Cage é o nosso centro de internação, que à época só existia ele, e hoje todo mundo sabe que é o pior centro de internação de Brasília, de adolescente. E ela disse a ele: -Vou. Diante do que você fez, eu vou te mandar para o Cage. E ele disse: Muito obrigado, doutora.-
O que faz um jovem, um menino de catorze anos, agradecer porque ele vai ser preso? Porque é uma prisão, não resta dúvida. Eu só conseguia entender, ao conversar com ela à época, como alguém que ouviu o que eu pedia, alguém me deu limite, alguém vai me salvar, como gesto de amor àquela prisão. Porque a gente vê claramente. Falou-se aqui da questão da impunidade. A impunidade realmente favorece a violência, mas ela também é um pedido de limite.
Nós podemos pensar em dois tipos de transgressão. E o Kopittke mostra isso muito bem. Nós podemos pensar em uma transgressão que ele chamou de positiva - e o adolescente faz isso demais. O pai diz: Olha, tantas horas esteja em casa. Ele chega embaixo do bloco dez minutos mais cedo, entra dez minutos mais tarde, dá um jeito de fazer barulho, prá ver se realmente se os pais estão atentos a ele, se realmente ele tem que cumprir aquela missão que lhe foi dada. Isso é uma transgressão positiva, porque isso é criativo. Claro, se os pais estão ali para dizer: Cara, está atrasado, não é? Da próxima vez vamos negociar isso daí.
Mas tem a transgressão negativa, que é a violência. Que aí é que eu digo que essa é a desesperança, essa é a perda da motivação para a vida. E nós vivemos hoje em uma sociedade que banaliza a vida. Isso foi falado muito aqui. O poder da vida, o direito da vida, essa possibilidade de criatividade tem sido muito banalizada na nossa sociedade.
Falou-se aqui muito de homicídio, e já foi dito que o homicídio é a primeira causa de morte de adolescente no Brasil. O Distrito Federal tem essa mesma estatística. As três primeiras causas de morte de adolescente no Brasil são violentas. São: homicídio, suicídio e trânsito. Depois, vêm as doenças. Ora, gente, o suicídio é uma grande falta de esperança. Ninguém suicida à toa. A gente sabe que grande parte das tentativas de suicídio não são levadas a efeito porque, de alguma forma, o suicida dá um jeito de avisar o que está fazendo e consegue ser salvo
porque, de alguma forma, o suicida dá um jeito de avisar o que ele está fazendo; e ele consegue ser salvo.
Mas nós temos um índice altíssimo na adolescência de mortes por suicídio e nos acidentes de trânsito, que mostram também muito dessa questão da banalização da vida, da falta de limite e da desesperança.
Agora, tem uma outra violência, sobre a qual eu queria falar rapidamente, que eu chamo de violência emocional. O Senador Paulo Paim participou, como relator, do projeto de lei da alienação parental, que a gente tem vivido muito hoje no Brasil e no mundo, que é uma tentativa de um dos genitores ou de um dos avós, ou um dos parentes, de desqualificar o outro genitor. Ora, isso é dizer a uma criança, a um adolescente, que o pai, ou a mãe, ou os dois não são pessoas legais, não existem, não podem ser amadas, não podem ser respeitados. Isso é uma grande violência, que eu coloco aqui porque nós precisamos chamar a atenção do Poder Judiciário, dos promotores, da polícia.
Há três ou quatro semanas, eu participava de um debate na OAB, com o desembargador Camanho, e ele dizia: -A lei Maria da Penha, que é uma lei maravilhosa, tem sido usada hoje como fonte de produzir alienação parental.- Porque a mulher vai a DEAM e diz que está sendo ameaçada; obviamente abre-se um boletim de ocorrência e aquele pai é afastado. Nós vivemos isso com coisas graves, falsas acusações de abuso sexual, implantação de falsas memórias nas crianças e adolescentes. Isso é violência também.
Nós precisamos tirar esse conceito de que violência é homicídio, é a surra; a violência é também quando eu desqualifico o outro diante de quem quer que seja. E quando é um genitor fazendo isso com uma criança ou um adolescente, essa violência é muito grande.
Então, nós precisamos, sim, da prevenção, como foi falado. Mas vou concluir e vou ser rápida, já falei muito, dizendo da questão que foi colocada da diminuição da maioridade penal. É mexer na ponta do iceberg. Diminui para 16, para 14, para 12, e nós vamos continuar falando a mesma coisa. Ou se aplica o ECA e se dá condição de aplicação do ECA na sua integridade, porque ele é uma lei maravilhosa, ou nós vamos continuar dizendo que o adolescente ou a criança, daqui a pouco, são os responsáveis pela violência no Brasil. Quando a gente sabe que eles são as grandes vítimas. Morrem muito mais adolescentes do que existem adolescentes praticando violência.
Então, nós precisamos - e aí, Senador, eu sei que V. Exª é muito caro a isso - trabalhar muito na prevenção e trabalhar muito na leitura que se faz da violência, principalmente na violência adolescente. Atividades como as que vocês estão fazendo são atividades importantes de prevenção. A gente precisa dizer a eles que há consequências: -Se você brincar, olha o que vai acontecer. Você vai ser um lesionado, você vai para a cadeia, você vai ter que cumprir alguma coisa.-
Mas a gente, acima de tudo, precisa fazer deste Brasil um país preventivo. E aí educação, saúde, emprego, condições a essa família - que é tão acusada; tudo que acontece com o adolescente é culpa da família. A família é tão vítima quanto, porque ela está descuidado pelo Poder. A gente vê, há muito poucos anos, que volta-se a dar, ou a tentar dar qualidade de vida, condição de vida à nossa população. Porque, aí sim, ela pode educar com amor, com respeito e com limite.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Cumprimento a Drª Sandra Baccará, psicóloga que faz um resumo do que foi essa última mesa e aponta caminhos para essa questão da alienação parental, projeto de que fui relator, e li muito sobre o assunto,
...essa questão da alienação parental, de que tive, de fato, a relatoria. Li muito. Vi inúmeros exemplos. V. Exª tem toda a razão, pela forma com que traz esse tema ao debate. Ao mesmo tempo, aponta caminhos, dizendo da importância dos games, de forma propositiva, afirmativa, mostrando as consequências para a nossa juventude.
Com alegria, registro a presença do Senador Ataídes Oliveira, que sempre esteve conosco e que está prestigiando este nosso evento, esta audiência de hoje, cujo tema é -Debater o mapa da violência - soluções e desafios-. Vamos para as nossas considerações finais, mas o Senador pode usar da palavra a qualquer momento que entender adequado. Se quiser, poderá falar neste momento, mas poderá falar depois se, primeiro, quiser ouvir as considerações finais. V. Exª escolhe o momento de falar.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (Bloco/PSDB - TO) - Já que me permite...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem! V. Exª falará agora, então.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (Bloco/PSDB - TO) - Primeiro, quero saúda-lo, nosso Presidente, por esta audiência. O requerimento para debater este assunto de tamanha relevância é de sua autoria. Lamento ter chegado aqui atrasado, mas isso aconteceu por força maior. Eu queria ter tido a oportunidade de ouvir cada convidado.
Esse assunto da violência no meio do jovem e do adolescente é gravíssimo em nosso País. E, quando falamos do jovem e do adolescente, falamos do nosso presente e do nosso futuro. Então, todos nós temos de nos preocupar muito com esse assunto.
Quero, novamente, dar-lhe os parabéns! Peço desculpas a todos os palestrantes pela minha ausência.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - A Presidência agradece ao Senador Ataídes.
O Alberto, que aqui representou o Ministério da Justiça, teve de se retirar e me deixou o seguinte ofício, eu diria, o seguinte recado neste cartão: -Paim, infelizmente, tenho de me ausentar. Tenho uma reunião na Presidência da República, exatamente para tratar sobre o Pacto Nacional da Redução dos Homicídios-.
Vamos para as considerações finais!
Passo a palavra ao Dr. Arthur Trindade Maranhão Costa, sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência da UnB.
Concederei cinco minutos a cada um, para as considerações finais.
O SR. ARTHUR TRINDADE MARANHÃO COSTA - Esse anúncio que o colega Alberto fez é, de fato, importante. O atual Governo, pela primeira vez na história recente do Brasil, decidiu, de fato, promover uma política específica sobre homicídios, o que é uma novidade. A expectativa é a de que esse Pacto consiga algum resultado concreto, consiga sair do papel. Mas já existe em alguns lugares uma preocupação centrada na redução de homicídios. Estou dizendo isso, porque, a despeito das excelentes intenções e da grande preocupação com que a sociedade brasileira trata a questão das mortes e dos homicídios de adolescentes, que é o principal problema, normalmente, a redução desses homicídios é pensada como consequência de uma série de outras ações que não estão apenas focadas na questão dos homicídios. Fala-se muito na questão da melhoria dos índices socioeconômicos, da educação. Certamente, isso contribui; não há dúvida quanto a isso.
Há exemplos concretos. Eu trouxe aqui quatro exemplos do Brasil, e há exemplos de outros lugares, de outros países e de outras cidades.
aqui no Brasil, e temos de outros lugares, outros países e outras cidades. Nas cidades onde se firmou algum tipo de política de redução de homicídios diretamente, isso tem dado certo. E essa é a grande novidade do momento.
A atual secretária de segurança pública, Drª Regina Miki, está ali, nessa secretaria nacional, exatamente em função da sua trajetória, uma trajetória muito bem-sucedida nesse sentido. Ela foi a secretária do fórum municipal de segurança e defesa social de Diadema, um dos grandes exemplos brasileiros de redução de homicídios. Ou seja, é possível, mas precisamos focar nisso, senão perderemos mais tempo do que já perdemos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - A Presidência cumprimenta o sociólogo Arthur Trindade Maranhão Costa, que fez uma bela exposição, fez um raio X do Brasil, mostrou os quatro Estados - tomei nota aqui e, naturalmente, ficou tudo gravado - onde o combate à violência mais avançou e apontou caminhos, inclusive, para que a violência diminua, investindo principalmente nas cidades, pelo que percebi na essência.
Passo a palavra, neste momento, ao Marsal Branco, professor, coordenador do Curso de Jogos Digitais da Feevale, que aponta caminhos, principalmente, à nossa juventude no combate à violência.
Seus cinco minutos para as considerações finais.
O SR. MARSAL BRANCO - Falei muito sobre terminologia de linguagem, capacidade de cognição dada pelos games. Gostaria de finalizar dizendo que, quando fazemos uma proposta dessa maneira, dizendo que os games podem ser inseridos em sala de aula, podem ser usados da maneira como quisermos, pois se trata de uma linguagem e ele vai dizer o que nós quisermos que ele diga, em nenhum momento, tenho a ilusão ou estou colocando em questão a importância da resolução do sistema educacional como ele é feito hoje.
Eu não estou dizendo aqui - falo isso porque é bastante recorrente essa leitura do meu discurso - que a sala de aula precisa se resolver, e também não estou dizendo que ela vai ser resolvida colocando games lá dentro. Estou dizendo que os games são hoje a mídia mais poderosa para os novos brasileiros. Esse é um dado mundial, e hoje nós temos mais gente jogando videogame neste momento do que, há 25 anos, havia gente assistindo TV.
Então, se nós queremos dominar a linguagem - nós, quem? O governo brasileiro, a sociedade como um todo -, se queremos nos comunicar com os novos jovens, nós temos que dominar essa tecnologia. E eu falo tecnologia de linguagem, não falo de software ou de fabricação de iPhone; não é nada disso.
Mas como fazemos para colocar lá dentro o que nós precisamos colocar? Especialmente quando nós resgatamos, dentro das políticas públicas, o uso de jogos. E falo isso de maneira muito tranqüila, porque hoje isso pode não estar acontecendo, mas eu não tenho dúvida nenhuma de que irá acontecer. É impossível que isso não aconteça, dada a movimentação e a força da indústria de jogos na nossa sociedade.
Nós temos que criar mecanismos junto com a indústria, junto com esse poder de sedução todo que vem dessa cadeia produtiva, dessa expertise humana, que está chegando e falando para jovens que não querem mais ler o que está sendo oferecido para eles. E eu não estou aqui, em nenhum momento, desconsiderando a literatura. Venho de uma família que ama a literatura, e eu amo a literatura acima de tudo; ela é possivelmente a mídia de que eu mais gosto. Mas, hoje, eu não tenho como convencer - e digo como professor - um menino que está no primeiro semestre de graduação a ler um livro de 250 páginas. Isso é grave, é o fim do mundo? Não, não acho que seja. É importante que ele faça isso? Sim, é importante. Agora, nós não temos obrigação de buscar outras maneiras para conseguirmos comunicar o que essas 250 páginas comunicam? Sim, nós temos.
Não estou dizendo para queimarmos os livros ou fecharmos as bibliotecas. Estou dizendo que precisamos dominar tecnologias de linguagem, das quais os livros são apenas uma pequena ponta, e nem tão nova assim. Os games, gente, não são o futuro; eles são o presente
...dos quais os livros são só uma pequena ponta, e nem é tão nova assim.
Os games não são o futuro, mas o presente desses meninos. Talvez, para alguns de nós, esse mundo não vai entrar na jogada. É mentira para mim; no meu caso isso não é verdade. Mas, para alguns de nós, isso não é uma realidade - mas isso é só para alguns de nós. Porque, hoje, o mundo dos games está muito mais propício, muito mais apto para falar aos jovens do que qualquer coisa na indústria do entretenimento e no sistema de educação que a gente possa imaginar.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem! O Professor Marsal Branco falou da importância dos games como instrumento de paz, de solidariedade e, como eu dizia na abertura, de prevenção inclusive, de combate à violência, de amor; enfim, de políticas de respeito e de igualdade.
Passamos, agora, a palavra à Professora Ângela Alano, que é Assessora da Diretoria da Associação dos Lesados Medulares do Rio Grande do Sul - LEME.
A SRª ÂNGELA ALANO - Bem, depois de uma manhã com muito envolvimento e, acima de tudo, com muitos dados, que só vêm fortalecer o que a gente aqui trouxe - a Universidade Feevale e a LEME -, que é um caminho para se buscar uma solução, na verdade, eu quero falar como cidadã.
Nós temos muita informação. E tivemos, também, a oportunidade de ouvir muitos discursos. Bom, nós temos a grandeza de ter um país como este, de ter uma miscigenação perfeita de nosso povo, mas, acima de tudo, nós temos também que lidar com as dificuldades. E quando temos a oportunidade de vir a esta Casa para tratar mais à miúdo uma questão tão importante como esta, a violência, eu só entendo que há uma solução: não é só falar, é arregaçar as mangas e fazer alguma coisa. Porque falar todos nós temos a capacidade e o conhecimento; se não temos ele a gente vai buscar. Agora, o que nos difere nesse contexto real são exatamente as ações.
Numa parceria que firmamos entre ciência e tecnologia, mas, acima de tudo, buscando o respeito humano, sabendo que a gente tem a condição, sim, de fazer um trabalho que faça a diferença dentro do coração das pessoas... porque a gente não consegue fazer nada de fora para dentro. Nós temos que entrar dentro das pessoas, digamos assim, e, aí, é uma questão de posicionamento; é uma questão absoluta de envolvimento dessas pessoas de comprometimento consigo mesmo, de saber que a sacralidade de sua vida é real e é importante e é o que temos.
Então, nada mais importante do que trabalhar preventivamente. Paliativamente, a União gasta - e aí considero gasto, porque já aconteceu. E, infelizmente, os gastos são enormes. Mas o que estamos propondo e aqui trazendo é o investimento numa via que é pró-ativa, é fazer a prevenção. E trazer junto conosco pessoas que estejam aptas a serem parceiras desse projeto, e fazer um único e grande lema, até dito pelo game, que é: -Fale-me e eu esqueço; mostre-me e eu me lembro; envolva-me e eu entendo-.
É a única forma. Enquanto a gente só ficar falando, eu não acredito muito em resultados; eu acredito, sim, quando a gente conseguir envolver e trazer as pessoas para junto deste trabalho e, acima de tudo, desta causa que é salvar vidas.
E, mais uma vez, obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem, Professora Ângela Alano. Meus cumprimentos pelo trabalho que faz em defesa e na recuperação, dentro do possível, dos lesados medulares. Mas que está aqui numa política de prevenção, para que não aconteça...







e na recuperação, dentro do possível, dos lesados medulares, mas que está aqui numa política de prevenção, para que não aconteça. Confesso que concordo plenamente com V. Sª, com a visão de todos que falaram aqui nesta Mesa, que a questão vem de dentro. Se não trabalhamos com a alma, com o coração, com a mente, o corpo não age na linha que todos nós gostaríamos. Por isso, meus cumprimentos. Eu sou daqueles que acreditam muito na alma. A alma, para mim, é que conduz os nossos passos, a ação de cada um de nós. E a forma que todos colocaram aqui foi exatamente esta, na defesa da vida.
Para continuar os nossos trabalhos, passo a palavra à psicóloga Sandra Baccara, para fazer suas considerações finais, durante cinco minutos.
A SRª SANDRA BACCARA - Eu só queria, mais uma vez, agradecer e parabenizá-lo, Senador, por esta oportunidade.
Eu estava aqui me lembrando, nessa questão da visibilidade social, de uma fala que eu li numa ocasião, quando eu estudava para o doutorado, de um menino de um movimento de meninos e meninas de rua do Rio Grande do Norte. O livro é escrito por uma cientista social. Ela relata que eles tinham um pacto de evitar assaltar, e um dia ele chegou e disse para ela: -Olha, nós assaltamos-. E ela perguntou: -O que aconteceu?- Ele disse: -Olha, nós estávamos passando na rua e lá tinha uma mulher. Nós não íamos assaltar ela, não. Mas ela olhou para nós com uma cara... O olhar dela para nós... Nós atravessamos a rua e falamos: `Olha, nós vamos assaltar a senhora porque a senhora olhou para nós desse jeito--.
Esse olhar que nós temos para o outro, que é o olhar do desprezo, o olhar do desrespeito, é o olhar que tem que ser trocado. Se nós olharmos com amor, se nós olharmos com respeito, com dignidade, eu tenho certeza de que essa construção pode acontecer. Eu tenho certeza de que, dessa forma, nós conseguiríamos estar mais próximos das nossas crianças, dos nossos adolescentes, dos nossos adultos, podendo dizer a eles: vale a pena viver. Nós temos essa esperança e vamos manter essa esperança.
Obrigada, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem.
Drª Sandra, gostei muito de ouvir essa sua palavra sobre o olhar. O olhar acaba sendo fundamental para a ação do exemplo que a senhora aqui contou. O olhar respeitoso, o olhar carinhoso, o olhar com amor, o olhar da solidariedade, o olhar da igualdade, o olhar que combate os preconceitos.
Meus cumprimentos, doutora.
Agora, nossa última painelista a fazer sua exposição é a Drª Rosa Maria Gross de Almeida, Coordenadora Geral de Direitos Humanos e Segurança Pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
A SRª ROSA MARIA GROSS DE ALMEIDA - Senhores, em primeiro lugar, gostaria de, mais uma vez, reforçar que a garantia do direito à vida é a mais importante política de direitos humanos.
Mas eu quero finalizar a minha fala num contraponto do que eu comecei hoje pela manhã, Senador. Porque a garantia da vida acontece de uma forma muito bonita, especialmente quando estamos diante de grupos de policiais que estão dispostos a fazer a defesa de defensores de direitos humanos ameaçados. E nós tivemos, na secretaria, há duas semanas, uma formação de 80 policiais da Força Nacional, que foram preparados para isto: proteger defensores de direitos humanos ameaçados. Então, vejam que mudança de paradigma isso representa.
Nós já tínhamos 30 policiais formados com essa finalidade, que já atuam por este Brasil afora e, duas semanas atrás, mais duas turmas, agora, com 80 policiais. E nós ficamos refletindo muito sobre essa mudança de paradigma agora, ouvindo todos esses relatos aqui, toda essa riqueza apresentada
e toda essa riqueza que foi apresentada, e fiquei pensando na importância de retomar a partir daquilo que começamos vendo aqui de manhã, com muita indignação, e justamente pelo apreço que temos pelo trabalho da segurança pública é que a gente fica tão indignada quando vê esses profissionais da importância que têm. Vocês se dão conta, não existe uma sociedade organizada que possa prescindir do poder de polícia. Então, como a gente pode usar esses profissionais de uma maneira tão antagônica àquilo para que eles devam atuar na sociedade.
Quero dizer a vocês que a Secretaria de Direitos Humanos, em se ocupando com a vida, tem uma necessidade muito grande da parceria com a sociedade civil. Por exemplo, o PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte) é uma política que não quer incidir diretamente com relação ao tema da violência, mas quer fazer a parceria com as escolas, com a própria segurança pública e com a sociedade civil de uma maneira geral para contribuir nesse processo. Da mesma forma quando se protege os defensores de direitos humanos ameaçados, as vítimas e testemunhas ameaçadas, a população LGBT. Ou seja, nós temos uma política que, antes de qualquer coisa, é de articulação, com a sociedade como um todo e com as diversas instituições.
Agora, quero dizer a vocês que foi muito bom ter estado aqui durante toda esta manhã, foi muito bom ver essa ocupação com esses temos, foi muito bom poder pensar junto com esse grupo que é tão qualificado esse tema da violência, para que a gente possa encontrar maneiras que sejam eficazes, sejam efetivas, de proteger a nossa população de maneira geral, mais as crianças e os adolescentes em particular.
Muitas vezes, não temos dado um bom exemplo de adultos adequados às nossas crianças e aos nossos jovens. Fugimos dos nossos incômodos muitas vezes bebendo, tomando comprimidos calmantes e, com isso, passamos mensagens de dizer: -Fuja daquilo que lhe está incomodando-. Aí quando o jovem chega à adolescência, com os incômodos normais da idade, quando resolve encontrar os próprios métodos de fugir a gente fala: -Tem que penalizar-. A adolescência é um período difícil, e a gente precisa olhar para os adultos à nossa voltar e dizer: -Bom, isso passa e uma hora a gente chega a um espaço de maior tranquilidade-. Só que se a gente olha para os adultos à nossa volta e às vezes vê os chamados -adultescentes- e em outras vezes vê adultos que não sabem lidar com essas coisas, que têm uma mentalidade e uma atuação de escapismo diante daquilo que lhe incomoda, adultos que são violentos, adultos que não resolvem os seus problemas, a gente olha e fala: -Acho que isso aqui nunca vai passar; então vou ter que encontrar uma forma de lidar com isso agora-.
Agradeço-lhe muito, Senador, agradeço muito a cada um e a cada uma. E assim como vocês colocam que na escola temos que encontrar alternativas se o nosso jovem não quer saber de ler um livro, então é nossa obrigação, nós somos responsáveis; assim nós somos responsáveis nas diferentes áreas em que esses adolescentes estão passando por uma fase que é absolutamente natural e esperada de vida.
Muito obrigada, e muito obrigada a cada um e a cada uma.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem, Drª Rosa Maria Gross de Almeida, Coordenadora Geral de Direitos Humanos e Segurança Pública, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que fechou, digamos, com muita qualidade a nossa reunião desta manhã.
Não sei se o Senador Ataídes deseja fazer alguma consideração. Se quiser fazer, seria para nós muito prazeroso, como diz meu amigo Olívio Dutra lá no Estado.
O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (Bloco/PSDB - TO) - Não, muito obrigado. Estou satisfeito.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Então, senhores e senhoras, eu queria só agradecer a todos pela presença. Com certeza quem ganha com uma audiência como esta, que debate a questão da violência no nosso País, soluções e desafios, ganha o Brasil, ganha a Comissão. Aqui foram apontados caminhos. Tudo aqui ficou gravado. Vou remeter uma cópia para todos
Da violência em nosso País, soluções e desafios, ganha o Brasil, ganha a Comissão. Acho que aqui foram apontados caminhos. Tudo aqui ficou gravado, vou remeter uma cópia para todos os Senadores o debate que aqui aconteceu e a TV Senado passou para o Brasil todo. Acho que todos contribuíram.
Então, não poderia deixar de agradecer a todos. E com certeza, a partir desta audiência pública, nós vamos percorrer outros caminhos para que a violência diminua em nosso País.
Qualquer pesquisa que a gente faço - e eu me lembro que nas campanhas eleitorais, em todos os Estados, e também em âmbito nacional - os três pontos davam saúde, violência e educação. Se não me engano, nessa ordem, inclusive: primeiro a saúde, a maior preocupação do brasileiro; segundo a violência; e o terceiro a educação. Entre dez itens, esses três se destacaram sempre. E nós começamos aqui, infelizmente, com o caso do Espírito Santo, da agressão que houve àqueles populares que estavam lutando pelo direito à moradia.
Eu, por uma questão de justiça, aqui vou encerrar, eu disse que no Rio Grande do Sul eu participei de uma atividade semelhante a essa, claro que do lado dos populares há 25 anos. Repito aqui: nem a metade do que vi aqui hoje eu vi lá naquela época. E o governador do Estado - por uma questão de justiça, estou aqui lembrando, não que ele ou alguém tenha me ligado ou falado -, era o Senador Pedro Simon. Eram seis mil residências, e eu estava liderando um movimento, recém-eleito Deputado Federal, estava no início do meu mandato, eu fui para lá na noite da ocupação e resolvemos a situação, mas com muito diálogo, com muito entendimento. E não houve nenhum espancamento, não houve cavalaria, não houve cachorro, não houve bomba de gás, não houve helicóptero. Me lembro que o prefeito da cidade era o Jacomazzi, prefeito já falecido, que também participou da discussão, da negociação. A gente lamenta o que aconteceu. Mas, enfim, o poeta espanhol já disse: -O caminho a gente faz caminhando.-. E caminhando a gente faz uma sociedade melhor para todos, com mais saúde, com mais educação e com menos violência. (Palmas.)
Está encerrada a presente audiência pública.
(Levanta-se a reunião às 12 horas e 36 minutos.)